sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Estamos bien en el refugio, los 33

Da escuridão, a vida emergiu

Minha homenagem aos 33 operários chilenos que ficaram 69 dias presos dentro de uma mina de cobre, a 700 metros de profundidade, aguardando o resgate, que se iniciou na madrugada de hoje, 13 de outubro.

Torcendo para que seu sacrifício não tenha sido em vão, e que os capitalistas cuidem um pouco mais do salário, da segurança e da saúde dos operários mineiros em todo o mundo, assim como de suas famílias.

Em tempo: (O Globo, 19/10/2010) "O Sucesso do resgate dos mineiros que estavam presos a 700 metros do solo no Chile acabou suplantando uma importante discussão. Afinal, só em 2009 o país registrou mais de 191 mil (!) acidentes de trabalho em todo o país, com 443 mortes. (!) E no primeiro trimestre deste ano foram 155 mil mortos. (!) Em entrevista à rede de notícias IPS, sindicalistas do setor de mineração ressalataram que os mineiros não são heróis, mas vítimas de uma situação desigual em relação às empresas para a qual trabalhavam. Para sindicalistas chilenos, "a lamentável irresponsabilidade empresarial abriu uma grande oportunidade para que os trabalhadores denunciem e mostrem tudo o que se esconde."

Nuestras mujeres - lápis carvão sobre papel cartão

Mejores condiciones de trabajo! - carvão e pastel sobre papel cartão

 Aquí estoy a salvo - carvão e pastel sobre papel cartão

Dile que estaré de vuelta! - carvão sobre papel cartão

Volveremos! - carvão sobre papel cartão

Estoy vivo - carvão sobre papel cartão

Ayúdenos - carvão sobre papel cartão

Os operários desenhados a carvão
surgem do preto mineral com seus olhos de minério,
com suas carnes de minério,
com suas esperanças superminerais.
No oco da mina aguardam como fetos o momento da expulsão um a um.
Sob esse aspecto, gêmeos univitelinos do mesmo útero e do mesmo carvão,
chegarão à superfície chilena desejados e amados
e cegos da escuridão placentária.
Lavaremos seus corpos com a água salgada de nossas lágrimas e de nossa espera.
Ao saírem do chão, estou feérico, é a nós que desenterram,
e à metáfora de uma nova classe operária
brotada para um novo tempo a partir da cova funda
onde homens-sementes-minerais foram plantadas.

(Um comentário que virou poesia - de Jeosafá Fernandes)

sábado, 2 de outubro de 2010

Os revólveres, os urubus, a Bienal e as polêmicas do momento

Reproduzo abaixo artigo do poeta AFONSO ROMANO DE SANT'ANNA sobre a Bienal de São Paulo.

Artista, acima de qualquer suspeita?


Gil Vicente contra Gil Vicente
(do blog do Afonso Romano)
A 29ª Bienal de São Paulo está propiciando uma discussão que não pode ficar na superfície dos fatos. Com efeito, a Bienal anterior, que denominei de "a bienal do vazio" não se interessou em discutir a fundo o problema que levantou, e tudo terminou como uma questão policial. 

Agora surgiu a polêmica em torno dos desenhos do artista pernambucano Gil Vicente, nos quais ele aparece atirando em Fernando Henrique Cardoso, cortando a garganta de Lula e matando outros lideres mundiais como Nethanyahu, Armadinejad, Rainha Elizabeth e o Papa atual.

Formaram-se logo dois grupos opostos. A OAB, exercitando seu discurso jurídico, prometeu processar o artista e/ou a Bienal por incitação ao crime e à violência, e do outro lado os curadores afirmando que isto é censura. E alçaram a palavra "censura" como um talismã que os protegesse.

A questão me parece mal colocada. E quando se coloca mal uma discussão, deriva-se para outros mal entendidos. Consideremos primeiro que esse episódio remete para algo conhecido no mundo antigo como "morte em efígie". Não se podendo destruir o réu, destruía-se sua imagem, arrasando sua memória.

Mas não é a primeira vez que dentro da modernidade ocorre um crime semelhante. Em 1965 três pintores mataram Marcel Duchamp. Gilles Aillaud, Antonio Recalcati e Eduardo Arroyo pintaram oito quadros realistas nos quais surpreendiam Duchamp subindo uma escada, esmurravam-no, torturavam-no e jogavam-no escada abaixo nu.

