quinta-feira, 2 de junho de 2011

Romantismo em São Paulo e Londres


WILLIAM TURNER:
Pescadores no mar, 1796, óleo sobre tela, 
91 x 122 cm, Tate Gallery
Duas exposições - em São Paulo e Londres - trazem à mostra pinturas que têm origem no século XIX, de artistas do movimento conhecido como Romantismo. Esses artistas expressavam em sua arte os novos pensamentos que passavam a dominar o mundo, ideias que fervilhavam nos diversos movimentos revolucionários da época, especialmente na França. Ideias de Socialismo, inclusive, como alternativa às injustiças geradas pelo capitalismo industrial.

JOHN CONSTABLE:
A casa do almirante em Hampstead, 1821,
óleo sobre tela, 60x50 cm, Alte Nationalgalerie, Berlim
Mas no século XIX, especialmente em Paris, os pintores também se rebelavam contra o estilo Neoclássico, que uniformizava o mundo dentro do padrão da estética clássica, grega e romana. Pintores, mas também escritores, não queriam mais guardar fidelidade a esses modelos antigos, que limitavam a criatividade e as manifestações da individualidade, com duras e dogmáticas regras para as artes (para se ter uma ideia, havia receitas para se pintar bem, dentro dos cânones neoclássicos; havia uma receita de mistura de tonalidades de cores que eram usadas para pintar a pele das pessoas, por exemplo).

Os românticos - como ficaram conhecidos esses artistas rebeldes - pregavam a livre efusão dos sentimentos, a visão e a experiência individual do mundo. Eles não acreditavam num Belo absoluto, universal e eterno. O Belo era, para eles, transitório, relativo. Mesmo a feiúra do mundo era Bela. Podemos lembrar de um poema de Baudelaire que falava de uma carniça, assim como podemos buscar exemplos em vários poemas de seu livro Les Fleurs du Mal. Mas isso eu deixo para meu amigo Jeosafá Gonçalves, literato e estudioso de artes literárias.

WILLIAM BLAKE:
O Corpo de Abel Encontrado por Adão e Eva,
1825. Aquarela sobre madeira.
A origem da palavra Romântico, segundo vários estudiosos, vem do inglês "romantic", no sentido de pitoresco e até de bizarro. Na França, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um dos pensadores que não somente influenciaram o Romantismo francês mas a própria Revolução Francesa, com suas ideias de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Segundo Carlos Cavalcanti (professor brasileiro de História da Arte, já falecido) o Romantismo nasce como consequência ao individualismo burguês que gerou o liberalismo econômico e político, que nasceram na Revolução Industrial.

Além de grande influência sobre as mudanças profundas que mudavam a história da França e da Europa, o Romantismo trouxe um novo tipo de artista: o excêntrico, o esquisito, o inconformado e rebelde contra os valores da burguesia industrial. Ser artista passou a ser sinônimo de uma pessoa desvairada, boêmia e de conduta antisocial. São os sonhadores, os poetas malditos, os que morriam de tuberculose e de fome. Eram aqueles que se negavam a pertencer a um mundo que trazia tão desagradável realidade: injustiça social, divisão de classes, preconceitos sociais, visão utilitária - leia-se comercial - do mundo e das relações. Foram os Românticos os primeiros pintores politizados, os artistas que pintavam a vida social. E os que, numa visão entre sentimental e utópica do mundo, recebiam com bons olhos as ideias socialistas nascentes.

EUGENE DÉLACROIX: A Liberdade guiando o povo, 1830,
Museu do Louvre, Paris.

Nesse meio, surgiram - para ficar só nas artes plásticas - Henry Fuseli, William Turner, John Constable, Samuel Palmer, William Blake, El Greco, Jeronimus Bosch, Théodore Géricault, Eugene Délacroix, Camille Corot, Charles Daubigny, Théodore Rousseau, Jean François Millet, além de outros tantos, entre os quais o famoso ilustrador de obras literárias Gustave Doré. No Brasil, um nome se destaca: João Batista da Costa (1865-1926) que, influenciado pela Escola de Barbizon (movimento de artistas românticos franceses), deu aulas de pintura e dirigiu a nossa Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

Na exposição em Londres, o foco são os artistas da Grã-Bretanha, suas origens, inspirações e legados. São obras da coleção da própria Tate Britain, onde se mostram grandes obras de Henry Fuseli, William Turner, John Constable e Samuel Palmer, bem como as obras recém-adquiridas de William Blake.

