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terça-feira, 29 de março de 2016

O ferreiro

"A forja de Vulcano", Diego Velázquez, óleo sobre tela, 223 x 290 cm, 1630, Museu do Prado
O ferreiro aquece o ferro no fogo alto, o ferro se avermelha, ele o leva até à bigorna e martela ritmado, alternando a martelada com a martelada do companheiro. O trabalho na oficina é sempre intenso. Marcado pelo ritmo das marteladas alternadas. O som se propaga ao redor; a vizinhança já se acostumou à música que vem da oficina do ferreiro.

Mas um visitante chega na oficina de Vulcano, o ferreiro. Lhe faz uma revelação terrível!

Velázquez estava na Itália, em sua primeira visita àquele país. Tinha ido adquirir obras de arte para o rei Felipe IV e aproveitado para conhecer a arte pictórica dos italianos. Em algum momento mais tranquilo, deve ter lido as “Metamorfoses” de Ovídio e deve ter parado, quieto, com alguma ideia pairando no ar e lhe trazendo vontade de fazer algo com aquele instante em que os homens sabem da notícia chocante que o deus Apolo lhes trouxe. Era preciso captar o instante, pegá-lo com as mãos, fazer dele uma pintura.

Há quase um ano, em Madrid, eu parei diante deste quadro, pura poesia. Poesia pintada pelo maior de todos os pintores, Diego da Silva Velázquez. Ele se colocou no lugar de Vulcano? De Apolo? De cada um dos homens que fazem parte da cena? Sim, com certeza! Era preciso dar realidade e poesia àquele momento revelador.

Na atitude de cada um dos componentes do quadro, vê-se o impacto da surpreendente revelação. Conta Ovídio em suas “Metamorfoses” que Apolo, resplandecente de sol, foi até o ateliê do ferreiro dos deuses do Olimpo, Vulcano, para lhe dar a humilhante notícia de que sua mulher, Vênus, estava traindo-o com o deus Marte. No quadro de Velázquez vemos o ar estupefacto e atordoado de Vulcano, assim como de seus solidários companheiros. Na história contada por Ovídio, os colegas de trabalho de Vulcano eram ciclopes míticos, seres meio monstruosos, gigantes com um único olho na testa. Mas Velázquez os pintou como operários comuns. Ele resolveu abrir mão dos elementos sobrenaturais da história de Ovídio para dar a esta cena o realismo que desejava. A ele interessava muito mais captar um momento crítico de alta carga emocional e com isso dar a estes personagens uma variedade de atitudes e gestos.

Velázquez - segundo radiografias feitas recentemente nesse quadro - modificou as cabeças de Vulcano e de um de seus ajudantes, intensificando sua atitude de surpresa e ira de marido enganado. Este quadro é um grande exercício de expressão pictórica das paixões humanas: os efeitos do ciúme e da traição sobre um ser humano, o poder da palavra sobre nossos sentimentos e ações e, como também dizem alguns estudiosos desta pintura e de Velázquez, o poder e superioridade da mente sobre o trabalho manual, teoria que movia Velázquez a defender a nobreza da pintura acima dos outros ofícios artesanais e mecânicos.

Em “Vida y obras de don Diego Velázquez” Jacinto Octavio Picón, um estudioso do século XIX, diz que esta cena aparece disposta de uma forma em que vemos a “graciosísima ironía muy andaluza”  que tinha pouco respeito aos deuses imortais. Velázquez, como dissemos acima, ao invés de figuras mitológicas colocou quatro robustos rapazes que foram testemunhas da cena. Eles estavam trabalhando em seu ofício de ferreiros quando surge Apolo, também representado por Velázquez como um jovem bonito, coroado por um laurel e em cuja cabeça está circundada por uma claridade “intensa reveladora de su celeste orígen”. 

Apolo, o deus da Poesia, procura o deus do Inferno, Vulcano, para lhe dar uma notícia muito desagradável: enquanto o ferreiro se esmera em forjar uma armadura para Marte, este está “pegando” sua mulher, Vênus. Apolo conta isso sem nenhum rodeio e sem nem mesmo levar em conta que há mais quatro pessoas em volta que irão ouvir a história. No rosto de todos os homens, há estupefação e assombro. O trabalho é suspenso. Os ajudantes de Vulcano parecem mais curiosos do que surpresos. O olhar de Vulcano demonstra tremenda raiva. “Cada figura y cada parte de ella esta iluminada según el sitio que ocupa, ya por la claridad del día a que da entrada un ventanón abierto a la izquierda sobre cuyo vano destaca Apolo, ya por el resplandor que aureola la cabeza de éste” ou por causa das brasas vermelhas do fogo que arde. O local é uma humilde oficina, e pelo chão podemos ver peças de armadura e instrumentos de trabalho.

Para criar “A forja de Vulcano”, Velázquez usou como modelo a oficina de um ferreiro humilde dos subúrbios de Roma. Ele dava seu recado: já que os deuses imortais se comportavam como os comuns mortais, haviam que ser tratados como homens. Com exceção da cabeça de Apolo rodeada de um halo de luz, o resto da cena nada tem de divino ou de heroico. “Velázquez respirando a atmosfera da Roma papal do Renascimento, rodeado por concepções pictóricas onde prevaleceram o elemento literário, como resultado de uma cultura clássica extraordinária”, ao invés de tomar o caminho do tratamento grandioso que dariam a esta cena artistas como Dominichino, Guercino, Poussin, Albano e Guido Reni, preferiu reafirmar sua abordagem realista. Era como dizer: na simplicidade das coisas habita o sublime e o belo. Todos aqueles artistas poderiam ser mais poetas que Velázquez, mas “ninguno tan pintor”, afirma Jacinto Picón!

Era um tempo em que o humanismo do passado remoto era retomado. Os valores clássicos podia ser avaliados na obra de inúmeros artistas da época, entre eles o mais radical de todos Nicolas Poussin. Mas Poussin não era realista. Seu amor aos conceitos clássicos, fazia com que ele pintasse as cenas bucólicas dos tempos idos da velha Grécia, com seus heróis e deuses. Velázquez não. Velázquez preferia aproximar esses conceitos clássicos do homem comum de seu tempo. Se havia que abordar os temas em voga, baseados na relação entre os deuses e os homens, havia que lhes dar uma poesia nova, numa nova abordagem pictórica. 

Em seu senso de humanismo, Diego da Silva preferiu pintar pessoas comuns, os trabalhadores da Corte como ele, as pessoas mais simples, feias, os anões, os bufões, as serventes. E lhes deu um tremendo valor, o valor mais alto, ao colocar essas pessoas humildes como personagens centrais de seus quadros.

A oficina do ferreiro romano que lhe serviu de modelo está expressa nessa obra diante da qual a gente se cala, respeitosamente, diante da grandiosa humanidade desse pintor andaluz e sevilhano.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Nicolas Poussin, o "pintor-filósofo"

"Dança da música do tempo", Nicolas Poussin, 1640
Neste ano de 2015 completam-se 350 anos da morte do pintor clássico francês Nicolas Poussin. Para comemorar a data o Museu do Louvre, em Paris, fará uma exposição que tem a finalidade de trazer à luz a originalidade da pintura de temas sagrados, fonte de uma reflexão pessoal do artista sobre Deus. Sempre inspirado por nomes do passado clássico greco-romano, o”pintor-poeta”, como também é chamado, conhecia e admirava a obra de Ovídio e Virgílio. A exposição do Louvre tem como título "Poussin e Deus".


