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terça-feira, 30 de junho de 2015

José Benlliure y Gil

La Barca de Caronte, José Benlliure y Gil, óleo sobre tela,103 x 176 cm, 1919
José Benlliure y Gil
Um dos pintores espanhois que conheci nesta minha última viagem à Espanha foi José Benlliure y Gil. Faz parte da coleção do Museu do Prado seu quadro “El descanso en la marcha”, pintado em 1876. Anotei seu nome e fui pesquisar sobre sua obra e história. Não temos muita coisa sobre sua biografia, mas é um pintor da geração espanhola do século XIX que vale a pena conhecer. Em especial pela pintura impressionante que está no topo deste post, "La barca de Caronte".

José Benlliure y Gil nasceu no pequeno povoado de Canyamelar, situado à beira mar, no município de Valencia, onde também nasceu Joaquín Sorolla, grande pintor espanhol. Ele nasceu no dia 30 de setembro de 1855, numa casa pertencente à família Beltrán, onde seus avós trabalhavam como caseiros. 

Filho de Juan Antonio Benlliure Tomás e Angela Gil Campos, ainda muito pequeno seus pais mudaram-se para uma rua baixa da cidade de Valencia, no bairro de Carmen, bairro de ruas e casas simples, onde José viveu sua infância. Sua família vinha de longa tradição artística. Seu irmão, Mariano Benlliure, se tornou um escultor de muito sucesso; seu outro irmão, Juan Antonio, aprendeu a pintar com José e também se tornou pintor.

Após seus primeiros anos de estudo escolar, foi matriculado na Escola de Belas Artes de Valencia, aos 14 anos, e passou a frequentar o círculo dos pintores que se reuniam em volta do ateliê de Francisco Domingo Marqués (1842-1920), de quem José Benlliure foi aluno.

"El tío José de Villar del Arzobispo",
1919, óleo sobre tela, 79 x 66 cm
Com 16 anos de idade apenas pintou os retratos dos filhos do rei Amadeo I de Saboya. Logo em seguida, com 17 anos, foi para Paris com um bolsa de estudos que ganhou da prefeitura de Valencia. Em 1876, com 21 anos de idade, ganhou uma medalha na Exposição Nacional de Artes com a obra “El descanso en la marcha” (ver abaixo). No mesmo ano, termina seus estudos na Escola de Belas Artes de Valencia.

Casou-se em 1880 com María Ortiz Fullana e muda-se para a cidade de Roma, na Itália, onde nasceram seus quatro filhos. Mais tarde, muda-se para a cidade de Assis, no norte da Itália. Em 1888 viaja pelo norte da África, passando por Argélia e Marrocos, onde se deixou influenciar pela cultura exótica e orientalista, o que era moda naquela época. Diversos outros artistas também tiveram esta influência, como Eugène Delacroix e Paul Gauguin, entre outros.

Em 1904 foi nomeado diretor da Academia de Belas Artes de Espanha em Roma, cargo que deixa em 1912 para se mudar definitivamente para sua terra, Valencia.

"El tío Maties", óleo sobre tela,
34 x 43 cm, 1900
Em 1919 foi nomeado presidente honorário do Círculo de Belas Artes e da Juventude Artística Valenciana, assim como “delegado regio” de Belas Artes daquela cidade. Em 1922, tornou-se diretor do Museu de Belas Artes e, de 1930 em diante, passou a ser o diretor da Real Academia de Belas Artes. 

José Benlliure y Gil foi bastante reconhecido em vida e muito respeitado em sua cidade, que lhe deu, em 1924, o título de “hijo predileto”. Ele também foi membro da prestigiada Academia Real de Belas Artes San Fernando de Madrid, onde estudaram grandes pintores espanhois.

José Benlliure y Gil faleceu no dia 5 de abril de 1937, deixando uma obra em que retratou os costumes do povo valenciano, assim como quadros com temas religiosos e retratos de eclesiásticos e burgueses. 

