segunda-feira, 11 de abril de 2011

Paula Rego, a pintora que escancara a condição humana

A Pinacoteca do Estado, um dos mais importantes espaços culturais de São Paulo, está apresentando uma exposição com parte da obra da artista plástica portuguesa Paula Rego. A mostra traz todas as fases importantes do desenvolvimento da artista, em ordem cronológica, em sete diferentes galerias. São 110 obras, entre pinturas, gravuras, desenhos e colagens, percorrendo os últimos 56 anos de sua carreira.

Paula Rego em seu atelier
Nascida em Lisboa em 1935, e hoje uma das mais importantes artistas contemporâneas portuguesas, Paula Rego iniciou seus estudos de pintura muito cedo, em Carcavelos, Portugal. Filha única de uma próspera família de classe média alta, Paula Rego cresceu durante o regime fascista de Salazar e, aos 16 anos, foi estudar na Inglaterra, pois seu pai não queria que ela vivesse dentro de um país que passava por aquelas condições.  Em Londres, estudou na Slade School of Fine Art, até 1956. Longe da ditadura de Salazar, a pintora expunha sua obra como arma de denúncia política. Nesse período conheceu o artista inglês Victor Willing, com quem se casou e teve três filhos.

Em 1959 voltou a Portugal e, ao longo da década de 1960, participa de exposições coletivas na Inglaterra. Em 1996 faz sua primeira exposição individual na Galeria de Arte Moderna da então Escola de Belas-Artes de Lisboa.

Em 1966, seu marido sofreu um ataque cardíaco, o primeiro de uma série de problemas de saúde que o atormentou até 1988. No mesmo período, com a morte de seu pai e a doença do marido, Paula Rego passou por uma longa fase de crise criativa que duraria até o final dos anos 1970. Na década de 80, foi convidada a ser professora visitante de pintura da Slade School of Art, em Londres.

A mostra, que ficará aberta ao público até 5 de junho, exibe suas pinturas da década de 1950, quando Paula Rego era uma jovem estudante de arte, na Slade School of Fine Art, em Londres, entre 1952 e 1956. Mostra as grandes pinturas em acrílico, feitas entre 1987 e 1988.

Nos anos 1990, Paula Rego começou a trabalhar com pastel, criando imagens em grande formato, a partir de modelos vivos, na maioria mulheres, uma de suas temáticas principais. Também pode ser vista a série O Aborto (1997), produzida com a intenção de chamar a atenção das autoridades portuguesas para a questão do aborto. São pinturas feitas à pastel que retratam adolescentes e jovens mulheres praticando arriscados abortos clandestinos.

A exposição termina com trabalhos realizados nos anos 2000, fase em que Paula Rego retratou a sua história pessoal, como em Misericórdia I, que mostra a morte da mãe da artista e de vários quadros intitulados O Pescador, onde ela pinta nas figuras as roupas que pertenceram ao pai morto. Já em A Carga Humana (2007-2008) e na série Circuncisão feminina (2009), a artista mostra o tráfico de seres humanos e a mutilação genital feminina. 

«Paula produziu de maneira consistente uma obra que se comunica de forma poderosa e direta com todos os que possuem um sentido de compaixão e justiça social», afirmou o curador da exposição Marco Livingstone, que acrescenta: «A plena intensidade da visão da artista, os temas que repetidamente a atraem e os processos pelos quais ela dá forma às narrativas visuais que alimentam a sua imaginação são trazidos à tona».

Sua obra é muito inquietante. As pinturas, que não respeitam muito o desenho e são feitas de cores quase chapadas e fortes, parecem mostrar uma alma feminina atormentada e que não se preocupa muito em agradar. As pinturas em pastel, por outro lado, apresentam desenhos cuidadosos, demonstrando um bom domínio estrutural da obra. Mas as figuras saem estranhas, deformadas, monstruosas. Ela não se preocupa muito com a perspectiva dos espaços e muito menos ainda com as regras de proporção. Todo o conjunto causa um estranhamento, até mesmo uma espécie de repulsa. Sobre essa característica inquietante da obra de Paula Rego, afirmou a romancista portuguesa Agustina Bessa Luís: "Toda a grande obra é cruel, porque arrasta as almas."

Salazar vomitando a pátria, de Paula Rego, 1960
Paula Rego já expôs em diversas mostras individuais e coletivas como retrospectivas na Tate Gallery Liverpool, Inglaterra, 1997; no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Espanha; no National Museum of Women in the Arts, Estados Unidos, 2007; e na Casa das Histórias Paula Rego, Portugal, 2009. No Brasil, participou da 10ª (1969) e 13ª (1975) edições da Bienal Internacional de São Paulo, representando Portugal, e na 18ª Bienal (1985) representando a Inglaterra. Sua obra integra importantes coleções como as da Fundação Gulbenkian, Lisboa, Portugal, do Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Estados Unidos e da Tate e do Victoria & Albert Museum, Londres, Reino Unido.

