sexta-feira, 16 de abril de 2010

À imagem e semelhança do... Homem!



“Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.” Este é o segundo mandamento da Lei de Moisés do Velho Testamento da Bíblia, que virou o primeiro mandamento das artes plásticas contemporâneas.

A comparação não é minha, mas do poeta mineiro e estudioso de artes, Afonso Romano de Sant'Anna, em seu livro “Desconstruir Duchamp”, onde o autor tece inúmeras reflexões sobre o estado atual das artes plásticas no mundo, dominadas pela arte conceitual.

Qualquer pessoa que tenha atualmente um mínimo interesse em acompanhar como andam as coisas no mundo das artes plásticas – que a nova academia prefere chamar e incluir no termo “artes visuais” – se verá diante de um quadro bem difícil de assimilar. Num mundo onde reinam “conceitos” abstratíssimos e onde “tudo” – literalmente qualquer merda (Manzoni, artista italiano enlatou suas próprias fezes que foram vendidas a preço de ouro) – pode ser considerado arte, quem ganha é o sistema: mercado de ações, curadores, negociantes de arte, instituições e, claro, o artista digerido por esse sistema.

Mas perde o ser humano. Nesse sentido, a crise atual das artes plásticas está nos dizendo alguma coisa, e precisamos ouvi-la.

Um primeiro fato que chama a atenção é a absurda elitização daquilo que pode ser chamado de alta cultura, como livros, teatro, concertos musicais, cinema, museus. Recentemente, o Ministério da Cultura fez uma pesquisa cujos dados são alarmantes. Para não entrar em outras áreas, apenas em relação a um dos dados avaliados pelo índice que mediu o consumo cultural do povo, verificou-se que 70% dos brasileiros jamais colocou os pés em um museu!

Há muitos anos, exatamente em 1959, Ernst Fischer já chamava a atenção, em seu livro “A Necessidade da Arte”, para a falta de interesse e de empenho, por parte do sistema capitalista, de que a imensa maioria do povo tenha acesso à cultura. Diz ele: “... massa de seres humanos para os quais mesmo a velha arte é algo de inteiramente novo, seres cujo gosto artístico ainda está por se formar, cuja capacidade de apreciar as qualidades artísticas precisa ser desenvolvida”, necessitam de que a arte se liberte do fato de ser bem de uma “elite educada” a que se chama “público”. E essa “elite educada” nunca foi tão elite quanto atualmente em que a arte conceitual se assume como obra DE e PARA iniciados. Mas faz sentido! Se um tubarão congelado em formol ou uma cama desarrumada após uma relação sexual podem ser expostos como “obras de arte”, realmente para se enxergar nisso o que “eles” dizem que existe – arte – realmente há que ser um iniciado de uma de suas herméticas escolas!

Pinturas da caverna de Lascaux, França
Mas o sentido da arte, segundo acredito, é o da arte que vem da História, desde as primeiras inscrições nas cavernas descobertas na Espanha e França. Criaturas criadoras que somos, desde milênios, a arte sempre serviu para nos comunicar uns com os outros, para nos unir, para nos inspirar, para nos colocar “em estado de equilíbrio com o meio circundante”, como diz também Ernst Fischer. A história da arte é a história da humanidade, uma vez que o foco – e o objetivo – da arte é o ser humano.

Humanismo percebido por Marcelo Gleiser, físico teórico brasileiro, que acaba de lançar no Brasil o seu novo livro “Criação Imperfeita”. O livro fala de ciência, de Física e Astronomia. O que isso tem a ver com Arte? O seguinte: Marcelo Gleiser propõe uma mudança de foco num paradigma tão antigo quanto a ciência: “é necessário deixar para trás a expectativa de que devemos achar explicações finais sobre o mundo, sejam elas científicas ou religiosas”, diz ele e acrescenta que essa maneira de fazer ciência nos fez evoluir e aprender muito como funciona o universo e do que somos feitos. “Por muito tempo, talvez por tempo demais, buscamos harmonias que não existem; buscamos, também, por companhia nos céus – divina ou extraterrestre, que aliviasse os temores de nossa existência.” Mas esse tempo já passou, diz ele, ao propor o que ele chama de Humanocentrismo, ou seja, a necessidade de recolocar o ser humano no centro da atenções, das ciências à artes.

