sexta-feira, 5 de abril de 2013

Diário de Madrid II

O urso com a árvore, símbolo da Espanha
Meu primeiro dia em Madrid rendeu muito. Apesar do cansaço de uma noite dentro do avião, fui caminhar. Minha amiga Susana, que está em Lisboa, me sugeriu um lugar para almoçar: o restaurante Miau na Plaza de Santa Ana, que tem um gatinho como logomarca. Em homenagem a meus gatos Xavier e Nestor, fui para lá. Passei pela Puerta del Sol, andei pelas ruas, caminhando e olhando tudo. Madrid é uma cidade linda. Lembra Paris em alguns lugares, mas há algo de diferente. A cidade não é muito grande e dá para andar a pé por aqui sem muitos problemas. A Plaza de Santa Ana, a Puerta del Sol, a Plaza Mayor, assim como o Museu do Prado e o Reina Sofia fica tudo meio perto...

Meu almoço: primero plato, una ensalada russa, mui buena y bien servida. Segundo plato, um peixe com salada de batata. Acompanhando, 2 taças de vinho da região de Rioja que, segundo outro amigo, Adalberto, parece que produz os melhores vinhos espanhois. Como postre (sobremesa), um pudim de leite com chantilly, enrome. Ao final um café. Preço de tudo isso? Onze euros somente!

Na Plaza Mayor, aglomerações de turistas. Nesta Plaza aconteceram grandes execuções públicas de bandidos, mas também de revolucionários. Aqui crepitaram as fogueiras e os julgamentos da Inquisição. É uma construção quadrada, com prédios de 3 andares colados uns nos outros. Há uma estátua equestre no centro, da qual eu fiz um sketch rápido. Enquanto desenhava, uma moça se aproximou e ficou me filmando enquanto eu desenhava. Não sei que lingua ela falava, não parecia espanhola. Ri para ela, que aprovou meu desenho. Nem posso posta-lo aqui agora, porque o cartão SD da minha câmera não está cabendo na entrada do netbook que estou usando...

Vi alguns mendigos na Plaza Mayor. E muitos artistas de rua em muitos lugares. Um deles era tenor e cantava uma ópera ao ar livre. Alguns passavam e depositavam suas moedas na caixinha em frente a ele. Outros tocavam sozinhos seu violão. Outros, cantavam em grupo. Um desses artistas de rua assustava os que passavam do lado. Só aparecia seu rosto, pintado com cores escuras como um personagem de filmes de terror e do seu lado uma cara de cão malvado, do outro uma cara de lobo assustadora. Aos desavisados que passavam muito perto, ele gritava e mexia as cabeças dos bichos, assustando as pessoas e fazendo rir os que assistiam à cena. Quando se depositava uma moeda em sua caixinha, se era homem, ele gritava mexendo as cabeças: Muchas gracias! Se era mulher, ele era mais suave... Muito engraçado!

Na Gran Via, às sete da tarde (ainda muito claro por aqui) vi minha primeira manifestação contra a crise: um grupo de uns cem espanhois faziam muito barulho e se transformavam em mil. Com cartazes atacando "banqueros y gobierno" gritavam: "Usted ahi mirando, también te estan robando!" Concordei com eles, fiquei um pouco observando a cena, vi que um carro da polícia acompanhava tudo de perto. Senhoras e senhores idosos também estavam lá e também gritavam: o velho e bom sangue espanhol! Acá y en esta lucha, somos todos hermanos! Contra el capitalismo!

Uns metros abaixo desta manifestação, na esquina da Gran Via com a Calle Fuencarral, onde estou hospedada, havia um outro mendigo: inteiramente vestido de palhaço, rosto pintado e nariz de borracha vermelho. Mas não ria nada. Cheguei perto e observei: era um senhor já idoso, se viam as rugas atrás da maquiagem... Seria um palhaço desempregado? Seu circo teria sido extinto e ele estava sozinho no mundo, sem seus companheiros? Deu vontade de saber sua história. Depositei uma moeda de 1 euro em sua caixinha. Ele falou um "Gracias" com voz baixa e cansada, sem se mover. Lembrei-me do filme de animação "O Ilusionista". Deu pena dos artistas sem trabalho... Deu vontade de chorar...

