segunda-feira, 22 de abril de 2013

Natureza-morta ou o momento poético

Óleo sobre tela, 50 x 40 cm, abril 2013
"Siento un gran respeto por la realidad, porque la realidad es la que tiene que dar todo. De ella tienes que tomar lo que más te guste"
Antonio López, pintor realista espanhol

Terminei este estudo, sob a arientação do professor Maurício Takiguthi, de uma das naturezas-mortas de um aluno da escola do pintor norte-americano David Leffel. Não se trata somente de uma simples cópia minha. Trata-se de aprender como essa escola realista pensa a pintura. Nesse sentido, isto não é simplesmente uma natureza-morta, mas um conceito, um pensamento sobre o que é pintar. Para o pintor realista, o mundo à sua frente possui uma cadeia de relações que estão - e devem estar - presentes numa boa pintura. Não se trata só de desenhar, dar pinceladas, colorir, ver a incidência da luz, as sombras, etc.

É preciso ver além da aparência, penetrar profundamente no real à nossa frente, permitindo que ocorra essa relação dialética entre o pintor e seu mundo. Por isso Leffel também insiste que além de aprender a pintar é muito importante aprender a "pensar visualmente". Pintar imagens, ensina ele, significa também "resolver tecnicamente problemas estéticos", para fazer com que a pintura possa ser também simples e compreendida por qualquer pessoa. As grandes pinturas dos mestres são evidentes por si mesmas, não têm nada de esotéricas. Falam com todos.

Mas o olhar do artista traz ao mundo seu modo pessoal de vivenciar a realidade, em seu
“sublime assombro diante da sabedoria da ordenação do mundo”, como disse Nietzsche. O exercício de observar o mundo, de pintar a realidade pode ser comparado ao momento do despertar, ou, dizendo de outro modo, o momento da tomada de consciência. Não o despertar automático, de todo dia, mas o daquele momento em que de repente algo no mundo se apresente absolutamente NOVO a nossos olhos. E até pode ser um NOVO que já foi visto antes: a luminosidade matutina que colore a sala da nossa casa com uma luz nova; um movimento do seu gato, silencioso e harmônico; o rosto envelhecido da pessoa amada; a mão jovem de sua filha; uma flor que começa a se abrir; uma lua fosforescente num céu de outono... enfim, o Real está aí todo o tempo à nossa frente para ser apreendido, absorvido, percebido de forma profunda e nova.

É preciso, às vezes, recusar as certezas em benefício do espanto! O dia a dia nos encerra no obscurecimento das coisas; tudo se torna trivial, comum, normal, em nossa rotina diária. Por isso é bom esse exercício de buscar outros sentidos nas coisas do mundo, dar uma outra cara a tudo, aumentar nossa capacidade de enxergar, expandir o nosso gradiente de percepção. Buscar novos sentidos, não nos satisfazer com a aparência. Um pintor que pinta só a aparência do mundo está perdendo a possibilidade de deixar que o real seja alcançado de um jeito novo. O que o pintor realista David Leffel ensina e mostra é que há modos diversos de acesso ao real.


O pintor realista é aquele que busca produzir sentidos novos aos sentidos já dados e conhecidos. O pintor realista é como o poeta que usa a matéria-prima da linguagem para falar de algo que muitas vezes nem tem linguagem... Não tem palavras para tudo no mundo... Mas há o sentido, e ele sempre pode ser novo! E é preciso falar dele. Para que as pessoas possam ver o que o artista viu.

Por isso este estudo acima não é só uma cópia de uma natureza-morta de um outro artista. Sou eu mesma querendo entender os modos de acesso ao real que pinto, enquanto aprendo a manejar meus pinceis...

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Um curso de pintura em Madrid

Aproveitei meus dez dias em Madrid para praticar um pouco de pintura. Durante cinco dias, quatro horas por dia, fiz as duas pinturas abaixo, na Academia Decinti, dos pintores Alejandro Decinti e Oscar Villalon. A  Academia funciona no bairro de Chamartín, perto do Museu Sorolla.

Alejandro e Oscar me orientaram da seguinte forma: eu iria usar uma palheta bem reduzida, só com as cores primárias e mais preto e branco. O trabalho inicial seria pintar uma grisália com as cores preto e branco, no caso da pintura do velho; uma segunda grisália, onde adicionei o azul cerúleo para que ficasse mais fria, na pintura do negro. Usei como referências duas fotografias do fotógrafo Pierre Gonnord, um francês que mora em Madrid.

No segundo momento do meu trabalho, fui inserindo as cores, respeitando a luz da grisália. Então as pinceladas eram mais transparentes, em camadas, dos tons mais escuros aos mais luminosos. Não cheguei a concluir as pinturas, mas deu para aprender bastante sobre esta técnica. Oscar me disse que os mestres do passado que usavam estas técnicas que incluem as grisálias, os verdaccios e outras bases monocromáticas, faziam isso para isolar a ação do chumbo presente no Branco de Chumbo que fazia com que as pinturas escurecessem. Com esta técnica, a pintura se mantinha intacta, sem sofrer a ação dos elementos químicos que compõem os pigmentos que usamos. O resultado também é diferente da pintura Alla Prima - pintura direta, sem camadas.

Seguem abaixo as duas pinturas, resultado do meu trabalho de 20 horas no ateliê espanhol. A pintura do velho está um pouco mais próxima do fim do que a outra, que ainda precisaria de algumas horas a  mais de trabalho sobre ela. Mas vou deixar assim. Fica como um registro deste curso em Madrid, como aconteceu com o "Moça com brinco de pérola" (original de Jan Vermeer) que pintei em Paris em 2011.

Estudo com base em grisália. Óleo sobre tela. Mazé Leite, 2013, Madrid
Estudo com base em grisália mais fria, com azul. Óleo sobre tela. Mazé Leite, 2013, Madrid

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Diário de Madrid X

"Y los sueños, sueños son..."

Puerta del Sol, Madrid, 12 de abril, 18h
Hoje mais uma vez caminhei por horas pelas ruas centrais de Madrid. Puerta del Sol, Calle de la Cruz, Plaza de Santa Ana, Plaza do Teatro Real, Plaza España, Calle de Alcalá... Amanhã minha viagem termina, hora de ir embora.

E aqui termino este diário de  Madrid, nesta sexta-feira já um pouco mais quente desta primavera que já chegou. Volto para meu outono paulistano, com muita experiência destes dias vividos aqui. Passeis cinco dias pintando na Academia Decinti, aprendendo um pouco com os pintores Alejandro Decinti e Oscar Villalon. Agora tenho que voltar para meu próprio cavalete e estudar, praticar. Mas também começar a trabalhar já. Madrid me deu muitos motivos para não me demorar muito em me expressar de novo. E seguir com meus sonhos, que são muitos.

Por falar em sonhos, parei de novo diante da estátua do poeta Calderon de la Barca. E peço a ele emprestado um trecho de seu poema "La vida es sueño", para encerrar minha estadia em Madrid e começar a viagem de retorno a São Paulo e a meu mundo pessoal:
 
 "Yo sueño que estoy aquí,
destas prisiones cargado;
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño;
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son."