segunda-feira, 31 de março de 2014

Delacroix, o mais legítimo dos filhos de Shakespeare

Autorretrato de Eugène Delacroix como Hamlet.
Junto com a celebração de 450 anos do nascimento de William Shakespeare, o Museu Delacroix, em Paris, expõe obras de Eugène Delacroix, numa mostra intitulada “Delacroix, o mais legítimo dos filhos de Shakespeare”. A exposição vai do dia 26 de março até 31 de julho de 2014.
“Selvagem contemplador da natureza humana”, segundo as palavas de Delacroix, Shakespeare teve um lugar particular na criação do artista. Por isso, o Museu Delacroix está apresentando pela primeira vez um conjunto de litogravuras da série “Hamlet”, assim como as pedras onde Delacroix desenhou seus originais.
"Hamlet e Horacio diante dos coveiros",
litogravura de Delacroix
Pintor culto, grande leitor de literatura, Eugène Delacroix também era um assíduo frequentador do teatro. Entre os anos 1820-1830, quando houve um renascimento da cena teatral em Paris, Delacroix, além de frequentar as peças, também passou a estudar as novas teorias que surgiam em relação ao papel do ator. Novas peças de Diderot foram encenadas. Em seu jornal, Delacroix não deixa de comparar as habilidades do ator com aquelas do pintor: “A execução na pintura deve sempre considerar a improvisação, e aqui está um ponto de convergência com o que faz um ator no teatro”.
Em setembro de 1827, o jovem Delacroix assiste a uma das representações da peça “Hamlet” no teatro Odeon, onde a célebre atriz inglesa Harriet Smithson fez o papel de Ophelia, e deixou o público francês impressionado com sua representação. Ele tinha acabado de chegar de uma viagem de Londres junto em visita a seus amigos pintores Thales e Newton Fielding.
A morte de Polonius, Ato III, Cena IV,
litogravura de Delacroix
O fascínio de Delacroix pela figura de Hamlet, um príncipe sensível e atormentado, foi profunda. Desde o começo dos anos 1830 ele tinha tido a ideia de consagrar a este personagem da peça de Shakespeare uma série de litogravuras, como o fez para ilustrar a tradução francesa do “Fausto” de Goethe em 1827.
Então o Museu Delacroix está trazendo ao público a oportunidade de ver de perto o conjunto de pedras litográficas desenhadas pelo artista, assim como as pranchas impressas por ele. Neste ano de 2014 se completam 450 anos do nascimento de William Shakespeare e esse museu celebra, desta forma, esta efeméride tão importante para o mundo do teatro e da literatura. As obras de Delacroix expostas desta vez raramente têm sido expostas.
"Romeu e Julieta no túmulo dos Capuleto", pintura de Delacroix

terça-feira, 25 de março de 2014

El Greco de Toledo

"Vista de Toledo", 1596-1600, Metropolitan Museum of Art, Nova York

Neste ano de 2014, a arte espanhola rememora os 400 anos da morte de um de seus artistas mais importantes, dentre os muitos pintores espanhois: El Greco. Será feita na cidade de Toledo, Espanha, a maior exposição de sua obra em todos os tempos, com mais de 100 trabalhos de El Greco provenientes de mais de 29 cidades do mundo.

Um provável autorretrato de 1503
Domenikos Theotokopoulos, que ficou conhecido para o mundo da arte como El Greco, nasceu na cidade grega de Creta em 1541 onde viveu até os 26 anos de idade. Nesta ilha grega ele era um pintor de ícones pós-binzantinos. Após esse período, viajou à Itália onde viveu por 10 anos, primeiro em Veneza e depois em Roma. A partir de 1577, mudou-se difinitivamente para a cidade espanhola de Toledo, perto de Madrid.

Sua formação pictórica foi bastante ampla. Desde as primeiras lições sobre a arte bizantina até a passagem dele por Veneza, onde conheceu a obra dos maiores mestres do Renascimento, em especial a de Tiziano. Em Veneza ele aprendeu a dominar a técnica da pintura a óleo e sua gama de cores. Depois, em Roma, conheceu a obra de Michelangelo. Sua obra, pode-se dizer assim, é o resumo da influência recebida nesses lugares, e que traz uma característica bastante pessoal, com suas figuras alongadas e suas cores densas.

El Greco compôs desde grandes quadros para os altares de igrejas, assim como pinturas para conventos e mosteiros, e também retratos, que são considerados como de alto nível. Na primeira fase de sua vida na Espanha, na pequenina cidade de Toledo, nota-se bastante a influência dos mestres italianos. Mas aos poucos, El Greco foi evoluindo para um estilo pessoal muito próprio: figuras delgadas e afinadas, uma iluminação intensa, figuras de grande expressão. Durante muito tempo sua obra foi esquecida e tratada como de “menor” qualidade, e ele mesmo tratado como um excêntrico, quase marginal na história da arte. Até que foi redescoberto no século XIX e ser hoje considerado como um dos grandes pintores do mundo.

Detalhe de "Cristo abraçado à cruz", 1580-85
Apesar de El Greco ter vivido a maior parte de sua vida em Toledo, nunca foi feita uma mostra de sua obra nesta cidade. Em 1902 foi feita uma primeira exposição sobre sua obra no Museu do Prado, em Madrid, sendo seguida depois por inúmeras exposições feitas em vários lugares do mundo. Mas em Toledo, esta é a primeira vez.

