domingo, 26 de maio de 2013

Viradas culturais

Virada Cultural 2013: e o povo na rua dançando...
Andar pelo centro de São Paulo lotado de pessoas de todas as regiões desta megalópole é uma sensação muito boa. Desde a Pinacoteca do Estado até o Pátio do Colégio, é possível andar a pé nas ruas sem carro, ver a cidade, observar que ainda temos prédios lindos, que contam histórias dos vários passados desta cidade. Ao lado do vale do Anhangabaú, ainda é imponente o edifício Martinelli, que já foi o mais alto do Brasil por mais de dez anos, desde a década de 1930. Essas centenas de pessoas que passeiam noite a dentro pelas ruas do centro, vieram aqui para assistir a shows de música, teatro, dança, cultura popular, cultura clássica. Essa aglomeração que reune anualmente 4 milhões de pessoas no centro de São Paulo é a nossa Virada Cultural.

O centro de São Paulo ainda é o ponto de confluência dos paulistanos. Lugar de passagem para o trabalho, espaço de comércio, de escritórios, da Praça da Sé, do Largo de São Francisco e das velhas arcadas da Faculdade de Direito da USP. Mas é também o lugar do abandono de prédios e ruas, da degradação das construções invadidas, transformando antigos belos prédios em favelas verticais, como as que são vistas próximas à Estação da Luz. 

E, principalmente, é onde os pobres, os miseráveis, os moradores de rua, os loucos, os menores abandonados e os menores e maiores melientes se juntam em bandos, para se defender ou para atacar, se preciso for... É onde magotes de pessoas que mais parecem zumbis se juntam também para fumar aquela pedra que está virando epidemia em todo o território brasileiro: o crack. Os molambos humanos da Cracolândia agora espalhada, com seus olhares travados e oleosamente úmidos, mal tem consciência do que se passa. Apenas devem ver mais possibilidades de arrumar uns trocados para comprar a próxima pedra...

É aqui, nesta região toda, bela e triste, encantadora e amedrontadora, que acontece desde 2005 o maior evento cultural da cidade de São Paulo.
Gal Costa, na Virada Cultural 2013

Neste ano de 2013, todos os torcedores contra a gestão petista na maior capital do Brasil fizeram questão de alardear para todas as regiões que a Virada Cultural “Petista” deu em violência, deu em arrastões e roubos, deu em morte. A Polícia Militar - do governo do Estado, nas mãos do PSDB - fez ouvidos moucos e fechou os olhos para o que acontecia. Não podiam sair de suas bases, disseram eles todas as vezes que foram chamados a intervir.

Pois bem. A Virada Cultural foi criada em 2005 pelo governo Serra, do PSDB. Até onde sabemos, essa gente não tem muito interesse em juntar gente e por isso deve ter se surpreendido quando as multidões foram para as ruas. Porque gente gosta de arte, gente precisa de arte para viver. Como de bebida e de comida, e de saúde e educação, e de segurança e transporte público de qualidade. E gente gosta de passear com os outros do lado, mesmo desconhecidos, para celebrar alguma coisa, ou simplesmente para se ajuntar. E se ajuntar para ouvir música, por exemplo, é uma das experiências mais enriquecedoras do espírito humano; milhares de pessoas cantando juntas é um momento de maravilhamento que nos fortalece e nos aproxima ainda mais.

Mas, na minha opinião, este modelo se esgotou.

A Virada Cultural de São Paulo precisa se reinventar, se redistribuir, se descentralizar e, acima de tudo, a Prefeitura da gestão de Fernando Haddad precisa fazer a “Virada Cultural” que a cidade necessita! E não é num evento único anual que isso vai acontecer. A Virada Cultural tem que acontecer no dia a dia da cidade, aproveitando todos os espaços públicos que são muitos, todos os centros culturais que são muitos, todos os museus, bibliotecas, CEUs, escolas municipais, associações de moradores... Esses lugares precisam ter suas atividades culturais em TODOS os finais de semana, dando oportunidade para que o povo se agrupe em redor de trupes de artistas, de bandas de música, de teatro, de todas as intervenções artísticas possíveis.

Anualmente até pode-se fazer um resumo de toda esta efervescência cultural da nossa cidade, fazendo uma Virada de 24 horas de arte e cultura. Mas DESCENTRALIZADA. 

Por que não levar Gal Costa para cantar em São Mateus, por exemplo? 

Por que a Orquestra Sinfônica de São Paulo não pode ir se apresentar no Jardim São Luís e a Daniela Mercury na Vila Sabrina? 