Academia Decinti

Ainda no Brasil eu tinha descoberto dois pintores daqui que mantém uma escola de arte no bairro de Chamarti. Peguei o metrô na estação da Puerta del Sol e desci quatro estações depois, na Iglesia, que também fica ao lado do Museu Sorolla, que irei visitar hoje. O ateliê não é muito grande, mas tinha umas dez pessoas trabalhando lá, junto com Alejandro, um dos professores. O outro é Oscar. Me apresentei e eles me receberam muito bem muito simpáticos. Conversamos bastante, ele me disse que seguem a estética da pintura espanhola e mais especialmente a de Joaquín Sorolla. Resultado da conversa: a partir desta segunda irei fazer um curso intensivo no ateliê deles, 4 horas por dia, de segunda a sexta. Ele me disse que irei utlizar uma palheta de cores primárias, mais preto e branco. Vou fazer a experiência de pintar sem tons de terra. Saí de lá muito feliz e com uma grande expectativa de estudar um pouco com eles aqui em Madrid!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Diário de Madrid I

Plaza Mayor, Madrid
Comecei uma viagem de 10 dias a Madrid, Espanha. Vim fazer estudos, desenhar e pintar. Fazer desenhos gestuais nos museus. Aprender com os mestres espanhóis, me embriagar com sua arte. Por isso, a partir de hoje, este blog será um relato desta viagem.

Primeiro relato, no avião:

dia 3 de abril, 17h
Estou sentada na segunda fila de um vôo da Iberia de São Paulo para Madrid. Acabei de resolver: meu blog nos próximos 10 dias será transformado em meu diário de viagem. Assim os que quiserem podem acompanhar diariamente aqui esta viagem que promete muito! É a segunda vez que vou a Madrid, a primeira em 2001. Eu era outra, meus olhos não viam o que hoje vejo.

Mas neste momento lembro que estou indo para um país atingido por uma forte crise econômica nestes tempos. Quase 27% dos espanhóis estão sem emprego e em torno de 50% dos jovens até 30 anos não têm trabalho! Crise dura! Crise capitalista, mais uma. Como disse Marx no século XIX, o capitalismo não sobrevive sem crises. Ouvi falar no Brasil de que o número de suicídios aumentou, que a falta de perspectiva de melhora a curto prazo está angustiando esse povo. O que diria - e faria - Francisco Goya se vivesse nestes tempos e visse seu povo submetido a mais esse sofrimento? Iria para as praças e ruas, junto com a população, protestar, gritar, pedir o fim desse sistema injusto que privilegia somente as elites de todos os países.

Mas se isso continuar.... não sei não! O sangue espanhol quando esquenta, lembrou meu amigo Jeosafá, já moveu muitos mundos na terra espanhola. E irá mover de novo, se preciso for... Os tambores - ou melhor, as castanholas - já se aquecem por lá! Os capitalistas irão tremer quando este povo se levantar como "toros" em touradas!

Aqui no avião, cinco da tarde do Brasil, acabaram de nos servir uma ceia porque em Madrid já é hora de jantar, são 21 horas, e é para lá que estamos indo... Entonces acabamos de dar um salto de 4 horas no tempo! Um salto das 17h para as 21h e eu preciso dormir às 19h porque serão 23h, senão amanhã estarei exausta e preciso ir à Academia Decinti, de Oscar e Alejandro, com quem vou estudar um pouco de pintura...

Hasta luego!


domingo, 24 de março de 2013

Michael e Anna Ancher

Fotos do casal Anna e Michael Ancher (Museu Skagen)
Michael Peter Ancher foi um pintor dinamarquês. Ele é muito conhecido pelas suas pinturas de pescadores e outras cenas do porto dinamarquês da cidade de Skagen, uma pequena vila de pescadores localizada numa ponta de terra ao norte da Dinamarca, bem na convergência entre o Mar do Norte e o Báltico. Terras e mares muito gelados do norte europeu. Ele é um dos artistas mais populares em seu país, apesar de pouco conhecido, pelo menos aqui no Brasil.


Michael Ancher:
Retrato inacabado de Adrian Stokes
Michael Ancher nasceu no dia 9 de junho de 1849, em Rutsker, na ilha de Bornholm, que pertence ao reino da Dinamarca. Aos 16 anos ele trabalhava como caixeiro aprendiz e em suas horas livres desenhava e pintava. Por causa do seu talento, ele foi admitido na Academia Real Dinamarquesa de Arte em Copenhagen, onde estudou entre 1871-1875. Lá foi incentivado por seus mestres a se dedicar à pintura de gênero (um tipo de pintura de cenas da vida cotidiana, do mundo do trabalho e dos espaços domésticos). 