Nas artes hoje vivemos sob o pensamento único que impera sob o nome de “arte contemporânea”. Mas o que exatamente significa o termo “arte contemporânea”? Para o mercado – e para o sistema atual das artes, na expressão do jornalista Luciano Trigo – significa simplesmente commodities. Arte é negócio – e negócio é arte, inclusive para alguns artistas.

Arte não é mais aquela obra de criação de um ser humano apresentada à outro com o sentido de refusão desse homem, como diz Antonio Callado, num sentido de coletividade “que completa uns homens nos outros”, que “torna novos” os homens, que incita-os “à permanente escalada de si mesmos” e da sociedade. Hoje Arte é mercadoria, no sentido capitalista definido por Marx como mais-valia. Na Idade Média, uma pintura valia um preço, mas o preço real do gasto com material e do trabalho do artista. Hoje, na busca alucinante (e alucinógena) pelo lucro a todo custo, um tubarão imerso em formol do artista plástico Damien Hirst é vendido como obra de arte por 12 milhões de dólares. O mundo deve estar louco... Mas, pensando bem, esse mundo é uma minoria, que da maioria quer mesmo é distância. Melhor – para eles – que ainda hoje 70% de brasileiros não possam ir a um museu contemplar as Belas Artes...

Essa arte hoje também é tudo, menos pluralismo. Não há espaço para pintores figurativos, por exemplo. Milhares de artistas figurativos, que teimam em representar a realidade em seus quadros, sobrevivem à margem do sistema, esquecidos, resistentes. Afonso Romano de Sant'Anna, também em seu livro “Desconstruir Duchamp” pergunta: “Quantos artistas ainda não estão traumatizados, paralisados, congelados de medo diante do desejo de pintar figuras, como se os talibãs os fossem pegar em flagrante?”

Voltando à frase bíblica inicial, podemos pensar que realmente hoje há um medo da imagem no mundo das artes plásticas – grande paradoxo gerado pela sociedade pós-moderna que multiplica-se em milhões de imagens. Mas esse medo é o mesmo medo de se voltar ao ser humano, de recolocá-lo no centro, como propõe Marcelo Gleiser. É o mesmo medo das elites de que esses 70% de brasileiros possam ir aos museus, às galerias, às livrarias, aos cinemas, aos teatros, aos concertos musicais, porque no dia em que isso começar a acontecer o homem mais uma vez estará dando um salto em sua humanidade.

Para terminar, em prol dessa re-humanização das artes, Ernst Fischer:

“O homem, que se tornou homem pelo trabalho, que superou os limites da animalidade transformando o natural em artificial, o homem, que se tornou um mágico, o criador da realidade social (…) será sempre Prometeu trazendo o fogo do céu para a terra, será sempre Orfeu enfeitiçando a natureza com a sua música. Enquanto a própria humanidade não morrer, a arte não morrerá.”

sábado, 3 de abril de 2010

O Velázquez que nos mira há 354 anos

Desde o dia 16 de março de 2010, o quadro do pintor realista John Singer Sargent, “”As Filhas de Edward Darley Boit”” (1882), ficará exposto, até 31 de maio, no Museu do Prado, em Madri, Espanha, ao lado da obra-prima que o inspirou, “”As Meninas”” (1656), do espanhol Diego Velázquez.


A tela de Sargent sendo colocada ao lado da de Velázquez
John Singer Sargent nasceu em Florença, Itália, em 1856, mas era filho de pais norte-americanos, originários da Filadélfia. Esse pintor, que desde criança demonstrava talento para o desenho, encorajado por sua mãe, aos 13 anos, começou a ter aulas de pintura na Academia de Belas Artes de Florença. Com apenas 18 anos de idade, foi admitido no Atelier do pintor realista Carolus-Duran, em Paris, um artista que se inspirava na obra do também pintor francês, realista e revolucionário, Gustave Courbet.