"Autorretrato", Poussin, 1650
Mas Poussin também era o “pintor-filósofo” impregnado com as ideias e virtudes do antigos, o que aparece como uma marca do conjunto da sua obra. Mas ele também fez grandes pinturas com temas cristãos, que são menos conhecidas, especialmente inspirado em temas dos evangelhos bíblicos. Esse misto de pintura profana e sagrada na obra do mestre francês demonstra o leque amplo de temas aos quais ele se dispôs a enfrentar (pinturas de história, composições religiosas, mitologia, paisagens, retratos), a partir de seus pontos de vista.

Mas, quem foi Nicolas Poussin?

Ele nasceu na aldeia de Villers, em Andelys, região à noroeste de Paris, no dia 15 de junho de 1594. Aos 18 anos, ele sai da casa dos pais porque estes desaprovavam a sua ideia de se tornar pintor. Foi para Paris sem nenhum recurso e, após os primeiros tempos de muita necessidade, ele foi aceito no ateliê do pintor Ferdinand Elle, passando depois para o de Georges Lallemant. Mas Poussin não ficou muito tempo com nenhum dos dois. Quando ele viu pela primeira vez os desenhos do pintor italiano Rafael e de seu discípulo Giulio Romano, começou a estudá-los com muito afinco.

Apaixonado pela arte de Rafael, Poussin quis ir em direção à Itália. Na primeira tentativa, caminhou à pé até Poitou (cerca de 150 km de distância de Paris). Teve que retornar e chegou fatigado e faminto e com isso caiu doente. Foi para sua cidade natal, onde se restabeleceu. Mas sua vontade de chegar à Roma, colocou-o de novo na estrada. Ele queria se aperfeiçoar na terra do mestre Rafael. Nicolas fez duas tentativas de chegar à Roma, sem sucesso. Na primeira, ele alcançou Florença; na segunda só chegou até Lyon. Nas duas ocasiões, foi forçado a parar sua viagem e a retornar a Paris.


"A inspiração do poeta"(detalhe), Poussin, 1630
Na primeira vez que voltou a Paris, após ter conseguido chegar em Florença, Poussin conheceu o pintor Philippe de Champaigne e com ele trabalhou na decoração do Palácio de Luxemburgo. Passou por alguns ateliês de pintores em Paris, mas não ficou muito tempo com nenhum. Por isso, Nicolas Poussin é considerado um pintor auto-didata. Nesse período ele conseguiu sobreviver graças a algumas encomendas que recebeu.

Em 1623 ele concorreu com outros artistas para pintar uma série de seis quadros onde contava a vida de Santo Inácio de Loyola, encomendados pelos padres Jesuítas. Ganhando a concorrência, Poussin chamou a atenção de um poeta da Corte da famosa família Médici, família de marchands italiana. Desta forma, Nicolas Poussin foi apresentado às ricas famílias italianas.

Pela terceira vez ele seguiu na direção de Roma, onde chegou em 1624. Começou a estudar os mestres antigos, inicialmente com o escultor François Duquesnoy. Nesse período, ele já despertava a inveja de artistas locais que provavelmente instigaram soldados italianos a atacar Poussin, ferindo-o na mão direita, mas sem grandes prejuízos. Foi socorrido por Jacques Dughet, seu conterrâneo, que o recebeu em casa e lhe dispensou todos os cuidados para que ele ficasse bom. Poussin casou-se em 1629 com a filha de seu amigo, Anne Marie. Como não tiveram filhos, adotaram o irmão mais novo da esposa, que não somente herdou o nome de Poussin, como desenvolveu seu talento para a pintura de paisagem. Chamava-se Gaspard Poussin.


"Companheiros de Rinaldo", Poussin, 1634
Na sequência, Poussin foi encarregado de diversos trabalhos pelo Cardeal Francesco Barberini, que era sobrinho do Papa Urbano VIII. Começou a receber diversas outras encomendas, em Nápoles, na Espanha, na França. Em seu país, recebeu diversos convites para retornar para a França. O rei Luís XIII e o cardeal Richelieu lhe deram como tarefa supervisionar os trabalhos que estavam sendo feitos no Palácio do Louvre; foi nomeado primeiro pintor do rei e diretor geral dos serviços de decoração das casas e palácios reais.

Mas como despertou a inveja de outros artistas como Simon Vouet, Poussin resolveu rever sua família em Roma. Pediu licença ao rei e retornou para casa em 1642, junto com seu filho Gaspard, prometendo voltar. Mas Richelieu e Luís XIII morreram. Com isto, Poussin considerou que não tinha mais compromisso em Paris. E não voltou mais à França. Morreu em Roma em novembro de 1665.

Nicolas Poussin viveu em um tempo de grande riqueza intelectual. Metódico e racionalista, Poussin voltou seus estudos para a obra clássica de Rafael e dos pintores venezianos. Detestava a pintura de Caravaggio! Desejava mais que tudo “reviver a antiguidade”, como diz German Bazin em seu livro “Barroco e Rococó”. Após todo o fervilhar das ideias do período do Renascimento, as ideias estéticas também eram construídas com base na Razão e na Moral, o dito bon sens. Era o tempo de Pierre Corneille e de René Descartes, o grande teórico racionalista que desenvolveu o método cartesiano de pensar, que conhecemos e nos influencia até hoje.

Nessa época, a França era o país mais poderoso da Europa e de maior população. Este país tinha assimilado, segundo Bazin, “com o maior êxito o espírito do Renascimento”, que trouxe muitas novidades em todos os campos do conhecimento humano, assim como as ideias de uma classe social que começava a ter grande ascensão, a burguesia. Mas outras ideias também disputavam espaço e aristocratas e burgueses se digladiavam para impor suas visões políticas, econômicas e filosóficas dentro de um sistema em evolução.

Poussin, vivendo na Itália, se identificava totalmente com as correntes do pensamento racional, que predominou durante todo o século XVII, alcançando o XVIII… E trazendo em seu bojo a Revolução francesa de 1789, início de grandes movimentações políticas e sociais na França. O pensamento racional dentro da obra de arte, segundo Walter Friedland em seu livro “De David a Delacroix”, tinha um “viés moralizante”. A preocupação, inclusive a de Poussin, era com o conteúdo ético e didático da obra. Suas pinturas de caráter cristão são um exemplo disso. Ele parece ilustrar trechos dos Evangelhos e da história de Jesus.

Mas mesmo apegado ao passado clássico, Poussin foi o autor de grandes composições pictóricas e um pintor de grande expressão artística. Olhava para o bom gosto da antiguidade, em busca do Belo ideal, onde se podia apreender o intelecto puro e a moral. Ele - conta-se - gostava muito de andar à pé pela cidade de Roma, perdido em seus pensamentos, meditando, observando, anotando o que lhe chamava a atenção da diversidade da vida. Estudou perspectiva em Matteo Zacollini, arquitetura em Vitruvio e Palladio, pintura em Alberti e Leonardo da Vinci. Também fez estudos de anatomia, desenhou a partir de modelos vivos. Muitas vezes repetiu seus estudos e temas, sempre se colocando disponível para novos aprendizados. À medida em que envelhecia, seu pincel se tornava ainda mais suave, sua pintura mais harmônica, sua composição mais rica. Levava uma velhice pacífica, mas trabalhando sempre muito. Era modesto, sóbrio, franco e muito afável de caráter. Ele mesmo refletia a pintura que almejava: correto, verdadeiro, sincero. Um homem e pintor virtuoso.


