sexta-feira, 12 de abril de 2013

Diário de Madrid X

"Y los sueños, sueños son..."

Puerta del Sol, Madrid, 12 de abril, 18h
Hoje mais uma vez caminhei por horas pelas ruas centrais de Madrid. Puerta del Sol, Calle de la Cruz, Plaza de Santa Ana, Plaza do Teatro Real, Plaza España, Calle de Alcalá... Amanhã minha viagem termina, hora de ir embora.

E aqui termino este diário de  Madrid, nesta sexta-feira já um pouco mais quente desta primavera que já chegou. Volto para meu outono paulistano, com muita experiência destes dias vividos aqui. Passeis cinco dias pintando na Academia Decinti, aprendendo um pouco com os pintores Alejandro Decinti e Oscar Villalon. Agora tenho que voltar para meu próprio cavalete e estudar, praticar. Mas também começar a trabalhar já. Madrid me deu muitos motivos para não me demorar muito em me expressar de novo. E seguir com meus sonhos, que são muitos.

Por falar em sonhos, parei de novo diante da estátua do poeta Calderon de la Barca. E peço a ele emprestado um trecho de seu poema "La vida es sueño", para encerrar minha estadia em Madrid e começar a viagem de retorno a São Paulo e a meu mundo pessoal:
 
 "Yo sueño que estoy aquí,
destas prisiones cargado;
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño;
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son."

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Diário de Madrid IX

File:Fuente del Ángel Caído (Retiro, Madrid) 01.jpgHoje conheci o único monumento no mundo - que eu saiba, o que nao significa muito - erigido ao Anjo Caído, o Diabo. Fica no Parque do Retiro, localizado atrás do Museu do Prado, um imenso parque verde, pleno de alamedas e jardins, bom lugar para se passear.

Mas olhando para aquela escultura diabólica, com as carrancas em torno do pedestal, assustadoras como as gárgulas da igreja de Notredame de Paris, fiquei pensando que talvez somente um país como a Espanha, com suas intensidades angulares que sáo capazes de subir aos céus e descer aos infernos, teria uma escultura do Diabo em plena capital.

A escultura foi criada pelo escultor madrilenho Ricardo Bellver (1845-1924) e tem como tìtulo "O Anjo Caído". Diversas vezes já se levantou a questao de retirar a estátua de Lúcifer da Praça pública. Mas até hoje ela continua lá, inquietando os que veem nela a incorporaçao do Mal e deixando outros, como eu, se divertirem com mais esta faceta da cultura espanhola. Dizem que ela está a exatamente 666 metros acima do nível do mar, e, lembre-se, o número da Besta no Apocalipse é o 666...

O povo madrilenho jà deve ter se acostumado com essa obra de arte que teria sido inspirada em um dos versos do "Paraíso Perdido", de John Milton.

Para mim isso também é parte da expressao do povo deste país, isso é muito parecido ao que fazia Francisco Goya. Esta escultura aí, se colocada ao lado das "pinturas negras" de Goya, estaria em um bom lugar. Nao que as pinturas negras falem explicitamente do Mal, no sentido demoníaco. Até pode-se ver uma outra expressao de figuras que poderiam ser meio tenebrosas. Mas o mal, se surge nas obras de Goya, é o mal bem concreto, provocado por forças bem reais: os poderosos, os exploradores, os aproveitadores. As figuras "feias" das pinturas negras estao acompanhando procissoes, ou em grupo em algum ritual religioso. Em uma das pinturas até aparece a imagem de um bode preto, assustador, mas que convive com as pessoas em volta dele. Ou seja, o Mal de Goya é um mal bem concreto, presente na realidade da vida, no cotidiano de todos. Mais no fim da vida, Francisco Goya se interessou muito em  estudar as expressoes humanas de dor, sofrimento, angústia, medo, depressao... O lado negro da alma humana, que nem sempre brilha, sob o peso da existência.

