sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O incansável artista Gustave Doré

Os Saltimbancos, Gustave Doré, 1874, óleo sobre tela
Gustave Doré
Paul Gustave Louis Christophe Doré é o nome completo do artista francês Gustave Doré. O Museu d’Orsay de Paris acabou de abrir uma exposição com uma parte de sua obra que ficará exposta de 12 de fevereiro a 11 de maio de 2014.

Gustave Doré é um dos mais prodigiosos artistas do século XIX. Com apenas 15 anos ele começa sua carreira de caricaturista e e, em seguida, de ilustrador profissional. Ao longo de sua vida ele também desenvolveu-se como pintor, aquarelista, gravador e escultor.

Com seu imenso talento, Doré passou por diversos gêneros que vão da ilustração satírica até às de história, assim como executou grandes e pequenas telas, fez gravuras, esculpiu. Como ilustrador, ele aceitou o desafio de ilustrar nada mais nada menos do que estes grandes autores: Dante Alighieri, Rabelait, Perrault, Miguel de Cervantes, Milton, Shakespeare, Victor Hugo, Balzac, Edgar Allan Poe… Por causa de sua prolífica carreira de ilustrador, Doré tem sido a referência até os dias de hoje não só para ilustradores, mas também para as diversas gerações de artistas dos Quadrinhos.


Ilustração para o "Inferno", de Dante Alighieri
Gustave Doré nasceu em Strasbourg, no nordeste da França, no dia 6 de janeiro de 1832 e faleceu em Paris no dia 23 de janeiro de 1883, de ataque cardíaco, com apenas 51 anos de idade. Seu pai era engenheiro e foi convidado a ir a Bourg-en-Bresse coordenar a construção de uma ponte. Levou junto sua família e matriculou o pequeno Gustave na escola local, onde ele logo cedo chama a atenção pelos seus desenhos e caricaturas. Quando tinha 12 anos, um gráfico local resolveu publicar suas primeiras litografias com o tema “Os Trabalhos de Hércules”. Em seguida, foi orientado a ir para Paris. A partir de 1847 ele começa a estudar no Liceu Carlos Magno. Ao mesmo tempo em que frequentava o colégio, Doré também fazia caricaturas para o “Jornal para rir”. Rapidamente ele se torna conhecido e participa com dois desenhos do Salão de 1848.

Mesmo com a imensa capacidade de trabalho de Doré, nem ele foi imune à acidez dos críticos de quem se considerava uma vítima, especialmente por causa de suas pinturas a óleo.


Ilustração para o "Paraíso Perdido" de Milton
Gustave Doré foi também um grande leitor, especialmente dos grandes autores da literatura que lhe despertavam a imaginação, criando universos próprios, como é o caso da Divina Comedia, de Dante, cujo “Inferno” recebeu suas melhores ilustrações. Mas também se interessou pelas Fábulas de La Fontaine, pelos contos de Perrault, o “Paraíso Perdido” de John Milton, o “Dom Quixote” de Cervantes, o livro de Victor Hugo “Notre Dame de Paris”, assim como diversas peças teatrais de William Shakespeare. E se debruçou sobre a Bíblia, criando para este livro sagrado dos cristãos ilustrações que até hoje povoam as mentes e as lendas da cultura popular.

Uma espécie de herdeiro de outro grande caricaturista, Honoré Daumier, Doré também se dedicou a satirizar a sociedade e a política. Com apenas 16 anos de idade, ele colabora com o “Jornal para rir”, um folhetim satírico que nasceu após a Revolução de 1848. Gustave Doré satirizava a todos e a tudo, desde os políticos, a burguesia, os próprios artistas. Tudo, sob seu desenho, se transformava em algo cômico..


