terça-feira, 26 de maio de 2015

Córdoba

Porta do Triunfo em Córdoba
Nos dois últimos dias, domingo e segunda, foram dias de passeios variados. Descobri que o Museu de Belas Artes de Sevilla não abre inteiro, mas só a parte de exposições temporárias. Está tendo uma sobre paisagistas andaluzes, desde os antigos. Bem boa, pois a qualidade dos pintores espanhóis realmente é um fato. Mas tinha lá fora do museu, na praça, uma feirinha com muitos pintores vendendo seus quadros, como na Praça da República. Caminhei um pouco, observei um pouco, mas nada demais. E terminei meu domingo de novo às margens do rio Guadalquivir.

Ontem, resolvi ir para Córdoba.

Peguei, na estação Santa Justa, um trem que ia para Madrid e chegava em 35 minutos em Córdoba. Um trem que viaja a 250 km por hora. Desci na estação de Córdoba, busquei informações numa sala de informações turísticas e fui direto para o centro velho ver a catedral-mesquita. Depois que se passa por uma das entradas de uma antiga muralha, entra-se nestas pequenas ruelas estreitas e repletas de casinhas grudadas umas nas outras, e que devem ter sido construídas aleatoriamente, de forma orgânica, porque quase não são em linha reta.

Muitos turistas como sempre. Japoneses andam em bando e para onde vou encontro bando de japoneses, todos com suas câmeras, obedientes ao guia. Também muitos franceses e muitos outros estrangeiros de cantos variados deste mundão.

Mundinho. Porque quanto mais viajo mais vejo como estamos todos parecidos. Usamos as mesmas roupas, os mesmos celulares, os mesmos chapéus de sol, os mesmos cachorros nas mesmas coleiras, os mesmos paus de selfie... Está uma praga por aqui o tal do pau de selfie, à venda em vários lugares por uns 15 euros. E todos usam: de franceses a espanhóis, de jovens a velhos, de japoneses a muçulmanos.

Catedral-Mesquita de Córdoba
Entrei com todo mundo na imensa mesquita. É impressionante! Já tinha visto por fotos, mas ver pessoalmente dá uma ideia muito melhor a respeito do poder e da grandeza destes impérios árabes, capazes de construir tanta beleza! Para cada canto que se olha os olhos se enchem de arte, seja em pinturas, seja na arquitetura, nos pequenos detalhes dos arcos das portas, no chão, no teto... A sensação é a de que fazemos parte de uma imensa obra-mestra! De tão grande em todas as direções, e de tão alta, caminhamos como pequenos seres nessa imensidão. Talvez a idéia fosse a mesma que inspirou as catedrais góticas: diante das coisas do céu o homem deve se sentir miúdo na terra. Mas para mim essa sensação dura segundos, porque vejo que o seres humanos que foram capazes de fazer com suas mãos o que foi feito aqui são muito maiores do que o céu! Allah, Allah, meu bom Allah!

Arquitetura árabe dentro da catedral-mesquita
Esta mesquita começou a ser construída no século VI. Nas inúmeras guerras ente cristãos e muçulmanos, ela foi tomada pela igreja católica por volta de 1.200. Hoje é a Catedral de Córdoba. Elementos de cultura árabe e cristã estão bastante misturados lá dentro, com predomínio da arquitetura árabe. Diversos afrescos foram pintados nas paredes e em pequenas capelas ao redor da nave principal da igreja.

Dentro da mesquita
Daí aconteceu uma coisa comigo. Sentei-me em um banco de madeira, para apreciar um altar, com meu IPad na mão, fotografando tudo. Meu IPad que me acompanha há dois anos, meu companheiro de estudos de desenho e pintura. Levantei-me para ir ver outra coisa e esqueci-o lá no banco onde eu estava sentada. Tinha ido ver a capela onde se celebram as missas, tudo muito rico, muito ouro em cálices e objetos sagrados. Nem bem cheguei, pânico: meu IPad! Corri para o banco onde eu tinha me sentado a uns 50 metros dali. Banco vazio! Estado de desespero. Meu companheiro de estudos de desenho e pintura, a pessoa que o pegou nem vai poder aproveitar as mais de 500 imagens que tenho lá, de obras de mestres, todas as de Velázquez que eu consegui juntar! Olhei aflita para as mãos de todos os que passavam, nada. Uma busca por algum possível ladrão, em volta senhores e senhoras, alguns jovens, ninguém com cara de suspeito. Vi um guarda. Ele se comunicou com um parceiro por rádio, perguntando se alguém tinha entregue um tablet. Espera angustiante a minha. Resposta: nada, senhora!

