segunda-feira, 18 de maio de 2015

Chegando em Madrid

A Puerta del Sol, local central em Madrid, por onde passam todos os madrilenhos todos os dias
A viagem de São Paulo para cá foi tranqüila, sem turbulência de espécie alguma! Mas, claro, cansativa! São cinco horas de diferença de fuso e isso deixa o corpo cansado.

Hoje tomei meu desayuno em um café do século XIX, perto do metro Tribunal. Quando venho para Madrid é impossível não pensar nos artistas que caminharam por estes mesmos sítios por onde estou passando. Andei um pouco de metro pra fazer hora, por causa do fuso horário. Fui até a Estação Atocha de manhã e lá vi duas esculturas de Antonio Lopez e um monumento às vítimas do atentado terrorista que teve por aqui há poucos anos atrás. Meu amigo Juan Argelina, com quem me encontrarei amanhã, quase morreu neste atentado. Sobreviveu.

Rua central de Madrid
Depois segui de metro até a Estação Chamartin, um outro ponto de onde saem não só os trens de metro, mas trens para algumas cidades, em especial do noroeste da Espanha. Eu estava muito cansada, mas fui observando as pessoas. A crise econômica do capitalismo europeu atingiu os espanhóis de forma cruel! Em apenas três trens de metro que tomei hoje apareceram jovens pobres pedindo esmola ou vendendo tranqueiras. Lembrei que no avião eu li no jornal El Pais que 20% dos jovens espanhóis entre 15 e 26 anos são da famosa geração "nini": ni trabajan, ni estudian! No hay grandes espectativas de vida acá, carajo! Nas ruas de Madrid, mais pedintes, mais moradores de rua. Incluindo um aqui da minha rua, a Calle Fuencarral, que é jovem, loiro, deve ter olho azul (não olhei muito pra ele não ficar achando que eu ia liberar uma grana) com cara de vagabundo e critica os ricos enquanto pede esmolas para beber "vino, wisky o cerveza"... Ta certo, cada um sabe das próprias necessidades.... Né, Luiz?

No metro em direção a Chamartin entrou um espanhol com um violão pedindo desculpas "si yo los molestaré" pero vendendo seu peixe: uma música....... Ahhhhhhh....... Tais, você vai gostar de saber! Roberto Carlos em bom espanhol, aquela lá "yo quiero tener un million de amigos"...

No metro, pessoas mal vestidas, muito tristes. Aquela tristeza espanhola, não qualquer tristeza! Dói na alma! E eu parecia reconhecer cada um "de aquellos rostros". La vida pulsa, triste pero pulsa!

Comi muito bem no almoço por menos de 10 euros! Se come muito bem aqui nesta Madrid de Dios! Despues, fui na lojinha de materiais artísticos que conheci em 2013. A vontade.... Ou melhor, a fissura de pintar tá grande. E ainda é o começo de tudo.

Em dois dias vou a Toledo, de novo, mas desta vez para ver o Museo El Greco.

Por hora, me quedo acá, en lo hostal Palacios, cerca de Gran Via.

Yo voy descansar más temprano... El primer día ha sido intenso! En la tierra de Velazquez y Goya y Greco y Sorolla y tantos otros!