"Assunção da Virgem", Poussin, óleo sobre tela, 134,4×98cm, 1630
"Sagrada Família", Poussin
"Rapto das Sabinas", Poussin, 1633

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Rembrandt van Rijn, o mestre holandês

O artista em seu ateliê, Rembrandt, 1626-1628
Hoje, 15 de julho de 2013, comemoramos o nascimento de um dos maiores pintores de todos os tempos: Rembrandt van Rijn. Em sua homenagem, um pouco de sua vida.

No dia 15 de julho de 1606, na cidade de Leiden, na Holanda, nasceu o pintor Rembrandt Harmenszoon Van Rijn. Ele foi o oitavo filho de um proprietário de moinho que ficava às margens do rio Rhin e por isso seu sobrenome acabou ficando “Van Rijn” (do Rio). Originalmente católica, a família se converteu ao calvinismo. Seus pais já não eram jovens e diz-se que Rembrandt sempre guardou uma impressão, desde cedo, de que seus pais eram muito velhos.


A mãe do pintor, gravura
No chamado “Século de Ouro” - o século XVII -, a cidade de Leiden era um dos mais importantes centros culturais da Holanda. Sua riqueza se devia principalmente ao florescimento das manufaturas têxteis, um grande mercado que era seu grande centro comercial. Lá também tinha uma universidade e uma intelectualidade com tradição humanista e artística. Exatamente em Leiden, desde o século XV tinha se desenvolvido uma notável escola de pintura a óleo, tendo como uma de suas principais referências o pintor Lucas de Leiden, excelente pintor e gravador, nascido por volta de 1490. Vem dele, segundo alguns autores, a influência inicial de do jovem Rembrandt.

Já desde o começo do século XVII, chegavam notícias vindas da Itália a respeito de um pintor italiano cujo tratamento especial da luz dava à pintura um efeito muito surpreendente e realista. Era Caravaggio. Rembrandt, portanto, começa sua formação em um meio muito favorável ao desenvolvimento pessoal: de um lado, a pintura inspirada nos italianos e, por outro, a escola de Amberes, dirigida por Peter Paul Rubens. Por outro lado, na Holanda calvinista as famílias comuns já decoravam suas casas com pinturas de execução bastante refinada, diferente de outros países, onde as obras de arte eram basicamente destinadas a palácios e igrejas.

Quando o jovem Rembrandt completou 18 anos, em 1624, terminou sua fase de formação, passando seis meses no atelier do pintor Pieter Lastman em Amsterdam. Lastman tinha passado pela Itália e era um pintor de “história”, ou seja, executava obras com cenas sagradas ou mitológicas e destinadas a um público de entendidos. Em Amsterdam o gosto pela pintura italiana já se fazia presente em diversos círculos. Rembrandt, diz uma de sua biografias (Rembrandt, el más importante hereje de la pintura, de Stefano Zuffi) se dedicou a estudar pacientemente a pintura de Lastman, copiando “seus temas e composições”.

O mestre de Leiden, então, se acostuma a um desenho preciso e se familiariza com cenas de grande intensidade, mas com uma energia própria e com espírito inovador. 

Começa sua carreira


A Guilda dos Tecelões, Rembrandt, 1662 
Após o período ao lado de Lastman em Amsterdam, Rembrandt volta para Leiden. Tinha 19 anos de idade quando começou sua carreira profissional. Se associa a um amigo, Jan Lievens, que também havia estudado com Lastman e os dois abrem um atelier profissional. Trabalhavam juntos, copiavam um ao outro e utilizavam os mesmos modelos. Logo ficaram conhecidos em Leiden e sua fama não demorou a se expandir.

Em 1628, no mês de fevereiro, Rembrandt recebe seu primeiro aluno, Gerrit Dou, que tinha 15 anos de idade. Mais ou menos no mesmo período Rembrandt começa a ter seus primeiros êxitos econômicos: tinha levado à pé, de Leiden a Amsterdam (uma distãncia de 40 km) um quadro que conseguiu vender por uma boa soma de dinheiro. Gerrit Dou fica como aluno de Rembrandt até 1632, quando este se muda para Amsterdam. Ele já era considerado entre os “pintores refinados” da escola de Leiden e lá também tinha se envolvido pessoalmente com a organização de uma Corporação de pintores.


Assinatura de Rembrandt da fase
 final de sua carreira
Um certo dia, ainda em sua cidade, ele e seu parceiro Jan Lievens recebem a visita, em seu atelier, de Constantin Huygens, poeta e um dos homens mais cultos e influentes da Holanda. Em sua autobiografia, mais tarde, Huygens fala dessa visita ao atelier dos dois jovens pintores de origem humilde (um era filho de um moleiro, o outro de um bordador) e disse que ficou com uma impressão muito profunda deles. De Rembrandt, Huygens disse que ele era dotado de um desenho fino e elegante e comunicava “palpitantes emoções”. Huygens encomenda a Lievens o seu retrato, e a Rembrandt um de seu irmão. No anos seguintes, Constantin Huygens auxiliou os dois pintores, encaminhando Lievens para a Inglaterra e garantindos excelentes encomendas para Rembrandt. Huygens também propunha obras desses dois pintores a colecionadores internacionais. Ele os colocava no mesmo pé de igualdade com os pintores italianos, que possuíam grande fama na Europa.

Os maiores modelos que Rembrandt teve para sua obra foram seus próprios familiares. Sua companheira Saskia, por exemplo, foi por ele pintada inúmeras vezes. Mas ele pintava seus familiares como personagens, interpretando algum papel na pintura, nunca como simples retratos. Sua mãe era sempre uma velha devota, seu pai era um velho áspero e expressivo, sua irmã Lijsbeth uma mulher ruiva e sempre meio sonolenta e seu irmão Tito aparecia sempre como um menino bonito e com ar de surpresa.

Vida em Amsterdam


Negros, Rembrandt, 1661
Após a morte de seu pai, em 1632 Rembrandt resolve arriscar a vida em Amsterdam. Um marchand local, Hendrick van Uylenburch, lhe oferece um local onde morar e montar seu atelier numa área nobre da cidade. E se torna o intermediário entre o pintor e a clientela nova. No começo, Rembrandt pinta bastantes retratos, porque precisava ficar conhecido no mundo dos colecionadores e dos ricos compradores de obras de arte da Holanda.

Na época em que Rembrandt chegou lá, Amsterdam era uma cidade em pleno desenvolvimento econômico, urbanístico e social. Grande porto comercial e capital de um império colonial, Amsterdam possuía lojas e mercados onde se podia comprar de tudo, incluindo objetos e coisas diversas vindas de várias regiões do mundo.  Ao lados dos canais que cortavam o centro velho da cidade, se erguiam casas confortáveis para os ricos comerciantes locais. Muitos deles passaram a comprar quadros de Rembrandt.

