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quinta-feira, 19 de julho de 2012

A noite escura da alma de Oswaldo Goeldi


 O Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, está apresentando a exposição “Oswaldo Goeldi: sombria luz”, trazendo a maior retrospectiva da obra do artista do Rio de Janeiro. São cerca de 200 trabalhos que vão dos anos 1920 até sua morte em 1961.


Na tarde gelada deste último domingo, fui ver a exposição. Queria ver de perto as gravuras desse homem melancólico, solitário, que criava suas gravuras numa temática que ia na contramão dos modernistas brasileiros, seus contemporâneos, mais luminosos e coloridos. Oswaldo Goeldi mostra uma cidade do Rio de Janeiro noturna, deserta, habitada por figuras sombrias, sempre solitárias, e por gatos, cachorros, pássaros agourentos.

Na noite escura da alma de Goeldi, ele só escavava suas madeiras baseado em traços, poucos, que fossem suficientes para mostrar ruas e casas iluminadas por postes de luz fraca, ou pelo céu cuja fosforescência partia de baixo para cima. Algumas de suas xilogravuras são, mesmo assim, luminosas. A luz parece explodir de um ponto qualquer, mas todo o resto está imerso na mais profunda escuridão.
São pequenas as xilogravuras de Goeldi. Alguns dos traços de sua goiva são muito tênues, finíssimos, mas que dão a configuração necessária ao que ele quer mostrar, seja um rosto triste contra a luz de um poste, seja um pequeno gato preto deitado num muro. Ele é econômico nos traços: nada de linhas desnecessárias, o observador que complete a imagem em sua mente. Há seres solitários lá, bichos abandonados assim como as pessoas caminhando sozinhas por ruas escuras, observadas por gatos, urubus, cães.
Autorretrato
Depois de uma hora observando de perto o trabalho deste artista, uma certa melancolia acaba nos invadindo também. E acabamos nos questionando: por que ele era tão triste, tão solitário? Que caracterizava sua personalidade? Que experiências de vida ele viveu? Por que sua cidade nada tem de luminosa? Cadê o sol em sua vida?
Oswaldo Goeldi pode ser caracterizado como um artista expressionista, movimento artístico que teve lugar especialmente na Alemanha, no começo do século XX. O Expressionismo foi uma espécie de projeção da subjetividade, baseada numa reação emocional. Os sentimentos angustiados do artista expressam um real deformado, que ele mostra de forma intensa em sua arte. A visão é pessimista, o mundo ameaçador.

Paulo Venancio Filho, especialista na obra de Goeldi e curador da exposição diz, no livreto que fundamenta a mostra, que a proximidade do artista gravador com o expressionismo “é inequívoca, artística e existencial”. Goeldi trazia à tona um lado obscuro do Brasil, um país de tantos contrastes, principalmente sociais. Nada há nele que mostre a face conhecida de um Brasil ensolarado, luminoso, mas – acrescenta Venancio – Goeldi “com os recursos limitados da xilogravura e do desenho a lápis ou carvão, mostrou que sob a luz solar havia um mundo em desassossego e desajuste”.
Oswaldo Goeldi trabalhava sozinho em seu ateliê que era em seu próprio quarto. Morou muitos anos, os últimos de sua vida, na casa de uma casal de amigos, situada no Leblon, na época um bairro simples do Rio. Segundo sua sobrinha-neta, Lani Goeldi, ele se sentiu atraído pelo expressionismo desde que conheceu a obra de Vang Gogh (1853-1890) e Edvard Munch (1863-1944). “Foi dentro dessa linha que ele construiu seu trabalho”, diz ela.
Oswaldo Goeldi em seu ateliê
Mas ele se identificou principalmente com a obra de Alfred Kubin (1877-1959), de quem se tornou amigo. Kubin foi um escritor, desenhista, gravador e ilustrador austríaco. Seus traços também são expressionistas.
Otto Maria Carpeaux (1900-1979), jornalista, ensaísta e crítico literário brasileiro (austríaco de nascimento), disse de Oswaldo Goeldi:
“A arte de Goeldi sempre me lembrou um recurso raro da dramaturgia: o monólogo, que é, por definição, uma arte silenciosa. As figuras, nas suas sombras, parecem cercadas pelo silêncio e pela solidão; esses homens irremediavelmente perdidos e esses bichos abandonados em meio a paisagens suburbanas em decadência. Quando muito, seus pescadores à beira-mar chegam a ver, na hora da madrugada, um sol terrível que se levanta vermelho no horizonte. O resto é noite. Temos que penetrar no sentido dessa escuridão que assombra o mundo de Goeldi”.

Biografia
Oswaldo Goeldi nasceu em 1895 no Rio de Janeiro. Seu pai era o naturalista suíço Emílio Goeldi. Logo após o nascimento do menino, seus pais se mudaram para Belém do Pará, onde Emílio Goeldi foi fazer pesquisa em Zoologia e Botânica. Com seis anos de idade, Oswaldo foi estudar na Suiça. Mas cedo abandonou os estudos politécnicos para ingressar na Escola de Artes e Ofícios de Zurique. Também não concluiu sua formação lá. Continuou estudando sozinho e fez sua primeira exposição individual na cidade suíça de Berna, onde conheceu o trabalho de Alfred Kubin, com quem se corresponderá durante décadas.
Goeldi volta para o Brasil em 1919. A I Guerra Mundial havia acabado, mas a Europa ainda sofria as consequências, inclusive psicológicas, dos horrores causados pela guerra. Aqui no Brasil, ele vai trabalhar como ilustrador de livros e periódicos. Em 1930 lança seu álbum “Dez gravuras em madeira”, com prefácio de Manuel Bandeira. Participou da Bienal de São Paulo e de Veneza, ganhou prêmios e projeção nacional e internacional. Foi também professor da Escola Nacional de Belas Artes.

Lani Goeldi diz que ele vivia “à margem das convenções sociais e familiares. Nunca dividiu suas preocupações, nem seus anseios, nem com os poucos amigos que tinha”. Nunca se casou, não teve filhos.
Morreu no dia 16 de fevereiro de 1961, no Rio.
O poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) assim falou do amigo:
“A imaginação de Oswaldo Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos – arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma personalidade monstruosa e aterradora”.

É assim a gravura do artista brasileiro Oswaldo Goeldi: mostra um mundo que ninguém quer ver, mas que está lá atrás das sombras, tão Real quanto o outro.