Um seu colega de curso, Karl Madsen, o convidou para ir conhecer a vila de Skagen. Nesta pequena vila, um grupo de pintores se reuniram numa associação que eles chamavam de Pintores de Skagen. Michael resolveu se mudar para lá e se junto ao grupo de pintores, cujo ponto de encontro acontecia no Hotel Brondums, onde eles conversavam, discutiam suas ideias, mostravam seus trabalhos. Lá, Michael conheceu Anna Brondum, a filha do dono do hotel, com que se casou. Anna também era pintora.


Michael Ancher: O Afogado, 1891
Em 1879, Michael Ancher começa oficialmente sua carreira de pintor com o quadro “Será que ele vai sobreviver ao gelo?”, que representa um grupo de pescadores na praia, olhando para algum ponto no mar, preocupados com algum companheiro que ainda está no mar. Michael Ancher foi um pintor realista e as composições de suas obras são impressionantes. A Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes dava bastante ênfase ao estudo da composição. Três outros de seus quadros de pescadores bastante conhecidos foram pintados entre 1883 e 1896: “Bote salva-vidas”, “Tripulação a salvo” e “O afogado”. 


Michael Ancher: "Será que ele vai sobreviver ao gelo?"
Ancher teve uma formação acadêmica, como era muito comum naquela época, inclusive aqui no Brasil, mas o casamento com Anna, uma pintora realista, fez com que sua arte fosse na direção da pintura figurativa mais moderna, a arte realista, que na França teve como grandes nomes Gustave Courbet e Camille Corot, de algumas décadas antes. Michael Ancher pintou uma obra figurativa moderna monumental, “O Batismo”. Um dos pintores mais admirados e preferidos por Michael Ancher era o holandez Rembrandt van Rijn.

Anna e Michael moravam numa casa que era ao mesmo tempo seu estúdio, onde trabalhavam. Sua residência definitiva foi comprada em 1884 e em 1913 um grande ateliê foi construído junto à casa. Helga, sua filha, havia nascido em 1883. Quando ela faleceu, em 1964, a casa e o ateliê, com todos os objetos da família, foram transformados numa Fundação. Depois tudo foi reformado e restaurado e em 1967 foi inaugurado o Museu Fundação Helga Ancher. O mobiliário é todo original e as pinturas de Anna e Michael preenchem as paredes do prédio, assim como as de diversos outros pintores de Skagen que participavam de seu círculo de amigos.

Michael Ancher morreu no dia 19 de Setembro 1927.


Michael Ancher: Pescadores
Anna Ancher


Michael Ancher: Anna
retornando do campo
Anna Kirstine Brøndum Ancher, nasceu em Skagen no dia 18 de agosto de 1859, onde viveu toda a sua vida até 1937.

Ela era filha de Ane e Erik Brondum, que eram donos de um hotel e uma mercearia. Ela ainda era criança, quando pintores começaram a chegar em Skagen. Eles vinham se reunir no hotel de seu pai e ela observava seus trabalhos e conversas com muito interesse. Começou a desenhar e pintar.

Em 1878 ficou noiva de Michael Ancher, com quem se casou em 1880. O casal viveu em Skagen todo o resto de suas vidas.

Anna Brondum Ancher desenvolveu sua carreira artística em um tempo em que era raro uma mulher se dedicar a isso. Assim como aconteceu com Camille Claudel, de quem falamos no post anterior. Por causa de ser mulher, Anna não teve acesso a nenhum estudo de aperfeiçoamento na Academia. Mas chegou a ter aulas de pintura em Paris no ateliê de Pierre Puvis de Chavannes, e depois em Copenhagen no ateliê de Wlliam Kyhn, que criou um curso só para mulheres. Ela estudou lá de 1875 a 1878 e seu professor - com a visão machista da época - assim que soube da gravidez de Anna recomendou que ela guardasse sua maleta de tintas e se dedicasse às tarefas domésticas...


Anna Ancher: Sol na sala azul
Mas Anna não o obedeceu e teve o apoio do marido. Ela já tinha participado de uma exposição em 1880 em Copenhagen e foi bastante admirada, sendo em seguida bastante reconhecida como pintora. Anna Ancher retratou a vida doméstica, os interiores das casas, mulheres e crianças. Suas telas são plenas de cor e luz, objetos maiores de seu interesse como pintora. Por isso, sua pintura tem muita semelhança com as pinturas impressionistas francesas, especialmente.