"A prisão de Newgate", gravura
Ele também gostava muito de viajar pela Europa, especialmente para a Espanha e Londres. Na capital do império britânico que na época era a cidade mais rica do mundo ocidental, ele também se volta para a periferia da cidade, onde habitavam aquelas pessoas que viviam sob a mais completa pobreza. Ele fez uma série de desenhos intitulada “Londres: uma peregrinação”, publicada em livro após a guerra de 1870. Nessa série, Doré mostra as contradições de uma cidade próspera da era vitoriana, em que o luxo agredia os miseráveis, e a arquitetura parecia esmagar as pessoas. Lugar de residência da alta sociedade e da aristocracia inglesa, Londres também era o lugar dos pobres que viviam em seus pequenos cubículos, famintos e mal vestidos. O escritor inglês Charles Dickens descreveu muito bem como era esse ambiente naquela cidade rica. Na Espanha, atrás da terra de Dom Quixote, Gustave Doré foi procurar viver suas aventuras, buscando registrar como viviam desde dançarinos até os contrabandistas, mendigos e músicos.


Uma mãe pobre londrina
Por tudo isso Gustave Doré também é considerado um dos grandes cronistas dos anos 1840-1880. Ele expõe as condições sociais em que viviam seus contemporâneos. Uma gravura, como “A prisão de Newgate”, que foi copiada por Van Gogh, é o retrato mais sombrio de como era a vida prisional na época. A guerra de 1870 foi para ele também tema para um grande número de telas. Como exemplo, a tela “O Enigma”, de 1871, que se encontra no Museu d’Orsay. Pintada no calor da guerra franco-prussiana, ela é testemunha dos momentos sombrios em que viviam os franceses.

Doré foi também pintor. Suas telas com temas religiosos parecem apresentar seu próprio catecismo. Também se dedicou à pintura histórica, sempre com seu modo pessoal de ver as coisas, que oscilava entre o olhar romântico e o simbolismo que impregnava sua alma. Mais tarde na vida, ele se dedicou também a pintar paisagens.

Depois dos 45 anos, ele se voltou também para a escultura, de forma autodidata. Sempre demonstrando uma certa característica teatral, que inclusive lhe rende o reconhecimento de ter sido um dos precursores do cinema.

Uma informação bem interessante - e útil - para quem desenha. Gustave Doré se orgulhava de ter feito, até os 33 anos de idade, mais de 100 mil desenhos! E ele mesmo reinvindicava para si o mérito de ser um dos maiores desenhistas de seu século. Alguém contesta?

Abaixo, mais algumas obras desse grande artista:


Ilustração para o livro "Orlando Furioso" de Ludovico Ariosto
O Enigma, gravura feita durante a guerra franco-prussiana
"Estocada", gravura feita na Espanha
O fidalgo Dom Quixote de la Mancha, ilustração para o livro de Miguel de Cervantes

Chapeuzinho Vermelho, dos contos de Charles Perrault

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da cor - parte VI - Preto e Branco

"Rinoceronte", gravura de Albert Dürer, 1515
Encerrando esses resumos sobre as cores, tendo como base o livro “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos ao Branco e ao Preto.

O Branco


Alguns podem ter dúvidas quanto a afirmar se o Branco é ou não uma cor. Mas para nossos ancestrais, não havia dúvidas quanto a isto: é uma cor. E não só isso, era uma das 3 cores básicas do sistema antigo, juntamente com o Preto e o Vermelho. O pigmento branco já era usado nas inscrições das cavernas paleolíticas e na Idade Média nos manuscritos. Tanto na pintura quanto na tintura de tecidos, há muito tempo só era considerado “incolor” algo para o qual não existia pigmento que pudesse ser utilizado para colorir.

Os antigos inclusive distinguiam dois brancos: o opaco e o luminoso. Em latim, eram eles: o Albus (o branco opaco, que depois ficou conhecido como Albumina) e Candidus (o brilhante, de onde curiosamente vem também a palavra “candidato” ou “aquele que veste uma roupa branca brilhante para se submeter ao voto de eleitores”). Mas nas línguas germânicas também existem duas palavras para designar o branco: o Blank (branco brilhante) e Weiss (branco opaco).

E aqui Pastoreau faz uma observação muito importante: antigamente, a distinção entre opaco e luminoso, entre claro e escuro, entre liso e áspero, entre denso e transparente era muito mais importante do que a diferença entre as diversas cores.

