quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sirenes roucas, apitos aflitos

Tempos de chuva, de inundação, de dias cinzas e entardeceres nebulosos... Sem pessimismo, porque mesmo nesses momentos vale reler poemas densos, como este de Drumond, para inspirar neste entardecer na Paulicéia.

Desenho à lápis, 2008



ANOITECER
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz-morte-mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo
desta hora, sim, tenho medo. 

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