Por que a Viradinha Cultural não pode se espalhar pelos CEUs e escolas municipais da cidade, dando oportunidade para todos os artistas voltados para o público infantil poder se apresentar? 

Por que não se pode abrir todos os Museus da cidade nestas 24 horas com entrada livre e gratuita para que todos possam ver as exposições disponíveis nesses espaços culturais? 

Por que os cinemas não podem se integrar e também passar 24 horas de filmes de qualidade, dos clássicos aos brasileiros, para que o povo possa ter escolha entre uma comédia da Globo Filmes e um filme de Charles Chaplin, por exemplo? 

Por que as Bibliotecas Públicas não podem abrir por 24 horas as suas portas para que o mundo dos livros seja conhecido e absorvido por nossa gente?

São questões que precisam ser revistas por uma gestão popular na Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Fernando Haddad. Já sabemos que a gestão de Dilma Roussef não tem dado a devida importância à Cultura brasileira, não a mesma que foi dada por Luis Inácio. O Secretário de Cultura de São Paulo é ex-Ministro da Cultura do período do Presidente Lula, que apoiou a criação dos Pontos de Cultura, que apoiava o Cultura Viva, que tinha interesse em dar vez aos produtores culturais de todo o Brasil, de norte a sul. Cabe a nós torcer para que ele se volte para a vida cultural de São Paulo que acontece no dia a dia? 

Há milhares de artistas por aqui, de todos os naipes e linguagens, fazendo seu trabalho, uns mais outros menos silenciosamente, diariamente, em todos os recantos, desde a Zona Leste à Zona Sul, do Centro, da Zona Norte e da Zona Oeste. Basta ver o crescimento dos Saraus poético-músico-literários que abastecem com arte as periferias da cidade. Basta ver as feiras de arte, as rodas de samba, as bandas de garagem, os grupos de teatro, de circo, de poetas, de grafiteiros, de hip-hop, os pintores em seus ateliês, os desenhistas urbanos, as festas de padroeiros, os batuques nos terreiros, a dona de casa que canta no tanque de lavar roupa...

Porque o ser humano precisa de Arte para viver, sim! A vida não é só o automatismo do comer-beber-dormir, e trabalhar só para se manter vivo! A vida é mais: exige força, exige combate, exige coragem, exige lucidez para lidar com os embates diários da existência em um sistema injusto onde a distribuição da riqueza produzida pela maioria imensa é apossada por uma minoria absurda! Mas viver também é sonhar, é criar, é imaginar e tudo isso necessita de expressão. Sem arte, sem o simbolismo que a arte proporciona, sem o prazer da alma que a arte propicia e que eleva o ser humano ao status de criador e que produz encantamento, o que resta? Ir para os aglomerados de desesperados que lotam os templos evangélicos ou os infestados caminhos das drogas?

As escolhas são feitas diariamente, senhores. E o caminho da fruição artística e da riqueza cultural do nosso povo e dos nossos artistas está aqui diariamente, senhor Secretário!



terça-feira, 7 de maio de 2013

Exercícios em busca da forma

"A missão da arte não é copiar, e sim expressar a natureza! Você não é um mero copista, é um poeta! - exclamou vivamente o velho pintor, interrompendo Probus com um gesto dramático. (...) Temos de captar o espírito, a alma, a fisionomia das coisas e dos seres. (...) uma mão não está apenas ligada ao corpo; ela expressa e perpetua um pensamento que é preciso captar e traduzir. Nem o pintor, nem o poeta, nem o escultor podem separar o efeito da causa, que inelutavelmente contêm um ao outro!
(...)
É preciso descer o suficiente até a intimidade da forma, perseguir essa forma com suficiente amor e perseverança em suas fugas e desvios. A beleza é uma coisa severa e difícil, que não se deixa alcançar fácil: há que esperar seus momentos, espreitá-la, estreitá-la e enlaçá-la firmemente para obrigá-la a se render. A forma é um Proteu bem mais inapreensível e fértil em sinuosidades do que o Proteu da fábula; só depois de longos combates é que podemos forçá-la a mostrar-se em seu verdadeiro aspecto, (...) até que a natureza se veja forçada a mostrar-se desnuda e em seu verdadeiro espírito. 
(...)
A forma é, tanto nas suas figuras quanto para nós, um intérprete que comunica ideias, sensações, uma vasta poesia."

(Honoré de Balzac, em Le chef d'oeuvre innconnu)

Eis aqui mais alguns dos meus combates com a forma, nesta manhã, no Ateliê Takiguthi: