sexta-feira, 3 de junho de 2016

Pós-impressionismo: o triunfo da cor

"Mulher de perfil", Aristide Maillol
Os museus parisienses d’Orsay e de l’Orangerie cederam, para exposição nas dependências do Centro Cultural do Banco do Brasil, 75 obras de 32 artistas que teriam buscado um novo caminho na sua pintura, no final do século XIX e começo do século XX.

O título de “pós-impressionismo” foi dado pelo crítico inglês Roger Fry, porque teria identificado uma nova “linguagem estética” baseada no uso intenso da cor. Na verdade é um título genérico para agrupar diversas tendências estéticas que surgiam naquele período. Neste grupo de 32 artistas estão nomes que são identificados também o Impressionismo, como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne, Seurat e Matisse, mais conhecidos do público em geral.

"A italiana", Van Gogh
Sobre a curadoria desta exposição, assim como seus patrocinadores estão: Pablo Jimenez Burillo (da Fundação Mapfre), Guy Cogeval (diretor do Museu d’Orsay e de l’Orangerie) e Isabelle Cahn (conservadora do Museu d’Orsay e especialista em arte da segunda metade do século XIX), e uma parceria com o Musée d’Orsay e a Fundación Mapfre. No Brasil, a mostra conta com apoio do ex-MinC, por meio da lei de incentivo à Cultura, e patrocínio do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre, BB DTVM e Banco do Brasil. Ou seja, apoio de empresas ligadas ao mercado financeiro.

A exposição foi dividida em quatro níveis: 1 - “A ciência da cor”, que apresenta obras inspiradas nos estudos do químico Michel-Eugène Chevreul, que fez estudos sobre a teoria das cores e inspirou a pintura “pontilhista” (feitas com pequenas pinceladas de cores primárias justapostas); 2 - “Núcleo misterioso do pensamento”, que inclui obras de Paul Gaguin e Émile Bernard, onde as cores são de caráter mais simbólico, e podem ser vistos desenhos nos contornos e silhuetas, refletindo também o mundo interior do artista; 3 - “Os Nabis”, uma espécie de ideologia de um grupo de artistas que defendia que a origem da arte é espiritual e a cor transmite estados de espírito; 4 - “A cor em liberdade”, que mostra obras que se inspiram desde a região da Provence francesa à natureza tropical.

Esta exposição oferece ao público brasileiro a oportunidade de ver de perto alguns dos nomes mais conhecidos da arte francesa do século XIX como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Matisse, Cézanne. Mas também estão lá pintores como Georges Seurat, Paul Signac, Pierre Bonnard, Édouard Vuillard, André Derain, Charles Angrand, Georges Lemmen e Félix Vallotton.

"Fritillaires", Van Gogh
Esta exposição mostra como a cor se converteu em “um caminho” que se iniciou com o Impressionismo e continuou até à chamada pintura de vanguarda, caminho este que também desaguou nos diversos “ismos” em que foram enquadrados movimentos estéticos do século XX. Com o surgimento e desenvolvimento da fotografia no século XIX, os pintores se sentiram mais “livres” para fazer suas próprias pesquisas particulares. Até então, uma das grandes funções da pintura era retratar figuras importantes das classes dominantes, mas também pessoas das relações pessoais dos artistas, ou mesmo daqueles que tinham condições de encomendar um retrato a um pintor. Com a máquina fotográfica, esta função transferiu-se para o estúdio dos fotógrafos. Mesmo assim geniais retratistas, como John Singer Sargent, continuaram pintando grandes retratos.

Naquele mesmo século XIX, o pintor francês Gustave Courbet inaugurou uma exposição, em 1855, que denominou: “Du Réalisme”, iniciando um movimento que defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, como observa o historiador brasileiro Carlos Cavalcanti. “O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”. O movimento Impressionista derivou diretamente do Realismo, na visão de diversos autores, indluindo o próprio Cavalcante. Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa, abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

"Colheita em campo de trigo",
Émile Bernard
O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu também se organizar contra as regras da Academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. Entre eles estavam, além de Courbet e Manet: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e a artista Berthe Morissot.