Benlliure tinha um estilo muito próprio e dava o mesmo tratamento a temas os mais simples e os mais grandiosos.

Graças a seu trabalho de documentar em pintura a vida dos valencianos, hoje é possível ver como era a vida naqueles tempos em sua região. Em suas telas aparecem personagens locais como “Tio Andreu de Rocafort” e o “Tio José de Villar del Arzobispo”, além de outros quadros.


El descanso en la marcha, 1876, óleo sobre tela, 118 x 168 cm
Autorretrato, José Benlliure y Gil
El tio Andreu de Rocafort, 99 x 68 cm, óleo sobre tela
Sacerdote revestido, óleo sobre tela, 85 x 63 cm
Na missa, 96 x 146 cm, óleo sobre tela
Retrato de Maria Ortiz em hábito de Monja, guache sobre cartão, 1887, 32 x 30 cm

domingo, 27 de julho de 2014

À maneira de Degas - II

Continuando a falar sobre o livro "Degas dança desenho", de Paul Valéry, o poeta continua mostrando como era o pintor Degas, aplicado, sério, completamente dedicado ao seu ofício:

“No Louvre, um dia, eu percorria com Degas a Grande Galeria. Paramos em frente a uma importante tela de Rousseau que representa magnificamente uma alameda de carvalhos enormes.

Depois de um tempo de admiração, observei com que consciência e paciência o pintor, sem perder nada do grande efeito da massa de folhagem, executara o detalhe infinito ou produzira a ilusão suficiente desse detalhe a ponto de fazer pensar em um labor infinito.

- É soberbo - eu digo -, mas deve ser tedioso fazer todas essas folhas… Deve ser até muito chato…

- Cale-se - diz Degas -, se não fosse chato não seria divertido.”
Retrato de Edmond Duranty

Degas era coerente com seu pensamento: uma obra terminada era resultado de uma infinidade de estudos. Para ele, nunca uma obra era considerada terminada. “Acontecia de ele retrabalhar telas há muito tempo penduradas na paredes da casa de seus amigos, levá-las para seu antro, de onde elas raramente voltavam. Alguns, de cuja casa era frequentador, chegavam a esconder o que tinham dele.

Degas acompanhava a política de seu tempo. Acompanhou passo a passo o famoso julgamento do Caso Dreyfus (um judeu condenado injustamente de espionagem em 1894 e que foi belamente defendido por um artigo escrito por Émile Zola, intitulado “J’accuse…!”). “Tornou-se quase fanático”, diz Valéry. “Roía as unhas”. Se conhecidos ou amigos discordavam de suas posições políticas, eram cortados de sua convivência.

Mais Valéry:

“Não conheço arte que possa envolver mais inteligência do que o desenho. (...) Quem não mede o intelecto e a vontade de Leonardo ou de Rembrandt após uma análise de seus desenhos?”

Mas hoje “quase tudo é feito sem estudos; ou melhor, quase tudo não passa de estudos, e mais ainda, estudos inutilizáveis” Um bom estudo deve ser mais profundo do que qualquer quadro, e permanecer na sombra do ateliê. Não deveria jamais estar à venda, jamais em Museus”. Aumentou o número dos maus pintores, continua Paul Valéry. 

Ninguém se diverte mais estudando cuidadosamente e com reflexões que podem levar muito longe (Leonardo), um tecido jogado sobre uma cadeira, uma folha, uma mão… nem buscando nesse confronto com o objeto, sem pressa e sem utilidade imediata, certa ciência de si mesmo, da manobra combinada de seu intelecto, de seu desejo, de sua visão e de sua mão sobre uma coisa dada… e com o público ausente. (Este último ponto é capital: deve-se tentar espantar apenas a si mesmo.)”


E prevê, décadas atrás:

“Foi assim que a infeliz Pintura viu-se presa dos métodos rápidos e poderosos da política e da Bolsa”.