Ainda hoje relacionamos a palavra “branco” também à falta, à ausência, como por exemplo na expressão “deu um branco” para dizer que algo foi esquecido. Por outro lado, também ainda guardamos a ideia de que essa cor está associada à pureza e à inocência. E essa simbologia não está ligada apenas à tradição europeia, mas também à africana e à asiática. Em certas regiões mais frias do planeta, a neve ajudou a reforçar esse símbolo, uma vez que ela se espalha uniformemente pelos campos dando à natureza um aspecto monocromático.

"Rendição de Cornwalls em Yorktown",
John Trumbull, 1797
A bandeira branca que até hoje utilizamos como símbolo para “paz”, para marcar o fim de um conflito vem sendo uma prática que remonta à Guerra dos Cem Anos, que ocorreu entre os séculos XIV e XV. O Branco em oposição ao Vermelho da guerra.

O Branco também é o símbolo da virgindade da mulher, coisa que só passou a ter valor com a instituição do casamento cristão, lá pelo século XIII. O casamento era necessário por razões de herança, e a moça devia se manter virgem até ele para garantir que os meninos que gerasse fossem mesmo filhos do marido. Isso foi se tornando uma verdadeira obsessão, até o ponto que no século XVIII as moças precisavam exibir sua virgindade, como seu maior bem. Para isso elas deveriam se vestir de branco no dia do casamento. O costume de usar branco no vestido de noiva dura até nossos dias.

Além disso, era de bom tom que todos os tecidos que tocavam o corpo (de lençois a toalhas e as roupas de baixo) deveriam ser brancas, não só por razões de higiene mas porque ao lavar as roupas brancas elas nunca perdiam a cor. Mas essa prática também vem da Idade Média e seus tabus morais: era mais indecente uma pessoa ser pega com as roupas íntimas do que nua, e se essas roupas de baixo não fossem brancas, eram ainda mais indecentes.

Um outro símbolo para a cor branca está relacionado à “luz divina”. Deus teria uma luz branca, assim como os anjos. O Branco também é considerado a segunda cor de Maria, a mãe de Deus (a primeira é o azul). Nos rituais religiosos - de quase todas as práticas religiosas, do catolicismo ao candomblé) - a cor branca está muito presente. O Branco é também a cor dos fantasmas, como um eco do mundo dos mortos. Os espectros e aparições, desde a Roma antiga, são descritos como brancos. 

Até mesmo na ciência mais moderna, o branco aparece, como na teoria do big bang, a explosão inicial que deu origem ao mundo, que é representado por um clarão de luz branca. Porque o branco também seria a luz primordial, o começo dos tempos.

O Preto


Assim como o Branco, o Preto às vezes não tem sido considerado como uma cor. Mas fazia parte da tríade de cores do sistema antigo, como já falamos várias vezes.

A cor preta está carregada de aspectos simbólicos de cunho negativo: a morte, o luto, as trevas, o medo, o pecado, ao inferno, aos mundos subterrâneos. Mas há também, diz Michel Pastoreau, um Preto mais respeitável: o da temperança, da humildade, da austeridade, como foi imposto pela Reforma e como era representado nas vestes dos monges beneditinos. Mas também - e isso alcança nossa época atual - é a cor da autoridade, das vestes dos magistrados e dos automóveis que transportam chefes de estado. Além disso, conhecemos este outro lado do preto, a cor do chique e do elegante.

Existe então, um “mau” e um “bom” preto. Também para ele há duas palavras em latim: o Niger, que designa o preto brilhante e o Ater, o preto opaco. 


"Retrato de Martin Lutero", Lucas Cranach
Durante muito tempo foi uma cor de difícil fabricação. Ainda hoje é uma cor muito difícil de se conseguir a não ser recorrendo a produtos caros como o marfim calcinado (que dá o Black Ivoire).  Aqueles que são fabricados a partir de resíduos de fumaça, não são densos o suficiente.  Isto explica porque até ao final da Idade Média o Preto é bastante raro nas pinturas, em especial as de tamanho grande. Até mesmo nas iluminuras ele aparece em pouca quantidade. Mas os tintureiros italianos dos fins do século XIV conseguem progredir na fabricação de gamas de preto.