Foi na casa de Hendrick van Uylenburch que o pintor conheceu Saskia, parente próxima do marchand, órfã de pai e que havia chegado há pouco em Amsterdam. Ela tinha 20 anos de idade quando os dois se conheceram e entre eles surgiu um grande amor. Eles se casaram no dia 22 de julho de 1634. Rembrandt tinha 28 anos. Para o filho do moleiro, esse casamento com Saskia representava uma ascensão social.


Um dos retratos de Saskia
Logo Rembrandt se tornou um homem rico, não só por agora ter um parentesco com pessoas ligadas à alta sociedade holandesa, mas também por causa de sua pintura, cada vez mais admirada e requisitada. Com 29 anos, vai morar numa bela casa com Saskia e monta um amplo atelier, onde recebe um número grande de alunos. Na Corte de Haya, graças à Constantin Huygens, o nome de Rembrandt já se tornava conhecido. Recebe encomendas muito bem pagas. Como ele não se dizia nem calvinista e nem católico, pintava tanto para um público quanto para o outro, assim como também para judeus. Nesse período de grande prosperidade na Holanda, havia uma mania nova entre os ricos: colecionar obras de arte. Também Rembrandt se tornou colecionador.

Ele possuía uma curiosidade inesgotável e tinha gosto por toda novidade. E Amsterdam, com toda a prosperidade em que vivia naqueles tempos, era o centro para onde chegavam as novidades do mundo. Nos anos 1630, a expansão colonial holandesa havia atingido seu cume, inclusive com a consolidação de algumas possessões em vários continentes e países, incluindo o Brasil, mais especialmente em Pernambuco. Fora isso, a Guerra dos 30 anos que estava ensanguentando a Europa, não atingiu a Holanda.


A lição de anatomia do dr. Tulp, Rembrandt, 1632

Tempos de prosperidade


Rembrandt nunca saiu de seu país, nem mesmo para ir à Itália, como era costume inclusive de muitos dos pintores holandeses. Segundo Stefano Zuffi, ele não tinha nenhuma vontade de sair da Holanda, inclusive porque mantinha um ritmo de trabalho intenso. Além disso, havia grande disponibilidade de obras italianas em Amsterdam, que ele podia observar de perto. E acrescenta que o mestre conhecia muito bem a arte do Renascimento e do Barroco e que ele sentia “constantemente a necessidade de uma verificação nos mais altos níveis” da pintura.

Rembrandt já tinha muitos amigos e admiradores em Amsterdam. Mas com o passar dos anos, alguns deles se tornaram seus credores, muitos deles insaciáveis. Do seu apogeu à sua ruína, se passaram 15 anos.


Paisagem com três árvores, Rembrandt, 1643
Este pintor se dedicou durante muito tempo ao ensino da pintura, como mestre. Gostava disso, e chegou a ter alunos admiráveis, que também foram seus colaboradores. Eles lhe pagavam para ter aulas com ele. Era um professor dedicado e generoso, ficava muitas horas cuidando da formação de seus alunos. Eles faziam desenhos e pinturas com modelos vivos nus, e muitas vezes posavam para algumas composições do mestre, vestidos com trajes e adereços teatrais que pertenciam a Rembrandt.

Sabe-se que Rembrandt adorava o teatro. Quando era criança havia participado em pequenas encenações em sua escola, o que lhe despertou uma afeição verdadeira pelo teatro, que ele pode ver ainda mais satisfeita em Amsterdam. A atividade teatral na Holanda também era efervescente nos tempos do pintor. O teatro culto convivia com espetáculos ambulantes que aconteciam nas feiras e mercados. Os gestos, as roupas e a encenação dos atores eram para ele um mundo fascinante e inspirador. Estimulava seus alunos a frequentar eventos teatrais, para que estudassem os movimentos e as expressões dos atores em cena. Também diz-se que era um homem de profundas reflexões e sempre questionava o papel do pintor no mundo.

Em plena prosperidade, Rembrandt muda-se com sua família, em 1639, para um palacete de dois andares, onde também podia organizar melhor sua grande coleção de arte e de curiosidades do mundo, que ele comprava nos mercados e feiras. O preço dessa casa era muito alto, mas ele tinha bastante dinheiro e vendia muito. Deu uma primeira entrada, uma quarta parte do valor total, e se comprometeu a pagar o resto da dívida em seis anos.

Em 1642, o mestre havia alcançado o cúmulo da fama e do êxito econômico devido às suas telas “Ronda noturna”, “Estampa de cem florins”, aos seus numerosos alunos, às encomendas que recebia e aos elogios dos críticos. Mas em sua vida pessoal, as coisas estavam difíceis. Seus pais morreram, depois morreu uma irmã querida de Saskia. Pior ainda, três filhos do casal haviam morrido ainda muito pequeninos. Saskia dá à luz a um quarto filho, Tito, batizado em 22 de setembro de 1641. Mas ela adoece após o parto e foi acometida de tuberculose. Após meses de muito sofrimento, no dia 14 de junho de 1642 a esposa amada de Rembrandt morre. Ela só tinha 30 anos de idade.

A ruína


Tito estudando, Rembrandt
A morte de Saskia foi uma grande tragédia pessoal para Rembrandt. Diz-se que seu abatimento durou meses, mas ele tinha um filho ainda bebê para cuidar e tinha sérias dificuldades para organizar sua vida familiar. Na sociedade holandesa, era a mulher que administrava a economia doméstica, cuidava da educação dos filhos, administrava os empregados da casa. Em geral, as mulheres holandesas possuíam grande cultura, mesmo que ainda sofriam o preconceito em alguns setores da vida social. Mas a literatura holandesa do século XVII apresentava muitos títulos para o público feminino.

Saskia, então, deixou o pequeno Tito órfão de mãe com apenas 9 meses de vida. Ela havia deixado de herança a Rembrandt uma parte de dinheiro, condicionando a que ele não voltasse a se casar. Rembrandt se apega muito a seu pequeno e único filho. O mestre resolveu contratar uma ama-de-leite, Geertje Dircx, uma camponesa viúva. Geertje se ocupa com firmeza das tarefas domésticas e do menino. Ela era analfabeta e rude, o oposto de Saskia. Mas era muito trabalhadora e decidida. E se torna amante do mestre, coisa que escandalizou a sociedade calvinista local. Além disso, eles repreendiam o fato de Rembrandt não ter nenhuma prática religiosa, de gastar mais do que ganhava inclusive para comprar coisas extravagantes, como, por exemplo, animais exóticos. 

Sua fama começa a se enodoar com os preconceitos da sociedade holandesa, apesar de ainda ser muito respeitado como artista pelos críticos. Os amigos vão diminuindo, alguns alunos abandonam seu atelier. Geertjer, mais tarde, abre um processo contra ele, acusando-o de não ter cumprido uma promessa de matrimônio. O tribunal obriga Rembrandt a pagar à ela uma pensão anual.


Tito, o filho do artista
Nos anos 1650, o gosto pela pintura também sofre uma mudança. Se adquirem pinturas mais suntuosas, naturezas-mortas exuberantes, paisagens belas. Rembrandt sempre havia preferido os temas maiores da pintura. Para ele, as pinturas de gênero, as paisagens e as naturezas-mortas não lhe atraíam muito. Mas executou algumas dessas obras, mesmo que já mostrava seu afastamento cada vez maior desse gosto geral. Enquanto os compradores de arte queriam pinturas ricas e faustuosas, ele resolveu pintar uma imagem dramática como a do “Boi esquartejado”, uma representação da morte.

