sexta-feira, 24 de junho de 2016

Medalha de prata

Acima e à direita de mim, os quadros premiados
O XXX Salão de Artes Plásticas de Arceburgo foi aberto neste último sábado, dia 18 de junho, às 20 horas no Instituto Cultural e Histórico daquela pequena cidade do interior de Minas Gerais. Eu estava presente, pois fui uma das ganhadores dos prêmios principais, a Grande Medalha de Prata, com duas pinturas a óleo: “O clown” e “O violinista”. Viajei para lá com minhas amigas, Taïs Isensee e Virgínia Moraes. Nos hospedamos em Mococa, na casa acolhedora de Rose Souza e dona Teresa, sua mãe.

Instituto Cultural e Histórico de Arceburgo
A abertura do XXX Salão de Artes Plásticas atraiu gente de vários lugares do Brasil. Na noite de sábado, dezenas de pessoas foram participar da inauguração da exposição e ver as obras de perto. Entre elas, eu, Taïs, Virgínia e Rose. Eu estava muito feliz! Foi um pequeno-grande sinal de que meu trabalho segue seu caminho certo, recebendo esta medalha…

O prédio do Instituto Histórico e Cultural de Arceburgo é muito antigo, uma construção do começo do século XX, mas muito bem cuidada, preservada. Desde 1985 abriga o Instituto, mas inicialmente foi uma fábrica de cerveja, depois uma alfaitaria e residência. O prédio foi tombado como patrimônio cultural da pequena e linda cidade de Arceburgo.

A medalha e o certificado
Enquanto caminhava, depois da festa, nas ruas iluminadas pelo arraial de São João, festejo que atrai muita gente dos arredores, de São Paulo a Minas, meus pensamentos recuperavam lembranças do meu trabalho de pintora. E dos caminhos que me trouxeram até aqui, passando pelo Ateliê Contraponto...

O tema do palhaço me toca pessoalmente, ainda mais quando conheci a verdadeira história dos saltimbancos e dos artistas de rua da Idade Média, em especial os da Commedia dell’Arte. O clown - palavra em inglês que tem um alcance maior do verdadeiro significado para o que chamamos de palhaço - é um personagem inspirado no Pedrolino das ruas da Roma do século XVI, que se transformou em Pierrot nas ruas do interior da França. Era um personagem melancólico, triste mesmo, porque amava Colombina, que preferia Arlequim… Eu tenho uma identificação qualquer com a melancolia do palhaço, aquele que faz rir...

Há anos este quadro reinava dentro de mim… Já tinha feito uns desenhos, pensado a respeito, pintado um ensaio num retrato de um menininho, filho de um casal de amigos, a quem presenteei com uma pintura em pastel. No ano passado vi uma foto do diretor do teatro Oficina, Zé Celso Martinez Correia, em atuação. Fiquei olhando para a foto… Zé Celso… Grande diretor e ator brasileiro, cuja personalidade intriga, incomoda, provoca, desnuda, escracha… Zé Celso é um grande palhaço. Passei meses procurando um pano com losangos coloridos que me servisse na composição do quadro. Ele veio… no carnaval! Estava na casa do meu amigo Jeosafá Gonçalves, poeta e também um pouco clown, e avistei o pano! Jeosafá me deu o pano e assim que voltei pra casa montei a composição, tracei os primeiros desenhos, coloquei a cara do Zé na cara do meu palhaço, pintei, pintei, pintei… Durante várias semanas. E o resultado veio agora: medalha de prata no XXX Salão de Artes Plásticas de Arceburgo!

Rose e "O violinista"
Paralelamente ao meu amor pela pintura há o meu amor pela música. É quase impossível desenhar ou pintar sem ter alguma música como pano de fundo para meu trabalho. Dos clássicos, ouço muito Bach, Mozart e Beethoven. E, claro, Heitor Villa Lobos, em especial as Bachianas, e os arranjos para violão. Gosto muito do som do violão e nestes últimos meses tenho ouvido dois grandes violonistas em especial, Guinga e Ana Vidovic, ele brasileiro, ela croata. Outras vezes coloco um Piazolla pra tocar seu tango argentino que me transporta para dentro da dramaticidade chorosa do tango com o qual me identifico também. Mas também minhas pinturas são feitas com as composições de Tom Zé, Jorge Mautner, Caetano, Chico, Criolo, Ná Ozetti, Monica Salmaso, Maria Gadu… Tem dias em que só ouço Tom Zé. Tem dias que ouço Jorge Mautner e Criolo. Tem dias que são de Chico. Ou de Caetano e Maria Gadu. Nos dias de maior melancolia, ouço Monica Salmaso... E assim vou acariciando minhas telas com os pinceis…

Precisava pintar um músico e o primeiro foi este violinista. A luz era boa, a expressão do homem era de profundo mergulho em seu mundo. “Ele está de olhos fechados - me disse uma senhora lá em Arceburgo, admirando-o - mas eu vejo seus olhos abertos, são olhos de músico!” Fiquei feliz com a interpretação dela, agradeci. Este será o primeiro de uma série de instrumentistas que pintarei daqui pra frente. Mas só pintarei aqueles que, como o violinista, deem a impressão de que podemos ler sua alma, ou ouvir sua música… O violinista também ganhou medalha de prata!


Agora é só pintar mais e mais. Um quadro já está bem encaminhado, no cavalete. “Il fascismo” é o título provisório. Minha inspiração veio destes tempos nebulosos em que vivemos sob ameaças reais e tempos difíceis se gestando no horizonte. É uma mulher, solitária, descalça, aparentemente frágil, caminhando sob terreno pedregoso que dilaceram seus pés, sob um céu tenebroso, ameaçada pelas aves de rapina que espreitam sua fragilidade mas temem sua grande força. A ver!