De repente aquela catedral se transformou em outra coisa pra mim, um lugar atemorizante, grande demais, e eu ia diminuindo de tamanho cada vez mais! Resolvi ir embora, triste. Na saída, dois guardas atrás de um balcão. Resolvi tentar de novo e perguntei se ninguém encontrou um IPad por aí. E... o guarda me entregou meu IPad na minha mão!!! E sorriu quando viu minha reação e meus murmúrios de "gracias", "que sorte a minha", "muchas gracias"! A ele, mas principalmente ao ser humano que encontrou e devolveu o que não lhe pertencia! Muito agradecida, resolvi fazer as pazes com a catedral e entrei de volta. Como é bom saber que ainda há lugares no mundo em que o ser humano respeita o outro!

Depois disso, fui almoçar e mais uma vez caminhar pelas ruelinhas de Córdoba. Linda! Fotografei o que pude com meu IPad querido! Mas o sol, estava forte demais para minha gripe e meu corpo começou a dar sinais de cansaço. Há dois dias minha garganta está inflamada, e estou com uma tosse absolutamente incômoda, seca, barulhenta, que vem em acessos e eu começo a fazer muito barulho em qualquer lugar que esteja, igrejas, museus, ruas, hotel. Isso de estar incomodando os outros me incomoda demais. E meus dois ouvidos começaram a doer. Ou seja, estou com uma boa infecção que tem que ser tratada com antibióticos. Mas aqui também não se vendem sem receita médica. Entrei no Hospital da Cruz Vermelha de Córdoba, um prédio moderno, bonito. Me atenderam bem, a médica me receitou o antibiótico de que preciso e já sai de lá me sentindo melhor. A guerra contra as bactérias começou!

Voltei ao fim do dia para a estação de trem e peguei o trem de volta a Sevilla. Desta vez ia demorar mais de uma hora a viagem, porque ia ter umas quatro paradas antes. Velocidade média de 140 km por hora, informava o letreiro. Sentei-me do lado da janela e durante toda a viagem acompanhei o sol se pondo. Lindo demais! Os tons iram variando de um amarelo brilhante, até se tingir de vermelhos enquanto a bola imensa do sol começava a se esconder atrás do horizonte, e depois disso os tons iam mudando para diversos violetas e lilases. Assim que o sol se foi, o trem parou na estação Santa Justa. Eram nove e meia da noite. E o céu estava azul de cobalto. Quando cheguei no hostal já estava um azul ultramar quase negro com uma lua pela metade brilhando no céu.

Que dia!

Rio Guadalquivir, que também passa por Córdoba
Córdoba, numa ponte sobre o rio Guadalquivir




Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba
Mesquita de Córdoba




Rua de Córdoba
Rua de Córdoba

domingo, 24 de maio de 2015

Sevilla, la vieja

Rua de Sevilha
O trem de Madrid até aqui durou um pouco menos de três horas, com umas três paradas no meio do caminho, em pequenas cidades. Muitos turistas indo na mesma direção que eu, principalmente do norte europeu, o que imagino, por causa das línguas estranhas com muita entonação forte nos "r", lembrando a língua russa. Mas tinham falantes de alemão e inglês também. Devem estar buscando, como eu, um pouco do calor da Andaluzia.

Estou hospedada bem no centro viejo, perto do Alcazar e da Catedral e sua Giralda. São construções absolutamente impressionantes! Giralda é o nome da torre da catedral, que inicialmente era de uma antiga mesquita da cidade, do final do século XII. Tem 104 metros de altura e foi durante séculos a torre mais alta da Espanha e das maiores da Europa. Esta construção espetacular inspirou a arquitetura de muitas outras pelo mundo afora. E deve ter trazido momentos de inspiração para os pintores daqui, como Murillo, Ribera, Zurbarán, Velazquez.