Degas era louco por Desenho. “O trabalho, o Desenho, tinham se tornado nele uma paixão, uma disciplina, o objeto de uma mística e uma ética que se bastavam por si mesmas (…)”. Com 70 anos de idade Degas disse a seu amigo Ernest Rouart:

- “É preciso ter uma ideia elevada, não do que se faz, mas do que se poderá fazer um dia; sem o quê não vale a pena trabalhar.” Ou seja, não importa o tempo “perdido” no apuramento técnico, pois ele leva incontestavelmente a patamares muito mais altos que poderão ser alcançados pelos que se dedicam a estudar.

Pois

“A ideia de possuir inteiramente a prática de uma arte, de conquistar a liberdade de fazer uso de seus meios com tanta segurança e leveza quanto de nossos sentidos e membros em seus usos comuns, é daquelas ideias que arrancam de certos homens uma constância, um esforço, exercícios e tormentos infinitos”.

Uma folha de papel, algum lápis ou caneta, é o suficiente para esse mergulho fundo no reino da criação. Tudo é muito simples e tudo muito complexo. Nessa dicotomia, Degas dizia que a pintura é, para os sem conhecimento, algo bastante fácil. Mas quando se tem conhecimento… ah… se torna muito difícil! “Ah! então… É completamente diferente!”.

Se o pintor buscava os caminhos mais fáceis, isso dizia - e diz - muito a respeito de seu próprio caráter. O caminho mais fácil não é o caminho “da obra de um homem completo”. E Valéry complementa: quanto mais o artista se distancia do aprendizado ao qual se dedicaram os maiores mestres, mais “é do homem total que estamos nos distanciando assim. O homem completo está morrendo.”


"Aula de balé", Degas
Arte moderna e Grande Arte

“A arte moderna tende a explorar quase exclusivamente a sensibilidade sensorial, em prejuízo da sensibilidade geral ou afetiva, e de nossas faculdades de construção, de adição das durações e de transformações pela mente. Sabe maravilhosamente bem despertar a atenção e usa todos os modos para estimulá-la: intensidades, contrastes, enigmas, surpresas”. Não é isso o que vemos nos dias de hoje, com a espetacularização da arte?

“(...) observo que o modo de ser da modernidade é exatamente o de uma intoxicação. Precisamos aumentar a dose, ou trocar de veneno. Essa é a lei”!!!! Nada mais atual, não é? E Paul Valéry explica:

“O que chamo de ‘Grande Arte’ é simplesmente a arte que exige que todas as faculdades de um homem sejam utilizadas nela, e cujas obras sejam tais que todas as faculdades de outro sejam invocadas e se interessem por entendê-las…”

“O demônio da mudança-pela-mudança é o verdadeiro pai de muitas coisas…” e em nossos dias atuais.

Passando de um período a outro, de uma moda a outra, sugere “que não há objetos, que é preciso proibir-se a expressar mais do que as propriedades da retina… Tudo começa a vibrar.

O Desenho não é a Forma


“Degas gostava de falar sobre pintura e não suportava que se falasse sobre ela".

Valéry perguntava o que ele entendia por Desenho. Respondia:

“O Desenho não é a forma, é a maneira de ver a forma”. Valéry dizia não compreender o que ele falava. Degas gritava, berrava que o poeta não entendia de nada e se metia em coisas que não eram de sua alçada...

Durante um jantar com Mallarmé, Degas disse que “um artista só é um artista em poucos momentos, por um esforço da vontade”. Isso foi ouvido por Berthe Morisot, a pintora impressionista.