John Sargent, Carolus-Duran e Gustave Courbet, três importantes pintores, unidos no mesmo gosto pela estética realista, formam, através do tempo, uma linha artística que alcançou, no passado, o pintor Diego Velázquez, e – indo indo ainda mais distante no tempo e na história da arte – se encontram e se agrupam no mesmo fervor pela pintura do estranho e maravilhoso pintor italiano Caravaggio, o iniciador de uma linha genealógica de pintores que atravessam os tempos.


Seriam necessárias centenas de páginas para nos reportarmos à importância de cada um desses pintores. Ainda voltaremos a falar de cada um deles, nesta coluna. 


Autorretrato de Velázquez em As Meninas
Mas por enquanto, fiquemos com o espanhol Diego Velázquez, pois neste ano de 2010 completam-se 350 anos de sua morte. Expor ao lado de sua obra ““As Meninas”” a tela de 222,5x222,5cm do pintor John Singer Sargent, um óleo sobre linho, pintado em homenagem a seu mestre dois séculos depois do quadro que o inspirou, é parte das homenagens que o artista espanhol terá. Sargent teria feito árduos e persistentes estudos, uns 58 ao todo, para reproduzir em seu quadro ““As Filhas de Edward Darley Boit”” o rigor técnico e as características mais marcantes do mestre.


Mas vamos a Velázquez.


Diego Rodriguez de Silva Velázquez, filho de pai português e mãe espanhola, nasceu em Sevilha, em 1599. A Espanha de Velázquez era, no dizer do historiador da arte francês Élie Faure (1873-1937), um país “cortado “em dez partes pela religião, pela guerra e pela natureza””. Não havia uma cultura espanhola única, mas todo um emaranhado cultural de vários povos, que foram formando aos poucos a alma espanhola, intensa e trágica, tão bem expressa nas famosas touradas e no som das castanholas.


Velázquez desenhava desde muito cedo, e ainda adolescente foi estudar pintura no atelier de Francisco Pacheco, seu futuro sogro. Desde o início, interessa-se por pintar motivos comuns como jarras, peixes, pássaros, flores e frutas, que ele via no mercado de Sevilha. Nesta época, pinta o famoso quadro “”Velha fritando ovos”,” que trazem expressas as raízes de sua inspiração nos pintores El Greco e Caravaggio, de onde aprendeu os efeitos de claro-escuro e o tom realista.


Diego Velázquez: Velha fritando ovos, 1618
Em 1624, muda-se com a esposa para Madri, para trabalhar como pintor contratado pela Corte do Rei Filipe IV, um amante das artes. Em duas viagens à Itália, Velázquez fez diversos estudos, em pintura e desenho, de obras de Michelangelo, Rafael, Ticiano e Tintoretto. Amigo do pintor holandês Rubens, fazia retratos da família real e da corte, além de quadros com temas religiosos e mitológicos.


Diego Velázquez:
O aguadeiro de Sevilha, 1620
Mas antes, em sua Sevilha natal, povoada por nobres, mercadores, eclesiásticos e viajantes de todas as origens, Diego de Silva Velázquez – como também ficou conhecido – convivia com as multidões de pobres, indigentes e delinquentes dessa cidade. Em meio a esse contraste, ele desenvolveu sua sensibilidade artística, que deixou transparecer em muitos de seus quadros em todas as fases de sua vida, mesmo quando já era o pintor do rei. Suas telas, mesmo as de temas religiosos ou mitológicos, estampavam rostos muito parecidos com os rostos da gente simples que ele conheceu em sua terra natal. Rostos enrugados, olhares perdidos, roupas rotas, aparência cansada da lida do dia a dia, surgem até mesmo em telas como ““Cristo na casa de Marta e Maria””, na ““Adoração dos Reis Magos””, na ““O Aguadeiro de Sevilha””, na ““Os Bêbados (Triunfo de Baco)””, na ““A Forja de Vulcano””. Até mesmo em seu apreciadíssimo quadro ““As Meninas””, quando em primeiro plano, à direita da infante Margarida, aparecem dois empregados da família real, a alemãzinha hidrocéfala e anã Mari-Bárbola e o pequeno italiano Nicolasito Pertusato, ambos acompanhados de um cachorro. Disse o jornalista e ativista político, combatente contra a ditadura de Franco, José Ortega y Gasset: “”Nosso Velázquez reúne alguns ganhadeiros, alguns pícaros, escória da cidade, sujos, ladinos e inertes. E lhes diz: Vinde, que vamos zombar dos deuses”.”