Exposição Paula Rego
De 19 de março a 5 de junho
Pinacoteca de São Paulo
Praça da Luz, 2 São Paulo, SP 
Tel. (11) 3324-1000

terça-feira, 5 de abril de 2011

Outra maneira de fotografar a história


O Museu Reina Sofia de Madri, Espanha, abriu uma exposição de fotografias intitulada "UMA LUZ DURA, SEM COMPAIXÃO", que vai de 6 de abril a 22 de agosto de 2011.


Tratam-se de fotografias (que o Museu está intitulando como "fotografia proletária") que pertencem à história dos movimentos operários e sociais europeus, tiradas entre os anos de 1926 e 1939. Ela mostra o trabalho da vanguarda artística interligada às vanguardas políticas, e expõe um outro lado da História da Fotografia muito pouco conhecido - e praticado - nos dias atuais.



Essa exposição mostra a importância da relação da Fotografia com os movimentos sociais europeus, como documento histórico. Ela apresenta fotografias e filmes, além de jornais e revistas operários europeus, como por exemplo mostra a revista AIZ (Arbeiter Zeitung Illustrierte, que significa Jornal Ilustrado dos Trabalhadores) no contexto da República de Weimar, na Alemanha de 1926. Mostra também como simultaneamente a União Soviética criou a revista Sovetskoe Photo, que tinha como objetivo divulgar a fotografia soviética como parte do processo de construção do novo Estado Socialista, do qual eram parte, entre outros, Aleksandr Ródtchenko, Max Alpert e Sergei Tretyakov (que hoje é nome de um dos maiores museus de Moscou, o Museu Tretyakov).


A partir dessas fontes, essa maneira de fotografar tornou-se um paradigma para os movimentos de esquerda na Europa e nos Estados Unidos. 


Em 1939, com o fim da Guerra Civil Espanhola e com o início da II Guerra Mundial começa uma nova ordem mundial com o predomínio do poder cultural-ideológico (além de político e econômico) dos EUA, que tentou denegrir esse movimento que tinha dado à luz fotógrafos como: o polonês David Seymour, o húngaro Robert Capa, o norte-americano Paul Strand, a italiana Tina Modotti, o alemão Walter Ballhausen e os fotógrafos soviéticos Max Alpert e Sergei Tretyakov (que também era escritor), entre muitos outros.


Se as várias revoluções de trabalhadores espalharam novas visões de mundo, trouxeram também formas radicais para a reeducação do olhar. A "fotografia proletária" nasceu dessa mesma consciência social, que tomou como instrumento a fotografia e a imagem para disseminar as ideias revolucionárias por trás desses movimentos que durante décadas mudaram a face do mundo e trouxeram esperanças de futuro promissor a milhões de pessoas em todo o mundo.


Essa exposição - ainda segundo o Reina Sofia - desenha um quadro desses momentos históricos de emancipação social e política, fotografados do ponto de vista da classe operária e dos movimentos sociais. A exposição do Museu Reina Sofia, ao mostrar esse olhar sobre o mundo lançado pelas objetivas de fotógrafos revolucionários, revela um capítulo fundamental da história da fotografia ocidental do século XX. 

Paralelamente à exposição de fotos, está havendo também uma mostra de cinema com documentários que também seguem essa linha. São uma boa amostra dos princípios que regeram os movimentos culturais modernos dos primórdios do século XX, que trouxeram também consigo formas novas de fazer Arte no mundo.




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Fotografia da fachada do Museu Reina Sofia, por Hilberto Cutrim, 2011

domingo, 3 de abril de 2011

A incansável artista Edíria Carneiro

Edíria em seu atelier em São Paulo
Edíria Carneiro tem uma longa trajetória de vida, como militante comunista, mas principalmente como artista plástica. Sua caminhada começou lá pela década de 1930 quando, jovem estudante da Escola de Belas Artes de Salvador, fazia suas primeiras ilustrações para a revista “Seiva”, um instrumento de luta política e cultural de resistência ao fascismo. Nesse período, Edíria filiou-se ao Partido Comunista do Brasil.

Em 1945, como delegada ao congresso UNE no Rio de Janeiro, resolveu mudar-se para essa cidade que iria lhe permitir ter uma vivência maior com artistas e intelectuais. Lá na sua terra era muito difícil, para ela, ser militante comunista, inclusive por causa do preconceito que havia contra a participação de mulheres, tanto na política quanto nas artes.