Em sua convivência com o pintor Degas, Valéry foi aprofundando suas reflexões sobre arte, que expõe no livro “Degas dança desenho”. São muito atuais e parecem ter sido escritas para esta época contemporânea. Como um artífice da linguagem, Valéry dizia que “a linguagem do país das Artes é turvada com toda uma metafísica que se mescla de maneira muito íntima às puras noções da prática.” E mais:


“Nunca vi nada de certo e ordenado sobre o desenho, por exemplo, que é antes de mais nada uma arte complexa, cuja análise ótica e motora não foi realizada, nem mesmo iniciada, a meu conhecimento.

“Se tivesse existido, a célebre expressão de Degas, ‘o modo de ver a forma’, teria sido completamente diferente: teria explicado o que ele queria dizer, e não o sentido que cada um pode atribuir-lhe.

“Mas eis a pior consequência da impureza da linguagem das grandes artes: ela leva a não se saber mais o que se quer. Nada mais espantoso do que certos comentários ou programas de artistas, carregados de filosofia, de considerações às vezes matemáticas e frequentemente ingênuas, invocadas com vistas a preparar para o entendimento de suas obras e a dispor o público para suportar sua visão. Mas ao contrário, a visão nas artes deve por si só introduzir a fruição e, se houver alguma ideia a sugerir, conduzir a ela por suas percepções. Um pintor deveria sempre pensar em pintar para alguém que não tivesse a faculdade da linguagem articulada… Não devemos esquecer que uma coisa bela nos deixa mudos de admiração…”

Os medíocres possuem mais certezas

Valéry adiciona a seu texto algumas recordações “muito preciosas” de Ernest Rouart sobre seu amigo Edgar Degas, como estas:

- “Degas não se contentava muito facilmente, e raro achava que uma pintura estivesse no ponto.

- “Para ficar satisfeito, aquilo de que precisava é que sua obra fosse completa, não na perfeição dos detalhes, mas na impressão de conjunto que ela daria; na construção, antes de tudo, e na coordenação dos elementos diversos que a compunham, ou seja, nas relações corretas das linhas do desenho, dos valores e das cores entre si.

- “A necessidade de retomar uma coisa que considerava incompleta jamais o abandonou e, em sua casa, inúmeras eram as telas que tinha a intenção de retocar, não as achando dignas de deixar seu ateliê no estado em que se encontravam”.


"Melancolia", Degas
Como professor de Rouart, era rígido. Um dia mandou o aluno ao Louvre para copiar um quadro do pintor italiano Mantegna, “A sabedoria vence os vícios”. Sua orientação era de que a primeira coisa a fazer era uma imprimação em verde (uma camada de pinceladas em pigmento verde misturado a terebentina, bastante diluídas). E lembrou ao aluno que deveria deixar secar essa primeira camada “durante meses”, pois o próprio “Ticiano esperava talvez um ano antes de retomar um quadro!”.

No fim de sua vida, diz Valéry, Degas tinha se enamorado ainda mais da cor e dos efeitos que ela pode produzir. “Sua admiração pela cor e pela técnica dos antigos levava-o com frequência a fazer pesquisas nesse sentido e a desenvolver teorias e sistemas sobre a execução natural da pintura, sobre a técnica, como ele dizia”.

É lutando sobre a tela que um artista como ele consegue conciliar a teoria e a prática”, observou Ernest Rouart.


"A espera", Degas
No dia 25 de setembro de 1917, Degas morreu. “Morre tendo vivido demais, pois morre de sua luz. O começo de sua lenta diminuição foi marcado pelo enfraquecimento mais pronunciado da visão. O trabalho, pouco a pouco, tornou-se impossível para ele, e sua razão de viver esvaiu-se antes de sua vida. Uma das últimas obras que fez foi seu retrato com barba branca, arrepiada e curta, e com boné. Mostrava-o e dizia: ‘Pareço um cachorro’.”

Era um solitário perene “e o foi em todas as modalidades da solidão. Solitário pelo seu caráter; solitário pela distinção e pela particularidade de sua natureza; solitário pela probidade; solitário pelo orgulho do seu rigor, pela inflexibilidade de seus princípios e de seus julgamentos; solitário por sua arte, ou seja, pelo que exigia de si mesmo”.