Hasta mañana!
Puerta de Toledo, Madrid

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Ir para Madrid

"Velha fritando ovos", Diego Velázquez, 1618
Abaixo, um trecho do livro "Vida y obra de Don Diego Velázquez", escrito em 1899 por Jacinto Octavio Picon, onde ele conta um pouco como foi a ida de Diego Velázquez, pintor espanhol sevilhano, para a capital Madrid. Também conta como era a relação do pintor com o rei, uma relação de assalariado, mas que lhe garantia moradia e alimentação, para ele e sua mulher, Juana Pacheco. Diego conheceu Juana na casa de seu mestre Francisco Pacheco. Casaram-se quando ele tinha 19 anos. Viveram juntos até o fim da vida. Ela morreu oito dias depois da morte dele, no dia 14 de agosto de 1660.
A tradução do texto foi feita por mim de forma livre. E cortei do texto o que não tivesse grande importância.
Autorretrato, Velázquez
"Por grande que fosse a cultura de Sevilha naquele tempo, era natural que Madrid, onde habitavam os reis e as famílias mais ricas, atraísse a atenção dos artistas provincianos. Só Madrid é nobre, se dizia vaidosamente então, e à corte quis ir Velázquez, ávido de estudar as maravilhas com que enfeitavam seus palácios, casas e conventos, Felipe IV, os grandes senhores e as comunidades religiosas. Ademais, ainda vivia El Greco em Toledo, e na sacra estupenda mole de El Escorial, segundo a pomposa linguagem da época, havia quadros de Tintoretto e Ticiano; estímulos de sobra, superiores naquela ânsia de se aperfeiçoar, para que o artista quisesse empreender a viagem.
«Desejoso, pois, de ver El Escorial — declara Francisco Pacheco (sogro de Velázquez) — partiu de Sevilha a Madrid, por volta do mês de Abril de 1622. Foi acompanhado dos amigos D. Luis e D. Melchor del Alcázar, e em particular de D. Juan de Fonseca, que estava a serviço do rei e era um admirador de sua pintura”. Don Antonio Palomino, do seu lado, diz que Velázquez partiu de Sevilha acompanhado somente de um criado: posteriormente outros biógrafos, Lefort entre eles, supuseram que este servidor fosse seu escravo, Juan de Pareja, mas não se tem certeza.
"El niño de Vallecas", Velázquez, 1635 
Em Madrid, retratou ao poeta Luiz de Góngora, o que seu sogro Pacheco o atesta. O poeta, residente então em Madrid, tinha 60 anos de idade. Dada a importância do personagem e o interesse demostrado pelo sogro, era natural que Velázquez não se limitasse a pintar só a cabeça: o natural era que, por respeito à personalidade de um e ao carinho do outro, tivesse feito uma obra mais aprimorada, onde o autor de “Polifemo y las Soledades”, tão admirado em seu tempo, estivesse de corpo inteiro ou ao menos em meia figura. Mas o artista fez um retrato da cabeça de Góngora mais seca, dura e cansada do que as que fez antes de ir a Madrid.
Ou porque algum assunto grave requeresse ali sua presença, ou porque estava desesperado por não alcançar seus desejos, Velázquez voltou nesse mesmo ano a Sevilha; no ano seguinte, em 1623 don Juan de Fonseca o chamou por ordem do Conde-Duque de Olivares, oferecendo-lhe uma ajuda de custo de 50 escudos para a viagem que, segundo parece, fez acompanhado de seu sogro Francisco Pacheco. Hospedou-se em casa de Fonseca e como mostra de sua habilidade ou prova de gratidão, Velázquez lhe fez um retrato. Conta Pacheco que naquela mesma noite “um filho do Conde de Penharanda, camareiro do Infante Cardenal” o levou ao palácio e “em uma hora todos os que estavam no Palácio vieram ver”. Logo se ordenou que retratasse ao rei, o que foi feito em 30 de agosto de 1623. Até então ninguém ainda havia pintado a imagem do rei Felipe IV.
"O bufão Calabacillas", Velázquez, 1639
Velázquez foi contratado como pintor do rei em 1623 com um salário de 20 ducados ao mês, algo como ganhava qualquer serviçal da corte, como o barbeiro, por exemplo. Foi feita a mudança de Sevilha a Madrid. Pintou o retrato do rei a cavalo, feito todo a partir do natural. O quadro foi colocado na Calle Mayor, frente ao rei e a toda sua corte, o que despertou a inveja de outros artistas. Tudo isto foi contado por Francisco Pacheco.