O interesse de compradores holandeses por sua obra diminuíram, mas ele ainda atraía muitos compradores de outros lugares da Europa. Um deles foi Antonio Ruffo, que manteve uma prolífica correspondência com o mestre. Ruffo comprou mais de 220 gravuras e diversas pinturas.

A Holanda entra em guerra com a Inglaterra e a recessão surge. Os credores de Rembrandt aumentam ainda mais a pressão sobre ele, que começa a vender os móveis da casa. Ainda havia a dívida do imóvel. Nessa época, ele havia mantinha uma relação amorosa com Hendrickije Stoffels, que fica grávida e dá à luz uma menina. Rembrandt resolve dar o nome da filha de Cornelia, como havia tentado dar a duas outras filhas que tivera com Saskia e que tinham morrido. As dificuldades financeiras se ampliam. Em julho de 1656 foi feito um inventário dos bens do mestre: 363 lotes, entre eles coleções de desenhos, gravuras e pinturas de grandes mestres italianos e flamengos. Tudo foi vendido em leilão para pagar suas dívidas. Em seguida, também sua casa é vendida. 

Rembrandt se apega ainda mais a Tito, seu único filho com Saskia que alcançou a idade adulta. Era um menino ruivo, inteligente, mas de saúde delicada. Dele, Rembrandt fez belíssimos retratos. O filho agora era o modelo preferido do pai.


Tito vestido como monge, Rembrandt
Em 1663, morre Hendrickije, sua última companheira. Eles já viviam em uma casa modesta. De tão pobre agora, Rembrandt teve que vender a sepultura onde Saskia havia sido enterrada. O preço de seus quadros voltam a subir um pouco e ele recebe novas encomendas. Sua pintura estava agora cada vez mais próxima de suas lembranças da obra de Ticiano. As pinceladas eram ainda mais densas e ele deixava algumas telas sem finalizar, sem o “último toque”, como o velho Ticiano fazia.

Tito se casa com Magdalena van Loo em fevereiro de 1668 e logo ela fica grávida. Rembrandt vibra com a ideia de ser avô. Mas em setembro, Tito morre. Rembrandt se prostra numa tristeza profunda, quase não sai mais de casa, onde vive com sua filha Cornelia, que agora tinha 15 anos. Quase não se alimenta mais. Em março seguinte, vai assistir ao batizado de sua neta, que recebeu o nome de Tita. Em seguida, morre também a mãe da menina. Rembrandt mergulha mais do que nunca na pintura, como remédio para tanta tragédia. Assim como Ticiano, que também perdeu um filho predileto, Rembrandt se agarra às cores de sua palheta, à sua pintura. Pinta alguns autorretratos, como o fez durante toda a vida.

Em 1669 morre o grande mestre da pintura holandesa. Morre pobre e quase solitário, deixando uma filha e uma neta.


Provavelmente um dos últimos autorretratos de Rembrandt:
Autorretrato com palheta e pinceis, 1665

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas

O Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo fará uma exposição com 57 obras históricas assinadas por Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Ticiano, Tintoretto, Giorgione, Veronese, Correggio, Bellini e outros. A mostra Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas será inaugurada no próximo dia 13 de julho.

Dois dos três andares do CCBB serão ocupados pelos artistas de Florença e Roma, mas a partir do subsolo do prédio os visitantes serão direcionados para ver as obras divididas em cinco núcleos espalhados em quatro andares, com pintores florentinos, romanos e  venezianos. A exposição será uma grande oportunidade para entender a evolução desse movimento artístico, o mais influente do Ocidente, que foi o Renascimento, onde brilharam nomes como Leonardo da Vinci, Tintoretto, Rafael, Ticiano e Veronese, e muitos outros.

Neste artigo e nos próximos falaremos sobre alguns dos mestres que estarão na exposição do CCBB,  tentando mostrar um pouco de sua biografia e de como trabalhavam os pintores renascentistas, que usavam a técnica de pintura em camadas (velatura) e com pinceladas esfumaçando as tintas (sfumato). Neste, iniciaremos falando de Ticiano.

Amor sagrado e amor profano, de Tiziano, 1514, Galeria Borghese, Roma
TIZIANO VECELLIO

Autorretrato, Tiziano, 1562
Ticiano foi um pintor italiano, da chamada Escola Veneziana, que criou uma importantíssima obra pictórica. Ele é considerado como um dos maiores retratistas de seu tempo, especialmente porque tinha muita facilidade em captar as características pessoais daqueles que retratava.

Ticiano nasceu na pequena Pieve di Cadore, na província de Belluno, perto de Veneza, por volta de 1488. Quando ele nasceu, nasceram também dois outros gigantes da pintura italiana: Rafael e Michelangelo.

A importância de Ticiano na história da arte deve-se ao fato de que ele, mesmo não tendo o gênio de Leonardo da Vinci e nem a personalidade forte de Michelangelo, deixou para seus contemporâneos e para a posteridade uma concepção de pintura verdadeiramente revolucionária, pois foi ele quem libertou a pintura dos limites da linha e da forma, dando todo o poder às cores. Por isso sua pintura é classificada por Heinrich Wölfllin (em Conceitos Fundamentais de História da Arte) como pictórica. A pintura linear – praticada por todos os artistas até então e mesmo hoje em dia – é uma técnica que respeita a forma das figuras, utilizando inclusive das linhas para descrever detalhes.

Madalena, Tiziano - esta tela
estará no CCBB
Não havia nenhum aspecto do mundo, nenhum tema que não chamasse a atenção deste grande pintor. No Museu do Prado, de Madrid, Espanha, pude ver pessoalmente e me encantar com a imensa capacidade de trabalho e perfeição técnica alcançada por este mestre veneziano. Ticiano trouxe ao mundo um novo ideal de beleza, inspirado na realidade, e realçado por um colorido totalmente novo para a pintura de seu tempo. Por isso Cézanne, pintor francês mais moderno, disse: “A pintura moderna nasceu em Veneza, com Ticiano”. E André Malraux completaria mais tarde: “Porque a obra de Ticiano traz a todos os pintores mais do que um ensinamento: uma liberação. Ele lhes desata as mãos.”

Ticiano nasceu em uma família de magistrados, mas os detalhes de sua infância são desconhecidos. Sabe-se que aos 12 anos de idade foi enviado a Veneza para estudar desenho, junto com seu irmão Antonio, pois seu talento já tinha sido notado por seu pai. Seu primeiro mestre foi um pintor de mosaicos, que ele logo abandona para ir estudar no atelier de Giovanni Bellini, considerado um dos melhores pintores de seu tempo. Mas logo em seguida Ticiano muda novamente de atelier e vai estudar com Giorgione, dono de um estilo mais flexível com relação às regras da época. Mas Giorgione morre em 1510, com apenas 33 anos, durante uma das epidemias de peste que assolou a Itália e, em especial, Veneza. Seu outro mestre, Bellini, morrerá em 1516, também por causa da peste.