--------------------------------------

Momentos da inauguração do Salão e do recebimento da Grande Medalha de Prata:



A mesa com os componentes da organização do XXX Salão de Artes Plásticas de Arceburgo


Taïs, eu, Rose









Taïs, eu e Virgínia

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Pós-impressionismo: o triunfo da cor

"Mulher de perfil", Aristide Maillol
Os museus parisienses d’Orsay e de l’Orangerie cederam, para exposição nas dependências do Centro Cultural do Banco do Brasil, 75 obras de 32 artistas que teriam buscado um novo caminho na sua pintura, no final do século XIX e começo do século XX.

O título de “pós-impressionismo” foi dado pelo crítico inglês Roger Fry, porque teria identificado uma nova “linguagem estética” baseada no uso intenso da cor. Na verdade é um título genérico para agrupar diversas tendências estéticas que surgiam naquele período. Neste grupo de 32 artistas estão nomes que são identificados também o Impressionismo, como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne, Seurat e Matisse, mais conhecidos do público em geral.

"A italiana", Van Gogh
Sobre a curadoria desta exposição, assim como seus patrocinadores estão: Pablo Jimenez Burillo (da Fundação Mapfre), Guy Cogeval (diretor do Museu d’Orsay e de l’Orangerie) e Isabelle Cahn (conservadora do Museu d’Orsay e especialista em arte da segunda metade do século XIX), e uma parceria com o Musée d’Orsay e a Fundación Mapfre. No Brasil, a mostra conta com apoio do ex-MinC, por meio da lei de incentivo à Cultura, e patrocínio do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre, BB DTVM e Banco do Brasil. Ou seja, apoio de empresas ligadas ao mercado financeiro.

A exposição foi dividida em quatro níveis: 1 - “A ciência da cor”, que apresenta obras inspiradas nos estudos do químico Michel-Eugène Chevreul, que fez estudos sobre a teoria das cores e inspirou a pintura “pontilhista” (feitas com pequenas pinceladas de cores primárias justapostas); 2 - “Núcleo misterioso do pensamento”, que inclui obras de Paul Gaguin e Émile Bernard, onde as cores são de caráter mais simbólico, e podem ser vistos desenhos nos contornos e silhuetas, refletindo também o mundo interior do artista; 3 - “Os Nabis”, uma espécie de ideologia de um grupo de artistas que defendia que a origem da arte é espiritual e a cor transmite estados de espírito; 4 - “A cor em liberdade”, que mostra obras que se inspiram desde a região da Provence francesa à natureza tropical.

Esta exposição oferece ao público brasileiro a oportunidade de ver de perto alguns dos nomes mais conhecidos da arte francesa do século XIX como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Matisse, Cézanne. Mas também estão lá pintores como Georges Seurat, Paul Signac, Pierre Bonnard, Édouard Vuillard, André Derain, Charles Angrand, Georges Lemmen e Félix Vallotton.

"Fritillaires", Van Gogh
Esta exposição mostra como a cor se converteu em “um caminho” que se iniciou com o Impressionismo e continuou até à chamada pintura de vanguarda, caminho este que também desaguou nos diversos “ismos” em que foram enquadrados movimentos estéticos do século XX. Com o surgimento e desenvolvimento da fotografia no século XIX, os pintores se sentiram mais “livres” para fazer suas próprias pesquisas particulares. Até então, uma das grandes funções da pintura era retratar figuras importantes das classes dominantes, mas também pessoas das relações pessoais dos artistas, ou mesmo daqueles que tinham condições de encomendar um retrato a um pintor. Com a máquina fotográfica, esta função transferiu-se para o estúdio dos fotógrafos. Mesmo assim geniais retratistas, como John Singer Sargent, continuaram pintando grandes retratos.

Naquele mesmo século XIX, o pintor francês Gustave Courbet inaugurou uma exposição, em 1855, que denominou: “Du Réalisme”, iniciando um movimento que defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, como observa o historiador brasileiro Carlos Cavalcanti. “O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”. O movimento Impressionista derivou diretamente do Realismo, na visão de diversos autores, indluindo o próprio Cavalcante. Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa, abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

"Colheita em campo de trigo",
Émile Bernard
O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu também se organizar contra as regras da Academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. Entre eles estavam, além de Courbet e Manet: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e a artista Berthe Morissot.

Estes artistas em exposição aqui no Brasil, no CCBB, derivam desta movimentação estética, e até mesmo ideológica, que ocorreu em Paris pós-Revolução Francesa e pós-Revolução Industrial. As artes plásticas do século XX se ramificaram em dezenas de “ismos”, alguns com curta duração e alguns submetidos às diversas conjunturas políticas daquele século. Foram momentos de intensa efervescência criativa, quando eventos muito importantes na história da arte se deram; mas ao mesmo tempo se criou um distanciamento da realidade, que já não era a grande referência, mas sim os mundos interiores dos sujeitos individuais. O desenho se “desconstruiu”, a Luz perdeu lugar para a Cor, o estudo intenso do artista perdeu lugar para a “expressão pessoal” sem critério.

A mostra ficará em cartaz em São Paulo até o dia 7 de julho, e segue depois para o CCBB-Rio de Janeiro onde poderá ser vista de 20 de julho a 17 de outubro.

"A casa", Léo Gausson
"Mulheres de Taiti", Gauguin
"A praia de Heist", Georges Lemmen