Velázquez fez vários retratos de Felipe IV.
A boa sorte de Velázquez estava assegurada, entendendo por isso a segurança de seguir servindo ao rei. Choveram sobre o artista sevilhano todos os aplausos e até poesias. Seu próprio sogro lhe dedicou um soneto e don Juan Vélez de Guevara lhe compôs outro.
Passou a viver numa casa ao lado do palácio do rei, que representava um custo anual de 200 ducados. Felipe IV lhe deu outros 300 ducados de presente e ordenou que lhe pagassem um salário mensal, como era feito aos eclesiásticos a serviço da monarquia. Ou seja, Velázquez era um assalariado do rei.
Diego Velázquez seguiu fazendo seu trabalho de pintor. Nesta época fez também um retrato de sua esposa, Juana Pacheco. Por volta de 1626 pintou ao Infante don Carlos de corpo inteiro e em tamanho natural em pé, vestido com capa e traje negro. Podemos afirmar que neste retrato termina a primeira fase da pintura de Velázquez. Se pode afirmar a superioridade indiscutível do quadro em relação aos anteriores. Está desenhado, como todos os outros, com aquele maravilhoso sentimento da linha que ele teve desde o princípio, mas no que toca ao modo de pintar, ele começa a mostrar maior soltura, menos esforço para conseguir o modelado e, no que se refere à cor, a tendência a buscar a doce e elegante harmonia entre tons cinzas e negros que ele manejava como ninguém.
"O bufão don Diego de Acedo", Velázquez, 1639
Felipe IV encomendou, não só a Velázquez mas a outros artistas em forma de concurso, um quadro que representasse a expulsão dos mouros, executada a mando de seu pai Felipe III, um ato cheio de crueldades. Mais de 300 mil pessoas foram expulsas da Espanha, por serem de origem moura. Felipe IV ofereceu um prêmio a quem melhor representasse o tema. Francisco Pacheco conta que seu genro fez “um quadro grande com o retrato do rei Felipe III comandando a expulsão dos mouros”. Velázquez venceu o concurso e com isto o rei ordenou que se lhes pagasse uma ração igual aos que ganhavam os que viviam no palácio, que eram de 12 reais por dia para sua refeição e outras ajudas de custo. Velázquez ascendeu um grau na escala dos criados do palácio.
Ao rei agradava muito esta e outras obras pintadas por Velázquez. Mas a Tesouraria do Palácio não era um modelo de esmero no pagamento dos salários e muitas vezes o artista teve que fazer uma reclamação e soube que aquela ração diária de 12 reais se referia somente aos quadros de retratos do rei e não aos outros quadros que pintasse Velázquez. O rei Felipe tinha decretado a seguinte ordem:
«A Diego Velázquez, meu pintor de Câmara, ordeno que se dê pela despensa de minha casa uma ração cada dia em espécie como a que têm os barbeiros de minha Câmara, em consideração por ter se dado por satisfeito de tudo o que se lhe deve até hoje pelas obras de seu ofício; e de todas as que adiante mandarei, fareis com que se registre assim nos livros da casa. (Há uma rúbrica do Rei). Em Madrid, 18 de Setembro de 1628. Ao Conde de los Arcos, em Bureo».
"Retrato de don Juan Pareja", Velázquez
Digam o que quiserem os adoradores do passado acerca da diferença de tempos, usos e costumes, para sustentar que o que hoje parece humilhante era naquele tempo uma honra, a verdade é que lendo tais coisas vem aos lábios o sorriso amargo que inspiram a grande mesquinhês humana; sobretudo se se considera que os barbeiros da Câmara eram tratados como gente de segunda linha, assim como Velázquez era tratado como o eram os anões e bufões da corte que inclusive lhes serviram de modelo, como o menino de Vallecas, Nicolasito Pertusato, o bobo de Coria, Calabacilla e Solpillo. Enquanto isso, em outros países em épocas mais remotas, os reis honraram seus pintores, como Francisco I a Leonardo da Vinci, como Julio II a Michelangelo, Como Leão X a Rafael, como Maria de Médicis a Rubens, e como a cidade de Amsterdam a Rembrandt.

