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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da cor - parte VI - Preto e Branco

"Rinoceronte", gravura de Albert Dürer, 1515
Encerrando esses resumos sobre as cores, tendo como base o livro “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos ao Branco e ao Preto.

O Branco


Alguns podem ter dúvidas quanto a afirmar se o Branco é ou não uma cor. Mas para nossos ancestrais, não havia dúvidas quanto a isto: é uma cor. E não só isso, era uma das 3 cores básicas do sistema antigo, juntamente com o Preto e o Vermelho. O pigmento branco já era usado nas inscrições das cavernas paleolíticas e na Idade Média nos manuscritos. Tanto na pintura quanto na tintura de tecidos, há muito tempo só era considerado “incolor” algo para o qual não existia pigmento que pudesse ser utilizado para colorir.

Os antigos inclusive distinguiam dois brancos: o opaco e o luminoso. Em latim, eram eles: o Albus (o branco opaco, que depois ficou conhecido como Albumina) e Candidus (o brilhante, de onde curiosamente vem também a palavra “candidato” ou “aquele que veste uma roupa branca brilhante para se submeter ao voto de eleitores”). Mas nas línguas germânicas também existem duas palavras para designar o branco: o Blank (branco brilhante) e Weiss (branco opaco).

E aqui Pastoreau faz uma observação muito importante: antigamente, a distinção entre opaco e luminoso, entre claro e escuro, entre liso e áspero, entre denso e transparente era muito mais importante do que a diferença entre as diversas cores.

Ainda hoje relacionamos a palavra “branco” também à falta, à ausência, como por exemplo na expressão “deu um branco” para dizer que algo foi esquecido. Por outro lado, também ainda guardamos a ideia de que essa cor está associada à pureza e à inocência. E essa simbologia não está ligada apenas à tradição europeia, mas também à africana e à asiática. Em certas regiões mais frias do planeta, a neve ajudou a reforçar esse símbolo, uma vez que ela se espalha uniformemente pelos campos dando à natureza um aspecto monocromático.

"Rendição de Cornwalls em Yorktown",
John Trumbull, 1797
A bandeira branca que até hoje utilizamos como símbolo para “paz”, para marcar o fim de um conflito vem sendo uma prática que remonta à Guerra dos Cem Anos, que ocorreu entre os séculos XIV e XV. O Branco em oposição ao Vermelho da guerra.

O Branco também é o símbolo da virgindade da mulher, coisa que só passou a ter valor com a instituição do casamento cristão, lá pelo século XIII. O casamento era necessário por razões de herança, e a moça devia se manter virgem até ele para garantir que os meninos que gerasse fossem mesmo filhos do marido. Isso foi se tornando uma verdadeira obsessão, até o ponto que no século XVIII as moças precisavam exibir sua virgindade, como seu maior bem. Para isso elas deveriam se vestir de branco no dia do casamento. O costume de usar branco no vestido de noiva dura até nossos dias.

Além disso, era de bom tom que todos os tecidos que tocavam o corpo (de lençois a toalhas e as roupas de baixo) deveriam ser brancas, não só por razões de higiene mas porque ao lavar as roupas brancas elas nunca perdiam a cor. Mas essa prática também vem da Idade Média e seus tabus morais: era mais indecente uma pessoa ser pega com as roupas íntimas do que nua, e se essas roupas de baixo não fossem brancas, eram ainda mais indecentes.

Um outro símbolo para a cor branca está relacionado à “luz divina”. Deus teria uma luz branca, assim como os anjos. O Branco também é considerado a segunda cor de Maria, a mãe de Deus (a primeira é o azul). Nos rituais religiosos - de quase todas as práticas religiosas, do catolicismo ao candomblé) - a cor branca está muito presente. O Branco é também a cor dos fantasmas, como um eco do mundo dos mortos. Os espectros e aparições, desde a Roma antiga, são descritos como brancos. 

Até mesmo na ciência mais moderna, o branco aparece, como na teoria do big bang, a explosão inicial que deu origem ao mundo, que é representado por um clarão de luz branca. Porque o branco também seria a luz primordial, o começo dos tempos.

O Preto


Assim como o Branco, o Preto às vezes não tem sido considerado como uma cor. Mas fazia parte da tríade de cores do sistema antigo, como já falamos várias vezes.

A cor preta está carregada de aspectos simbólicos de cunho negativo: a morte, o luto, as trevas, o medo, o pecado, ao inferno, aos mundos subterrâneos. Mas há também, diz Michel Pastoreau, um Preto mais respeitável: o da temperança, da humildade, da austeridade, como foi imposto pela Reforma e como era representado nas vestes dos monges beneditinos. Mas também - e isso alcança nossa época atual - é a cor da autoridade, das vestes dos magistrados e dos automóveis que transportam chefes de estado. Além disso, conhecemos este outro lado do preto, a cor do chique e do elegante.

Existe então, um “mau” e um “bom” preto. Também para ele há duas palavras em latim: o Niger, que designa o preto brilhante e o Ater, o preto opaco. 