O seu quadro “Luz na sala azul” mostra também a sua pequena filha Helga sentada na sala azul do Hotel Brondums onde sua avó, Ane, muitas vezes gostava de se sentar. Anna pintou vários quadros com esta cena de sua mãe sentada nessa sala. Como se vê, o jogo de luz projetada na parede azul torna o quadro muito luminoso. A luz do sol na parede traz o mundo exterior para dentro da casa. Sua mãe, Ane, era muito religiosa e conservadora, mas mesmo assim apoiou os projetos artísticos da filha, concordando inclusive que ela fizesse um curso particular de pintura em Copenhagen.


Anna Ancher: Interior
Anna concentrou seus temas em cenas cotidianas, pintando pessoas ocupadas em seus afazeres domésticos, interiores, retratos de família, amigos e conhecidos. Em especial retratos de sua mãe. Mas pintou também pessoas pensativas, com o olhar distante, mas sempre telas luminosas, coloridas. Suas pinceladas são soltas, pictóricas.

O quadro “O luto” é o único de sua obra que não representa uma cena real. O quadro foi inspirado em um sonho que ela teve: ela está nua, de luto ao lado de uma cruz, no cemitério, e sua mãe a seu lado, já bem idosa. Poderia representar as diferenças entre mãe e filha. Sua mãe era muito religiosa, mas Anna, incluenciada pelas ideias revolucionárias de seus amigos artistas radicais e ateus, se via dividida entre esses dois mundos. No quadro essa divisão pode ser interpretada na mulher jovem e nua ao lado de uma mulher idosa e vestida.

Anna morreu no dia 15 de abril de 1935, em sua cidade natal.
Anna Ancher: Ane na sala azul

Joaquin Sorolla e os pintores escandinavos

Joaquim Sorolla é um pintor espanhol, cujo Museu Sorolla estarei visitando neste próximo mês de abril em Madrid e sobre o qual falarei bastante.

Mas fiz uma interessante descoberta enquanto estudava Anna e Michael Ancher: Sorolla foi influenciado pela pintura nórdica em suas obras.
Em 1889, a cidade de Paris celebra a Tomada da Bastilha com uma Exposição Universal. Foi o ano da inauguração da grande obra arquitetônica que até hoje é o maior ícone de Paris: a Torre Eiffel, concebida pelo engenheiro Gustave Eiffel. Mas nesse mesmo ano, um grupo de jovens pintores escandinavos expunha suas obras também na Exposição Universal, chamando a atenção de outros artistas e críticos, por causa da qualidade de seus trabalhos.

Claro que a França era o ponto de atração de artistas e estudantes de arte de todo o mundo naquela época e para lá também tinham ido muitos artistas e estudantes do Norte.


Joaquin Sorolla: Caminhando na praia, 1909
Sendo assim, esses pintores escandinavos que trouxeram suas telas em 1889 já haviam sido influenciados pela corrente francesa de pintura, em especial a chamada Escola de Babizon, com a pintura em plain-air e o realismo de Léon Bonnard, por exemplo. Quando estes pintores voltaram da França para a seus países, resolveram formar pequenos círculos fora dos centros urbanos maiores, como o fizerm o astistas franceses da Escola de Barbizon. E isso aconteceu na Noruega, Finlândia, Suécia e Dinamarca, terra de Michael Ancher.

Nessa exposição de Paris os maiores destaques foram: os dinamarqueses Michael Ancher, Viggo Johanssen e Peder Severin Krøyer; o norueguês Frits Thaulow; o sueco Anders Zorn e o finlandês Albert Edelfelt. Joaquin Sorolla ficou muito impressionado com a pintura destes artistas.

Sorolla estava passando férias em Assis, na Itália, acompanhado de sua mulher, Clotilde Garcia del castillo, com quem se casou um ano antes. Em seu retorno à Espanha, resolveram passar por Paris e foram visitar a Exposição Universal de 1889. Lá Joaquin Sorolla conheceu a nova pintura escandinava quando ele tinha ainda 26 anos e ainda estava se formando como artista. Sorolla, que já tinha muito interesse na arte realista, voltou para a Espanha bastante influenciado pela pintura desses artistas escandinavos. Podemos ver na obra de Sorolla o mesmo vigor dos pinceis, o colorido, os temas, a personalidade artística que se criou.

Mas falaremos de Joaquim Sorolla em breve, após minha visita a seu museu em Madrid.

Por enquanto, a minha felicidade está em ter descoberto a pintura do casal Michael e Anna Ancher.
Anna Ancher: Mulher de pescado costurando, 1890