Felipe IV pensou de distinto modo e assim como em certa ocasião se lhe ocorreu expulsar da Espanha os estrangeiros porque comiam muito pão, acreditava que o nome de seu artista predileto não estava mal junto com os nomes dos barbeiros, maltrapilhos, anões e bufões. A alguns destes Velázquez imortalizou, pintando-os de forma que mesmo sendo da baixa ralé hoje figuram juntos com os retratos dos reis nos museus. Se ele fez isso de forma maliciosa, foi genial; se fez isso por inocência, como pode ser presumido porque ele era um homem de grande bondade, o tempo acabou vingando-o."
"Café da manhã", Velázquez, 1618,
Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Quem tem alma não tem calma

Dentro de nove dias embarco mais uma vez para a Espanha.

Desde o mês de março, a pintura espanhola vem novamente tomando conta de mim, em especial a de Diego Velázquez. Desde então, já fiz dois estudos sobre obras suas, como esta abaixo que representa o "El Bufon don Sebastian de Morra", de 1645 e "A costureira" de 1640.


Cópia de "El bufon don Sebastian de Morra",
Mazé Leite, abril de 2015, óleo sobre tela
Mergulhada em estudos sobre este grande pintor espanhol, teóricos e práticos, a vida vai me levando de novo para a Espanha. Desta vez para estudar mais, pesquisar mais, ver de perto, beber, me embriagar dos grandes pintores espanhois... 

Desde março, revoluções internas me dominam, me angustiam, me fazem perder o sono de madrugada... Penso no meu caminho na pintura, como uma pintora brasileira que vive em um país ensolarado, tropical, "bonito por natureza" mas vivendo momentos tão tensos e até mesmo perigosos. Está muito perigosa a vida no Brasil! Nesta semana, meu sobrinho Rondinelli Ferreira foi morto num assalto por causa de um celular. Só tinha 18 anos... Todos os dias esta mesma tragédia se repete na vida de inúmeras famílias do meu país. Que fazer?

Me pergunto: pintar a vida é pintar o que?

Pensamentos livres vão alcançando a superfície do mar revoltoso do meu cérebro: que é arte? que é se expressar em arte? pra que serve arte? pra que serve técnica?(leia post anterior aqui) Vêm vindo os pensamentos...

Arte pela arte é auto-compensação, é auto-indulgência, é querer se satisfazer sozinho, como se sozinhos fôssemos no mundo. Arte pela arte é refúgio covarde, ou egoísta, quando não se pode - ou não se quer - pensar sobre o mundo. Arte pela arte é a idealização da impotência, a concretização da fraqueza.

Caminhos existem para o artista, e enxergo estes aqui:

- OU fazer arte apenas para obter vantagem econômica, mesmo sendo espoliado por galeristas e curadores - o que pode levar à superficialidade mais escrota!

- OU resistir às pressões do sistema de arte atual, contrariando-o, e ao mesmo tempo se fechando, se isolando do mundo - o que pode levar à depressão, à loucura;


- OU resistir ativamente, coletivamente, consciente de que está tendo uma função cultural válida, mesmo num tempo tão desastroso como o que vivemos. Prefiro esta alternativa.
Retrato de Antonio López,
ainda em execução - Mazé Leite, óleo
sobre tela, maio de 2015

Lucien Freud já disse uma vez algo no sentido de que a arte deve assombrar, incomodar, mobilizar.

Mas a pergunta continua: pintar a vida é pintar o que? A resposta não vem fácil e isso algumas vezes dá raiva.

Nem sempre a raiva é um sentimento ruim; muitas vezes ela é necessária para nos empurrar em outro caminho, escolher outra coisa. Sinto raiva muitas vezes! Raiva do mundo, das coisas, das pessoas, de mim mesma, das minhas próprias tonterias.

Nesta noite passada, noite gelada, olhei para o céu escuro, busquei um horizonte entre prédios e falei para mim mesma, tentando acalmar as angústias dos dias presentes:

- Lembra daquela estrela do teu céu de antigamente? Vê que hoje há uma ali, à esquerda no céu, assemelhada àquela daqueles tempos em outro mês de maio? Lembra que ela iluminava os espaços em volta, de tão quente estrela que era? Também havia a escuridão em torno dela, aquele espaço negro no céu, negro de dar medo daquela garganta imensa do infinito que podia me engolir a qualquer hora, não fosse a gravidade... Mas a luz daquela estrela espantava a escuridão e a escuridão da noite foi perdendo fôlego. A estrela maior, o Sol, nasceu e começou a dissolver meus medos, minhas raivas, aquelas batalhas que às vezes trovejam dentro de mim... Os raios do sol abanam a fogueira da minha existência. O arder do fogo da vida, para arder, precisa de abanos. E hoje um vento solar me abana e me leva para bem longe daqui.

Por isso vou para a Espanha.

Vou pensando como Fernando Pessoa:

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é..."


Lá vou eu!