Violante, Tiziano, 1515-1518
Quando o jovem Ticiano vivia em Veneza, esta cidade passava por um de seus períodos mais prósperos: era a cidade mais populosa e dominava o comércio do mar mediterrâneo. Mas seus ricos aristocratas voltaram-se para o interior do continente que hoje forma a Itália, investindo em terras e promovendo a construção de casas e edifícios. A atividade agrícola era bastante desenvolvida também. Veneza vivia em grande prosperidade e abundância. Do ponto de vista cultural, esta cidade também se destacava. Os ideais do Humanismo, a presença de artistas e intelectuais de diferentes origens, faziam com que em Veneza se pudesse se expressar mais livremente, inclusive mantendo mais independência em relação à Santa Sé. Por lá passaram o alemão Albert Dürer, Leonardo da Vinci e Michelangelo. Entre inúmeros outros grandes nomes das artes e das ciências.

Ticiano se deixou impregnar por essa cultura, posteriormente intitulada de Renascimento, e se aproximou também dos filósofos neoplatônicos. Em Veneza, além dos ateliês de Giovanni Bellini e Giorgione, com quem estudou, lá também viviam inúmeros outros artistas trabalhando em seus ateliês e oficinas, como Lorenzo Lotto, que também estará no CCBB.

Ticiano absorveu toda a clientela de Giorgione (após a morte deste), que era feita dos aristocratas locais. Mas atraiu também os interesses de príncipes das pequenas e ricas cortes da Itália central: Parma, os ducados de Este e Ferrare, Gonzaga e Mântova. Carlos V, o monarca francês, teve um retrato pintado por Ticiano em 1530. Isso atraiu ainda mais encomendas para o atelier de Ticiano.

Mater dolorosa, Tiziano, 1554, Museu do Prado, Madrid
Ele já dominava a técnica da arte pictórica e sua pintura era enérgica, dramática, colorida, características desconhecidas até então na pintura veneziana. Sua fama e o respeito por ele, por parte de outros artistas, só aumentava.

Começaram seus anos de intensa atividade, recebendo as mais diversas encomendas, desde a pintura de retratos a outras com temas mitológicos, alegóricos, religiosos. Sua capacidade de pintar paisagens o tornava o verdadeiro herdeiro de Giorgione. Muitos comerciantes flamengos e alemães presentes na cidade também lhe encomendavam pinturas.
Ticiano tornou-se o pintor oficial da República de Veneza e sua sobrevivência estava assegurada – não fosse pela quantidade de encomendas que recebia – também por um salário de cem ducados por ano. Ticiano ocupou esse cargo de pintor oficial de Veneza por mais de 60 anos.

Sua residência  e seu atelier sempre foram em Veneza. Lá também abriu uma loja, junto com seu irmão Francesco que a administrava, onde ele vendia suas obras.

Em 1525, Ticiano casou-se com Cecília Soldani, com quem já tinha dois filhos. Mas ela faleceu ao dar à luz à terceira filha, Lavínia. Abatido pela dor, Ticiano não consegue mais trabalhar por vários meses. Aos poucos sua vida vai voltando ao normal, mas Ticiano nunca mais se casou com ninguém. Dedicou-se aos filhos: Pomponio, que seguiu a carreira eclesiástica; Lavínia, que se casou com um nobre rico; e Orazio, o filho mais próximo a Ticiano, manteve-se ao lado do pai, ajudando-o em seu trabalho.

Ticiano faleceu em 27 de agosto de 1576, um mês depois de seu filho Orazio. Ambos foram acometidos pela peste. Ticiano não deixou discípulos diretos, mas a sua grande lição – a pintura pictórica onde impera o colorido, e ainda mais seus ideais humanistas e progressistas – ficou para as futuras gerações como um exemplo de artista a ser seguido.

Uma pequena amostra do que foi este grande pintor, poderá ser vista nesta exposição do CCBB.
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Exposição:
Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas
Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB
Rua Álvares Penteado, 112
Centro - São Paulo
Metrô: Sé e São Bento

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Os mestres do Renascimento em São Paulo

Madalena, de Ticiano
O Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo fará uma exposição com 57 obras históricas assinadas por Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Ticiano, Tintoretto, Giorgione, Veronese, Correggio, Bellini e outros. A mostra Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas será inaugurada no próximo dia 13 de julho.

No ano passado, uma outra grande exposição com os pintores do Impressionismo (Paris, impressionismo e modernidade) atraiu 325 mil pessoas ao CCBB em São Paulo. Animados com isso, os curadores resolveram trazer mais uma mostra de peso, com peças de um dos maiores movimentos artísticos da história da arte, o Renascimento.

Os curadores da exposição serão a historiadora de arte italiana Cristina Acidini, do Museu da Cidade de Florença e Alessandro Delpriori, estudioso do Renascimento. As obras são provenientes de diversos museus italianos e de coleções privadas, informa o texto de divulgação do CCBB. A exposição, inédita no Brasil, reúne artistas do século XVI atuantes em Florença, Roma, Milão, Veneza, além de Ferrara e Urbino.


Cristo benedicente, Rafael Sanzio
Dois dos três andares do CCBB serão ocupados pelos artistas de Florença e Roma, mas a partir do subsolo do prédio os visitantes serão direcionados para ver as obras divididas em cinco núcleos espalhados em quatro andares, com pintores florentinos, romanos,  venezianos. A exposição será uma grande oportunidade de entender a evolução desse movimento artístico que foi o mais influente do Ocidente, e onde brilharam nomes como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Tintoretto, Rafael, Ticiano, Veronese e outros tantos.

Haverá também uma "Virada Renascentista" no primeiro dia da exposição, a partir das 15 horas do dia 13 de julho até às 21 horas do dia seguinte, sem interrupção.

Em breve, traremos mais artigos informativos e analíticos sobre essa exposição. Será muito bom para observar de perto como trabalhavam os pintores renascentistas, usando a técnica de pintura em camadas (velatura) e com pinceladas esfumaçando os pigmentos (sfumato). Além disso, fazer a comparação entre o método de trabalho de Ticiano, por exemplo, e Rafael. 

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Exposição:
Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas
A partir de 13 de julho de 2013
Rua Álvares Penteado, 112
Centro - São Paulo
Metrô: Sé e São Bento
Adoração dos pastores, de Lorenzo Lotto

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Michelangelo Buonarroti

A Capela Sistina vista de cima em meio a outra
construções do Vaticano
 
Nestes dias em que a notícia internacional mais comentada é a renúncia do papa Bento XVI, anunciada para o próximo dia 28 de fevereiro, um lugar especial do Vaticano entrará em destaque mais uma vez: a Capela Sistina. É lá que acontece a reunião (conclave) dos cardeais que vão eleger o papa e é da chaminé do fogão da capela que sairá a fumaça escura ou clara que apregoará a eleição ou não do novo dirigente da igreja católica.

Quando se fala em Capela Sistina impossível não lembrar de um dos maiores gênios da humanidade, o homem que, sozinho, foi responsável pela obra de arte pintada no teto da capela construída pelo papa Sisto IV (daí Capela Sistina): Michelangelo Buonarroti. Nesta segunda-feira, dia 18 de fevereiro, completam-se exatos 449 anos de sua morte com quase 90 anos de idade.

