segunda-feira, 18 de julho de 2011

Candido Portinari no MAM de São Paulo


O Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, traz para o público uma exposição do pintor brasileiro Candido Portinari. São cerca de 90 obras, que retratam diversos períodos da carreira do artista, desde 1920 até 1945. Entre as obras mais conhecidas (“Retrato de Maria” (1932), “Domingo no morro” (1935), “Sapateiro de Brodowski”(1941) e ”Criança morta” (1944), podem ser vistos outros trabalhos menos conhecidos, como o retrato “Meu primeiro trabalho”, de 1920.


Portinari
Candido Portinari nasceu em 1903, numa fazenda de café aonde seus pais – camponeses italianos imigrantes – trabalhavam, na cidade de Brodósqui, interior de São Paulo. Desde muito cedo, seu talento para o desenho sobressaiu e, incentivado por sua família, com apenas quinze anos de idade foi para o Rio de Janeiro estudar artes plásticas. Inicialmente foi aluno de desenho no Liceu de Artes e Ofícios, até conseguir uma vaga na Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou dentro dos cânones acadêmicos da pintura.

Em1928, com a tela “Retrato do poeta Olegário Mariano” (que pode ser vista no MAM), ganhou como prêmio uma bolsa para estudar na Europa. Visitou a Inglaterra, a Itália e a Espanha até ir para Paris, onde permaneceu até 1931, quando retornou ao Brasil. Nessa viagem fez duas descobertas fundamentais – como aponta a curadora da exposição Annateresa Fabris, em seu livro “Portinari, pintor social”: ele descobriu os pintores renascentistas italianos e os pintores da Escola de Paris, “sobretudo Matisse, Modigliani, Picasso”.

Nesse período na Europa, Portinari observou muito o andamento das artes plásticas, as novas correntes estéticas que se formavam por lá. Era o começo do fim de sua influência pelas regras acadêmicas da Escola Nacional de Belas Artes do Rio.

O mestiço, de Portinari
Foi lá, distante de sua terra natal, que Portinari descobriu a riqueza plástica do Brasil e dos brasileiros. Numa de suas cartas, escreveu:

“Apesar de eu ter sangue de gente de Florença (…) eu me sinto um caipira. Daqui fiquei vendo melhor a minha terra – fiquei vendo Brodósqui como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. (…) A paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a gente com quem a gente conversou a primeira vez, não sai mais da gente, e eu quando voltar vou ver se consigo fazer a minha terra.”

Quando Portinari voltou ao Brasil em 1931, encontrou um ambiente muito novo. A Semana de Arte Moderna de 1922 já rendia seus frutos pelo país a fora e o espírito modernista tomava todas as mentes. Intelectuais e artistas estavam imbuídos desse novo modo de pensar o País, e logo veem em Portinari o representante plástico do Modernismo. Um de seus mais entusiasmados defensores era o escritor paulista Mário de Andrade.
Em 1934, Portinari faz sua primeira exposição individual em São Paulo, recebendo elogios de Mário e de Oswald de Andrade. Oswald chegou a dizer que Portinari era “o grande revolucionário da pintura brasileira”:

(…) o Brasil tem em Candido Portinari o seu grande pintor. Mais do que escola, que faça exemplo. Pintor iniciado na criação plástica e na honestidade do ofício, homem do seu tempo banhado nas correntes ideológicas em furacão. Não admitindo a arte neutra, construindo na tela as primeiras figuras do futuro titânico – os sofredores e os explorados do capital”, disse Oswald de Andrade.

Feita a escolha estética, Portinari fez a escolha social, optando por pintar o povo e o trabalhador brasileiro. Nesta exposição atual do MAM, podemos ver diversos desenhos a grafite ou a carvão, esboços para grandes paineis, onde ele representou os trabalhadores do Brasil, que eram o motor da recente industrialização que seguia de vento em popa. Pintou murais com temas como Café, Cacau, Fumo, Carnaúba, Descoberta do Ouro, Borracha, Carvão.
Mas também pintou os retirantes nordestinos em seu mundo árido, sofrido, onde a morte ronda todos os seres vivos: homens, animais e plantas. Olhando para um de seus quadros com esse tema, fazemos imediatamente a ligação com grandes textos de grandes escritores brasileiros, como “Os Sertões” de Euclides da Cunha e “Vidas Secas” de Graciliano Ramos.

