quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Desenhos e gravuras do Renascimento alemão

Rinoceronte, Albrecht Dürer, 1515, Xilogravura, 24,8 cm × 31,7 cm

O Museu de Arte de São Paulo está apresentando, desde o dia 19 de outubro, uma exposição com 61 obras-primas da gravura do Renascimento alemão. Essas obras fazem parte da coleção de 100 mil obras doadas ao Museu do Louvre em 1935, pela família do barão Edmond de Rothschild. A mostra fica até 13 de janeiro no 2º andar do MASP.

O Renascimento alemão teve uma produção muito rica, uma das mais relevantes da arte europeia, mas “nem sempre reverenciada em grandes mostras”, diz o texto de apresentação da exposição do Masp.

Lucas Cranach, o velho,
Retrato de um jovem aristocrata,
acervo do Masp
Mas duas obras que pertencem ao acervo do Museu também foram integrados à mostra: as pinturas de Hans Holbein “O Poeta Henry Howard, Conde de Surrey” (1542) e, de Lucas Cranach, o “Retrato de Jovem Aristocrata” (1539).

O texto do portal do Masp também diz que, para o Diretor-Presidente do Louvre, Henri Loyrette, “essa célebre coleção reúne peças únicas, sem as quais nosso conhecimento da gravura alemã continuaria incompleto”.  O barão de Rothschild era um colecionador de obras de arte. Rapidamente absorveu o espírito do Renascimento e “reuniu as mais belas peças da gravura alemã dos séculos XV e XVI que a curiosidade intelectual, o estudo erudito e, algumas vezes, a sorte ofereceram para seu excepcional gosto pelo Belo”, completa Loyrette.

O Renascimento foi um movimento artístico e intelectual dos séculos XV e XVI, numa fase em que o capitalismo mercantilista se expandia pelo mundo e as cidades cresciam. Os valores da Idade Média iam sendo abandonados em favor de um maior foco no humanismo, que fez com que muitos artistas deixasse de pintar ao gosto da Igreja para se tornarem mais independentes, usando como tema ou a mitologia greco-romana ou cenas do cotidiano, pessoas comuns, a natureza.

A Itália, considerada o berço do Renascimento, tinha uma economia próspera e era uma região de muita efervescência cultural. Muitos mecenas patrocinavam a arte e para lá migraram muitos artistas, de diversas partes da Europa, para ter contato com a arte italiana e aprender com seus mestres.

Albrecht Dürer aos 13 anos,
autorretrato com ponta de prata
Um desses grandes artistas que se dirigu para a Itália foi Albrecht Dürer, que nasceu em Nuremberg em 1471. Dürer representava muito bem o espírito do Renascimento, pois ele era, além de pintor, gravador, ilustrador, desenhista, matemático e teórico da arte alemã. Mas seus interesses também abrangiam a Arquitetura, a Geografia e a Geometria. Ele influenciou muitos artistas do século XVI tanto na Alemanha quanto nos Países Baixos. Era um trabalhador árduo na sua arte e se especializou também nas artes gráficas, fazendo muitas xilogravuras, consideradas inovadoras. Ele também foi um dos primeiros mestres da aquarela, especialmente representando paisagens.

Foi nomeado pintor da corte pelo imperador Maximiliano I, em 1512. Dürer viajou também pelas Países Baixos, além da Itália, conhecendo muitos pintores e pessoas ligadas às letras. Em seus últimos anos de vida, em Nuremberg, fez diversos estudos sobre medida e proporção da figura humana, assim como perspectiva e geometria.

Santo Estáquio, de Albrecht Dürer
Teixeira Coelho, curador do MASP, diz que Dürer “foi o maior nome da gravura em todos os tempos até a chegada de Rembrandt, e foi a gravura que firmou seu nome internacional ainda em sua própria época. [...]Dürer, porém, não se limitou a levar a Renascença para o Norte (da Europa): de igual modo, trouxe o germanismo para o Sul, sobretudo com sua contribuição em favor da melhor reputação da gravura. Seu grande aporte, por arbitrário que seja destacar um dentre vários, foi a originalidade da invenção, algo que se poderá verificar nesta exposição, de modo central embora não exclusivo, nas peças Santo Eustáquio, A trindade e o popular Rinoceronte, três de suas muitas obras-primas”.

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Serviço:

Desenhos e gravuras do Renascimento Alemão na
Coleção Barão Edmond Rothschild - Museu do Louvre
De 19 de outubro de 2012 a 13 de janeiro de 2013
MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Av. Paulista, 1578
Horários: De 3ªs a domingos e feriados, das 10h às 18h. Às 5ªs: das 10h às 20h.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Existe amor em SP?

Multidão na Praça ROSA, domingo em São Paulo. O músico Criolo, de azul, de frente pra foto

Dois terços da população de São Paulo se espreme em trens e metrôs todo santo dia! Em números? Uns sete milhões de pessoas! Sete milhões! Sete milhões de paulistanos deixam suas casas diariamente para trabalhar, estudar, se movimentar nas demandas da vida. Só quem mora em São Paulo e já tomou trem ou metrô, pelo menos uma vez em horário de pico, sabe o que significa viver nesta cidade, trabalhar e estudar nesta cidade, se espremendo literalmente, empurrando e sendo empurrado trem a dentro trem a fora, pra não perder a hora...

São Paulo tem um déficit imenso de moradias: pelo menos 80 mil paulistanos moram em cortiços, milhões moram em favelas, mais de 15 mil pessoas moram nas ruas! Escolas públicas e creches também são insuficientes e as disputas por vagas são permanentes. Essa metrópole onde todos os números são gigantescos, possui alguns números bem pequenos, como as pouco mais de 100 bibliotecas para seus quase 12 milhões de habitantes!