Velázquez: As Meninas, 1656
Mas o quadro mais famoso de Diego Velázquez é mesmo ““As Meninas””. Representava a família de Filipe IV, e foi pintado em 1656. Desde então, muito já se estudou, se escreveu e se elocubrou a respeito desse quadro, onde o próprio pintor aparece em auto-retrato.


A tela mede 312 x 276cm, e as figuras estão pintadas em tamanho natural. Ao centro, em primeiro plano, surge iluminada a figura da infanta Margarida-Teresa, com cinco anos de idade, sendo acompanhada por duas damas de companhia. Além dos anões e do cachorro, já citados, surgem mais três figuras de empregados da corte: logo atrás à direita, uma camareira e um ajudante de ordens. Ao fundo do quadro, através de uma porta aberta, surge a figura de José Nieto Velázquez, parente do pintor e tapeceiro do palácio. Também ao fundo, à esquerda, um grande espelho de moldura escura reflete os rostos do rei e da rainha, que estariam, segundo parece, à frente de todo o grupo e no próprio lugar da pessoa que examina o quadro. O pintor, na tela, com pincel e palheta nas mãos, tem diante de si uma grande tela. Também ele está olhando para nós, os observadores do quadro – ou para o casal real, segundo o ponto de vista escolhido.


Mas penso, enquanto olho para o incrível quadro desse grande pintor, que há uma grande dica que Velázquez continua dando através dele, 354 anos depois: o observador vê a realidade refletida nesta pintura e é, ao mesmo tempo, observado por ela. Lembro-me dos primeiros experimentos da Física Quântica, quando os físicos se depararam com o estranho comportamento das partículas, que pareciam sofrer interferência da observação. Observador e observado em perfeita sincronia. Diante do gigantismo desta tela, não há como não ficar um tanto quanto inquieto com esses olhares, que se lançam do quadro ao espectador, criando essa relação enigmática entre o observador e o quadro. Isso me leva a pensar, a seguir, que os laços que unem realidade e sensibilidade do artista são infinitos. Não se trata de retratar a realidade tal como ela é, como na pintura acadêmica tradicional, ou mesmo no estilo hiper-realista. Trata-se sobretudo de apreender a realidade e refletir sobre ela, devolvendo-lhe uma nova característica, que o olhar do artista transmuta com seu pincel. Carolus-Duran costumava ensinar a seus alunos no atelier, dizendo que é preciso “exprimir o máximo, com o mínimo de meios”.


Velázquez:
Pablo de Valadolid,
1632/1635
No exercício de perceber a realidade, o pintor recria-a, remodela-a e apresenta-a ao espectador, modificada, convidando-lhe também a uma nova visão sobre o mundo. Porque afinal de contas, a vida nos convida todo tempo a APRENDER A VER, a cada momento com um olhar diferente, sem as escamas que nos são lançadas aos olhos pelo sistema vigente (e pela mídia). Cria-se então essa relação dialética entre Realidade e Arte, uma interferindo na outra, em ritmos tensos ou frouxos, mas provocando o movimento natural da vida.


Penso, por fim, que uma tela de 354 anos, mostra que a Realidade, mutável e infinita, será sempre o referencial infindável iluminador da criatividade de tantos e tantos artistas, os que vieram e os que estão por vir. Porque, afinal de contas, uma cadeia de DNA onde constam nomes como Caravaggio, El Greco, Velázquez, Courbet, Fantin Latour, Rosa Bonheur, John Sargent, Vladimir Tatlin, Alexander Rodchenko, Diego Rivera, e tantos outros artistas desse calibre, ainda dará muito o que falar na História da Arte, que é também uma parte importante da história da humanidade.