"Retrato de Martin Lutero", Lucas Cranach
Durante muito tempo foi uma cor de difícil fabricação. Ainda hoje é uma cor muito difícil de se conseguir a não ser recorrendo a produtos caros como o marfim calcinado (que dá o Black Ivoire).  Aqueles que são fabricados a partir de resíduos de fumaça, não são densos o suficiente.  Isto explica porque até ao final da Idade Média o Preto é bastante raro nas pinturas, em especial as de tamanho grande. Até mesmo nas iluminuras ele aparece em pouca quantidade. Mas os tintureiros italianos dos fins do século XIV conseguem progredir na fabricação de gamas de preto.

A Reforma Protestante declara guerra às cores mais vivas - como já vimos antes - e prega a ética da austeridade. Com isso, o Preto se torna a cor da moda não somente entre os sacerdotes, mas também entre reis e príncipes. Costume que dura até hoje. Assim como o Azul, o Preto está presente nas cores das roupas que exigem sobriedade e elegância.

A bandeira negra já foi símbolo dos piratas, que significava a morte. Mas também, depois do século XIX, era a cor da bandeira anarquista. O contraste preto e branco está muito presente em muitos aspectos de nossa cultura. Mas nem sempre foi considerado o par de opostos mais explícito. Antigamente, as cores opostas eram o Preto e o Vermelho.

Como exemplo dessa evolução, Michel Pastoreau conta um pouco da história do jogo de xadrez. Esse jogo teria surgido no século VI na Índia e comportava peças pretas e vermelhas. Adotado por persas e muçulmanos, este jogo chegou até à Europa por volta do ano 1.000 e os europeus mudaram as cores para brancos contra vermelhos. Foi no Renascimento que as peças e o tabuleiro de xadrez passaram a ser brancos e pretos.

Com o advento da imprensa e da gravura, pouco a pouco a oposição branco versus preto se impôs, assim como a Reforma já o tinha feito.

Seja qual seja o sistema de cores, sempre há um lugar para o branco e outro para o preto, nas extremidades. Por exemplo na palheta: Branco, Amarelo, Vermelho, Verde, Azul, Preto. Isaac Newton (como vimos no primeiro post sobre este assunto) estabeleceu um continuum de cores para o arco-íris: Violeta, Índigo, Azul, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho, excluindo, pela primeira vez, as extremidades preta e branca. Foi por isso que durante muito tempo essas duas cores estiveram fora do mundo das outras cores, especialmente no século XIX quando o preto e o branco é o mundo não colorido. A descoberta da fotografia que captava a luz num fenômeno bicromático reforçou esta ideia. A fotografia representou durante muito tempo o mundo em preto e branco, como a gravura. Com o desenvolvimento do cinema e da televisão que foram durante muito tempo preto e branco, nós acabamos nos familiarizar com esta oposição, diz Pastoreau. E dividimos também nosso mundo: em cores, de um lado; preto e branco de outro.

Mas o Preto e o Branco era um par de cores que muito interessaram a um pintor como Rubens, que possui tantas telas bem coloridas. Dizem que ele empregou em sua oficina uma equipe de gravadores para reproduzir seus quadros em preto e branco, observa Pastoreau. Durante muito tempo se pensou que na arte grega antiga imperava o preto e o branco. Quando se descobriu que os templos gregos e romanos antigos eram coloridos, a primeira reação foi de repulsa, como se isso diminuísse o valor histórico, cultural e artístico da arte antiga. Parece que para ser “sério”, diz o autor francês, se exige que seja em preto e branco…

No cinema temos também um exemplo disso, diz ele. Na década de 1920 a tecnologia em cores já poderia ser implantada mas não o foi e não só por razões econômicas. Vários moralistas da época achavam que os filmes eram coisas fúteis e indecentes, ainda mais seriam se as imagens fossem em cores. Da mesma maneira, Henry Ford - o da fábrica de automóveis norte-americana - que era um protestante puritano, se recusou a fabricar carros que não fossem pintados de preto, mesmo quando a concorrência começou a fabricar e a vender carros de outras cores.

Mas, para concluir, novamente reconhecemos, em nossos tempos atuais, que o Preto e o Branco formam cores juntos com todas as outras. E estão presentes de volta à palheta dos artistas.


"Vaso romano com alho e cebola", David Leffel

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte III - O Azul

"O Rigi azul - lago de Lucerna - por do sol", William Turner, óleo sobre tela, 1842

Continuando nossa pesquisa sobre as cores, vamos destacar aqui um livro bastante interessante sobre a história de cada cor. Infelizmente ele ainda não foi traduzido para o português - pelo menos em edição brasileira - mas em francês seu título é “Le petit livre des couleurs” (“Pequeno livro das cores”), fruto de uma conversa entre o jornalista e escritor Dominique Simmonet com umas das maiores autoridades mundiais quando se trata do tema da Cor: Michel Pastoreau (1947-), historiador, antropólogo e especialista no assunto das cores e dos símbolos, autor de muitos livros sobre o assunto, sobrinho de Claude Lévi-Strauss, antropólogo bem conhecido aqui no Brasil.

