terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Natureza morta


Acabei de terminar a pintura dessa natureza morta com pastel colorido. É um dos estudos do atelier para treinar a aplicação da cor intensa, sem opacidade, em camadas que vão trazendo o efeito de cor local. Uma coisa importante sobre isso é que quando se pinta um quadro usando o esquema rígido da cor local, a tendência é que a pintura saia dura, estática. Mas com o movimento das massas que ultrapassam a forma do objeto e essa movimentação de cores que se repetem em vários pontos, dão o ritmo e criam a sensação de movimento, de brilho e de mais realidade. Não é necessário descer ao detalhismo extremo do modelo observado, para que o efeito geral traga a quem observa uma sensação de que tudo aquilo que está ali apenas sugerido, seja o suficiente para formar um todo coerente. David Leffel, pintor norte-americano, sempre atenta para isso: o pintor não está pintando um pão, um peixe, uma faca, um vaso... Está pintando relações de espaço, ritmo e principalmente está pintando a Luz.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

As dores da Colômbia segundo Fernando Botero

A exposição "dores da Colômbia" do artista colombiano Fernando Botero, já passou por Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Mas ainda pode ser vista em Porto Alegre, cuja inauguração se deu em 21 de janeiro, no centro Cultural Érico Veríssimo, lá ficando até o dia 8 de março próximo. A mostra reúne 67 obras do pintor, doadas por ele ao Museu Nacional da Colômbia entre 2004 e 2005.


Fui ver essa exposição no Museu do Olho de Curitiba, no ano passado. O conjunto da obra mostra como a arte pode levar a uma reflexão sobre nossa sociedade, sobre os dramas da guerra, sobre a morte. Assim como o fez Portinari, com seus paineis Guerra e Paz", que estão expostos aqui em São Paulo, no Memorial da América Latina.


A exposição de Botero não é fácil de se ver. São telas aonde ele pintou pessoas mutiladas, assassinatos e todo tipo de violência, físicas e morais. As figuras apresentam pessoas angustiadas, desesperadas. Lembra um pouco o que fizeram os artistas expressionistas alemães, no período entre as duas guerras mundiais, quando criaram obras de arte que mostravam basicamente o desespero humano diante da tragédia da guerra e da existência difícil num mundo onde falta o básico para a sobrevivência e sobra muito medo do futuro.



Na exposição de Botero, cujos quadros foram colocados sobre paredes cinzas, mostra a ideia do artista que disse que queria deixar “um testemunho de artista que viveu seu país e seu tempo. É como dizer: vejam a loucura em que vivemos (...). Meu país tem duas caras. A Colômbia é o mundo amável que eu pinto sempre, mas também tem essa cara terrível da violência” Nessa exposição, Botero dá um destaque especial às mulheres, na série “Las Madres” que retratam mães chorando a perda de seus filhos.


“Dores da Colômbia” é parte de uma corrente artística que vincula a arte e política, em contextos onde o artista se dá o papel de interpretar e denunciar fatos históricos em suas telas. São inúmeros os exemplos, como Delacroix, Francisco Goya e Pablo Picasso (com sua “Guernica”). Como um gesto de solidariedade ao seu povo, Botero doou a coleção ao Museu Nacional da Colômbia, quando declarou: “Não vou fazer negócio com a dor do meu país”.



Em geral, com suas figuras gordas que são sua marca pessoal, Botero satiriza figuras de destaque da sociedade contemporânea.



Fernando Botero, ao lado de uma escultura
Mas quem é Fernando Botero? Um pouco de sua biografia:


Ele nasceu na cidade de Medellin, na Colômbia, em 19 de abril de 1932. Ele é pintor e escultor e sua maior reputação dá-se pela forma voluptuosa e arredondada de sua figuras gordas. Ainda vivo, ele é um dos raros artistas que gozam de fama e glória, em vida. Oficialmente, sua carreira começou em 1958, quando ele ganha o prêmio do Salão dos Artistas Colombianos.


Botero fez inúmeras viagens aos Estados Unidos e Europa, desenvolvendo um estilo que lhe é muito próprio, que já podia ser visto em 1957 com sua pintura “Natureza morta à La mandoline”. Por esse estilo tão característico, Botero não se enquadra em nenhum movimento ou corrente estilística passada ou atual. Sua obra é, ainda, inspirada basicamente na arte pré-colombiana.


Fernando Botero passa sua infância em Medellin, onde faz seus primeiros estudos. Para seguir com os estudos secundários, ganha uma bolsa para o Colégio Jesuíta Bolivar. Passou um período estudando numa Escola de Touros, paga por seu tio apaixonado por touradas. Mas Botero ficou traumatizado com essa experiência e desenvolve medo de touros. Mas seus primeiros desenhos tem como tema principal os touros e as touradas.