Penso que a arte realista acima de tudo é uma arte humanista, com tudo o que de belo essa palavra esconde em si.

O direito de dizer "não gostei"

Andy Warhol
Foi inaugurada na Pinacoteca de São Paulo, neste 20 de março, uma exposição com 170 trabalhos do norte-americano Andy Warhol. São pinturas, gravuras, fotografias, filmes e instalações de um dos ícones preferidos da mídia. E de uma certa categoria de gente (dessa gente que gosta de estar na onda da moda) que “ama de paixão” a arte contemporânea.

Mas... Quem foi Andy Warhol?

Warhol nasceu em 1928, na Pensilvânia, EUA, e era o quarto filho de uma família de operários imigrantes, originários da Eslováquia, fronteira com a Polônia. Em 1945, com 17 anos de idade, entrou na, hoje, Universidade Carnegie Mellon, onde se graduou em Design. Logo depois, mudou-se para Nova Iorque onde começou a trabalhar como ilustrador de revistas como a Vogue e a New Yorker. Também fazia anúncios publicitários e dispositivos para vitrines de lojas. Como artista gráfico e diretor de arte, ganhou diversos prêmios. Sua primeira exposição individual aconteceu em 1952, com quinze desenhos baseados na obra de Truman Capote. E a partir daí começa a se construir o personagem Andy Warhol.

No início dos anos 60, em plena Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, os planos norte-americanos de transformar Nova Iorque num centro cultural já estava em pleno andamento. Jackson Pollock, De Kooning e Mark Rothko já eram figuras de proa no Expressionismo Abstrato daquele país, uma estética que representava – para os mandarins culturais ideológicos dos EUA – a ideologia da liberdade, da livre iniciativa e, sobretudo, anticomunista.

Foi nesse meio que o artista gráfico Andy Warhol se formou e começou a construir a personagem Andy Warhol.

Fui ver esta exposição, que se intitula muito apropriadamente “Mr. America”, em Buenos Aires, em dezembro passado, no MALBA. Foi no mínimo curioso ir ver uma exposição como esta, de Andy Warhol, num museu que se chama de Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires e que ocupava três andares, sendo apenas um reservado para os realmente artistas latino-americanos. É a mesma exposição que passou pela Museu del Banco de Bogotá na Colômbia e que agora se inaugura aqui em São Paulo. Essa mostra traz uma boa parte do trabalho desse artista, o que é útil para aqueles que desejarem um conhecimento maior sobre ele. Ou para se juntar à trupe que o aplaude, ou para simplesmente confirmar, ao vivo, que ele realmente nada tinha a dizer que valesse a pena.

Ou melhor, tinha. Warhol se formou no meio da publicidade e do design. Sua importância, enquanto artista deve-se ao fato de que soube, mais do que ninguém, fazer a aproximação máxima entre arte e capitalismo. Show man e show business em potencial – teve até um programa na MTV – Warhol não tinha vergonha de assumir: “Sou uma pessoa profundamente superficial. As palavras enchem espaço. Prefiro encher a carteira”. Para ele o artista devia ser uma estrela, como as hollywoodianas, e todos deveriam perseguir seus “quinze minutos de fama”.

Logo no começo da mostra, entre os primeiros quadros, um que representa o Tio Sam, claro, pois a mostra se chama “Mr. America”. Seguem-se a ele, alguns auto-retratos com Warhol fantasiado de dragqueen. E mais à frente, as famosas serigrafias e estêncils com a logomarca das Sopas Campbell, seguidos por colagens com notas de dólar, e fotografias da Estátua da Liberdade. Deparo-me com a seguinte frase, entre os quadros: “De nenhuma maneira trato de fazer uma crítica aos EUA e nem mostrar coisas feias”. Anotei esta frase no caderninho que me acompanha nas exposições, para não esquecer. Em seguida, passa-se por alguns quadros representando uma morte em cadeira elétrica, um acidente automobilístico e um suicídio – o máximo de “denúncia social” a que o artista se propôs. Mas diz logo em seguida: “Creio que minha arte representa os EUA, mas não faço crítica social: só pinto esses objetos em minhas obras porque são os que melhor conheço”.