Mas deixemos o ladro negro da Força - da vida - de lado, porque hoje eu fui conhecer também "La Tabacalera", um espaço para exposiçoes artísticas que hoje estáo sob a administraçao do Ministério da Cultura espanhol, mas já foi palco de muitas lutas e ocupaçoes de coletivos de artistas. Este local antigamente era a Fábrica de Tabacos de Madrid. Esta fábrica durou mais de um século e foi lá que surgiram as operárias conhecidas como "las cigarreras", trabalhadoras valentes defensoras de seus direitos, mulheres de espírito rebelde e independentes. Atualmente o prédio serve para exposiçoes de artistas. Andei por lá, fotografei muito, mas como nao tenho aqui como baixar as fotos, isto vai ficar para quando eu chegar em Sao Paulo.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Diário de Madrid VIII

Ontem fiquei sem internet. O wifi do lugar onde estou hospedada resolveu nao funcionar nunca mais. Estou digitando de um locutório e nao tem o til nos acentos deste teclado, entao tudo que for entao, nao, sertao, faisao, estao, sao, nao sao... vai ficar tudo assim mesmo, desculpem aí.

Mas ontem estive vendo a coleçao do Museu Thyssen-Bornemizsa, depois do curso intensivo que estou fazendo na Academia Decinti. Para uma coleçao particular, pertencente a úma só família e que montou esse acervo em duas geraçoes, desde o século XIX, a quantidade de obras para ver è muito grande. Eles têm um pouco de tudo: dos pintores italianos, holandeses, franceses, flamengos, espanhois, ingleses, norte-americanos e até austríacos, suecos, escandinavos e russos. Posso concluir que essa famìlia sabia do que estava acontecendo no mundo das artes e fez questao de adquirir obras de todas as fases importantes da pintura até o século XX.

A coleçao é feita de pinturas clàssicas, de representantes do romantismo, do realismo, do impressionismo, da Vanguarda Russa, das vanguardas europeias do começo do sèculo XX. Tem Kandinsky, Chagal, Max Ernst, Kasimir Malevich, Mondrian, Lucien Freud, John Singer Sargent, Francis Bacon, Edward Hoper e todos os outros mais conhecidos, Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Monet, etc. É uma boa panorâmica da pintura dos últimos tempos, inclusive. Mas pára na dècada de 1940.

Para ver arte pós-década de 40 é bom ir a outro grande Museu daqui, o Reina Sofia, que já fui em outra viagem a Madrid e desta vez acho que posso ficar sem. Lembro-me que lá vi "A Guernica" de Picasso, várias outras obras dele, além de Salvador Dali, Miró e esculturas de Gaudi. Foi o que mais gostei. Porque o Reina Sofia está mais focado na Arte Contemporânea que no me gusta mucho...

Ficheiro:El Aquelarre.jpg
Uma das pinturas negras, de Francisco Goya
Gosto de ver os mestres de verdade: Diego Velázquez, José Ribera, El Greco, o grande Francisco Goya, Joaquín Sorolla - estes grandes espanhois que muito me encantam. Além dos outros que enchem meus olhos: hoje tive uma overdose de pintura! A riqueza da coleçao de pinturas do Museu do Prado - que fui ver hoje de novo - para terminar meu périplo por lá - é impressionante! Inúmeros quadros de Rubens, Tiziano, Rafael, Botticelli, os irmaos Carracci, Poussin... Inúmeros holandeses e alemaes, inúmeros espanhois, franceses... Anton Van Dyck, Rembrandt... dá para ficar com a alma feliz e os olhos escancarados por dias!

Mais uma vez fiz uns desenhos, especialmente de José de Ribera. Hoje tinham vários pintores com seus cavaletes pintando ao vivo, usando como referência essas maravilhas da arte. Fiquei com uma ponta de inveja destes artistas espanhois que podem a qualquer momento instalar-se dentro do Museu e pintar diretamente dos quadros dos mestres, beber direto na fonte.