No Brasil, no MASP, podem ser vistas obras de El Greco, Bosch, Turner, mas também de pintores impressionistas como Gauguin, Van Gogh, Renoir, Monet e Manet, todos também pertencentes ao acervo do Museu de Arte de São Paulo.

JEAN-FRANÇOIS MILLET: As respigadeiras, 1857,
Museu D'Orsay, Paris.
É uma excelente oportunidade para ver de perto obras que ilustram a história da arte, em especial a pintura que representou um verdadeiro momento de ruptura na tradição, um movimento revolucionário nas artes que acontecia em momentos de revoluções profundas, em especial na França, como lembra Gombrich, o historiador da arte e autor de vários livros sobre o assunto.

Na Tate Britain, a exposição vai até 31 de julho de 2011. No Masp, a exposição foi aberta no ano passado e não tem previsão de encerramento.
THÉODORE GÉRICAULT:
A barca da medusa, 1817-1818, óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Desenhos de mar


"... cantando espalharei por toda parte

se a tanto me ajudar o engenho e a arte"
(Os Lusíadas, de Camões)



Tempos desses, numa praia do sul, no inverno, sem vento, mar gelado. E aquilo tudo ali à minha frente: mar, pequenos barcos, gaivotas, ondas, areia... deu a impressão de que o Real se magnificou ali na minha frente, e registrei aquilo ali em desenhos e no poema abaixo: 



À beira-mar


Onde está o vento?
Tento mais a mais me adaptar
ao imprevisto sopro dos ventos
me inventando a cada instante
criando a mim mesma
para ser possível a dança do momento.


Mas agora não há vento por aqui:
há um mar gelado, gaivotas, nuvens... e faz frio...
Hoje eu não sou o vento que sopra de todas as partes.
Hoje?
      - Eu aguardo o rumo dos acontecimentos
        sem o vento
        eu, como este barco solitário e inerte
        aguardo meu marinheiro...


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O poema veio original e estranhamente em francês:


Au bord de la mer

Où est le vent?
J'essay de plus en plus m'adapter
au imprévu souffle des vents
en inventant à moi même à chaque instant
en créeant à moi même
pour être possible la dance du moment.

Mais maintenant n'a pas de vent ici
il y a une mer de glace, des mouettes, des nues... il fait froid...
Aujourd'hui je ne suis pas le vent qui souffle de toutes parts
Aujourd'hui?
      - J'attends le chemin des èvènements
      sans les vents
      Moi, comme cette barque solitaire et inerte,
      j'attends mon marin.


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Enquanto isso, outras histórias se passavam por ali:
Um urubu tava por ali comendo um pedaço de peixe...


... e outro urubu se aproximava
mas as gaivotas eram maioria...
elas se espalhavam pela praia e pelo trapiche...

disputando com pessoas que iam ver o mar.

domingo, 29 de maio de 2011

Estudo de Arte Realista

Alguns dos que estudam Arte Realista com Maurício Takiguthi, em seu atelier
em São Paulo. Maurício é o de camiseta preta, frente ao cavalete.
Neste sábado à tarde, umas 20 pessoas se reuniram lá no Atelier Maurício Takiguthi, como fazemos uma vez por mês, para estudar mais um capítulo do livro de Heinrich Wölfflin, "Conceitos Fundamentais de História da Arte", desta vez sobre Pluralidade e Unidade na Pintura. Vimos como a pintura clássica era basicamente feita de partes autônomas dentro do quadro, não só pela diversidade de figuras mas também pela forma técnica da pintura, mais linear. Vimos como depois, no Barroco, as várias partes de uma pintura formam um todo único, sem ser possível deslocar um pedaço qualquer do contexto do quadro sem que a parte deslocada perca sentido. No Barroco (Caravaggio, Rembrandt, Rubens, Vermeer, Vélazquez...) é que podemos observar um entrelaçamento nas cores, uma espécie de espalhamento das massas, uma inter-relação entre todas as partes e figuras. O quadro, como um todo, conversa entre si.