Duchamp, que propunha a morte da arte, não gostou de se ver morto ali. E analisando esse quadro/episódio no livro "O Enigma Vazio" (Ed.Rocco) eu dizia que não é matando, mesmo em efígie, o ícone da arte de nosso tempo que o entenderemos. O desafio é ir a fundo na sua vida&obra (que foi o que tentei fazer). Além do mais, a violência dos três pintores insere-se no quadro violento dos anos 60/70 quando o pensamento totalitário à esquerda e à direita achava que pela força resolveriam problemas sociais e políticos.

Portanto, preservando-se o direito do artista se expressar, mas alertando para as consequências disto, não se pode deixar de ver na obra daquele artista pernambucano um paradoxal exercício da violência. A meu ver, deveríamos ter aprendido com a Revolução Francesa, com a russa, a chinesa e cubana, que cortar a cabeça dos lideres é inócuo. Por outro lado, ressurge aí a síndrome voluntarista, perversa e autoritária do "justiceiro" - figura que a sociologia estuda pertinentemente.

Acima de qualquer suspeita?

Isto posto é crucial trazer à discussão uma pergunta: É o artista um cidadão acima de qualquer suspeita? Esta é uma clara alusão ao filme de Elio Petri ("Indagine su un Cittadino al di Sopra di Ogni Sospetto"- 1971). Naquela película, um policial comete um assassinato, e por pertencer aos altos escalões do sistema julga-se tão incólume que até participa das investigações. Transpondo para o caso da Bienal e da arte atual, pergunta-se: estaria o artista acima de todas as leis sociais?

Para começar a entender essa pergunta, lembre-se que a ditadura recente nos deixou uma marca deletéria: depois de tanta repressão, caímos na ânsia de repressão nenhuma. Mergulhamos no oposto. Por isto, o mote: "é proibido proibir", que tem o seu charme juvenil, é um paradoxo, pois proibir a proibição é exercitar a proibição e a censura, só que do outro lado.

Por sua vez, a ideologia da pós-modernidade alardeia que tudo é legítimo, que não há fronteiras, nem valores, que as coisas se esgotam em si mesmas sem qualquer outro compromisso que não seja hedonista e narcísico. Portanto, um vetor nacional e outro internacional se complementam em forjar uma ideologia de época, que deve ser analisada cautelosamente.

Isto nos leva a um outro aspecto já que esta 29ª Bienal tem como tema "Arte e política". Ora, falar da política convencional é fácil. Acusar políticos, verberar contra os militares, é uma banalidade. Eles são os "outros". No entanto, há um enfrentamento político, igualmente urgente, dentro das artes. É necessário questionar o sistema em que as artes se baseiam. Isto consiste em rever o poder dos curadores, o sistema das galerias, as premiações, a crítica universitária e jornalística, a publicidade, a bolsa de valores, enfim, o "deus ex machina" que hoje, mais do que nunca, controla as artes - o mercado.

E para esclarecer a esquizofrenia do sistema artístico e de nossa sociedade, leiamos esse poema do antipsiquiatra R.D. Laing:

“Ele estão jogando o jogo deles
eles estão jogando de não jogar o jogo
se eu lhes mostrar que os vejo tal qual eles estão
quebrarei as regras desse jogo
e receberei a sua punição.
O que devo pois é jogar o jogo deles
o jogo de não ver o jogo que eles jogam.”

Na última Bienal isto ficou claro: os grafiteiros que denunciaram o "jogo" do qual não podiam participar foram parar na polícia. Na atual Bienal já ocorrem reclamações semelhantes, comprovando que a arte oficial de nosso tempo não consegue resolver seu paradoxo fundamental: diz que não há fronteiras, que tudo é licito, desde, é claro, que sejam suas as fronteiras e desde que sejam "eles" a decidirem o sistema que tutelam.

Todo mundo é artista?
Grande parte da arte contemporânea se baseia em silogismos que nunca foram analisados detidamente. Se analisados, revelam-se como falácia. Falácias que levam a becos sem saída.


Retomemos a questão implícita no conceito de que o artista pode tudo, que ele é um cidadão acima de qualquer suspeita. Existe um silogismo básico na prática da arte oficialista (o governo deu R$ 46 mihões para a Bienal), silogismo originário de Duchamp, segundo o qual a arte morreu e todo mundo é artista.

Ora, vejamos o silogismo aí contido: todo mundo é artista / o artista está acima de qualquer suspeita / logo, todo mundo esta acima de qualquer suspeita. Como se sabe, essa verdade é mentirosa. Se todo mundo estivesse acima da lei, não existira lei, nem sociedade.