Michelangelo nasceu em Florença no dia 6 de março de 1475. Era filho de Lodovico Simon Buonarroti e Francesca di Neri Buonarroti, que tiveram muitos outros filhos. Sua mãe faleceu quando ele tinha seis anos de idade. Como a família era pobre, o pai encaminhou os filhos para aprender alguns ofícios. Michelangelo aos 13 anos de idade foi aprender desenho e pintura no ateliê de Domenico Ghirlandaio, outro pintor da Renascença.

Desde muito cedo seu talento se destacou. Sua disciplina e capacidade de concentração fizeram com que ele rapidamente atingisse um estágio muito avançado nas artes levando seu mestre Ghirlandaio a reconhecer que Michelangelo era melhor que ele, como diz Giorgio Vasari, um dos primeiros historiadores da arte, em seu livro “Vida dos Artistas” publicado pela primeira vez em 1550. O livro foi publicado aqui no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 2011.

Já E. H. Gombrich, no livro “A história da Arte” diz que Michelangelo estudou com Ghirlandaio mas preferiu dedicar-se ao estudo da obra dos mestres do passado como Ghiotto, Masaccio, Donatello. E dos escultores gregos e romanos. “Lhe intrigava como os antigos sabiam representar a beleza do corpo humano em movimento, com músculos e tendões”. Foi aprender as leis da anatomia do corpo humano, dissecando cadáveres, como o tinha feito Leonardo. E fez desenhos com modelo vivo. Ao contrário de Leonardo “para quem o homem era apenas um dos muitos e fascinantes enigmas da natureza” Michelangelo se dedicou basicamente à figura humana. “Não havia postura nem movimento que ele achasse difícil desenhar”, observa. As dificuldades o atraíam.

Tondo Doni, pintada para Agnelo Doni
Lorenzo de Medici, o poderoso homem da família Medici de Florença e patrono de diversos artistas, abriu uma escola de escultura para onde Michelangelo foi enviado. Adolescente, ele fez um busto de mármore usando como referência uma escultura antiga. Lorenzo se surpreendeu com o talento do garoto e resolveu lhe pagar um salário mensal como incentivo e ajuda a seu pai. Enquanto isso, continua Vasari, ele estudou “durante muitos meses” as pinturas de Masaccio, um dos primeiros grandes pintores italianos junto com Giotto. É bom lembrar que a pintura italiana daquela época era feita basicamente em afrescos (pintura feita diretamente na parede com a massa ainda fresca).

Rapidamente a fama de Michelangelo cresceu e, junto com a fama, a inveja, observa Giorgio Vasari. Ao longo de sua vida, o artista passou por diversos entreveros com outros pintores e escultores. Ainda na escola de Lorenzo de Medici, seu colega Torrigiano deu-lhe um soco que lhe quebrou o nariz. Michelangelo levou essa marca até o fim da vida.

Seu temperamento era difícil, impaciente, explosivo. Não se dobrava para ninguém. Certo dia - conta-nos Vasari - um rico mercador florentino, Agnolo Doni, lhe encomendou uma pintura (que hoje está na Galeria degli Uffizi e se intitula “Tondo Doni”). Quando terminou a pintura, Michelangelo enviou-a através de um mensageiro, junto com a conta: 70 ducados. Agnolo, rico e avarento, achou muito caro para uma pintura e enviou-lhe 40 ducados. Michelangelo devolveu o dinheiro e mandou dizer que ou Agnolo pagava 100, ou queria a pintura de volta. Agnolo respondeu que então pagava os 70 ducados iniciais. Michelangelo respondeu-lhe que agora a pintura valia 140. Como o rico mercador queria muito a pintura, pagou os 140...

Logo ele fez o caminho que inúmeros artistas fizeram: mudou-se para Roma. Lá “fez tantos progressos no estudo da arte, que era incrível ver a facilidade com que punha em prática os elevados pensamentos e tornava facílimo tudo o que era difícil...”, observa Vasari.


Pietá, escultura em mármore
Logo, um abade, Jean Bilhères de Lagranles, encomendou a ele uma escultura representando a “Piedade”. Michelangelo esculpiu sua famosa “Pietá” e ele mesmo ficou tão satisfeito com o resultado de seu trabalho que escreveu seu nome no cinto que cinge o peito de Maria, única assinatura feita em suas obras. Sua fama aumenta mais ainda.

Seus amigos de Florença o convidam a voltar para aquela cidade. Um escultor tinha começado uma figura de um gigante em uma pedra e tinha cometido um erro que não dava mais pra corrigir. A pedra enorme estava abandonada. Michelangelo a pediu aos construtores de uma obra, que lhe deram sem nada cobrar. Ele fez um modelo em cera, representando o David da Bíblia bem jovem, com uma pedra na mão. “Fez um tapume de madeira e alvenaria ao redor do mármore e, trabalhando ininterruptamente, sem ser visto por ninguém, terminou tudo perfeitamente”. Estava executada em mármore sua famosa obra David.

David

Nesta época, Leonardo da Vinci, que era 23 anos mais velho que ele,  pintava uma parede na Câmara de Vereadores de Florença. Piero Soderini, um dos administradores da cidade, pediu que Michelangelo pintasse a outra parede.

Em “A História da Arte”, Gombrich enfatiza que quando Michelangelo e Leonardo pintavam ao mesmo tempo essas paredes aconteceu o “momento espetacular na história da arte quando esses dois gigantes competiram pela conquista dos louros e toda a cidade assistiu com excitação ao desenrolar dos preparativos de ambos”.

Logo a fama dele chegou ao papa Júlio II, que lhe pediu a execução de um mausoleu, uma “ obra que em beleza, soberba e invenção superasse toda e qualquer sepultura imperial antiga”. Isso animou Michelangelo, que foi logo para Carrara escolher o melhor mármore. O modelo que ele fez para essa construção era repleto de figuras e adornos complexos. Conseguiu concluir a famosa escultura de Moisés, que faz parte do conjunto. Mas teve que interromper sua obra porque o papa lhe chamou para outra tarefa. Júlio II havia tomado de volta a cidade de Bologna dos Bentivoglio, e quis ter uma estátua que lembrasse esse feito.

Enquanto trabalhava nela, um ourives e pintor foi vê-la. Michelangelo não gostava que o vissem trabalhando, mas fez esse favor por intercessão de uns amigos. Alguém perguntou ao pintor o que ele tinha achado do trabalho de Michelangelo, ao que ele respondeu que a fundição era muito bonita. Michelangelo entendeu que ele elogiava mais o bronze do que seu trabalho e lhe disse: “Vai para o inferno, tu e Cossa, seus dois grandes ignorantes de arte!” Uma senhora da corte de Bologna também foi ver a estátua. Achou-a muito terrível e feroz e observou que ela mais parecia uma maldição do que uma bênção. Resposta de Michelangelo: “Para a maldição foi feita!”
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Paredes internas e teto da Capela Sistina
A pintura da Capela Sistina


O papa Júlio II,
pintura de Rafael
Júlio II era sobrinho do papa Sisto IV que havia construído uma capela dentro do Vaticano, a hoje conhecida Capela Sistina. As paredes laterais já tinham sido pintadas por artistas como Sandro Botticelli, Rafael e Bernini. Por isso pediu a Michelangelo que pintasse o teto da capela, que ainda estava todo branco e acertou de pagar ao artista o valor de 14 mil ducados por todo o trabalho.