Cambalhota, Portinari
Nesta exposição, minha observação pessoal é de que o modernismo de Portinari vem não só da temática por ele utilizada, em consonância com um Brasil que crescia, mas também pela estilização de suas personagens. As figuras são – de modo geral – deformadas, seja no traço, seja nas cores, seja no movimento do pincel. Algo entre a Guernica de Picasso e as litogravuras de Kathe Kollwitz podem ser observadas numa tela como “Criança morta”, de 1944. Em muitas de suas pinturas podemos observar uma forma de expressar seus sentimentos de artista que lembra muito, na minha opinião, os expressionistas alemães. “Os Retirantes”, “O enterro na rede” e até mesmo uma paisagem, como “Paisagem de Petrópolis”, são exemplos, para mim, expressionistas.

Os diversos estudos presentes nessa exposição, para diversos murais pintados por ele, lembra bastante também a estética do Realismo Social praticado no México, nos EUA e na União Soviética, quase simultaneamente (vale lembrar que os norte-americanos somente passaram a praticar o Expressionismo Abstrato somente após 1945 e o advento da Guerra Fria, quando o Realismo Social passou a ser encarado como arte “comunista”. Mas mesmo assim, pintores realistas sobreviveram e pintam até hoje). Os trabalhadores dos pintores desse período, inclusive os de Portinari, possuem grandeza, gigantismo, fortaleza. Suas mãos e pés, sua musculatura agigantada são como formas de mostrar a força do mundo novo que pessoas simples, simples trabalhadores, podem construir.

Não foi a toa, que Portinari, em 1945, se filia ao Partido Comunista do Brasil. Participando de uma exposição de artes para arrecadação de fundos para o partido, lança-se candidato a deputado federal por São Paulo. Mas não foi eleito. Em 1947, lança-se candidato novamente, desta vez a senador. Não foi eleito por uma margem muito pequena de votos, e alguns suspeitam de que sua não eleição sofreu fraude. Ainda em 1947, com as ameaças sofridas por seu partido e por ele próprio, por parte do governo de Gaspar Dutra, resolve se exilar no Uruguai. Ele tinha sido chamado a depor na polícia política diversas vezes e foi incluído em um inquérito contra os intelectuais que lecionavam na Escola do Povo, ligada ao partido comunista.

Em 1948, quando voltou ao Brasil, o Partido Comunista estava na ilegalidade e os mandatos dos parlamentares comunistas tinham sido cassados. Com isso, ele se dedicou cada vez mais a pintar, sem nunca ter oficialmente abandonado o PCB. Faz uma exposição retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo, o MASP, onde foi consagrado pela crítica e pelo público. “Sua exposição é amplamente visitada pelas camadas mais populares”, diz a curadora Annateresa Fabris.

Imigantes, Portinari
A fama de Portinari ganhou o mundo. Foi convidado a pintar dois paineis gigantes que decoram o prédio das Nações Unidas, em Nova Iorque, cuja inauguração se deu em setembro de 1957. Essas duas telas gigantes estarão também em exposição aqui em São Paulo, na Oca do Ibirapuera, a partir do próximo mês de agosto.

Cândido Portinari morreu em fevereiro de 1962, após realizar mais de cinco mil trabalhos entre desenhos, pinturas, murais, painéis, esboços e até ilustrações. Morreu intoxicado por suas próprias tintas.

Leia mais, neste blog:
- Portinari de todos os tempos
- Um samba para Portinari

EXPOSIÇÃO:
No ateliê de Portinari (1920-1945)
Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM
Endereço: Parque do Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 3, São Paulo
Data: de 15 de julho a 11 de setembro
Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um samba para Portinari

Duas excelentes notícias para quem faz e para quem ama Arte:

O Museu de Arte Moderna de São Paulo, abre hoje às 20h a exposição "No Ateliê de Portinari", que reúne obras realizadas por ele entre 1920 e 1945, que pretendemos visitar neste final de semana. Aguardem novo post sobre o assunto, dentro de alguns dias.

Além disso, a Mocidade Independente de Padre Miguel, escola de samba do Rio de Janeiro, vai apresentar no carnaval de 2012 seu enredo que vai falar sobre ele que é um dos pintores mais brasileiros: Candido Portinari. O tema do samba-enredo é "Por ti, Portinari, rompendo a tela, a realidade".