No Rio, como o Partido precisava de uma desenhista, Edíria foi trabalhar como ilustradora do Jornal "A Classe Operária". Colaborava também com “Momento Feminino”, um jornal editado por mulheres e dirigido por Arcelina Mochel e Heloísa Ramos, esposa do escritor Graciliano Ramos, também filiado ao PCB. Edíria, além de seu trabalho como ilustradora, também desenhava panfletos, faixas, material de propaganda, etc.

Em 1946, teve aulas de xilogravura com Axl Leskochek, e de gravura em metal com Carlos Oswald, assim como estudou pintura com Tomás Santa Rosa. Enviou, nessa época, uma pintura sua para o Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde ganhou uma medalha de bronze.

Com a ilegalidade do seu Partido Comunista, Edíria foi viver na clandestinidade, junto com seu companheiro João Amazonas. Durante muito anos, ela ficou sem poder desenhar e produzir, por causa da perseguição aos comunistas. Somente em 1959, quando ela e João Amazonas mudaram-se para o Rio Grande do Sul, pode frequentar exposições e voltar a fazer cursos de artes plásticas, tornando-se aluna do pintor Iberê Camargo.

Nas idas e vindas da vida clandestina, Edíria e João voltaram a morar em São Paulo. Mas a ditadura militar perseguia duramente os comunistas e eles foram obrigados a se exilar em Paris durante quase quatro anos, após o episódio da Queda da Lapa, uma reunião do Comitê Central do PCdoB que foi estourada pelo Exército, onde foram assassinados os dirigentes comunistas Angelo Arroyo e Pedro Pomar, além dos outros que foram presos e selvagemente torturados.

Em Paris, Edíria voltou aos cursos de artes. Esteve com Friedlaender, um gravador muito conhecido e já muito velhinho, que tinha sido mestre do artista brasileiro Lívio Abramo. Friedlaender indicou para ela o “Atelier 17” de Stanley Hayter, um atelier freqüentado por muitos artistas famosos como Miró, Picasso, Vieira da Silva, Giacometti, entre outros. Com ele, Edíria aprendeu uma técnica especial de gravação que permite se usar várias cores numa mesma impressão, técnica que ela domina muito bem, como pode ser visto em sua recente exposição de gravuras, no final de 2010, na sede do PCdoB.

Atualmente, mesmo com a idade avançada, ela não para! Transformou o apartamento onde mora em atelier, onde pinta frequentemente suas telas à óleo. As paredes estão repletas delas. Nos últimos anos, Edíria tem voltado sua pintura especialmente para o tema do sofrimento das mulheres pobres: mulheres que sofrem com enchentes, com a falta de moradia, com a fome, com o abandono e com a falta de terra para trabalhar, as que são camponesas. Isso lhe valeu uma homenagem das mulheres do MST, em 2009, quando Edíria doou seis telas para a Escola Florestan Fernandes.

Seu curriculum de artista é bastante extenso e inclui a participação em diversos Salões de Artes em várias cidades do Brasil, assim como duas participações na Bienal Internacional de Artes de São Paulo.

Ela também expôs no exterior:

na Associação Brasil-Estados Unidos, em Washington, EUA (1961); no Salon d'Automne, em Paris, França (de 1977 a 1981); no Musée des Beaux Arts de Caen, França (1981); no Salon des Artistes Françaises, em Paris (de 1977 a 1981); no Salon Internacional del Grabado, em Madri, Espanha (de 1977 a 1981); na Feira Internacional de Arte de Paris (1986); no Museu de Arte Colonial, a convite do Centro Wilfredo Lam, em Havana, Cuba (1991); na Bienal de Gravura de Taiwan, China (1991) e na Mostra Internacional de Minigrabados em Madri, Espanha (de 1994 a 1998)

Edíria Carneiro tem obras nos acervos dos museus: Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museu de Arte Moderna de Skoplje, Macedônia, antiga Iugoslávia; Museu del Grabado de Buenos Aires, Argentina; no Cabinet d'Estampes de la Bibliothèque National de Paris, França e na Prefeitura de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Além disso, é verbete no Dicionário das Artes Plásticas no Brasil (Roberto Pontual), no Dicionário de Artistas Plásticos (Instituto Nacional do Livro) e na Grande Enciclopédia Delta Larrouse (Edição Brasileira ano 1970).

Exposição "As Excluídas"
Edíria Carneiro
de 18 de março a 15 de abril
Rua Rego Freitas, 192 Centro
São Paulo - SP


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NOTA DO BLOG:

A artista Edíria Carneiro faleceu em dezembro de 2011.