Justamente por ter sido o ser “estranho” que Degas foi, é que Paul Valéry questiona: “Não seria hoje uma espécie mais ou menos desaparecida, essa espécie de personagens difíceis e incorruptíveis?” Ele, Degas, era avesso a qualquer tipo de bajulação que foi se tornando cada vez mais um costume nos tempos modernos. Para ele o brilho no mundo moderno era desprezível; odiava - e odiaria ainda mais hoje - esses que se voltam a agradar o mercado e a crítica, fazendo apenas o que se espera deles:

“Uma noite Degas fazia troça de Forain, que corria, chamado por um timbre imperioso, para atender o telefone. ‘É isso, o telefone?... Tocam um sinete e você acorre...’ Seria fácil generalizar essa expressão sarcástica. ‘É isso a Glória?... Você é citado, e acha que é alguém!...”

Nada mais contemporâneo...

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A estrada aberta

Depois de Ilya Repin - estudo em óleo que finalizei neste sábado, dia 14/12, sobre a pintura original do artista russo Ilya Repin, cujo título é "Retrato do compositor Modest Petróvich Músorgski, exposta na Galeria estatal Tretiakov, Moscou, Rússia.
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2013 está terminando, este ano intenso, que exigiu muito de mim, paciência, perseverança, dedicação, mergulho mais profundo nos meus sonhos. Muito estudo, muito aprendizado à beira do meu cavalete.

Mas 2013 também me recompensou: fruto de tanto esforço, tantos e tão antigos sonhos, um deles - o maior - está se realizando: anuncio a todos os leitores deste blog, todos os seguidores, amigos, pessoas de várias partes do mundo que entram por aqui:

Está nascendo o Ateliê Contraponto!


Travessa Dona Paula, 111, a poucos metros da rua da Consolação

O Ateliê Contraponto é resultado de uma associação com mais três amigos que partilham comigo o mesmo caminho na arte figurativa: a realista. São eles: Márcia Agostini, Alexandre Greghi e Luiz Vilarinho. Nossa parceria foi sendo gestada mês a mês, ano a ano, entre as mesas de desenho e os cavaletes de pintura do Atelier de Maurício Takiguthi. Alguma semente foi plantada ali, em algum momento, quando desenhávamos ou refletíamos sobre o mundo da arte. Algo em nós ficou maduro e o fruto está se concretizando em cores muito entusiasmantes!

Nosso Ateliê Contraponto está localizado na Travessa Dona Paula, 111, em Higienópolis, entre a rua da Consolação e a Avenida Angélica. Será um espaço para aulas de desenho e pintura, mas também um espaço para exposições de artistas figurativos de São Paulo, do Brasil e de qualquer lugar do mundo. Será também um espaço para estudo e discussão dos temas mais importantes da arte na atualidade. Para isso, iremos trazer convidados entre artistas e intelectuais ligados ao pensamento artístico e cultural. Também iremos oferecer oficinas e workshops com artistas convidados, nas áreas de desenho, pintura, aquarela, escultura.

O sonho é grande, o sonho é imenso. Mas o caminho apenas começou e a estrada é longa... Mas vamos!


"A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.

Daqui em diante não peço mais boa sorte
boa sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.

A terra é quanto basta:
eu não quero as constelações mais perto
nem um pouquinho, sei que se acham muito bem
onde se acham, sei que são suficientes
para os que estão em relação com elas.

(...)

A terra a se expandir
à esquerda e à direita,
pintura viva - cada parte com
a luz mais adequada,
a música a se fazer ouvir onde faz falta
e a se calar onde não é querida,
a jubilosa voz da estrada aberta,
a alegre e fresca sensação da estrada."