A mostra, intitulada “El Greco de Toledo” terá como sede principal o Museu de Santa Cruz, mas se espalhará por vários lugares da cidadezinha, conhecidos como “Espaços Greco”: a sacristia da Catedral de Toledo, a Capela São José, o convento Santo Domingo el Antiguo, a Igreja de São Tomé e o Hospital Tavera. Todos esses lugares conservam as telas originais do pintor, permitindo que esta exposição tenha um caráter singular e irrepetível fora de Toledo.

A mostra vai percorrer a atividade de El Greco desde Candia, em Creta, passando por Roma e Veneza. Na parte que concerne à influência recebida dos pintores italianos, em especial Tiziano e Tintoretto, será dada ênfase ao tratamento dado à luz e à sombra.

Também mostrará seu trabalho como retratista, o único que lhe deu reconhecimento e fama daqueles que viveram em seu próprio tempo, mesmo que já se diferenciasse do tipo de retratos que eram pintados na Espanha dos tempos do rei Felipe II.
Mas a exposição também traz de diversos países e museus, as obras de El Greco que foram sendo adquiridas e levadas para fora da Espanha: Entre elas: Vista de Toledo (Nova York, EUA  - The Metropolitan Museum of Art), São Martin e o mendigo (Washington, EUA - The National Gallery), Cristo na Cruz com dois ladrões (Paris, França - Museu do Louvre), São Lucas pintando a Virgem (Atenas, Grécia - Benaki Museum), A Adoração dos pastores (Roma, Itália - Galleria Nazionale d´Arte antica Palazzo Barberini), São Pedro e São Paulo (São Petersburgo, Rússia - The State Hermitage Museum) e o Retrato de um escultor (Genebra, Suiça - Coleção particular), entre outros.

"Cavalheiro com a mão no peito", cerca de 1580
El Greco se instalou em Toledo a partir de 1585. No mesmo ano, um teórico da arte italiano , Federico Zuccaro, vai visitar o pintor e leva para ele de presente uma cópia do livro de Giorgio Vasari “Vida dos pintores”. Neste livro, El Greco fez diversas anotações de seu próprio punho e vê-se que foi objeto de muitas de suas reflexões sobre a pintura.

El Greco morava numa casa que tinha sido emprestada a ele pelo Marquês de Villema. Na verdade, uma mansão enorme, que lhe dava muitos gastos na manutenção. Seu ateliê mantinha uma produção contínua e ele sempre recebia muitas encomendas, especialmente para decorar igrejas, conventos e palácios. Muitos retratos foram encomendados a ele. Seu filho, Jorge Manuel, era seu assistente e também pintor. Na mesma mansão moravam, além do pai e do filho, a mãe dele - Jerônima de las Cuevas - assim como diversos ajudantes de seus ateliê. A casa era frequentada por um grupo mais restrito de seus amigos e de eruditos e humanistas da cidade, professores da universidade de Toledo, muitos deles retratados por El Greco. Poucos deles eram ligados à nobreza.

"A fábula", cerca de 1600
Atualmente, uma das grandes especialistas na obra de El Greco é Maria Leticia Ruiz Gómez, chefe do Departamento de Pintura Espanhola Anterior a 1700 do Museu do Prado. Ela está à frente de todo esse trabalho de mostrar ao mundo a importância deste pintor, sendo uma dos curadores da maioria da exposições que acontecerão este ano na Espanha. Em um dos textos de divulgação de uma das mostras, intitulada “El Greco: Arte e Ofício”, Leticia Ruiz Gómez diz:

“El Greco é, sem dúvida, um caso único de personalidade artística em contínua evolução, um imenso criador cuja profunda originalidade está presente em sua capacidade para absorver fórmulas e modelos de outros até convertê-los em ícones únicos e inesquecíveis.

Porém, além de conceber a Arte com letra maiúscula, a essência mesma da criação artística, Domenikos Theotokopoulos foi mestre de um ateliê complexo que precisava dar saída comercial a boa parte das encomendas de uma numerosa e heterogênea clientela, para fazer sua arte rentável.

A abertura de um ateliê estável na própria casa do pintor o obrigou a uma dinâmica criação pictórica complexa, da qual El Greco se ocupou pessoalmente das obras mais importantes, assim como fazer estudos para as composições mais solicitadas, intervendo na elaboração de réplicas e de cópias, participando em diversos graus do trabalho em seu ateliê.

Alem disso, teve que lutar para conseguir a autonomia que gozavam os artistas em Creta e na Itália, numa Espanha onde as práticas artísticas ainda estavam ligadas ao mundo artesanal, com restrições que sempre lhe chocavam.

Refletir e mostrar esse complexo sistema de criação artística, englobando as obras mais importantes de toda a produção do ateliê de El Greco, é o propósito desta mostra”.

Domenikos Theotokopoulos - El Greco - morreu em Toledo em 1614.

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Site com toda a programação de exposições na Espanha para 2014:

http://www.elgreco2014.com/

"A morte de Laocoonte", interpretação de El Greco com Toledo ao fundo, 1614