Estes artistas em exposição aqui no Brasil, no CCBB, derivam desta movimentação estética, e até mesmo ideológica, que ocorreu em Paris pós-Revolução Francesa e pós-Revolução Industrial. As artes plásticas do século XX se ramificaram em dezenas de “ismos”, alguns com curta duração e alguns submetidos às diversas conjunturas políticas daquele século. Foram momentos de intensa efervescência criativa, quando eventos muito importantes na história da arte se deram; mas ao mesmo tempo se criou um distanciamento da realidade, que já não era a grande referência, mas sim os mundos interiores dos sujeitos individuais. O desenho se “desconstruiu”, a Luz perdeu lugar para a Cor, o estudo intenso do artista perdeu lugar para a “expressão pessoal” sem critério.

A mostra ficará em cartaz em São Paulo até o dia 7 de julho, e segue depois para o CCBB-Rio de Janeiro onde poderá ser vista de 20 de julho a 17 de outubro.

"A casa", Léo Gausson
"Mulheres de Taiti", Gauguin
"A praia de Heist", Georges Lemmen

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Odd Nerdrum, o pintor angustiado

"O abandonado", Odd Nerdrum
Odd Nerdrum é um pintor figurativo contemporâneo, que nasceu em Helsingborg, na Suécia, em 8 de abril de 1944. Ele mora há muitos anos na Noruega. Já bastante conhecido na Europa e Estados Unidos, Nerdrum guarda em sua pintura, ao longo de sua carreira, uma evidente influência de dois grandes mestres, Caravaggio e Rembrandt.

Odd Nerdrum
Sua pintura mantém-se fiel ao estilo clássico, mas é absurdamente atual no sentido de provocar espanto e inquietação. Seus temas em geral são alegóricos, com uma forte influência da mitologia e da cultura dos países gelados do norte europeu. São mundos de sonhos, ou de pesadelos, os que ele pinta sobre o fio tênue entre a realidade e a imaginação. Algumas pinturas revelariam um futuro apocalíptico, em outras um retorno ao passado dos grandes mestres. Odd Nerdrum pinta pessoas atuais vestidas com roupas daquelas épocas.

Ele não gosta de ser chamado de artista e diz que a arte atual - conceitual ou abstrata - não lhe diz respeito e que é uma arte reacionária. Outsider completo, vive recluso em uma pequena cidade gelada da Noruega, onde recebe alunos de vários cantos do mundo que passam uma temporada estudando com ele.

Em sua fase de formação, chegou a estudar com Joseph Beuys, um artista alemão totalmente conceitual, mas que teria lhe acrescentado muito pouco. Em uma entrevista a um site espanhol (www.descubrirelarte.es), Nerdrum conta:

"O assassinato de Baader", Odd Nerdrum, 1977
- O senhor Beuys e eu nos dávamos muito bem a nível pessoal, mas divergíamos em relação a aspectos concernentes à arte. Por exemplo, em uma ocasião ele me disse “esta mesa em que estamos sentados é só um amontoado de moléculas e nada mais, por isso seria impossível pintá-la”. Lhe respondi: “Se tu estivesses no meio de uma tempestade de neve a ponto de morrer de frio e descobrísses uma cabana cujas janelas estavam iluminadas de luz e sabendo que era tua salvação, pensarias que esta cabana é um monte de moléculas? Para mim é uma cabana!”

Na mesma entrevista, Odd Nerdrum faz uma distinção entre os termos “pintura figurativa” e “pintura clássica figurativa”. É importante esta distinção, diz ele, “porque praticamente todos os pintores são figurativos, inclusive Miró” (pintor abstrato espanhol). A pintura de Nerdrum é “difícil de realizar, porque é necessário ter uma grande quantidade de conhecimento técnico. Com 18 anos conheci o trabalho de Rembrandt pela primeira vez e compreendi em seguida que o caminho seria longo, que eu fracassaria muitas vezes antes de chegar a pintar uma tela com maestria aquilo que quisesse fazer”.