Na apresentação do enredo, no final do mês de junho passado, o carnavalesco Alexandre Louzada falou um pouco sobre a história do pintor paulista, nascido em Brodosqui, ressaltando que a Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel vai contar a vida de Portinari “pela sua obra". Ele informou que os componentes da Escola representarão todos os personagens que Portinari retratou em suas pinturas, como plantadores de milho, de café, espantalhos, trabalhadores rurais e urbanos, além de outros.
"Nós seremos os seus guerreiros, só que empunharemos a lança de lápis de cor. Vamos nos colocar como personagens vivos de suas obras. A Mocidade é isso, feita de trabalhadores, de pessoas simples", disse Louzada, durante a apresentação do enredo. "Seremos a moldura viva de um quadro e pedir a ele que pinte a estrela de Padre Miguel", afirmou.
A justificativa apresentada pela direção da Mocidade, para a escolha do nome de Portinari diz que “através de suas mais importantes obras, mostraremos a trajetória deste artista que acima de tudo retratou em seus quadros e murais, a história, o povo e a vida dos brasileiros, através dos traços fortes e vigorosos carregados de dramaticidade e expressão.” 

E acrescenta: “Esta homenagem escrita em forma de poema é a maneira mais digna encontrada para festejar este mestre que além de pintar também foi poeta e que entre outras manifestações artísticas soube tão bem ilustrar com seus desenhos os poemas de Carlos Drummond de Andrade, seu grande amigo e parceiro na versão do livro “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes.”

É esta a linda sinopse do enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 2012:

POR TI, PORTINARI, ROMPENDO A TELA, A REALIDADE

“Num voo mágico, viaja o samba, /
 a conduzir meu povo feliz / 
em seu viajante sonho.
Solto no universo garboso, prosa em verso, / 
na fantasia a se tornar realidade,
leva os tambores da felicidade, / 
para despertar o artista na morada celestial.

Ó mestre, ergueis do sono esse quadro vazio. / 
Sua obra vive no cantar de nossa gente.
Põe nas tuas mãos o teu instrumento, / 
tua tela hoje é o firmamento,
que a arte se deixa tingir o breu da noite, / 
com um colorido de festa, / 
a aquarela do carnaval.

Vai, reinventa mais um lúdico céu. / 
Pinta por nós a nossa estrela,
tu que pintaste tanto a Mocidade, / 
deixa a tua mão deslizar Independente.

Hoje, somos as tintas que envolvem / 
as cerdas do teu pincel, e que,
na mistura das cores, por ti, Portinari, / 
rompem a tela para a realidade
e brilham no samba de Padre Miguel.

Hoje, uma moldura viva e humana / enquadra a tua história na pista,
e teu traço se refaz nos pés, / no passo do sambista,
que vai riscar murais de sonhos / e estampar retratos,
cena dos Brasis que tu desenhastes.

À luz da inspiração, vem fazer reluzir em nossa mente / 
a cândida infância de tua Brodowski querida,
e reflorescer os campos com suor da lida, / 
dos mestiços viris a lavrar a ampla terra.

“Entre o cafezal e o sonho”, / 
vem reunir retalhos e as lembranças coloridas,
como as dos espantalhos a oscilar na brisa, / 
serenos sobre as plantações.
Hoje, é um tempo que não passa. / 
Um turbilhão, um vento que sopra,
que varre e traz recordações, / e que vem devolver a ti a meninice.

Somos nós os teus meninos, / 
sem rosto, anônimos na multidão,
que fazem girar o teu mundo / 
num rodopio frenético,
como se fossem um pião, / 
tal como um caleidoscópio
a transmutar em formas a tua imaginação.

Somos a quimera límpida, / 
que balança livre num céu pontilhado,
às vezes, de pequenas pipas e balões.
Viemos abrir o teu coração / e revelar esse tal sentimento,
que subjugou a estética, / ao adulterar a técnica pela arte livre,
carregada de emoção.

