quarta-feira, 7 de maio de 2014

Relato de viagem II - os museus

Uma das salas do Museu Histórico Nacional
Uma das inúmeras praças da cidade


Dizem que Montevideu é uma das capitais latino-americanas com maior qualidade de vida. Eu atesto que deve ser! Há muitas praças e parques públicos por aqui, além das Ramblas que rodeiam o mar por kilômetros e kilômetros em torno da cidade, onde se pode caminhar, andar de bicicleta e até pescar. Há dezenas de bancos de praças, onde as pessoas podem se sentar. E por onde se passa, há obras de arte nas ruas, esculturas e monumentos que lembram aos uruguaios o tempo todo qual é a sua história.


Para uma capital tão pequena (dentro dos nossos padrões brasileiros), cuja população chega em torno de um milhão e 300 mil pessoas, há uma verdadeira rede de museus: eu contei 42 numa lista que peguei numa tenda informações turísticas! Vou repetir: Montevideu tem 42 museus! Ou mais, se contarmos todas as casas de cultura! Vamos comparar com São Paulo, a maior cidade da América do Sul e das maiores do mundo? Lá temos a Pinacoteca do Estado, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu da Escultura Brasileira, o Museu da Imagem e do Som, o Museu de Arte Contemporânea, o Museu de Arte Moderna… Alguém saberia me dizer que museu a mais tem em São Paulo?


Cópia da estátua "Davi" de Michelangelo,
em frente à prefeitura de Montevideu
Por aqui em Montevideu, só em três museus - o Museo de Bellas Artes Juan Manuel Blanes, o Museo de Historia del Arte e o Museo Nacional de Artes Visuais - são mais de 15 mil pinturas e esculturas, além de uma grande coleção de objetos de origem pre-colombiana e de arqueologia do Uruguay. Soube que o Uruguay possui um dos maiores índices de pessoas alfabetizadas do mundo latinoamericano! Além do que, o seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) também é dos mais altos, e aqui é uma das cidades menos violentas. Tudo isso deve significar algo: um povo com acesso à Educação e à Cultura do seu país só pode ser mesmo um povo mais civilizado...


Comecei a visita pelo Museu Histórico Nacional, localizado aqui na Ciudad Vieja, assim como diversos outros. O prédio, bem grande, foi uma antiga residência de um dos generais das guerras do século XIX. São dois andares com muitas pinturas - cenas históricas e retratos de personagens que fizeram a história deste país, em especial de José Artigas, um dos heróis nacionais que lutaram pela independência do país. Bem no centro da Plaza Independencia, onde fica o prédio da Presidência da República, há uma enorme estátua do general Artigas.


Museu Histórico
No museu histórico além das pinturas históricas, há dezenas de objetos, mobiliários, armas e documentos que mostram um pouco da história deste país. Dá para ficar umas três horas, lendo e apreciando esse imenso acervo.


Quando se caminha pelas ruas da Ciudad Vieja é muito comum se deparar com galerias de arte, contendo pinturas para todos os gostos. Todos mesmo, de pinturas abstratas a figurativas, como deve acontecer quando de fato a democracia atinge também as artes.


A arquitetura da cidade, em especial da parte mais antiga que é a Ciudad Vieja, lembra muitos os prédios europeus, em especial os de Madrid. Mas há uma mistura bem latino-americana de estilos e logo se vê que estamos na América do Sul. No bairro de Pocitos, pelo contrário, logo percebemos que estamos na contemporaneidade com seus prédios de concreto e muitos vidros nas fachadas. Mas a vista é para o grande Rio da Plata e seus kilômetros e kilômetros de praias, formadas pelas misturas das águas do oceano Atlântico, dos rios Paraguay, Uruguay e Paraná.

Varridos todo o tempo pelo famoso e gelado Vento Sul...
As águas do Rio de la Plata açoitadas pelo vento sul




Monumento a José Artigas, em frente ao prédio da Presidência da República
"O general Artigas ditando uma carta", óleo sobre tela, Museu Histórico - autor anônimo
Moradores da cidade pescando em uma das Ramblas da cidade

terça-feira, 6 de maio de 2014

Relato de viagem I - no Teatro Solís

Teatro Solís, de Montevideu, Uruguay
As colunas do Teatro Solís com seus capiteis de modelo coríntio são apenas algumas das milhões de colunas de estilo clássico que enfeitam as arquiteturas de prédios ao redor do mundo, dizendo que todos nós ocidentais temos um mesmo berço cultural: o mundo clássico de Grécia e Roma. Estas daqui de Montevideu sustentam a fachada deste belo teatro inaugurado em agosto de 1856, no mesmo ano em que Gustave Flaubert lançava em Paris seu romance “Madame Bovary” que escandalizou a sociedade da época.