Esse silogismo é ainda falacioso, enganador, porque sabemos que nem todo mundo é artista e que uns são "mais" artistas que outros. Pior: dentro do sistema das artes que, hipócrita e espertamente decretou que tudo é arte e todos são artistas, grupos bem organizados e presos sobretudo às leis do mercado e do marketing controlam as leis éticas e estéticas que, paradoxalmente, dizem não existir.

Portanto, uma discussão radical sobre política e arte passa pelo exame interno do sistema das artes hoje e tem que enfrentar certos paradoxos, dilemas e sofismas. É uma operação tão arriscada e séria, que pode levar a um suicídio histórico, a um colapso do sistema. Ou, então, o que seria admirável, ao renascimento da própria arte de uma forma para nós ainda inimaginável.

Afonso Romano de Sant'Anna

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A Bienal de Artes que se diz política

Foi inaugurada em São Paulo, no último dia 25 de setembro, a 29ª Bienal Internacional de Artes, no pavilhão do Ibirapuera. A mostra estará aberta ao público até o dia 12 de dezembro de 2010, com obras de 159 artistas de várias partes do mundo, sendo 52 brasileiros.


Neste domingo chuvoso e frio de 26 de setembro, fui visitar a 29ª Bienal de Artes de São Paulo. Como ainda estava cedo, uma meia dúzia de pessoas entrou no prédio, após uma revista rigorosa de seguranças postados na entrada. A moça que portava um scanner ameaçador, pediu: “pode abrir sua bolsa?” Eu perguntei: “por que? Para ver se eu não estou trazendo um spray comigo?” Enquanto examinava minha bolsa, respondeu: “Ordens da direção”. Entrei no prédio e fui refletindo, em estado de choque: Bienal da violência? Na noite anterior um rapaz tinha invadido uma instalação e deixado lá uma frase de protesto: “Liberte os urubu!” (sic)

Mas o tema escolhido para este ano é “Arte e Política”. Segundo os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, a ideia de fazer dessa Bienal de 2010 uma exposição que tenha essa conotação política, deve-se ao fato de ser importante “resgatar o entendimento tradicional na relação que sempre existiu entre Arte e Política.”

Arte e política?
Mas é necessário esclarecer que o entendimento que os curadores desta Bienal têm da relação arte-política está longe de ser tradicional. Diz Agnaldo Farias: “Nossa ideia é criar um conceito-arquipélago, sem bordas nítidas. Queremos escapar de uma noção literal do binômio “arte e política”, associada a uma tradição realista, e recuperar uma outra compreensão, de uma arte mais experimental, que ataca no âmbito da linguagem, levando a novas formas de sociabilidade e de compreensão do objeto artístico.” Então... como diz a música “Bienal” do Zeca Baleiro, “minha mãe não entendeu o subtexto/ da arte desmaterializada no presente contexto/ reciclando o lixo lá do cesto/ chego a um resultado estético bacana...” E fazemos um esforço honesto de compreensão dessa verborragia que mais parece ter sido construída com o intuito de atrair de novo as atenções para uma entidade que se esvazia ano a ano.

O “objeto artístico”, no caso desta Bienal, é basicamente centrado na fotografia. Andando-se pelo pavilhão entremeado de pequenos ambientes fechados, e do que os curadores chamam de “terreiros”, o público se depara com uma quantidade enorme de fotografias, isoladas, agrupadas, formando conjuntos grandes ou pequenos. Há também espalhados em espaços apropriados, os vídeos, que apresentam temas os mais variados, desde pequenos documentários e assuntos non-sense a um vídeo do cineasta francês Jean-Luc Godard. E instalações diversas espalhadas pelo prédio, de artistas nacionais e estrangeiros.

A representação internacional de artistas segue, basicamente, o mesmo perfil. Traz do norte-americano Joseph Kosuth, criador e teórico importante da arte conceitual, à fotógrafa Nan Goldim, também dos EUA, que influenciou toda a fotografia praticada a partir dos anos 1980 (inclusive a de moda), ao chinês Ai Weiwei.

No caso deste chinês, sua obra – um conjunto de cabeças de animais estranhos espetadas em suportes que lembram troncos estilizados – foi colocada estrategicamente no hall de entrada do prédio. No site da Fundação Bienal, ele é apresentado como um chinês nascido na China socialista, mas que se exilou “voluntariamente por um período em Nova York, o que alargou seu repertório conceitual, visual e histórico”, segundo a organização da Bienal que acrescenta que seu “Circle of Animals” lá exposto tem um “forte valor simbólico e material que apropriam e ressignificam objetos”. Pois é.