Nessa força da cor que se imprime, / se diluem teus nativos,
descobridores, heróis desbravadores, / fauna e flora a percorrer paredes
como ciclos, desvendando a história, / o caminhar dessa nação.
Nesta hora, trazemos a alegria / pintada em nossas caras.
O suor que transpira / sob as luzes deste palco
é a nossa emoção que transborda, / ainda que exale de nós
a têmpera do mesmo povo sofrido, / do caminhar errante,
em busca da terra prometida, a vitória.

Imagina nós, os retirantes, / embora a esconder a face dura da vida,
como tão pungente retrataste, / dando o tom da cor às palavras
de “Guimarães” e “Graciliano”, / a cor da dor, escassa,
como a secura da terra do cangaço, /
por vez, na força do traço,
a bravura sertaneja.

A nossa odisséia e a nossa missão / 
é cantar-te, nosso estandarte, a glória,
como quem procura buscar nas alturas a prova.

Somos cenas bíblicas, / tal qual as que interpretastes,
nos vemos Santos, / Anjos olhados por Deus, /
 a voar nos céus azulejados.
Viemos aqui à luta, / contra o inimigo invisível, / 
os moinhos de vento
de uma aventura inventada.

À sorte, nos imaginamos fortes, / como o arauto sonhador
a rabiscar no papel uma estrada escrita / num poema de “Drummond”.
Somos “Dom Quixote De La Mancha”, / 
a empunhar a lança feita de lápis de cor.

Enfim, somos todos iguais esta noite, / 
como aqueles tantos que tua mão desenhou.
Somos o samba, o morro, / a favela, a dança, a música,
o contraste social, / trabalhadores do sonho, /
 assim como os da vida real.
Vamos à luta, / temos as caras das tuas caras, / 
o autorretrato da tua alma.
Somos todos em um, / a tua lembrança viva, / 
a eterna Mocidade,
modernista, revolucionária e guerreira / 
que, aqui neste momento,
ergue a ti um monumento, / um imenso mural, / 
pintado com a nossa alegria,
na batalha feliz deste dia, / 
“Guerra e Paz” do carnaval.

domingo, 10 de julho de 2011

O fascinante mundo em preto e branco de Robert Longo

Catedral da Luz, 2008-2009, carvão sobre papel, 304,5x151,8cm
Não, não se trata de mais um fotógrafo que preferiu eliminar as cores das suas fotos e fotografar com as boas e velhas câmeras antigas. Por mais parecidos que seus trabalhos sejam com fotografia, trata-se, na verdade, de um artista que prefere usar o simples carvão para fazer desenhos super complexos.

Robert Longo
Robert Longo nasceu no Brooklin, Nova Iorque, em 1953. Formou-se em Artes Plásticas no Buffalo State College e entre 1973 e 1975 esteve em Florença, Itália, como bolsista da Accademia di Belle Arti. Já participou de muitas exposições, individuais e coletivas, como a Bienal de Veneza de 1997 e 2002. Mas também já expôs seus desenhos em diversas cidades europeias, entre as quais Lisboa, no Museu Berardo. Ele diz que foi muito influenciado por várias mídias, incluindo o cinema e o desenho em quadrinhos.

Mas o que mais chama a atenção em Robert Longo não é nada mais do que seus enormes desenhos feitos simplesmente com carvão. Segundo ele disse a uma repórter do jornal "O Globo", o fascínio pelo carvão aconteceu meio como um acidente comum a quem é artista. Um dia ele queria desenhar e viu que não tinha lápis. Deu de cara com uns pedaços velhos de carvão e resolveu desenhar com eles. Foi aí que viu a potencialidade incrível do carvão para fazer desenhos maravilhosos.

Um fascínio que dá para compreender. Eu mesma, em minha experiência pessoal com os desenhos a carvão, vejo que há possibilidades imensas de desenho, quando conseguimos domar a “fera” que está por trás do carvão. Muita sujeira se faz até conseguir dominar a fluidez e obter toda a luz possível de um pedaço de carvão preto.

Vista da sala de estudo com livros em 1938, 2002,
167,6 x 274,3 cm, carvão sobre papel (escritório de Sigmund Freud)
Robert Longo falou na mesma entrevista que cresceu “num tempo em que as revistas publicavam fotos coloridas de astros de cinema e de presidentes da república, mas usavam o preto e branco para as imagens da guerra do Vietnã, da fome na India”. E ele diz que isso parecia querer dizer que somente essas duas cores são capazes de mostrar a verdade.