Os bairros de São Paulo, especialmente os da periferia, carecem de tudo. Não existe (ainda) uma política descentralizadora do emprego, o que obriga esses milhões de paulistanos a perder horas por dia somente se transportando de um lugar a outro. Mas esses bairros, em sua maioria, também não têm cinemas, nem livrarias, nem bibliotecas públicas, nem escolas de qualidade, nem atendimento à saúde em número e qualidade minimamente suficientes, entre outros itens essenciais à qualidade de vida.

Até 2012, a vida cultural coletiva se baseava em uma única Virada Cultural por ano, mesmo assim atraindo uma média de quatro milhões de pessoas. Porque São Paulo não tem muitos espaços culturais para a sua população. Museus, cinemas e teatros – os que existem – são caríssimos.

Por isso não foi pouco o que aconteceu domingo na Praça Roosevelt, nomeada de Praça Rosa.

O músico Criolo
Era um Festival. Nomeado como “Existe amor em SP”, os idealizadores se inspiraram na música do paulistano Criolo “Não existe amor em SP”, uma espécie de releitura da cidade nos tempos atuais. É bom lembrar que em dezenas de anos, tivemos só duas prefeitas interessadas em atender a população mais carente: Luísa Erundina e Marta Suplicy. Fora elas, são décadas de descaso com a população mais pobre. São décadas de descaso com a qualidade de vida dos moradores desta cidade. São décadas de descaso com a vida cultural na cidade de São Paulo.

Por isso não foi pouco, repito, o que aconteceu domingo na Praça Rosa.

Desde as duas da tarde, grupos de pessoas, casais, pessoas sozinhas, muitas vestidas de rosa (como sugeria a organização do evento) se dirigiam à Praça. “A praça é do povo como o céu é do condor”, já dizia nosso poeta baiano Castro Alves. E o povo não pode ver uma praça, já vai se aglomerando nela. Assim aconteceu domingo na Praça Rosa. O povo tomou a praça.

Para dizer uma coisa: queremos qualidade de vida, queremos cultura, queremos estar juntos, queremos ser felizes, queremos amor... Coisa pouca, quase nada, apenas as necessidades de qualquer ser humano: ser feliz e ser amado, cuidado, valorizado. Gente! E “gente é pra brilhar!” já dizia o outro poeta, Maiakovski.

Na praça, grupos, bandos, tribos. A imensa maioria era de jovens, mas pessoas de todas as idades se reuniram lá, de crianças a idosos. Os skatistas, que esqueceram um pouco a avenida Paulista porque o piso da praça Rosa é mais amplo, estavam às dezenas com seus skates. Tendas em alguns pontos reuniam bandas e juntavam gente, enquanto o palco principal aguardava os principais músicos do Festival, como Criolo e Gaby Amarantos.

O que Criolo deve ter pensado ao ver aquela multidão, vinte mil pessoas à sua frente reunidas para dizer que “existe amor em SP”? Teria lembrado de uma música de alguém que quando chegou por aqui não entendeu nada da “dura poesia concreta de tuas esquinas
e da deselegância discreta de tuas meninas”?

Mas Criolo mandou:

“Não existe amor em SP
Um
labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê”
O buquê inteiro, a multidão, cantava cada letra da música de Criolo. Repetia com ele o refrão de um tempo que dominou corações e mentes dos moradores desta Paulicéia desvairada de Mário de Andrade: Não existe amor em SP!
“Os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita
Devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel”
Neste momento um grito saiu da garganta e da alma da multidão:
“AQUI NINGUÉM VAI PRO CÉU!”
Ouviram seus malafaias, seus russomanos da vida, seus serras, seus conservadores de plantão! Aqui ninguém quer o céu de vocês, aqui a gente quer “comida, diversão e arte”. E qualidade de vida! E ser tratado como gente!
Aqui – conservadores – aqui está fundado – desde Mário de Andrade – o desvairismo!
Gaby Amarantos de rosa
Desvairismo dos poetas, dos estudantes, dos skatistas, dos andadores de bicicleta, dos trabalhadores, dos artistas, das senhoras e dos senhores, das crianças, dos homossexuais, dos militantes de esquerda que, sim, também estavam lá, dos que querem um mundo bom para a maioria. “A praça é do povo, como o céu é do condor”!
Era um Festival político cultural. As frases e palavras de ordem podiam soar diferentes, novas, como “aqui ninguém vai pro céu” ou “mais amor”. Mas as pessoas estavam lá em congraçamento festivo, em alegria coletiva, em confraternização de todos com todos. Não houve nenhum incidente, uma briga, nada. A praça estava sendo coletivamente cuidada: sacos de lixo espalhados; garrafões de água que qualquer um podia pegar e se servir; espaços físicos, como os jardins, protegidos por todos; confecção em grupo dos cartazes; montagem dos palcos; defesa da festa de todos. Não havia distância entre o palco e o público, entre os artistas e o povo. Um podia tocar o outro.
Era um festival de quem cantou junto mas que também pensou sobre viver nesta cidade.
Mais uma vez está provado: a arte e a cultura têm o poder de juntar gente, multidões; de inspirar, de ajudar cada um a levar sua vida... E contra todo o descaso do poder público dos últimos anos, contra essas administrações higienistas, violentas e desumanas do PSDB-DEM, o que se ouviu na praça Rosa no domingo foi:
- Sim, existe amor em SP!