A Reforma Protestante declara guerra às cores mais vivas - como já vimos antes - e prega a ética da austeridade. Com isso, o Preto se torna a cor da moda não somente entre os sacerdotes, mas também entre reis e príncipes. Costume que dura até hoje. Assim como o Azul, o Preto está presente nas cores das roupas que exigem sobriedade e elegância.

A bandeira negra já foi símbolo dos piratas, que significava a morte. Mas também, depois do século XIX, era a cor da bandeira anarquista. O contraste preto e branco está muito presente em muitos aspectos de nossa cultura. Mas nem sempre foi considerado o par de opostos mais explícito. Antigamente, as cores opostas eram o Preto e o Vermelho.

Como exemplo dessa evolução, Michel Pastoreau conta um pouco da história do jogo de xadrez. Esse jogo teria surgido no século VI na Índia e comportava peças pretas e vermelhas. Adotado por persas e muçulmanos, este jogo chegou até à Europa por volta do ano 1.000 e os europeus mudaram as cores para brancos contra vermelhos. Foi no Renascimento que as peças e o tabuleiro de xadrez passaram a ser brancos e pretos.

Com o advento da imprensa e da gravura, pouco a pouco a oposição branco versus preto se impôs, assim como a Reforma já o tinha feito.

Seja qual seja o sistema de cores, sempre há um lugar para o branco e outro para o preto, nas extremidades. Por exemplo na palheta: Branco, Amarelo, Vermelho, Verde, Azul, Preto. Isaac Newton (como vimos no primeiro post sobre este assunto) estabeleceu um continuum de cores para o arco-íris: Violeta, Índigo, Azul, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho, excluindo, pela primeira vez, as extremidades preta e branca. Foi por isso que durante muito tempo essas duas cores estiveram fora do mundo das outras cores, especialmente no século XIX quando o preto e o branco é o mundo não colorido. A descoberta da fotografia que captava a luz num fenômeno bicromático reforçou esta ideia. A fotografia representou durante muito tempo o mundo em preto e branco, como a gravura. Com o desenvolvimento do cinema e da televisão que foram durante muito tempo preto e branco, nós acabamos nos familiarizar com esta oposição, diz Pastoreau. E dividimos também nosso mundo: em cores, de um lado; preto e branco de outro.

Mas o Preto e o Branco era um par de cores que muito interessaram a um pintor como Rubens, que possui tantas telas bem coloridas. Dizem que ele empregou em sua oficina uma equipe de gravadores para reproduzir seus quadros em preto e branco, observa Pastoreau. Durante muito tempo se pensou que na arte grega antiga imperava o preto e o branco. Quando se descobriu que os templos gregos e romanos antigos eram coloridos, a primeira reação foi de repulsa, como se isso diminuísse o valor histórico, cultural e artístico da arte antiga. Parece que para ser “sério”, diz o autor francês, se exige que seja em preto e branco…

No cinema temos também um exemplo disso, diz ele. Na década de 1920 a tecnologia em cores já poderia ser implantada mas não o foi e não só por razões econômicas. Vários moralistas da época achavam que os filmes eram coisas fúteis e indecentes, ainda mais seriam se as imagens fossem em cores. Da mesma maneira, Henry Ford - o da fábrica de automóveis norte-americana - que era um protestante puritano, se recusou a fabricar carros que não fossem pintados de preto, mesmo quando a concorrência começou a fabricar e a vender carros de outras cores.

Mas, para concluir, novamente reconhecemos, em nossos tempos atuais, que o Preto e o Branco formam cores juntos com todas as outras. E estão presentes de volta à palheta dos artistas.


"Vaso romano com alho e cebola", David Leffel

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Modelo Vivo no Ateliê Contraponto

"Ateliê do artista", Gustave Courbet, 1855, 361 x 598 cm

As sessões com modelo vivo são fundamentais para qualquer pessoa que desenha, pinta, grava, esculpe. Artistas plásticos, designers, ilustradores, sketchers, gravadores e escultores sabem o quanto é importante o estudo da anatomia do corpo humano, o estudo dos movimentos, do gestual, das direções, das proporções, para sua evolução individual nas artes visuais. São momentos ricos de aprendizado.