John Maxwell Coetzee apresenta os primeiros
5 livros de sua lista para a editora argentina
Cheguei aqui às 18h para aguardar na fila o momento de entrar no teatro e ver de perto o escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, ganhador do Nobel de Literatura em 2003. Ele iria falar sobre sua escolha pessoal para 12 livros que estão sendo publicados na Argentina, pela editora El Hilo Ariadna. De vez em quando algumas editoras ao redor do mundo pedem a algum escritor conhecido que proponha títulos de livros que possam formar a biblioteca pessoal das pessoas. Isso aconteceu com Jorge Luis Borges, cuja escolha foi de 100 livros, mas publicados apenas 70 por causa de sua morte. Assim foi com T.S. Elliot também, cuja indicação fez com que muitas famílias montassem suas bibliotecas pessoais a partir das sugestões dele.


A plateia que veio ouvir John M. Coetzee
Provavelmente a nata da intelectualidade uruguaia estava ali, assim como acadêmicos, professores de literatura, estudiosos, estudantes, e outros leitores de Coetzee. Não tinha estrangeiros lá, além de mim, eu acho. Depois de uma hora na fila, que encheu rapidamente, subimos para a sala de conferências do teatro. Mas tinha três vezes mais pessoas na rua, dos que as que subiram. A sala era pequena. A prefeita de Montevideo, Ana Olivera, sugeriu que todos levantássemos e fôssemos para a sala de espetáculos do teatro Solís, para que todos os que estavam lá fora também pudessem entrar e ouvir ao escritor sul-africano.


Uma hora de atraso, mas todos puderam entrar. Sala lotada, a embaixadora sul-africana fez a apresentação de Coetzee para todos. A prefeita entregou uma medalha de visitante ilustre a ele. O ministro da Educação e Cultura também lhe entregou uma medalha. Ana Olivera saudou rapidamente todos os presentes e disse que também estava sentado na plateia o ministro das Relações Exteriores. Que sentado ficou até o fim no mesmo lugar. Pensei: quanta diferença dos nossos políticos brasileiros que não perdem uma chance de aparecer num momento como esses! Lá, Coetzee logo se veria fotografado ao lado de candidatos nas próximas eleições. Aqui, ninguém falou mais do que poucas frases e todos saíram do palco. Somente ficou o conferencista, a única estrela da noite. Fiquei pensando: será que don Pepe (José Mujica) não estaria por ali também escondidinho no meio da plateia do teatro?


John Maxwell Coetzee falou durante uns 50 minutos a respeito da escolha pessoal que fez dos 12 livros que a editora argentina começou a publicar. E disse que se sentia feliz por estes livros estarem sendo publicados pela primeira vez em lingua espanhola. Uma de suas indicações é justamente o “Madame Bovary” de Gustave Flaubert. Uma outra é o livro “O Ajudante” do escritor suiço Robert Walser, que morreu louco em 1956. Este eu não conhecia, nunca ouvi falar. Vou procurar algum livro dele. Me interessou por causa de sua história e por saber que ele tinha um irmão pintor, Karl Walser. Robert tentou viver fora da Suiça, mas teve que voltar para lá, vivendo anos num manicômio. Coetzee disse que a Suiça é aquele lugar da Europa em que nada de muito grande acontece nunca, nenhuma pessoa em 600 anos se destacou por ter feito ou criado algo grande. Walser talvez fugia do destino de sua terra; mas a ela teve que voltar porque a Suiça não saia de dentro dele, como observou Coetzee.

Após a conferência, muitos saíram antes de se iniciarem as perguntas dos presentes. Incluindo eu, que estava muito cansada, após um dia inteiro caminhando pela cidade. Hospedada a duas quadras do teatro cujo nome deve homenagear o Sol que já tinha se escondido há horas, vi que as pessoas já começavam a encher bares e restaurantes, como em qualquer noite de qualquer canto...

quarta-feira, 30 de abril de 2014

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Estudos com carvão no Ateliê Contraponto

"Mikhail Baryshnikov"
Carvão vegetal e lápis-pastel branco
sobre papel Marrakesh


"Bob Dylan"
Carvão vegetal sobre papel Marrakesh

"Gabriel Garcia Marquez"
Carvão vegetal e lápis-pastel
sobre papel Marrakesh

"Isaiah Berlin"
Carvão vegetal sobre papel Marrakesh

"Joan Baez"
Carvão vegetal sobre papel Marrakesh

Estudo
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo
Carvão vegetal sobre papel craft

"Músico de rua do séc XIX"
Carvão vegetal sobre papel craft

"Era um garoto"
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo
Carvão vegetal 
e lápis-pastel branco 
sobre papel craft

Estudo da pintura "Tito"
de Rembrandt
Carvão vegetal sobre
papel craft

Estudo de drapeado de Da Vinci
Carvão vegetal, sanguínea
e lápis-pastel sobre papel craft


"Alguma atriz de Hollywood"
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo de pés
Carvão vegetal
sobre papel craft

Estudo de modelo vivo
Carvão vegetal
sobre papel craft

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Zurbarán, mestre da idade de ouro espanhola

"Santa Cacilda", 1635, óleo sobre tela, 171 x 107 cm
O Palácio de Belas Artes de Bruxelas, Bélgica, apresenta atualmente uma exposição de obras do pintor espanhol Francisco de Zurbarán (1598-1664), um dos mestres do período conhecido como “século de ouro” espanhol. Esta é a primeira exposição na Bélgica de obras deste pintor.