Além dos espaços destinados à apresentação das obras, a Bienal também conta com seis espaços, que estão sendo chamados de terreiros, usando os 30 mil metros quadrados de área disponíveis no Pavilhão do Ibirapuera. A ideia dos “Terreiros”, para os organizadores, é dar o tom de celebração da política, “uma vez que o terreiro, na cultura brasileira, é um espaço entre o sagrado e o profano, um espaço da troca, da festa, mas também da resistência”, disse Agnaldo Farias, o curador. Tentando examinar os tais “Terreiros”, cheguei à conclusão que mais uma vez o discurso se coloca na frente da arte: terreiros conceituais. Mãe Menininha do terreiro do Gantois jamais poderia reconhecer na megalomania conceitual desses gestores de arte atual, o bom e velho terreiro dos brasileiros.

Mas estão presentes também artistas da arte contemporânea nacional, como Cildo Meirelles, Hélio Oiticica, Artur Barrio, Antônio Dias e o performático Flávio de Carvalho. A presença das xilogravuras de Oswaldo Goeldi chega a ser uma dissonância em meio à monotonia do que se apresenta nesta mostra. O artista cearense Efrain Almeida também está presente, com uma instalação composta de cinco autorretratos esculpidos em madeira, postos em pedestais desproporcionais ao tamanho deles. Mesmo se mantendo dentro da tradição cultural nordestina, sua linguagem artística (como gostam de falar os arautos da arte contemporânea) se atualizou ao ponto de ele já ter participado de várias bienais internacionais. No corpo das figuras, com machetaria, fez tatuagens de carcarás, urubus, cactos e símbolos do cangaço. Mas ele diz uma frase que reflete bem como é a vida do artista da região nordeste, especialmente: “Nascendo onde nasci, em contexto de poucas possibilidades, fazer arte é atitude política”. Concordo.

Atitude política que tentou passar o Ministro Juca Ferreira no dia da inauguração da 29ª Bienal. O Ministro, cujo Ministério da Cultura foi um dos grandes patrocinadores da mostra deste ano de 2010 (o governo federal repassou À Fundação Bienal aproximadamente R$ 46 milhões), elogiou o esforço dos diretores da Bienal em recuperar administrativamente essa instituição, que foi deixada bastante endividada após o fracasso da 28ª Bienal, que ficou conhecida como a Bienal do Vazio. O Ministro, referindo-se ao tema “Arte e Política”, disse: “ouso dizer, que é impossível separar arte e política. Apesar de tantas interpretações possíveis para definir esta relação. (...) A Política entendida aqui como a arte da convivência coletiva com nossos impasses e virtudes, mas também a busca coletiva de soluções para os problemas de todos nós. A Política como campo privilegiado das negociações sociais e do exercício de poder compartilhado, como uma arte de exercício do conhecimento e revelação de possíveis mundos.”

Mas esses “possíveis mundos” – ou a probabilidade de todos os mundos e ideias artísticas possíveis – não estão presentes nesta Bienal. Com exceção de uma rara tela de pintura, das gravuras de Goeldi e dos desenhos de Gil Vicente, não se encontram presentes outras linguagens das artes plásticas, especialmente a figurativa, considerada pelo sistema de arte atual, como coisa do passado.

A Bienal e seus escândalos

Gil Vicente e FHC
Como não poderia deixar de ser, esta versão da mostra que ocorre a cada dois anos em São Paulo, está tendo seus momentos de polêmicas que tomam as páginas dos jornais e os programas televisivos.

A série de desenhos intitulada “Inimigos", do pernambucano Gil Vicente, causou polêmica antes mesmo de ser exposta. Nela, o artista retrata a si mesmo matando personagens famosos como Fernando Henrique Cardoso e Lula. Uma semana antes da abertura da Bienal, a OAB-SP divulgou uma nota em que se coloca contra a exposição da série, "por fazer apologia ao crime".

Em entrevista a estudantes uma semana depois, Gil Vicente disse que escolheu os personagens, de acordo com sua repulsa pessoal. Ele desenhou-se a si mesmo portando na mão um revólver apontado para figuras públicas, colocando Lula em pé de igualdade com FHC e George W. Bush. No caso de Lula, Gil Vicente aparece de pé atrás do Presidente, que se encontra amarrado a uma cadeira, indefeso, com uma faca contra seu pescoço. Vicente disse que os desenhou por compreender “muito intensamente a impossibilidade de mudança no mundo, e que, qualquer tentativa seria abafada.” Com toda a certeza, os torturadores do regime militar e os inimigos atuais do Presidente do Brasil teriam adorado ver Luís Inácio sendo torturado, mesmo que em efígie, e ameaçado de morte. Como isso pode contribuir para uma reflexão entre arte e política, a não ser incitando sentimentos de ódio e violência?