Andei muito pelas ruelas do centro, labirínticas, estreitas, algumas se alcança os dois lados com os braços estendidos na lateral. Passei na porta da casa onde viveu Murillo. Fui até o Hospital de los Venerables, que não é um hospital, mas um centro de exposições num prédio muito antigo daqui. Tem três quadros quase desconhecidos de Velázquez lá, mas infelizmente foram emprestados para uma exposição em Paris e eu fico sem a oportunidade de vê-los. Mas hoje, domingo, vou ao Museu de Belas Artes de Sevilla ver o que tem por lá.

No fim da tarde (o dia aqui já está terminando por volta das 21:30), fui ver o rio Guadalquivir, que corre desde o meio da Espanha e passa por Córdoba e Sevilha e deságua no estreito de Gibraltar. Aqui estou bem perto da África, mais do que de Madrid. Este rio, bonito e caudaloso, tem trazido muita vida para esta região e inspirado poetas ao longo dos séculos, desde os primeiros árabes, que povoaram esta região. Mas de Luís de Góngora, poeta contemporâneo de Velazquez, que lhe fez um retrato, li este verso:

Gran rio, gran rey de Andalucía
De arenas nobres, ya que no doradas...

Caminhei um bom tempo pelas margens do rio Guadalquivir, admirando suas águas, seus barcos, suas pontes. Estas águas já eram apreciadas pelos antigos gregos, que lhe deram outro nome. Pelas margens deste grande rio passaram as águas do meu rio Ipojuca de Caruaru e minha vida inteira, como num filme.

E agora é de manhã cedo e várias igrejinhas ao redor tocam seus sinos, como galos cantando na madrugada. Como é bom estar aqui!

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Nas fotos abaixo, lugarzinhos de Sevilha:

A torre Giralda






















sexta-feira, 22 de maio de 2015

O sol

Jardim da casa onde viveu Joaquín Sorolla, hoje museu
Escultura representando o
pintor Joaquín Sorolla
Fui novamente ao Museu Sorolla. Tinha ido umas três vezes em 2013, mas tanta coisa aconteceu nestes dois anos que achei melhor voltar lá. Joaquín Sorolla faz parte do meu interesse de pesquisa nesta fase atual. Por causa da sua luz. Os quadros dele brilham! Dá até para pensar que eles têm luz autônoma, de tão iluminados que são. Claro, pois ele pintou esta luz espanhola, que é muito luminosa também nesta época do ano, na primavera em que estamos aqui. E ainda mais no verão!

De tão brilhante, esta luz nos "encandeia", pra usar um termo lá do meu nordeste. Ele foi muitas vezes à praia, com sua mulher Clotilde e seus filhos. Tanto em Valência, sua cidade, quanto em outros lugares. E fez inúmeros estudos dessa luz à beira-mar, tanto do efeito dela nas velas dos barcos dos pescadores, quanto na pele e na roupa das pessoas, nos corpos das crianças nuas que se banhavam no mar, nos guarda-sóis, e até no pelo de bois e cavalos que participavam da rotina dos pescadores.

"Depois do banho", de Sorolla
No jardim da casa onde ele morou, e onde está o museu, passei um tempo bom desenhando, tentando alcançar os valores nas folhagens do jardim. Depois entrei e vi de novo aqueles quadros incríveis, assim como seu ateliê, seus pincéis, godês e cavaletes. A casa está quase intacta, no sentido de que até a decoração é a mesma de quando ele morava aqui. Dá até pra sentir como seria o movimento da casa, onde ele estava sempre presente, pois trabalhava no ateliê que foi feito dentro dê casa.foi um bom pai, viu seus filhos crescerem, ensinou-os a pintar, e os dois mais velhos seguiram a carreira do pai. Só a filha menor resolveu ser escultora. Desde a década de 1950, a casa e o museu estão sob a responsabilidade do governo espanhol, mais precisamente do Ministério da Cultura e Educação.