Assunção de Maria, de Rubens
Mas Wölfflin alerta que isso não significa necessariamente um julgamento de valor, que um fosse superior ao outro, somente aponta que a Unidade estética do quadro surge como algo totalmente novo. Na pintura clássica as partes possuem uma função autônoma. Nesta pintura de Rubens (1577-1640) - ao lado - dá bem para ver que o quadro poderia ser dividido em dois, por exemplo, sem muito prejuízo do conjunto. E mesmo que os olhares se dirijam sobretudo para a figura de Maria no céu, os diversos personagens parece que não possuem relação entre si.


O que não é possível com este outro quadro, de Rembrandt (1606-1669) - abaixo - pois, como dá para ver, as partes se encontram interconectadas num todo indivisível e não seria possível destacar nenhum pedaço da cena, sem que ela sofresse prejuízo. Até mesmo no estudo de uma simples cabeça dá para se perceber claramente esses dois conceitos de unidade e de pluralidade dentro da História da Arte. E aqui vale lembrar que a Arte não se encontra separada do resto da vida, mas reflete as mudanças que vão ocorrendo no mundo e na sociedade ao longo do tempo. Até o pré-Renascimento, por exemplo, o poder da Igreja Católica influenciava diretamente a Pintura, com os padres dando as regras inclusive do uso das cores e fazendo uma grande diferenciação entre o mundo celeste e o mundo terreno. A partir do Renascimento, com o capitalismo mercantil trazendo mudanças profundas em todos os níveis, as coisas do céu foram perdendo importância e mesmo que os assuntos religiosos continuem sendo um tema na pintura, os seres humanos que aparecem nela já tem mais realidade e mais valor do que nas pinturas de períodos anteriores. Não dá mais para separar a terra e o céu. 


Nos detivemos também um pouco mais detalhadamente no estudo do quadro do grande pintor holandês Jan Vermeer (1632-1675) "Alegoria da Pintura", de 1666. O quadro é um grande exemplo de como um artista pode ser minucioso sem ser detalhista. Quando ampliamos ao máximo qualquer trecho dessa pintura vemos como Vermeer trabalhava com a ideia de que bastam pequenos toques do pincel, por exemplo, para dar o efeito desejado. Vermeer, assim como Rembrandt, são considerados pictóricos e não lineares, ou seja, dão preferência às massas de cor, aos valores, aos efeitos da luz. Um exemplo entre muitos em Vermeer: o lustre no alto da sala é trabalhado com muita minúcia em termos de uso da massa, do efeito da luz e da sombra, da massa que ultrapassa a forma, etc. Nos olhos e nos lábios da modelo, vemos como apenas pequenas pinceladas configuram a expressão doce e suave que ela aparenta. Isso mostra a diferença entre ser minucioso (na aplicação das regras da arte pictórica) e não detalhista.

Alegoria da Pintura, de Vermeer
Enfim, o estudo detalhado desta pintura, por si só, já serve como um curso inteiro sobre como funciona a pintura realista. Há uma profunda unidade na forma, nas cores, no tema, na composição, nos valores, na luminosidade.


Tributo à ética protestante do trabalho, de Jeremy Geddes
Um exemplo de pintura detalhista e linear é o do pintor hiper-realista contemporâneo Jeremy Geddes, um pintor australiano. Nesta tela a óleo pintada em 2009, que se intitula "A Tribute to the Protestant Work Ethic", podemos ver que: - é uma pintura linear, mais próxima da acadêmica; há uma preocupação muito grande em ser detalhista até nos mínimos efeitos; no conjunto do quadro, parece que o artista está mais preocupado em mostrar o quanto ele é bom. Diferentemente desse outro quadro de Vermeer, onde o pintor até aparece, mas de costas. O que importa não é ele, Vermeer, mas sim importa mostrar como a representação da realidade pode se dar de forma pessoal, suscinta, simples, elegante. 


Coisas como essas são bastante elucidativas de como a arte de uma época é o reflexo não somente daquele período histórico, mas mostra também o quanto um mestre é feito não somente de técnica, de execução perfeita, mas também de Pensamento, de Conceito, de Conhecimento. E de visão de mundo.


No Atelier de Arte Realista, em pleno século XXI, buscamos aprender a técnica do desenho e da pintura em profundidade, mas também nos interessa - a mim, pelo menos - compreender conceitualmente o que significa ser, hoje, uma pintora realista.