Violência também presente sutilmente numa outra obra, a instalação “Bandeira Branca” de Nuno Ramos. Movimentos em defesa dos animais e defensores dos direitos dos animais se puseram a postos para boicotar a bienal que aprisiona, em nome da “arte”, três urubus vivos. Mas o ato mais contundente contra essa instalação foi cometido pelo jovem pichador Rafael Augustaitiz, ou Rafael Pixobom, como é conhecido. Ele rasgou um lado da tela protetora da instalação e escreveu com spray: “Solte os urubu!” Foi preso. Entrevistado sobre o assunto, Nuno Ramos disse que não ia prestar queixa contra o rapaz, mas que achou um absurdo pois “a Bienal é um momento em que o público abre a cabeça” (sic!).

Obra de Roberto Jacoby
Outra obra que deu assunto para jornalistas de plantão foi a proibição, por parte do Tribunal Regional Eleitoral, da exposição da obra “A alma nunca pensa sem imagens”, do artista argentino Roberto Jacoby, declaradamente fã de Lula e do PT. A iniciativa de consultar o TRE partiu dos próprios curadores da Bienal, segundo Jacoby. Ele apresentava duas fotos gigantes, uma do José Serra num zoom carrancudo e outra da Dilma Roussef exultante com um chapéu de couro colorido com as cores da bandeira de Pernambuco. Além disso, o argentino trouxe uma equipe de auxiliares argentinos, todos vestidos com camisetas vermelhas com a inscrição “Brigada Argentina por Dilma”, estampada em amarelo. Pronto! A Bienal política não pode induzir pessoas a pensar em eleições presidenciais... Mas a mesma Bienal defende um quadro onde o autor quer matar o Presidente Lula...

Já no final da minha visita, resolvi entrevistar quatro pessoas, que me pediram para serem mantidas em segredo, porque são todas funcionárias terceirizadas da Fundação Bienal. Minha escolha por entrevistar trabalhadores da Bienal, e não o público presente, foi intencional. Elas não estão lá porque ouviram dizer que a Bienal está causando frisson pelas polêmicas do momento, mas porque lá trabalham. São eles: um bombeiro, uma segurança e duas monitoras.

Para os quatro, fiz a mesma pergunta: para você, isto que está exposto aqui é arte? A primeira reação de todos foi um sorriso de dúvida. Em seguida, palavras oscilantes tentando se posicionar. O bombeiro a princípio resistiu em responder, mas quando eu lhe dei minha opinião, ele disse: “olha, eles dizem que é arte. Mas eu não entendo isso. Não sei se é arte. Algumas coisas acho que são.” Enquanto a moça que fazia a segurança de um dos setores me disse: “Ah tem umas coisas bonitas, mas tem umas coisas feias... E esses urubus aí, eu não acho que é arte. Mas é que eu não entendo muito...”

Me dirigi às moças que fazem a monitoria e orientam o público sobre as obras. Minha pergunta as assustou um pouco, mas logo uma delas me respondeu: “Você sabe, né? Hoje em dia há um entrelaçamento muito grande entre as linguagens artísticas, que conversam entre si.” Questionei onde estava esse entrelaçamento, uma vez que o que eu via ali era tudo arte conceitual? É que hoje em dia, a arte visual está mais independente do desenho e da pintura. Ah, tá... respondi. Mas e você, me dê sua opinião pessoal, você realmente gosta disso que está aqui? Ela: “ah, eu não sei, assim, sabe, meu professor disse que a gente precisa abrir mão dos conceitos antigos para assimilar esse novo momento na arte”. E esse novo momento na arte não deixa mais ninguém ser desenhista e pintor? Ela me olhou, sorrindo, sem saber o que responder. Agradeci, saí.

Saí pensando o quanto seria bom se aquele prédio tão bonito, assinado por Oscar Niemeyer, fosse de fato pluralista e aberto a todas as linguagens das artes visuais. Um espaço, que é público, deveria ser mais democrático, mais aberto a artistas brasileiros e estrangeiros de todos os estilos. Quem sabe um dia poderíamos fazer uma grande Exposição de Artes realmente representativa de toda a arte que é feita neste país, em milhares de ateliês e por milhares de artistas solitários que lutam com muito esforço para sobreviver nesse mundo aí.