Seus desenhos gigantes falam, também, do mundo contemporâneo. Ele desenhou pessoas contorcidas, pessoas solitárias. Também quis dizer algo quando escolheu representar as três grandes religiões monoteístas da humanidade, desenhando seus lugares sagrados: a Basílica do Vaticano, o lugar de peregrinação mulçumana em Meca, na Arábia Saudita e o Muro das Lamentações em Jerusalém. Tudo isso... desenhado com carvão!

Mas a fotografia é uma coisa, o desenho é outra, claro. Longo ressalta que uma fotografia é obtida a partir de uma máquina, mas o desenho sai direto da mão do artista. Isso tudo é muito interessante, especialmente quando vivemos em um período em que Escolas de Arte ensinam (!) que desenhar já não é mais preciso; ou ensinam que desenhar e pintar está fora de moda. Ou que hoje, com a tecnologia e a informática permitindo outros meios, a mão do artista poderia se reduzir, talvez, aos movimentos sobre o mouse...

Como sou daquelas que desenham e pensam que o mundo será sempre desenhado, fico muito feliz quando vejo um artista "clássico" (desenhista e pintor), como esse, fazendo sucesso pelo mundo a fora!

Robert Longo está em cartaz, com uma exposição dos seus carvões, no Kunsthalle Weishaupt na cidade de Ulm, na Alemanha, além de galerias e museus norte-americanos. Alguns de seus desenhos foram publicados na oitava edição da revista “Serrote” do Instituto Moreira Salles, lançada esta semana na Feira Literária de Parati.


Três dos desenhos feitos com carvão por Robert Longo:
Basílica de São Pedro, Vaticano
Peregrinos em Meca, Arábia Saudita
Muro das Lamentações, Jerusalém

terça-feira, 5 de julho de 2011

Caravaggio vem aí!


Caravaggio pintado
por Ottavio Leoni,
por volta de 1621, Florença,
Biblioteca Marucelliane, Itália
O Museu de Arte de São Paulo será palco de uma das maiores exposições dos últimos anos, em 2012: uma mostra de 8 obras do Mestre Michelangelo Merisi da Caravaggio  (1571-1610), o grande mestre da Pintura Barroca e mais 18 obras de pintores "caravaggistas", entre os quais o espanhol José Ribera, os italianos Mattia Preti, Orazio Gentileschi, Giovanni Battista Caracciolo e o francês Simon Vouet.
Essas pinturas deverão ser exibidas no MASP, em São Paulo, entre junho e agosto de 2012, como parte da programação do Ano da Itália no Brasil. A data certa ainda está sendo negociada pela empresa responsável pela produção da exposição, a Base 7.

Esse importante evento artístico estava sendo previsto e programado há dois anos  e inicialmente seria apresentada na Pinacoteca do Estado de São Paulo no final deste ano, mas por problemas de agenda da Pinacoteca tudo acabou sendo reprogramado para o MASP e para 2012. Mas, primeiro, Caravaggio e os caravaggistas vão ser expostos primeiro na Casa Fiat de Belo Horizonte, Minas Gerais, com data prevista de inauguração para 27 de março de 2012.

Segundo Ricardo Ribenboim, um dos proprietários da Base 7, os três temas que serão apresentados pelas obras são:  religiosidade, violência e sensualidade. Deverão vir para o MASP obras importantes como "Narciso" (1599) e "Medusa" (1596), além de "São João Batista" (1603).

A exposição tem o apoio da Direzione Generale Dei Musei Statali Italiani. O curador, no Brasil, é Fábio Magalhães; e na Itália, Rossella Vodret. O orçamento para trazer esses quadros para o Brasil é de cerca de R$ 3,5 milhões, mas segundo diz Ribenboim, a imensa parte é para o seguro das obras.

Diante de uma notícia como esta, vamos acompanhar o desenrolar da programação e falar muitas vezes aqui, de Caravaggio e dos pintores que o imitaram posteriormente, especialmente os que serão vistos aqui no Brasil no ano que vem, como José Ribera, Mattia Preti, Orazio Gentileschi, Giovanni Battista Caracciolo e Simon Vouet.