No princípio, pelo tamanho da tarefa que tinha pela frente, Michelangelo pensou que podia contratar ajudantes, a quem ele iria ensinar como desenhar e pintar “aos artistas modernos”. Para isso, chamou alguns conhecidos pintores. Já na obra na capela, Michelangelo pediu-lhes que pintassem algumas figuras como amostra de seu trabalho. Não gostou do resultado. Certa manhã, diz Vasari, “resolveu lançar por terra tudo o que tinham feito”. E fechou a porta de capela Sistina para eles, que voltaram para Florença. Michelangelo resolveu pintar tudo sozinho.
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Capela Sistina
Lançou-se ao estudo e ao trabalho de forma incansável, durante quatro anos. Ele “tinha de deitar-se de costas e pintar olhando para cima”, diz Gombrich, e com isso seu corpo sofreu muito e ele ficou tão acostumado a trabalhar deitado e olhando para cima que até mesmo para ler cartas ele tinha que fazer nessa posição. A capela tinha poucas e estreitas janelas e a luminosidade é pouca. Mas quando se olha para cima, diz Gombrich, “o teto é simples e harmonioso”, é “límpido todo o arranjo” e as cores “fortes e luminosas”.

Enquanto ele trabalhava, ninguém podia ver o que fazia. Nem o papa. Mas Júlio II estava muito curioso para ver em que pé ia o trabalho do artista. Pensando que Michelangelo estava fora, pediu que lhes abrissem a porta da Capela. Mas nem deu o primeiro passo lá dentro, quando Michelangelo, que trabalhava em um dos andaimes, começou a atirar-lhe pedaços de madeira nas costas. Júlio II saiu correndo, com raiva e medo, e “fazendo ameaças”. Michelangelo desceu do andaime e entregou a chave da porta da capela para Bramante de Urbino, um arquiteto, e foi-se embora para Florença. Ouviu do papa coisas que o tinham ofendido muito e por isso não voltaria a Roma nunca mais.


Mas, diante dos pedidos de diversas pessoas, e não querendo que uma obra como aquela ficasse inacabada, Júlio II resolveu perdoar Michelangelo e o chamou de volta. Vasari completa que Michelangelo estava “firmemente decidido a não voltar, pois não confiava no papa.” Mas os apelos foram feitos e o pintor resolveu voltar e retomar seu trabalho. O papa, a partir de então, o tratou sempre com “presentes e lisonjas”. Michelangelo terminou a obra.

Sobre essa tarefa artística que exigia um gênio para executá-la, resumiu Giorgio Vasari:

“Ó feliz idade esta nossa, ó bem aventurados artistas, pois assim vos deveis chamar, uma vez que em vosso tempo pudestes aclarar as tenebrosas luzes dos olhos na fonte de tanta claridade e assim enxergar tudo o que era difícil, aplanado por tão maravilhoso e singular artista: sem dúvida a glória de seus esforços vo-lo dá a conhecer e honrar, pois arrancou de vós a venda que tínheis diante dos olhos da mente, tão cheia de trevas, e levantou o véu da falsidade que vos turvava as belíssimas estâncias do intelecto. Por isso, deveis agradecer ao céu e esforçar-vos por imitar Michelangelo em todas as coisas.”

A criação de Adão, detalhe do teto da Capela Sistina pintado por Michelangelo
Completada a pintura do teto e da parede frontal da Capela Sistina, Michelangelo voltou a trabalhar na sepultura, que era mais de seu interesse porque ele sempre se disse escultor e não pintor. Enquanto isso, Júlio II morreu e mais uma vez a obra foi suspensa, por ordem do papa eleito Leão X, que preferia que Michelangelo fizesse a fachada de uma igreja em Florença. Diversos outros artistas desejavam executar essa obra, mas Michelangelo “não quis a participação de ninguém mais”.
Moisés, uma das esculturas do conjunto do
Mausoléu para Júlio II

Morreu Leão X, surgiu o papa Clemente VII, que pediu que Michelangelo desta vez pintasse a fachada da Capela de Sisto. Assim que o artista começou a fazer os esboços da fachada, o papa morreu. Sucedeu-lhe Paulo III, amigo de Michelangelo. Este pediu que a obra fosse concluida, pagando a Michelangelo um salário mensal. Estava quase terminando seu trabalho, quando o papa quis ver a pintura. O mestre de cerimônias que acompanhou o papa reclamou que havia muitos nus. O artista não esqueceu isso e pintou o rosto dele “no inferno, na figura de Minos, entre um monte de diabos”, observa Vasari.

Trabalhando nessa obra, Michelangelo caiu do andaime e machucou a perna. Com muita dor e raiva “não quis que ninguém a tratasse”. Mas ele tinha um amigo médico, Baccio Rontini, que ao saber disso foi até ele. Não saiu de perto do amigo e tratou a perna machucada até que ele ficou curado.

Michelangelo era um trabalhador incansável e levava muito a sério cada obra que lhe era encomendada. Mesmo que tenha tido uma vida tranquila do ponto de vista financeiro, detestava a vida nas cortes e os poucos amigos que tinha eram seus colegas de trabalho e profissão. Ajudava financeiramente seus parentes, mas sempre manteve uma certa distância da família. Sempre que algum artista recorria a ele, Michelangelo “sempre que pôde ajudou”. Vasari completa que ele “nunca criticou as obras alheias, a não ser depois de ter sido espicaçado ou ferido.” Teve dois ou três aprendizes. Nunca se casou. Quando já idoso, aceitou como aprendiz a Francesco di Bernardino d’Amadore, que passou a servir e a cuidar dele.

Detalhe de um dos nus pintados por Michelangelo
na Capela Sistina
Michelangelo Buonarroti era avesso à convivência social e sua dedicação à arte era absoluta. Ele dizia mesmo que conviver pouco com os outros era garantia de viver em paz e que “não gostava de gente que parecia esgoto”, ou seja, “que fala como se tivesse duas bocas”. Vasari conta também que “quando um amigo lhe perguntou o que achava de alguém que fizera réplicas de mármore de algumas das mais celebradas figuras antigas, gabando-se o imitador de que superara em muito os antigos, Michelangelo respondeu: ‘Quem anda atrás dos outros nunca os ultrapassa’.”

Gombrich completa dizendo que Michelangelo, já idoso, “enquanto príncipes e pontífices rivalizavam em ofertas” para ele, ele se tornava cada vez mais ensimesmado e mais exigente consigo mesmo. Escrevia poemas, e em algumas cartas escritas se vê que “quanto mais subia na estima do mundo, mais amargo e intransigente se tornava.” Era amado e temido ao mesmo tempo, pois tinha um temperamento forte e não perdoava ninguém, superior ou inferior.

Giorgio Vasari que, além de historiador da arte, também foi pintor explica que “a arte exige pensamento, solidão e comodidade, e não uma mente que vaga e se desvia no comércio humano. Assim, ele (Michelangelo) não falhou consigo mesmo e com seu trabalho deu grande proveito a todos os artistas”.

Michelangelo morreu em Roma no dia 18 de fevereiro de 1564.


Estudo para o Adão de "A Criação de Adão", da Capela Sistina