No meu país também tem muita luz! A pele do meu povo é de todas as cores, e mais morena em geral. Penso nisso sempre. Penso que vivo num país iluminado, não nesses países onde a luz do sol é quase um milagre e as pessoas vivem na penumbra, em ambientes fechados, aquecidos artificialmente, iluminados artificialmente. As vidas dessas pessoas é mais interiorizada, claro, pois falta sol em suas vidas. Mas no meu país, não, no meu país tem luz o ano todo, as pessoas gostam de se encontrar, de fazer festa, de dar risada e falar com todo mundo. Mesmo que estejamos passando momentos difíceis atualmente, tudo acontece debaixo do sol. Para o bem e para o mal, o sol brilha do mesmo jeito. Penso nisso.

Bom...

Parágrafo.

Pintura de Sorolla no cavalete
Para não dizerem que sou sectária, que venho a Madrid e não vou ao Museu Reina Sofia, fui ao Museu Reina Sofia! Consegui ficar uma hora inteira lá dentro! E vi quatro andares de exposição! Eu já fui umas quatro vezes ao Museu do Prado, já devo ter acumulado muitas horas lá dentro e ainda não consegui ver tudo o que tem pra ser visto lá...

Mas no Reina Sofia eu percorri tudo em uma hora! E olha que eu fiquei uns 15 minutos olhando para a Guernica, de Picasso. Já tinha visto boa parte daquilo em 2001, mas é claro que agora com outra experiência. Lógico que Miró, Dali, Picasso e todos os vanguardeiros do começo do século XX tinham uma mensagem a passar. Mas eu não sou obrigada a gostar de uma tela grande manchada de azul feita por Yves Klein só porque foi feita por Yves Klein! Nem nada me obriga a perder meu tempo diante de telas pintadas inteiramente de uma cor só. Nem mesmo diante dos quadradinhos coloridos do Mondrian! Me desculpe quem achar que neste momento estou cometendo uma heresia e que eu deveria ser castigada! Diante de tantos deuses! Nada me faz trocar Andy Wahrol por Velázquez! Ah.... Mas os tempos eram outros! Claro! Assim como hoje já não é mais o tempo de Andy Wahrol, nem de Dali, nem de Mark Rothko, nem de Duchamp.... Ahhhh..... Mas tem tanta gente ainda que quer esticar o tempo do penico conceitual! Concordo, isso tem mesmo! Em todos os lugares do mundo.

Materiais de trabalho de Sorolla
A desconstrução toda que foi feita a partir do início do século, descontruiu a pintura, as velhas formas de criar, desmontou as figuras, inventou imagens novas, rabiscou e coloriu o que se quis ao bel prazer de quem assim quis. Fez sentido. O mundo estava se acabando nas guerras, nos assassinatos de milhões de pessoas, na fome, no medo. Era natural que a arte refletisse esse caos. Se você olha para uma pintura de Fernando Léger, que tem no Reina Sofia e que é um dos que eu gosto, ele expressa essa contradição imensa entre vida e morte, entre o homem e suas máquinas de explorar e de guerrear...

Mas hoje?

O que faz sentido hoje?

Continuar repetindo o conceito artístico de quem achava que a arte precisava se estagnar?

Ou de quem queria ver uma grande revolução mudando o mundo e começou com sua própria técnica de pintura?

Quem são os "revolucionários" de hoje nas artes?

Quem?

Repito a pergunta: quem?

Vou procurando saber e por isso vou a Sevilla amanhã logo cedo, numa viagem de três horas de trem, para a terra de Diego Velázquez. Vou em busca desse sol que iluminou a ele e a Sorolla. E que me aqueça, porque esta Madrid ainda está muito fria e seca e venta muito e minha gripe não passa...

Notícias darei de lá.

Feliz, no Museu Sorolla
Aqui trabalhava o pintor Joaquín Sorolla
Pinceis de Sorolla

Esboços feitos em pequenos pedaços de papel ou de madeira, por Sorolla
Casa de Sorolla
Casa de Sorolla
Museu Sorolla
Frente da casa onde viveu Joaquín Sorolla
Jardim da casa de Sorolla
Jardim da casa de Sorolla
Uma das árvores plantadas por Sorolla