"São Gabriel", 1631-1632
ost,146.5 x 61.5 cm
Francisco de Zurbarán é um dos grandes pintores do Barroco espanhol, assim como Diego Velázquez e Bartolomé Esteban Murillo. Sua obra, com tema de caráter essencialmente religioso, se caracteriza por seu realismo e sensibilidade poética. Considerado como um dos artistas pintores da “contra-reforma”, Zurbarán apresenta em suas telas a nova mentalidade que surgiu após o Concílio de Trento (1545-1563) que levou para a Espanha católica dos séculos XVI e XVII um vento de mudança, atingindo não somente as belas artes, mas também o teatro, a literatura e a música. Por isso, ao lado dessa mostra de obras de Zurbarán, o Palais de Beaux Arts de Bruxelas também está apresentando uma série de concertos musicais com composições da época.

A exposição faz um percurso cronológico da obra de Francisco de Zurbarán desde sua juventude em Sevilha até suas últimas pinturas realizadas em Madrid, mostrando como sua obra deu grande contribuição à história do Barroco espanhol. São 50 telas que vão de naturezas-mortas a grandes retratos de santos, dos quais quatro foram recentemente descobertos e seis foram restaurados há pouco tempo. É uma ocasião rara, dessas que não temos nunca aqui pelo Brasil, para se ver a obra de um dos grandes mestres espanhois, ao lado de Velázquez e Murillo.

A Contra-Reforma, movimento católico que se interpunha à Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero, impunha aos artistas a maneira como eles deveriam fazer sua pintura: “simples, diretas, exaltantes”. Era necessário trazer de volta a fé dos católicos que se via ameaçada pelas contestações da Reforma. Alguns padres diziam que era preciso representar Jesus e Maria com corpos perfeitos. Zurbarán foi obediente a estes ditames ao mesmo tempo em que expressava todo o seu prazer de pintar.

"Agnus Dei", 1635-1640, óleo sobre tela, 35x52cm
Alguns estudiosos de sua obra dizem que ele realmente pintava para que os fiéis retomassem seu fervor cristão, mas ao mesmo tempo há uma sensualidade impressa em seu trabalho.  Deus está nos detalhes: nas naturezas-mortas de extrema simplicidade onde parece ressoar uma presença, no rosto de sua Virgem em glória, na espessura dos tecidos e na complexidade infinita de suas dobras, na transparência de uma pele cor de leite, ou na cor de sangue do rosto de um santo, em um cabelo encaracolado e até mesmo na luz vermelha que emana da ferida de São Francisco de Assis. O pintor dá a mesma atenção a cada elemento de qualquer uma de suas pinturas, misturando, em paradoxo, os objetos simples de suas naturezas-mortas com os temas mais sagrados.

"Frei Jeronimo Perez", 1632-34,
ost, 193x122 cm
Francisco de Zurbarán nasceu em 7 de novembro de 1598, na pequena vila de Fuente de Cantos, em Badajoz, Espanha. Deve ter iniciado seus estudos de pintura ainda criança na oficina de Juan de Roelas, antes de ingressar no ateliê de Pedro Díaz de Villanueva em Sevilha, em 1614. Estudou lá até 1617, ano em que se casou e concluiu seus estudos. Mudou-se de Sevilha para Llerena, onde nasceram seus três filhos: Maria, Juan e Isabel. Juan foi pintor, como o pai. Em 1622 já era um pintor reconhecido em sua terra.

Quando viveu em Sevilha, esta cidade contava com 53 conventos, que foram os grandes mecenas dos pintores. Em geral eram muito rígidos com relação à composição e à qualidade das obras que contratavam. Exigiam até que se não estivessem de acordo com o agrado dos religiosos, os quadros seriam devolvidos. Nessa época, padres e freiras espanhois estavam convencidos de que a beleza era um estimulante para a elevação da alma. Eram pessoas em geral cultas e eruditas com gostos bastante refinados para as obras de arte.

Zurbarán foi contemporâneo e amigo de Velázquez, e se inspirava muito nas pinturas de Caravaggio. Aos 29 anos já era considerado um mestre e era tratado como o “Caravaggio espanhol”. Conta-se que nas invasões napoleônicas na Espanha, muitos de seus quadros foram levados para a França. Sobre esse pintor tenebroso de fé atormentada, escreveu o poeta francês Théophile Gautier, em 1845:

“Monges de Zurbarán, brancos cartuchos que, na sombra
passais silenciosos sobre as lousas dos mortos
murmurando o “Pater” e as “Ave” sem nome
Que crime expiais para tanto tormento?
Fantasmas tonsurados, verdugos pálidos…
Para tratá-los assim que foi feito de teu corpo?”

"São Francisco de Assis fora da sepultura", 1635,
óleo sobre tela, 205 x 113 cm 
"Copo de água com rosa", 1630, óleo sobre tela, 21 x 30cm

"Taças e vasos", 1633, óleo sobre tela, 46x84 cm