(Walt Whitman, Canto da estrada aberta,
em "Folhas das folhas de relva")

Feliz Natal! Feliz 2014 para todos!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A arte pictórica de Eugene Gruzdiev

O pintor russo Evgene Grouzdev
Tinha acabado de publicar este post no Facebook, quando tive a emocionante surpresa de saber que Eugene Gruzdiev - ou Evgeny Grouzdev, como ele mesmo assina - é um pintor de São Petersburgo! O próprio artista me agradeceu este post, tentando falar em português: "Obrigado enorme, muito escreve-se bem!!! Até embaraço-me um pouco, é muito inesperado..." Para mim também, muito inesperado e muita surpresa encontrar um pintor contemporâneo com esta qualidade de pintura! E saber que ele existe e que pratica este tipo de arte dá ainda mais a sensação de que nem tudo está perdido! 

Abaixo o meu texto, publicado ontem, quando nem sabia de que período era esse já grande mestre...

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Conheci este pintor russo no blog do pintor brasileiro radicado em São Petersburgo, Rússia, Gilberto Geraldo. Já pesquisei em todos os lugares possíveis, em sites internacionais inclusive, e não encontrei nenhuma informação sobre Eugene Gruzdiev.

Seria contemporâneo do outro grande pintor russo Ilya Repin sobre o qual já falei aqui em outro post? Seria um pintor atual? Não se sabe...

Enquanto não encontro mais o que falar sobre quem foi Eugene Gruzdiev, sua vida e sua obra, publico abaixo as imagens que capturei no blog do Gilberto Geraldo.

Por que? Simplesmente porque Eugene Gruzdiev pinta do jeito que eu entendo como pintura realista e pictórica: suas pinceladas criam impressão de movimento, ele pinta o essencial, não há contornos definidos por linha, mas volumes; as massas são grandes, ultrapassam as formas.

Nesse estilo pictórico que identifico nele, os movimentos das massas se espalham em cromas e valores. A tinta se espalha, as cores e as tonalidades se derramam buscando as profundezas, como disse há décadas Heinrich Wöllflin. Os limites se tornam fluidos; limites que não são um fim em si, são infinitos.

Tudo é jogo de Luz e Sombra, onde nem tudo precisa ficar claro. Há partes veladas, objetos sobrepostos, massas sobrepostas. Movimento. Aquilo que parece estar oculto pelas sombras do quadro, parece que “luta para entrar na luz” (Wöllflin). Não se busca extrair da cor individual toda sua força e pureza, mas criar harmonia na relação entre as cores, de modo que uma cor realce o efeito individual de outra. Contrapontos.

É esse olhar de pintor que vê o mundo como uma unidade, onde tudo se relaciona que me atraiu em Eugene Gruzdiev.

Eu acho lindo demais isso aqui embaixo!

































Vida e Arte

Estudo sobre pintura de Joaquín Sorolla,
por Mazé Leite, outubro de 2013 - óleo sobre papel telado

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Em lugar de me entregar ao status quo e às unanimidades que permeiam as mentes daqueles que querem seus quinze minutos de fama, vou fazendo meu trabalho silencioso, no meu canto em meu atelier, sabendo que enquanto pinto a vida fica menos triste, as tristezas menos cinzas, as dores menos opacas, as decepções menos frias.

Arte é resistir. Inclusive às dores da vida, como já disse aquele filósofo da maldição da vida, o Friedrich Nietzsche, que disse que "a arte existe para que a realidade não nos destrua". Repito: para que a realidade não nos destrua. Às vezes a realidade é dura! E muitas vezes me machuca...

E mais Nietzsche: "A Arte e nada mais do que a Arte! Ela é a grande possibilitadora da vida, a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida".

Eu completaria: o grande alívio para a vida!