Uma sessão com modelo vivo, na Grande Chaumière
Numa sessão com modelo vivo, nós fazemos desenhos de observação a partir de poses curtas (com 30 segundos a 2 minutos de duração por exemplo) ou poses mais longas com até meia hora de duração. Para isso, os modelos precisam estar bem alongados, pois ficar na mesma posição por meia hora, 40 minutos, não é coisa muito fácil. O trabalho, para os modelos, exige muito de seu corpo físico, além de muita concentração.

Por isso, tantos artistas ao longo da história devem tanto a essas pessoas que se dispõem a posar para eles! Podemos afirmar que grande parte das obras de arte que conhecemos deve-se a estes inúmeros anônimos que se postaram quietos - ou em movimento - à frente dos cavaletes e mesas de trabalho dos artistas. Lucien Freud, por exemplo, quase nunca pintava sem um modelo vivo à sua frente. Caravaggio, para a grande maioria de seus quadros, teve modelos entre seus amigos e amantes posando para ele. John Singer Sargent, Joaquin Sorolla, Diego Velázquez, Degas, Gustave Courbet - a lista é imensa! - construíram grandes obras de arte a partir do estudo do corpo de pessoas que posaram para eles. Podemos afirmar que nenhum grande artista pode abdicar da prática do desenho ou pintura com modelo vivo.

Sessão com modelo vivo no Ateliê de
Maurício Takiguthi, nov.2013 - à esquerda
Marcia Agostini, Mazé Leite e Sarita Genovez.
Para nós, artistas, essa prática é tão intensa quanto para os modelos. Nas poses curtas, por exemplo, que servem como aquecimento e como forma de parar o pensamento para ver, e desenhar o mínimo necessário, a mão pode ficar dura, o braço trava, a mente se perde. Por isso é bom estar relaxado, solto. Respirar ajuda muito a relaxar. O segredo é não se deixar travar, e seguir desenhando. Observando e colocando no papel (ou outro tipo de suporte) o que vejo no modelo.

Essa questão de saber quanto tempo teremos para uma pose é importante para que possamos medir nosso trabalho, até onde podemos chegar. Também serve para que possamos ir calibrando nosso ritmo de acordo com o tempo que temos. É importante evitar, no meio do desenho de uma pose, fazer uma pausa ou interromper o trabalho prematuramente, para evitar que essas atitudes de negligência nos retirem o foco ou nos levem a cometer algum tipo de erro.

Em geral, quando iniciamos no desenho com modelo vivo fazemos traços hesitantes, lentamente, com medo de riscar a folha de papel… É assim mesmo no início, para todo mundo. Mas devemos nos esforçar para, ao contrário, não hesitar em fazer traços gestuais mesmo que mais leves, que poderão ser mais marcados em seguida. A pessoa pode fazer traços menos precisos no começo, porque a precisão, a segurança e a firmeza se adquire com a prática. Com a prática, alcançamos os desenhos mais simples, mais concisos, mais soltos. Com a prática nos tornamos mestres. Só com a prática! Nenhum mestre nasce feito, nem de nascimento, nem de "feito na faculdade". A melhor escola é a prática diária, a vida! 

Desenhar não é um ato que se faz só com a mão, mas com todo o braço, todo o ombro, todo o corpo, no final das contas. Todo o nosso ser deve estar envolvido com aquilo que fazemos. 

Desenhar um modelo que está vivo à nossa frente amplia altamente nosso repertório pessoal com traços, com massas, com valores, com tonalidades, com ar, com espaços, com proporções, com gestos, com expressão.

Venha participar das sessões com Modelo Vivo no Ateliê Contraponto!

Serviço:
20 de fevereiro - 5ª feira
das 19h às 21h

ATELIÊ CONTRAPONTO
Travessa Dona Paula, 111 - Consolação
a 5 minutos a pé do Metrô Paulista
COMO CHEGAR


Detalhe da sala para a prática com Modelo Vivo,
na Académie de la Grande Chaumière - Paris, 2011

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte V - O Amarelo

Meninos no balanço, Candido Portinari, 1960, óleo sobre tela
Seguindo nosso resumo do “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos para a terceira das três cores primárias, o Amarelo. No próximo e último post sobre o livro do estudioso francês, concluiremos falando do Preto e do Branco.