Quem foi Caravaggio, rapidamente - um italiano nascido em 29 de setembro de 1571 e morto em 18 de julho de 1610. Sua obra simplesmente revoluciona a Pintura do século XVII, pelo seu caráter realista, quase brutal e a utilização da técnica do claro-escuro que influencia numerosos pintores depois dele. Leia mais aqui.

domingo, 3 de julho de 2011

O estilo Pictórico e o domínio da Luz


Tem dias que a gente fica horas diante do papel em branco à nossa frente, lápis ou pincel na mão, aguardando a forma que surgirá do desenho. Mas há dias em que a forma insiste em não vir. E não vem.


Melhor ler. Conceitos fundamentais de História da Arte, de Heinrich Wöllflin. Conceitos densos, complicados. E eu tentando entender a linearidade do mundo. E meu coração pictórico.

Pego um poeta para ler: João Cabral de Melo Neto, pernambucano que nem eu. Leio lá em “Lição de Poesia”:


“Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.”

Estudo em pastel sobre papel cartão

Vi que não estou só, neste domingo nublado, quase frio. Estudando os conceitos do Estilo Pictórico que praticamos no Atelier do qual faço parte, vamos assim, entre a pintura e o texto, fazendo descobertas profundas sobre o mundo da Pintura. E sobre o Mundo. 

Até a Renascença, o estilo de pintura que se fazia (que incluía a pintura de Leornardo Da Vinci, e todos os outros que vieram antes de Rafael de Sanzio) era Linear. Ou seja, a linha delimitava os espaços, dava contornos às figuras, ajudava o olhar a traduzir o que viam em termos de imagens. Para dar um exemplo bem simples: se pedimos a qualquer pessoa, criança ou adulto, que faça qualquer desenho sobre uma folha de papel, a imensa maioria vai traçar linhas, seja configurando um rosto, uma flor, um barco. Essa é, em sentido bem primário, uma forma linear de desenhar o mundo.

Mas nem isso eu conseguia fazer neste domingo, nem uma linha sobre uma folha em branco. Pensamentos e sentimentos inquietos só acalmavam de volta ao livro, ou ao Poema:

“Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.”



Detalhe de estudo em pastel sobre papel cartão
Nessa conversa entre mim e João Cabral, procuro desvendar o mundo, tentando uma interpretação pictórica dele. Vendo a realidade em suas infinitas formas, aprendo a observar o mundo como jogos de valores, de massas, de sombras e de Luz. Principalmente de Luz. Lá no Atelier de Arte Realista, meu ponto de encontro de todos os sábados, enquanto desenhamos e pintamos, conversas muito profundas acontecem, fora os encontros mensais do Grupo de Estudo de Arte Realista.

Pintar com a Luz. Desenhar com a Luz. Em plena São Paulo. Em pleno século XXI.
Estudo em pastel sobre papel cartão
Minha luta de hoje também era explicar tudo isso, em termos de palavras, para este Blog, um dos que resistem ao pensamento dominante. Um Blog que trata de Arte e de Realidade, de Arte Realista, de Real. O Real que é o resistente. Fala, João:



“A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.”


Estudo em pastel sobre papel cartão
Carvão. Passei meses sobre folhas de papel cartão, aprendendo a dominar o carvão. No Estilo Pictórico, dentro da visão Realista da Arte, sujando meus dedos, minhas mãos, meu rosto. Para buscar a pureza da visão pictórica do mundo. 
Antes de Rafael Di Sanzio (1483-1520), a pintura seguia o estilo Linear. O Renascimento estava no auge, quando houve a ruptura do Linear ao Pictórico, e isso foi feito por Rafael, enquanto pintava a Stanza d’Eliodoro, entre 1512 e 1514. Aos olhos do mundo, diz Wöllflin, ele executou essa ruptura, que influenciou milhares de pintores nos século seguintes, a começar do Barroco. Exatamente no afresco “A Expulsão de Heliodoro do Templo”, um mural de 5 metros de altura, por 7 metros e meio de largura, localizado no Vaticano.

“Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.”