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Estudo sobre pintura de Joaquín Sorolla,
por Mazé Leite, agosto de 2013 - óleo sobre tela

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O pensamento do artista Álvaro Cunhal

Álvaro Cunhal
“A arte é uma expressão do Belo e o artista um seu criador”. Assim Álvaro Cunhal começa o seu ensaio “A Arte,  o Artista e a Sociedade”, publicado em junho de 1996, pela Editorial Caminho, de Lisboa, Portugal. Líder revolucionário do povo português, membro do Partido Comunista, Álvaro Cunhal foi também um pensador da Arte e um artista. No ensaio em questão, ele aborda uma série de temas muito relevantes não só dentro do campo artístico, mas também no âmbito da filosofia, da cultura, da sociedade.


Álvaro Barreirinhas Cunhal nasceu em Coimbra, Portugal, em 10 de novembro de 1913. O centenário de seu nascimento tem tido muitas comemorações em Portugal neste ano.

Logo no começo do ensaio, Cunhal dedica todo um capítulo ao tema do Belo na arte, um conceito que tem sido estudado longa e profundamente ao longo da história, desde os filósofos gregos, passando pelos pensadores da Idade Média, os do Renascimento, do Iluminismo, da filosofia alemã, entre os quais se destacam Hegel e Schelling. Álvaro Cunhal diz que, a respeito do Belo, há muito mais perguntas do que respostas. Desde sempre se busca estabelecer que critérios podemos utilizar para considerar bela alguma coisa, inclusive critérios dentro do “conhecimento científico” que também tem tentado estabelecer uma origem “objetiva, fixa e imutável do Belo”.


Um dos muitos desenhos que ele fez
na prisão, por causa de suas convicções
comunistas
Mas Cunhal também diz que alguns outros filósofos “pretenderam conformar o conceito às coisas”, procurando saber como surge essa qualidade da Beleza nas coisas. Questiona ele: “Coisas ‘belas’ onde, para quem, para que classe, em que época, em que país?” Por trás desse questionamento, sua visão de que conceitos como estes não são absolutos no tempo, espaço e lugar. Como queria, por exemplo, Diderot, o pensador francês da Enciclopédia que mais tarde foi forçado a rever suas opiniões em suas “ulteriores críticas de arte”. E como pensava também Charles Darwin que, segundo Cunhal, em uma obra anterior à sua Origem das Espécies, considerava a beleza como uma “qualidade objetiva inalterável, fixa, universal e eterna das coisas”. Mas em seu livro mais conhecido, e posterior, Darwin admitiu que “a ideia do Belo não é inata e nem inalterável”.


Mas, diz Cunhal, mesmo assim essas teorias - por vezes tomadas como verdades absolutas - trazem “elementos válidos de reflexão”. Há obras de arte de valor estético universal e incontestável, que ultrapassam séculos, milênios. Ultrapassam inclusive as mais “profundas transformações sociais”, pois continuam sendo reconhecidas em seu valor. Pois há valores comuns nas coisas belas, enfatiza ele. O ser humano reage com agrado a determinados eventos e acontecimentos, com traços da reação “dos seus sentidos e das suas emoções que perduram e ultrapassam as épocas históricas”. Por isso, a beleza das coisas existe em íntima interação com a alma humana, que as aprecia. Diz Cunhal: “Beleza é um critério e um juízo humano”. Pois o mundo é belo PARA quem o observa.

Mesmo na filosofia idealista, continua o artista português, quando se fala do Belo se fala em relação à realidade. A invocação do sobrenatural por trás do Belo é feita em geral pelas religiões, procurando encontrar uma origem sobrenatural do Belo absoluto. Da filosofia escolástica, sabemos que a Beleza estava diretamente relacionada com a divindade e os filósofos cristãos deram até uma definição do Belo como ligado ao Bem e à Verdade, acrescentando uma conotação moral ao conceito.