E continua contando ao entrevistador: 

- “No princípio da minha carreira me interessei muito por Caravaggio, um pintor que naquela época não era muito conhecido. Foi só depois de 1968 que suas obras passaram a ter um preço muito alto e sua fama a se espalhar pelo mundo. Me acusaram, então, de ser seguidor de Caravaggio… Em seguida, comecei a estudar as esculturas gregas, egípcias e, obviamente, cheguei a Rembrandt. É curioso, porque os críticos de arte diziam que eu estava começando a ficar mais original, quando era exatamente o contrário, eu nunca havia sido original e não estava abandonando essas influências. Na minha opinião a única coisa “pessoal” de verdade é a atração que um mestre exerce sobre nós, pois nem Rodin e nem El Greco foram particularmente “originais”, mas a paixão de suas vidas se manifestou na argila ou na pintura…”

Autorretrato, Odd Nerdrum
Odd Nerdrum costuma ser chamado um “pintor kitsch”, uma palavra de origem alemã cujo significado é meio complicado de explicar, mas a grosso modo seria uma certa relação entre a cultura erudita e a popular expressada através de figuras do imaginário popular entranhadas nas belas artes, no caso da pintura. O pintor norueguês diz que “se tivesse nascido há 300 anos, adoraria ter sido um pintor de retratos. Mas um pintor kitsch é alguém que reinterpreta sua relação com a arte e com a sociedade e que sente uma grande compaixão pela humanidade: suas obras tomam um certo distanciamento irônico para mostrar às pessoas os duplos significados e as distintas leituras. Os antecedentes seriam todos os artistas que buscaram seu próprio modo de expressão de forma independente das modas ou correntes estéticas, como Goya, Rembrandt, Caravaggio, Munch… Ou o grande Velázquez que se tivesse vivido no começo do século XX lhe teriam chamado de “pintor kitsch”...

Sobre seu processo de trabalho e quanto tempo dedica a uma pintura, Odd Nerdrum disse:
"O tempo pode variar de alguns meses até 10 anos ou mais. O pintor nunca acaba de todo um quadro; só as máquinas terminam as coisas. Meu processo de trabalho? Gosto da vida, gosto de trabalhar e também de dormir. Explicar meu processo de trabalho é como falar sobre a circulação do meu sangue. O que posso dizer é que cada vez utilizo mais os dedos para pintar, assim como lixas, trapos e também o pincel. Os três eixos de meu trabalho são grandes composições narrativas, o vazio (o ser humano sem contato com o planeta Terra) e quadros idílicos, com figuras em paisagens de uma harmonia arcádica. Me sinto bem com cada tema desses. Posso dizer que minhas ideias não pertencem aos mitos, mas surgem de leituras filosóficas que faço".

Desenho de Odd Nerdrum
Odd Nerdrum tem sido procurado por artistas de todos os lugares do mundo, e influencia muitos deles de forma evidente, de artistas mexicanos, norte-americanos, europeus de vários países, russos, asiáticos. Neste ano de 2016, o brasileiro Bruno Passos passou uma temporada no ateliê de Nerdrum na Noruega, no começo do ano, tomando umas lições de pintura e, segundo ele, discutindo política e filosofia, temas que “não saiam da pauta”: “a pintura praticamente só entrava se estivesse linkada com um destes temas. Interessante notar como arte é consequência, não causa…” (Leia o relato de Bruno aqui)

Na entrevista ao site espanhol, Nerdrum disse sobre seu interesse em ensinar diretamente a artistas mais jovens: “Simplesmente aconteceu. Estamos vivendo um tempo difícil para a pintura clássica e figurativa, por isso é importante criarmos um lugar nosso, nos ajudarmos mutuamente”.

Muitos dos temas dos quadros de Odd Nerdrum estão baseados na cultura nórdica e refletem o desenvolvimento das sociedades escandinavas. Representa estados psíquicos, usando a si mesmo muitas vezes como modelo para pinturas que nos passam uma certa angústia. O tema da morte, por exemplo, é um dos presentes na pintura do artista norueguês. “A angústia é o meu patrão”, tem dito em suas raras declarações à mídia.

O trabalho de Odd Nerdrum pode ser visto em vários museus do mundo, como o Metropolitan de New York, o San Diego, o de Arte Walker, o de Arte de Milwaukee (todos nos EUA), assim como o Museu de Gotenbourg, Suécia, e na Galeria Nacional de Oslo, na Noruega.