Eu e meus carvões. Eu e meus pasteis. E a tela em branco. Mas na minha cabeça, os conceitos todos:
- criar a impressão de Movimento 
- pintar o essencial
- não há contornos definidos por linha, mas volumes
- tudo é grande, vaporoso
- buscar a unificação das grandes massas

Enfim, olhar para o mundo e ver que tudo se relaciona, mesmo os opostos, nem que seja por um simples matiz de luz. Ou por pequenos toques, como diz
Maurício Takiguthi. Sim, porque o estilo pictórico pensa o mundo como massas: Luz e Sombra são seus elementos. Luz e sombra dão Movimento. Dão Vida.


No estilo linear, a linha funciona como um guia que é seguro e dá segurança ao artista. Eu delimito as formas, as figuras, os espaços, deixando simplesmente a linha correr da minha mão para o papel.

Estudo em pastel sobre papel cartão
Mas no estilo Pictórico, o mundo se torna instável, inseguro. Porque o movimento disperso da massa de Luz não dá em parte alguma um limite, um fim. Tudo se espalha, o carvão espalha massas e valores. O pastel e a tinta teimam em se esvair além da forma. A tinta se espalha, as cores e as tonalidades se derramam buscando as profundezas, como diz Wöllflin. Os limites se tornam fluidos; limites que não são um fim em si, são infinitos.


E o artista - nesse descontrole - aprende a controlar essas massas, descontrolando-as. Meio louco, mas é assim mesmo! Pois a pintura deve passar a impressão de mudança contínua. Em lugar da Linha, uma "área terminal indefinida".


Partes da Pintura ou do Desenho parecem avançar ou recuar no espaço. Espaço que é profundo, diferente dos espaços claros, lógicos e até mesmo elegantes do estilo linear. Na arte Pictórica, "o olho é atraído para o fundo e para insondáveis profundezas", diz Wöllflin. O estilo é livre, nessa desordem pictórica.

Mas é preciso agora falar dessa “Liberdade”.
Detalhe de estudo em pastel sobre papel cartão
Não é a "liberdade" apregoada atualmente, que diz a qualquer um que o bom é “ser livre” e executar qualquer coisa do jeito que se quiser, sem regras. Abaixo as regras, dizem eles, que criaram essa regra canônica e dogmática. Mas não praticam a Liberdade, a verdadeira que se consegue quando se tem o domínio sobre o caos das massas e da Luz. É que ser livre dá trabalho! 

Eles, parece, não sabem, como o Poeta, o que significa:

“A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.”

Mas voltando ao Estilo Pictórico, sem mais distrações. Numa obra de arte pictórica, o eixo do quadro é obliquo e o ordenamento é assimétrico. O ponto de gravidade é deslocado, criando tensão. Tudo é jogo de Luz e Sombra, onde nem tudo precisa ficar claro. Há partes veladas, objetos sobrepostos, massas sobrepostas. Movimento. Aquilo que parece estar oculto pelas sombras do quadro, parece que “luta para entrar na luz”. Esse Wöllflin...

Detalhe de um estudo com pastel
Numa pintura Pictórica (não tem nada a ver com “colorida”), tudo está em correspondência, através da Massa que equilibra o Todo. Tudo forma um Conjunto, uma Unidade. Não se busca extrair da cor individual toda sua força e pureza, mas criar Harmonia na relação entre as cores, de modo que uma cor realce o efeito individual de outra. A cor local está subordinada a uma TONALIDADE GERAL e sua força individual, enquanto Cor, surge nas múltiplas transições dadas por essa subordinação.

Isso tudo parece complicado demais? Isso tudo é lindo demais! Porque foi depois de conceber o mundo deste ponto de vista que o Pintor começou a trazer as multidões para seus quadros, e não somente indivíduos. Foi com esse pensamento que novos pintores trouxeram para suas telas os temas humanos, a presença humana.

A ciência da Luz, que surgiu em paralelo desde o século XIII, trouxe no século XX a grande novidade da dupla função onda-partícula da Luz, mostrando a todos que o mundo é uma cadeia de relações e que nada, absolutamente nada, se encontra isolado, sem sofrer e causar consequências. Como no desenho onde as massas conversam entre si, num jogo de sombras e de luz, que configuram uma Forma, que o olho humano vê, interpreta e dá um nome.

E o mais bacana é que esse modo de pensar é real e atual: se pratica aqui em São Paulo, no Atelier da Rua Frei Caneca.

Mauricio Takiguthi faz uma demonstração aos alunos do Atelier de Arte Realista