Pintura em óleo sobre tela, Álvaro Cunhal



Mas voltando ao ensaio de Álvaro Cunhal. Numa linha de investigação oposta à idealista, o pensamento materialista “investiga a ligação do Belo com a sociedade e a sua evolução. Aponta a experiência histórica da relatividade da definição” do Belo. Essa visão materialista busca localizar a apreciação do Belo nas várias épocas históricas, nas diversas sociedades e culturas, nas circunstâncias objetivas do mundo. Diversas coisas, por serem úteis, tornaram-se belas, acrescenta. O ser humano, ao fabricar seus instrumentos de trabalho, suas moradias, seus meios de locomoção, seus ambientes, vem buscando não só aperfeiçoá-los, do ponto de vista técnico, mas também torná-los belos. Por outro lado, a arte surge como uma criação humana que dá prazer à alma:

“Seja qual for a origem que se lhe atribua, a noção do Belo é um elemento essencial do valor estético. A outra, é a beleza criada pelo homem. O artista é um criador de beleza.”


Outro "desenho da prisão"
Álvaro Cunhal diz também que complexidade, contradição e controvérsia também estão presentes quando se definem os elementos do valor estético. Ao longo do tempo, filósofos, críticos e artistas também mudam os valores estéticos de obras de arte, mesmo que haja aquelas que atravessam os séculos sendo admiradas por todos. E muitas vezes eles entram em confronto de ideias sobre valores estéticos de determinados períodos. Uma dessas grandes controvérsias tem acontecido em volta da questão “forma x conteúdo”. Muitos artistas levam mais em conta os processos formais de uma obra de arte. Outros, além da forma, também se preocupam com o “conteúdo” de seu trabalho, ou seja, que ele expresse a mensagem que ele quer transmitir, que provoque reação e sentimentos nos outros e na sociedade da qual faz parte. Muitas vezes, destaca Cunhal, os primeiros radicalizaram sua posição em defesa da forma, diminuindo o sentido e o significado do que faziam; e os segundos, por seu lado, menosprezando a forma, consideraram o conteúdo - a “mensagem” - como único valor a ser levado em conta.


Mas considerar a “forma” como valor estético é uma tautologia, diz ele, pois a forma em si já é beleza criada pelo artista. Só que o valor estético não pára aí: ele também se acha presente “naquilo que a obra de arte transmite, na mensagem que conduz, nos sentimentos que provoca”. Ambos - forma e conteúdo - são, juntos, elementos integrantes do valor artístico. E dá um exemplo:


Desenho de Álvaro Cunhal, na prisão
“Só um dogmatismo ideológico primário pode pretender que a mensagem de liberdade não é um elemento integrante do valor estético da 5ª Sinfonia ou da 9ª Sinfonia de Beethoven, a mensagem humanista no valor estético da Ressurreição de Tolstoi, a mensagem da história de libertação de um povo nos murais de Rivera e de Siqueiros.”


Ao longo desse longo ensaio de 203 páginas, ricamente ilustrado com imagens de obras de arte e de inúmeros exemplos que Álvaro Cunhal, em seu pródigo conhecimento sobre arte, retirou da pintura, da escultura, mas também da literatura, do teatro e da música, ele vai traçando um longo raciocínio sobre o papel da arte e do artista no mundo.


Vale muito a pena a leitura desse ensaio, assim como mais comentários sobre os diversos aspectos abordados por ele, coisa que pretendo ir fazendo, pela riqueza de temas que Álvaro Cunhal levanta. Por exemplo, dizendo que o que faz o entusiasmo e a entrega plena à criação por parte do artista vem de um “apelo interior”, pois isso tudo, mais do que uma opção de vida, é uma “vontade natural irreprimível” de criar, “um gosto, uma alegria”. Quem é artista sabe do que Álvaro Cunhal está falando…


Para finalizar este primeiro artigo sobre o ensaio “A Arte, o Artista e a Sociedade”:


“Arte é liberdade. É imaginação, é fantasia, é descoberta e é sonho. É criação e recriação da beleza pelo ser humano e não apenas imitação da beleza que o ser humano considera descobrir na realidade que o cerca.”

Álvaro Cunhal, óleo sobre tela