Odd Nerdrum também é profundo conhecedor de História da Arte e Filosofia. E um crítico de seu tempo também, como pode se ler em seu artigo Overcoming the Germanification of Europe.

Algumas de suas pinturas, de vários períodos, abaixo. 

Para saber mais sobre Odd Nerdrum, em seu site (clique aqui)




















terça-feira, 26 de abril de 2016

Pintar de imaginação?

John Singer Sargent pintando uma de suas obras, com as modelos posando à sua frente
Há algum tempo atrás, dois amigos em dois momentos diferentes me fizeram a mesma pergunta: os artistas pintam seus quadros "de imaginação" ou eles usam modelos/referências?

Isto parece ser uma questão clara para os pintores, mas é uma espécie de "lenda urbana" para os que não o são. A "culpa" disso pertence aos pintores modernistas, estrangeiros e brasileiros, que começaram a "criar/inventar" seus próprios modelos.

A resposta é muito simples: - Não! Nenhum grande mestre pintou de "imaginação", em especial as figuras humanas de seus quadros. Um dos meus amigos se disse "decepcionado": - Não? perguntou-me para confirmar. - Não! reforcei eu.

Clotilde Sorolla, esposa de Joaquín Sorola,
serviu de modelo para diversas telas do marido
Mas é assim que são as coisas. Há inúmeras idealizações causadas por profundo desconhecimento da maioria das pessoas sobre as artes plásticas...

A não ser que o pintor siga uma linha mais modernista - de cubista a expressionista, abstrato ou conceitual, quando aí sim, o artista se vê "livre" para criar suas próprias figuras, como fez Picasso, por exemplo - os pintores figurativos, desde os primórdios da pintura na Idade Média, lá pelos séculos XIV-XV, vêm utilizando a Natureza como modelo para seus quadros. Ou seja, a Natureza (com N maiúsculo mesmo, porque mais ampla) vem sendo o modelo de todos os pintores figurativos que se baseiam naquilo que vêem em seu mundo, o real.

Durante muito tempo, na história da Arte, os temas principais que aparecem na pintura foram temas de cunho religioso, para os quais se usava e abusava da "imaginação"... O poder da igreja impunha que, para catequizar os homens e mulheres em sua maioria analfabetos, as imagens eram uma boa forma de ensinar as lições contidas na Bíblia, por serem de fácil compreensão a todos. Era preciso fazer propaganda de sua filosofia, de sua visão de mundo, de seus santos e regras de vida.

Os pintores têm sido usados para isto há muitos e muitos séculos. Muito antes mesmo da Idade Média, pintores eram contratados para criar cenas bíblicas, terrestres ou celestes, assim como dar uma "cara" a seus santos, anjos, profetas. Pode ser que na época alguns tivessem se inspirado em modelos reais (na Alta Idade Média), mas a maioria "criava" os rostos sagrados de Maria, de Jesus, dos santos e mesmo de Deus. Podemos ver, por exemplo, nos ícones da igreja ortodoxa russa, como havia um certo padrão para os rostos de santos e de figuras sagradas. Não precisavam se basear em pessoais reais. Aliás, não DEVIAM se inspirar em pessoas reais!

"A costureira", de Diego Velázquez,
para cuja pintura serviu de mod
elo,
sua própria esposa
Só que quando o ser humano foi colocado no centro das atenções, em especial no período que conhecemos como Renascimento, por exemplo, pintores como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Ticiano, Rafael e tantos outros - só para ficar na Itália - começaram a se apaixonar pela anatomia do corpo humano e a pintar figuras humanas cada vez mais reais. Lembre-se, por exemplo, do grande Caravaggio que usava como modelos, para seus quadros de santos, pessoas bem concretas das ruelas e becos de Roma, seus amigos vagabundos e prostitutas...

Alguém pode conceber a "Gioconda" de Da Vinci como uma criação de sua imaginação? Claro que não! Da Vinci usava modelos bem concretos, de carne e osso, em seu ateliê. Aliás, ele tinha um modelo preferido, um de seus alunos. Assim como é impossível que alguém possa concluir que o grande "David" de Michelangelo tenha surgido de sua cabeça somente, sem que nenhum ser humano tenha posado para que ele pudesse tão bem esculpir a anatomia masculina em sua grande escultura!