Em 1948, com apenas 16 anos de idade, Botero consegue publicar seus desenhos no suplemento dominical El Colombiano, um dos jornais mais importantes de Medellin. Já nessa época, sua influência principal era a arte pré-colombiana, mas também lhe atraíam as obras dos muralistas mexicanos, como Diego Rivera, José Orozco e David Siqueiros. Os cursos que fez de História da Arte lhe fizeram descobrir os pintores europeus, especialmente Pablo Picasso. Em 1949, recebeu uma reprimenda da direção de sua escola por causa dos desenhos de nus que fazia para El Colombiano, sendo, em seguida, expulso da mesma escola porque havia escrito um artigo sobre arte contemporânea europeia, intitulada “Picasso e o incoformismo na Arte”.


Em janeiro de 1951, muda-se para a capital do país, Bogotá. Começa a ler os poemas de Pablo Neruda (1904-1973), Federico Garcia Lorca (1898-1936) e se interessa pela corrente literária do realismo mágico. Em junho do mesmo ano, ele faz sua primeira exposição individual, composta de 25 desenhos, aquarelas, guaches e telas pintadas a óleo. A exposição foi um sucesso e ele vendeu algumas obras. Nova exposição em 1952, ele apresenta as obras que fez na costa das Caraíbas. Em agosto do mesmo ano, ele ganha um prêmio no Salão dos Artistas Colombianos e, com o dinheiro do prêmio em mãos, resolve viajar para a Europa.


Chega em Barcelona em agosto de 1952, mas logo vai para Madri, onde se inscreve na Academia Real de Belas Artes de São Fernando. No Museu do Prado, ele estuda as obras dos mestres espanhóis, como Diego Velázquez e Francisco Goya.


Em 1953 faz uma pequena viagem a Paris. Fica decepcionado com as obras contemporâneas expostas no Museu de Arte Moderna de Paris e resolve ir estudar os mestres no Museu do Louvre. Em seguida, vai para Florença, Itália, e é admitido na Academia São Marcos. Lá, ele estuda a técnica do afresco, atraído pela arte do Renascimento italiano. Copia diversas obras, entre elas de Giotto di Bondone e Andrea Del Castagno. No período noturno, aprende pintura a óleo num atelier da Via Panicale que havia pertencido ao pintor Giovanni Fattori. Em 1954 assistiu a diversas conferências sobre arte, com o historiador de arte italiana Roberto Longhi, na Universidade de Florença. Isso faz com que Botero se interesse ainda mais pela arte do Quattrocento italiano, especialmente fascinado pelas obras dos pintores Paolo Uccello e Piero della Francesca.


Em março de 1955, resolve voltar para casa, em Bogotá. Dois meses depois, faz mais uma exposição com 20 pinturas trazidas da Itália. Mas essa exposição chocou o público, e ele não vendeu nada. Os críticos condenaram duramente seu trabalho. Sem dinheiro e precisando cuidar da vida, Botero trabalho algum tempo como vendedor de pneus e, em seguida, aceitou fazer trabalhos gráficos para a imprensa. Casa-se com Gloria Zea e em 1956 vai morar no México.


Foi em 1957, com sua pintura “Natureza morta à La mandoline” que Botero descobriu que podia dilatar as formas e exagerar os volumes de suas figuras, sua característica de estilo até hoje. Em abril, vai para Washington, EUA, fazer sua primeira exposição em território norte-americano. Aproveita para visitar diversos museus em Nova Iorque, e lá descobre o expressionismo abstrato, que já estava em voga desde o fim da década de 1940. Consegue o apoio de uma galerista em Washington, o que lhe permite sustentação financeira.


A exposição, no Museu do Olho de Curitiba, em 2011
Em maio de 1957 ganha novamente o Prêmio dos Artistas Colombianos. No ano seguinte, foi nomeado professor de pintura na Academia de Belas Artes de Bogotá, aonde fica até 1960.
Nesse ano, faz ilustrações para um livro do escritor Gabriel García Márquez, que serão também publicadas no jornal El Tiempo, de Bogotá. Mas em 1960 ainda, ele resolve deixar a Colômbia pela terceira vez, para ir viver em Nova Iorque. Ele expõe, no mês de outubro na Galeria Gres, a série “Menino de Vallecas após Velázquez”, que causou surpresa àqueles acostumados com pinturas mais coloridas do começo da carreira de Botero. Em novembro, ele ganha o prêmio “Guggenheim International Award”, pela Colômbia, com a tela “A batalha do arqui-diabo”.


A partir de 1867, já com a segunda esposa, Botero viaja regularmente entre a Colômbia, os EUA e a Europa. Vai para a Alemanha ver de perto a obra do artista alemão da Renascença Albrecht Durer, que lhe dão inspiração para fazer uma série de desenhos com carvão. Também faz no mesmo período diversas pinturas a partir do quadro “O café da manhã sobre a grama” do pintor francês Édouard Manet. Fez sua primeira exposição em Paris em setembro de 1969, na galeria Claude Bernard.