Como bom publicitário, ele inaugurou a fase (que ainda dura e ninguém aguenta mais tanta variação sobre o mesmo tema) onde se usa uma marca, um objeto, um produto do mercado de consumo, tentando-se elevá-los ao status de obra de arte. Transformando tudo em produto, como é próprio do sistema capitalista, além das sopas Campbell, Andy Warhol brincou com retratos, como o cansativamente reproduzido Marilyn Monroe, mas também com o de Mao Tse Tung e de Lenin. Por isso, quando vemos broches e camisetas do Che à venda em lojas de departamentos – o Che, o grande revolucionário latino-americano, anticapitalista e cuja face foi transformada em produto de grife – devemos isso ao grande inovador da publicidade-pop-arte-capitalista Andy Warhol.

Porque para ele, acima de tudo, arte era um negócio e, no final da vida, também apenas assinava as serigrafias que sua equipe produzia como autêntica. Já estava em pleno funcionamento a sua indústria artística, que era ao mesmo tempo espetáculo. Assim como suas obras, Andy Warhol se transformou também numa logomarca, numa virtualidade incorpórea. Ele era a própria americanização da arte tão desejada pelos autores norte-americanos da Guerra Fria, ou seja, uma forma nova de se fazer e pensar(?) a arte, com o artista e sua obra se transformando em um espetáculo ao qual todos podiam assistir em horário nobre. A imagem acima de tudo, mas uma imagem irreal. Quanto mais distante da realidade mais venerável.

Todos esses não são valores ainda muito atuais? Talvez seja por isso que Andy Warhol tenha ainda uma legião de fãs entre uma maioria de desinformados, porque a marca, o produto de mídia “Andy Warhol” ainda se multiplica e ainda vende. Ele mesmo, em várias de suas famosas tentativas de profetização, declarou que a “arte empresarial é o passo que vem depois da arte”. E acrescenta: “Depois que fiz a coisa chamada 'arte', ou seja lá como chamam, entrei na arte empresarial”, porque “ser bom nos negócios é o tipo mais fascinante de arte”. Nada mais próximo da receita atual de capitalismo e também do modelo de arte do mercado: pega-se um artista – ou um não-artista, melhor ainda se tiver um 'não' antes – e sua brilhante ideia, passa-se pela peneira da midia, transforma-se ambos em uma grande novidade, combina-se que aquela obra foi vendida por milhões de dólares (às vezes é real!), lança-se artista e produto no mercado de ações, assiste-se freneticamente ao subir de suas cotações nas Bolsas de Valores, atinge-se o clímax ao som das notas de dólares preenchendo as carteiras (né, Warhol?) e, após o orgasmo, poucos sobram para continuarem em movimento de sobe-e-desce. Até vir o próximo.

Mas vale a pena ir ver Andy Warhol na Estação Pinacoteca de São Paulo. Aliás, vale a pena ir ver exposições, sempre, sempre, sempre! Mesmo que o que se apresente aos nossos olhos não seja do nosso gosto. Sim! Porque nós PODEMOS dizer que não gostamos – se não gostamos – seja de Andy Warhol ou de Vik Muniz! Porque hoje em dia até mesmo o básico direito de torcer o nariz para os artistas endeusados pela midia e curadores (mercadores) de arte, é recebido como ignorância! “Andy Warhol – dizem “eles” - era um artista rebelde, que via a sociedade com cinismo”, apesar de ter se dado muito bem com essa mesma sociedade! Mas prefiro ficar com o jornalista brasileiro Luciano Trigo, que diz que quem enxerga na obra de Warhol “uma crítica à sociedade de consumo não entendeu nada”.