O Amarelo

O Amarelo, na Antiguidade, era uma cor bastante apreciada. Os romanos, por exemplo, se vestiam de amarelo em determinadas cerimônias, como as de casamento. Mas especialmente nos países asiáticos esta cor sempre foi valorizada. Na China, durante muito tempo, era a cor reservada ao imperador, e ela até hoje ainda ocupa um lugar importante na vida cotidiana dos chineses, associada ao poder, à riqueza e à sabedoria. 

Mas no mundo ocidental, o Amarelo está sempre por último na ordem de preferência das cores... Vamos ver porque...

Isso pode ter origem na Idade Média, observa Michel Pastoreau. O Amarelo sempre sofreu a concorrência da cor dourada que, esta sim, absorve todos os símbolos positivos do amarelo, ou seja, tudo o que evoca a luz, o sol, o calor, a vida, a alegria, a força. O Ouro é visto como a cor que brilha, clareia, aquece… Por isso o Amarelo, destituído de seus aspectos positivos, parece uma cor opaca, triste, que lembra o outono, as folhas caindo das árvores, o declínio, a doença… E claro que acabou simbolizando também a traição, o engano, a mentira… 


"O beijo de Judas", Giotto, 1304
Podemos ver isto através da análise do imaginário medieval, onde as pessoas sem valor eram obrigadas a se vestir de amarelo. Em Roma, os cavaleiros criminosos são descritos vestindo-se nesta cor. Judas Iscariotes, da Inglaterra à Alemanha, incluindo toda a Europa, estava sempre portando vestes amarelas, especialmente após o século XII. Judas, ao longo do tempo, foi absorvendo todos os caracteres de uma pessoa infame e até mesmo seus cabelos eram pintados de loiro. E para piorar a situação do pobre traidor do Cristo, os artistas ainda o representavam… canhoto! E isto tudo é pura construção simbólica medieval, uma vez que em nenhum momento os textos bíblicos fazem qualquer referência à cor de suas roupas ou de seus cabelos. Mas o Amarelo, em consequência, passou, desde então, a ser a cor dos traidores. No o século XIX os maridos traídos era caricaturizados vestidos de amarelo ou fantasiados com uma gravata amarela. Isto sem falar que o enxofre representa simbolicamente o diabo e é amarelo…


Nos manuais de receitas para a fabricação das cores, que datam do fim da Idade Média, o capítulo sobre o Amarelo é sempre o mais curto e sempre se encontra relegado ao final dos livros. Ou seja, esta cor além de presentar a traição e a mentira, também era a cor do ostracismo imposto àqueles que queremos excluir ou condenar, como era o caso dos judeus. O conjunto das comunidades judaicas era representado em amarelo, assim como nas imagens. Depois do século XIII, os concílios católicos se pronunciaram contra o casamento entre cristãos e judeus e mandam que estes últimos carreguem consigo um sinal que os distinga. No princípio, este sinal era ou uma roseta, ou uma figura representando as tábuas da lei, ou uma estrela que evocasse o Oriente. Bem mais tarde, na Alemanha nazista, foi instituída a obrigação, aos judeus, de portar uma estrela amarela no peito, numa evidente relação com a simbologia medieval. É preciso ressaltar ainda, sobre o período medieval, que foi desenvolvido um verdadeiro ódio em relação aos não-cristãos. Assim como Hitler pregava a intolerância contra aqueles que não pertencessem à raça ariana.

No Renascimento, a cor amarela aparece nas pinturas. Como aparecia desde as pinturas rupestres (junto com os tons ocres) e nas obras gregas e romanas. Mas nos séculos XVI e XVII, o Amarelo toma novo lugar na palheta dos pintores, com o surgimento de novos pigmentos como o Amarelo de Nápoles, tão utilizado pelos pintores holandeses do século XVII. É preciso observar que nas pinturas murais, certos tons de amarelo perdem sua cor ao longo do tempo tornando-se pálidos, ou mesmo esbranquiçados. Ele estava presente também nos vitrais do século XII, mas sempre pra indicar traidores e criminosos. Essa depreciação do Amarelo - diz Pastoreau - chegou até os Impressionistas, que seguiram em outra direção. 