Em 1970, nasce seu terceiro filho, Pedro, em Nova Iorque, inspirando o pintor a fazer uma série de quadros que representam os primeiros anos de vida de seu filho. Em 1973, Botero deixa os EUA e vai morar em Paris. O filho pequeno, com quatro anos, morre num acidente de carro, o que abala fortemente o pintor. Em homenagem a ele, o Museu Zea de Medellin inaugura uma nova sala e lhe dá o nome de Pedro Botero, onde estão dezesseis obras doadas pelo pintor em memória de seu filho.


Entre 1976 e 1977, Botero se dedica mais à escultura e ganha vários prêmios na Colômbia e Venezuela.
Em 1983, Fernando Botero faz uma série de ilustrações para o livro “Crônica de uma morte anunciada” de Gabriel García Márquez. Em 1984, doa diversas esculturas ao Museu Antioquía de Medellin e 18 pinturas ao Museu Nacional de Bogotá. E passa os dois anos seguintes pintando telas com o tema das touradas, que ele expõe na Alemanha, Espanha, Itália, Japão e Venezuela.


Em 2000, ele faz uma doação de sua coleção particular para as cidades de Medellín e Bogotá, uma coleção que compreende mais de duzentas pinturas, desenhos e esculturas suas, assim como cerca de cem obras de artistas como Picasso, Monet, Renoir, Matisse, etc.


Em 2004, Fernando Botero se revolta contra os maus tratos sofridos pelos prisioneiros da prisão de Abou Ghraib no Iraque e produz uma série de trabalhos inspirado nesses fatos. Em 2008 foi nomeado Doutor Honoris Causa pela Universidade Autônoma de Nuevo León, onde ele apresentou uma exposição com as obras inspiradas na polêmica de Abou Ghraib.


Fernando Botero ainda é vivo e alterna sua morada entre a Colômbia, Itália, França e Nova Iorque.



domingo, 19 de fevereiro de 2012

Guerra e Paz - para não esquecer

Milhares de paulistanos foram ver os paineis de Portinari, Guerra e Paz
Hoje, segunda-feira de carnaval, milhares de paulistanos foram ao Memorial da América Latina. Não que lá tivesse alguma grande programação carnavalesca. Não. A programação era ver arte mesmo, a arte presente nos paineis "Guerra e Paz" de Candido Portinari.

Sol forte, dia quente, e mesmo assim a fila não parava de crescer no Memorial. A cada 20 minutos, uma leva de 300 pessoas entrava de uma vez para ver os dois paineis de perto. Enquanto isso, a fila do lado de fora se mantinha em torno das 500 pessoas. E isso o dia inteiro, me disse o guarda. O horário de visita começa as 9h da manhã e vai até às 18h.

Os paineis foram pintados entre 1952 e 1956 e ficam instalados na sede da ONU em Nova Iorque, no hall de entrada do prédio. Mas o acesso a eles é restrito a autoridades do mundo todo. Por isso também, é bom fazer um esforço para ir vê-los, aqueles que estão aqui em São Paulo. Aqui eles estarão expostos até 21 de abril. Depois que voltarem ao prédio das Nações Unidas, em 2013, provavelmente ficarão durante décadas, bem longe do acesso público. Os paineis só puderam vir ao Brasil desta vez porque uma grande reforma está sendo feita no prédio da ONU e muito esforço foi feito, por parte do Projeto Portinari com o apoio do governo brasileiro, para que eles viessem para cá e pudessem ser restaurados aqui e mostrados ao povo.

Ao fundo o painel Paz.
Nada mais justo. Portinari é paulista, Portinari pintou o povo brasileiro, Portinari é do Brasil. Como podemos ver pelas cores e pelas figuras que ele escolheu para ilustrar esses dois temas sempre tão atuais da história da humanidade: Guerra e Paz. Os mesmos esquálidos seres humanos, em desespero diante da morte, diante das atrocidades da guerra. E os mesmos meninos e meninas, brasileiros em suas cores e suas brincadeiras, que aparecem por todo o painel Paz.

Não há como não sair de lá emocionado com o que se vê, diante da grandiosidade da tarefa aceita pelo pintor já doente, intoxicado pelo chumbo das tintas. Mas ali está a sua própria alma brasileira, ali pintada a sua alma caipira, e a marca da sua alma socialista: o sonho dele era maior do que ele, maior do que sua doença, que uma simples tela, tão grande quanto um painel: o sonho de um mundo de paz, de um mundo justo, de um mundo bom para todos.

Um sonho que ele via com o coração, como ele mesmo disse:

"A pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. Só o coração nos poderá tornar melhores e é essa grande função da arte. Não conheço nenhuma grande Arte que não esteja intimamente ligada ao povo”.