Mas meu amigo Marcelo tinha me dado uma sugestao e preciso falar um pouco sobre isso. Marcelo, agora è para você que escrevo. Os espanhois, ah, os espanhois... Nunca tinha percebido, como agora, a expressividade desse povo! Velázquez, por exemplo, teve uma vida meio sem graça (se levarmos em conta a vida maluca de Caravaggio, por exemplo). Vivia na corte, com sua família, servia ao rei, pintava quando era solicitado, viajava para a Itália para comprar obras para o rei... algumas destas obras que hoje meus olhos puderam ver. O cara tinha tudo para ser um reles pintor de corte, de segunda linha. Mas nao! Cada tela que Velázquez pintou dizia muito sobre ele, sobre sua visao de mundo, sobre sua alma. As pinturas de Velázquez sao muito fortes, é impossível nao nos tocar um quadro como "A forja de Vulcano", ou até mesmo "Marte" e as figuras dos anoes e bobos da corte que ele elevou ao nível da pintura dos reis. Ele nao fez nenhuma diferença entre pintar, por exemplo, o retrato do rei Felipe ou moças que trabalham fiando, ou o cocheiro... Sua vida foi de uma pessoa normal? Sua pintura nao é absolutamente de uma pessoa normal! Ele parecia meio bobo, de tao tímido? Sua pintura grita, se escancara, será vista e admirada ainda durante muitos séculos!

El Greco, que se enfiou na pequena Toledo, tem uma pintura fantàstica, que com certeza deve ter inspirado Modigliani (nunca li sobre isso, mas quando vi as figuras esguias dele me lembrei de Modigliani). Sei que inspirou Francis Bacon e, sim, Susana, eu tambèm acho que Bacon deve ter se inspirado em El Greco tambèm. Ele usava tons escuros para as sombras, preto ou cinza. Quase nao tem sombras coloridas, os traços sao fortes, as figuras verticalizadas. Falava El Greco!

José de Ribera, Vicente López, Francisco Zurbarán, Murillo... falam da alma espanhola, da intensidade dos sentimentos que este povo é capaz de ter e sentir, da religiosidade que chega quase ao fanatismo, mas da vida nas ruas, nas casas, nas touradas, nas danças, no amor, no trabalho.

Francisco Goya... este tem me tocado muito ultimamente. Por inúmeras razoes e nem vou falar muito disso aqui agora, porque sei que este é um processo que está se dando e vamos ver aonde isso vai me levar. Acho que Goya me trouxe a esta viagem agora para a Espanha. Goya e Sorolla, os dois juntos, com suas diferenças, um o pintor da luz, o outro o pintor das trevas, mas nesta contradiçao me representam em meus altos e baixos, sobes e desces e os dois tem me falado muito nesta viagem. Sorolla, Goya...

As pinturas negras de Goya, que eu vi, revi e vi de novo no Prado sao de uma expressividade impressionante! Um homem que além de pintor se incomodava com os assuntos do seu país, do seu povo, que se envolveu com as lutas históricas de seu tempo, que pintou os desastres da guerra e a tela "O fusilamento de 3 de maio", mas também as "majas" desnuda e vestida, as gravuras e caricaturas que representavam os sentimentos humanos mais profundos... Francisco Goya é, para mim, uma grande referência.

Joaquín Sorolla, pintor realista do final do século XIX e começo do século XX, tinha como grande forma expressiva a explosao de luz que ele permitia surgir em seus quadros. Pintou muitas vezes na beira da praia, amarrando seu cavalete com cordas por causa do vento, unicamente porque sentia necessidade de trazer aquela luz para suas telas, aquelas pessoas andando na praia, os pescadores, as mulheres e principalmente as crianças. Todo o mundo de Sorolla é um mundo da relaçao com a luz. Ele tinha em sua palheta uma boa diversidade de tons de amarelo. E amava a pintura de Velázquez, aquele homem tímido cuja pintura nada tem de tímida.

Só para terminar, tambèm vi um outro pintor espanhol que me encantou muito: Mariano Fortuny. Quase nao é conhecido, mas é da mesma cepa que Sorolla. Fiz um desenho gestual de uma cópia que Mariano Fortuny fez de uma figura de Velázquez. Como a cópia dele é, por sua vez, uma grande obra, fiquei observando e minha observaçao me fez desenhar para entender melhor.

Ficheiro:Joaquín Sorolla 001.jpg
Um exemplo da luz de Joaquin Sorolla