Porque entre os anos 1860-1880 uma mudança se produz na palheta dos pintores que saíram do interior de seus ateliês para ir pintar ao ar livre. Era também o momento em que a arte, referendada pela ciência, afirma que existem três cores primárias: O Azul, o Vermelho e o Amarelo. Foi o momento da reabilitação da cor amarela e é possível que o desenvolvimento da eletricidade tenha igualmente contribuído para esta primeira retomada do valor desta cor.


"Retrato do pai Tanguy", Van Gogh, 1887
(ao fundo da figura principal, vemos paisagens
e figuras de origem asiática que muito
impressionaram Vincent)
O pintor Vincent van Gogh fez amplo uso dos tons amarelos em seus quadros, assim como Gaguin, Monet, Seurat... O inglês William Turner criou céus intensos, luminosos, quase sólidos, em nuances que iam do Vermelho, passando pelo Laranja e pelo Amarelo. O mundo brilha lá fora, sob intensas tonalidades de Amarelo... Neste verão quente paulistano nossos dias tem sido intensamente tomados de amarelo...

Michel Pastoreau concorda com o jornalista Dominique Simmonet que essa mudança de status do Amarelo acontecida no final do século XIX tenha direta relação com todos os movimentos revolucionários da época, que atingiam também a vida privada e a moral ocidental. Sim, diz Pastoreau, as “cores refletem em efeito as mudanças sociais, ideológicas e religiosas, mas elas também absorvem as mudanças técnicas e científicas do mundo”. E isto tudo vai criando novos gostos e, obrigatoriamente, um novo olhar, um novo simbolismo.

Mas na vida cotidiana e nos gostos ocidentais, o Amarelo ainda guarda um lugar limitado. Falamos, por exemplo, de “sorriso amarelo” como uma forma negativa de expressão; poucos usos fazemos do Amarelo em nossas roupas, em nossos mobiliários, em nossos automóveis… Ainda por cima, a cor amarela ainda está ligada à falta de saúde, à cor dos cadáveres, ao outono…


"Intoxicados", John Singer Sargent, óleo sobre tela, 1918-19


Mas é a cor dos Correios, em muitos lugares, incluindo o Brasil. Há muito tempo os alemães e suiços já representam seus correios em amarelo, depois a França e todos os outros países. Também temos o sinal de trânsito amarelo, pedindo “atenção”, e no futebol, uma infração média é punida com o cartão amarelo do árbitro.

Quanto ao dourado, voltamos as costas para ele em nossos dias e pouco o utilizamos em nosso dia a dia. Isso vem do tempo em que os Protestantes do norte europeu começaram a condenar o luxo e o fausto das jóias e do ouro. Desde o começo do século XX a cor dourada se tornou vulgar, se usado em excesso. Atualmente, especialmente aqui no Brasil, uma pessoa cheia de correntes e pulseiras douradas - mesm que de ouro legítimo - representa mais a cafonice brega dos “novos ricos”.

Quanto ao Laranja, muito próximo ao Amarelo, acabou herdando do dourado todo o lado positivo que seria da cor amarela: a alegria, a vitalidade, a saúde, a vitamina C. A energia do sol é muito melhor representada em Laranja.

Enfim, tudo isso mostra como nossos gostos e nossa cultura muda ao longo do tempo, e com ela a nossa percepção simbólica das cores. Nos esportes e nas roupas de lazer, a cor amarela se encontra muito presente nos dias atuais. Mas surge pontualmente em roupas e objetos que fogem ao padrão industrial, sendo usada como uma forma de estar à parte dos usos, costumes e moralidades contemporâneas. Nas roupas dos nossos jovens mais “descolados” o Amarelo está em seus tênis, meias, bermudas, camisetas, bonés… Como estava presente no mobiliário da década de 1970, por exemplo, pós movimentos revolucionários de 1968, quando a cor amarela surgiu em geladeiras, fogões, sofás, abajours. 

E na canção "Yellow Submarine” dos Beatles…