Diego Velázquez usou como seus primeiros modelos de pintura sua própria família, pais e esposa. Depois que foi para a Corte do rei Felipe IV, além dos membros da família real, que pintou, Velázquez também retratou os trabalhadores que, como ele, serviam ao rei, desde bobos da Corte às damas de companhia...

Rembrandt e Vermeer, lá nos Países Baixos, pintavam suas figuras a partir de muitos e muitos estudos de observação com modelos bem vivos. A "Moça com brinco de pérola" foi pintada a partir de uma modelo bem real e feminina. Disse-se que era uma das empregadas de sua casa.

Meus amigos, a profissão de modelo que posa para artistas é tão antiga quanto a pintura figurativa!

Não tenho eu, pobre de mim, a menor capacidade de inventar uma outra maneira de pintar realisticamente o que vejo sem ver! Se nem mesmo os velhos mestres, os grandes pintores do mundo, pensaram que podiam ser capazes disso...! Os exemplos que eu poderia dar aqui fariam parte de uma lista enorme, além destes que citei acima.

Mas vamos lembrar de mais alguns:

Gustave Courbet, Renoir, Édouard Manet, Francisco Goya, John Singer Sargent, Jean Dominique Ingres, Van Gogh, Edgar Degas, Eugène Delacroix, El Greco, José Ribera, Zurbarán, Joaquin Sorolla, Rubens, William Turner, Frans Hals, William Bouguereau, Camille Corot, Hans Holbein, Paul Gauguin, Van Dyck, Francisco de Zurbarán, Ilya Repin, Rodin... a lista é imensa dos artistas figurativos e TODOS eles usavam a Natureza (o que inclui tudo o que pode ser visto e pintado, de animais a seres humanos) como modelo para suas obras.

Decepcionei mais alguém?

"Titus", filho de Rembrandt, que posou para ele
diversas vezes
Não seria conveniente raciocinar que se eu me considero uma pintora figurativa, de caráter mais realista, não seria uma incoerência eu me ligar a pintores mais modernos e que se desligaram da realidade para "inventar" minhas próprias figuras?

Por trás do uso de modelos bem concretos para que eu possa me expressar artisticamente, há toda uma linda filosofia de trabalho que diz, em resumo, o seguinte: a inesgotabilidade do Real é o que causa em mim a grande paixão de me expressar artisticamente ao observar modelos bem concretos (sejam humanos ou não). Que eu seja capaz de desenhar e de pintar, e através dessa minha relação com eles e com meu mundo eu tenha a capacidade de produzir meus quadros, isto é algo verdadeiramente extraordinário!

Há uma história que aconteceu com Claude Monet, por exemplo. Eu estive em Paris, há alguns anos atrás, e puder ver uma exposição de várias pinturas que ele fez da mesma igreja, a catedral de Rouen, em vários momentos do dia, porque ele queria captar a luz dos vários momentos do dia! Então ele usou a mesma igreja como modelo para várias telas, pois seu interesse estava na luz e nos efeitos que esta produz no mundo.

Não é incrível que eu possa me inspirar num modelo (vamos dizer que num mesmo modelo) e a partir dele - do Real - eu possa criar quadros diferentes, com temas diferentes, com luzes e cores diferentes? Por que teria mais valor criar minhas figuras de "imaginação"?

Minha opção de vida como pintora, até agora pelo menos, é de usar a realidade como referência! A realidade é de uma riqueza inesgotável! Há artistas que abriram mão dela, que preferem pintar "de imaginação". Conheço muitos deles, vários dos quais são brasileiros e estão fazendo seus trabalhos hoje. São muito bons no que fazem, vários deles. Pintam seus mundos internos, suas visualizações pessoais, colorem seus quadros a seu modo, pintam suas figuras com "liberdade" de invenção...

Mas a minha "liberdade" de invenção garanto que é tão ampla quanto a deles (senão mais!), mesmo que pareça que eu esteja "presa" à figura real... Porque eu não "copio" o que vejo, eu interpreto.
Ocorre que a realidade do mundo à nossa volta é movimento, é impermanência, é inesgotabilidade...

Menino posando para o artista inglês Lucien Freud