Este livro é bastante interessante porque, além de falar da história das cores, faz um apanhado bastante atrativo sobre a simbologia que se esconde atrás de cada cor. Mais recentemente, Michel Pastoreau publicou o livro “História de uma Cor” (publicado no Brasil pela Cosac Naify) onde ele fala do Preto. Também voltaremos a este livro brevemente em outro post.


As 6 cores de Pastoreau
Na introdução do “Le petit livre des couleurs”, escrita por Simmonet, ele explica que as cores não se deixam facilmente aprisionar em categorias e isto tem sido assim desde a Antiguidade. Aristóteles falava de seis cores; Isaac Newton, de sete; para Michel Pastoreau, existem seis cores, não mais. Cito um pequeno texto do jornalista:

Para começar, o tímido Azul, o favorito dos nossos contemporâneos porque ele sabe se fazer consensual. Em seguida, o orgulhoso  Vermelho, sedento de poder, que manipula o sangue e o fogo, a virtude e o pecado. Aqui está o Branco virginal, aquele dos anjos e dos fantasmas, da abstenção e de nossas noites insones. Logo vem o Amarelo do milho, um problema complexo, lutando para aliviar seu status (você deve desculpá-lo, por muito tempo ele foi marcado pela infâmia). Em seguida vem o Verde, também carregando uma má reputação, desonesto e astuto, rei do acaso e dos amores infiéis. Enfim, o suntuoso Preto, que joga um duplo papel, humilde quando austero, arrogante quando elegante…

Mas para Michel Pastoreau existe um segundo nível das cores: Violeta, Rosa, Laranja, Marron e Cinza que seriam cinco “semi-cores”, cujos nomes são ligados a nomes de flores e frutas.

Mas vamos às cores, segundo Pastoreau. Como as informações são muito interessantes, publicarei um resumo do que ele fala, começando pelo Azul.

O Azul


De caráter dócil, disciplinado, sábio, que se esconde na paisagem. O Azul tem algo de consensual no mundo ocidental e está presente no símbolo da União Europeia, além de várias bandeiras de países, incluindo a nossa brasileira. Mas durante muito tempo ficou em segundo plano no reino das cores, inclusive sendo desprezada na antiguidade. Mas foi ganhando valor ao longo do tempo e acabou sendo a unanimidade de hoje, a cor que reina sobre as roupas que usamos, especialmente os jeans. Essa mudança, segundo o antropólogo, ocorreu a partir de 1890. Toda a civilização ocidental de hoje dá primazia ao Azul.

Mas isso não foi sempre assim. O Azul durante milhares de anos não era considerado uma cor e não estava presente “nem nas cavernas paleolíticas e nem neolíticas” (onde se encontram os primeiros desenhos feitos pelo homem). Antigamente só o Preto, o Branco e o Vermelho eram considerados cores, com exceção somente do Egito antigo, onde o Azul significava a esperança na vida do além túmulo.

Um dos motivos pode ter sido o da extrema dificuldade em fabricar a cor Azul naqueles tempos. No Império Romano era a cor dos bárbaros, dos estrangeiros. “Diversos testemunhos o afirmam: ter os olhos azuis, para uma mulher era sinal de má conduta. E para os homens, uma marca ridícula”, afirma Pastoreau. Nos textos gregos antigos não se encontram referências ao azul e isso chegou até a intrigar certos filósofos do século XIX que acreditavam seriamente que os gregos antigos não enxergavam a cor azul…

A rocha lápis-lázuli
Esta situação da cor Azul se estendeu até à Idade Média, segundo o professor. Nesse período, as cores da Liturgia da Igreja se resumiam ao Branco, Preto, Vermelho e Verde. Mas no século XIII tudo muda e esta cor começa a ser reconhecida e mesmo promovida. Uma das fontes principais deste pigmento, vinha de uma pedra, o Lápis-Lázuli, proveniente da Índia e era caríssima.

Mas o reconhecimento dado ao Azul tinha pouco a ver com o processo de fabricação, que era muito difícil. Tem mais a ver com uma mudança profunda na ideias religiosas. Desde essa época, o Deus dos cristãos passou a ter uma relação direta com a Luz. E olhando para o céu a luz parece… Azul! “Pela primeira vez no Ocidente, começamos a pintar os céus de azul - até então eles eram pintados de preto, vermelho, branco ou dourado.” Exatamente no mesmo período a Igreja incentiva o culto à Maria, mãe de Deus, que “habita” o céu, que é azul. Os pintores passaram a pintar Maria com um manto azul.

Mas teve outro fator que influiu para a descoberta do Azul: foi no mesmo período que se começou uma “verdadeira sede” de classificação para todos e tudo: as pessoas começaram a receber nomes de família, tinham seus brasões individuais e as tarefas de trabalho passaram a ser designadas. Era preciso mostrar a diversidade do mundo e isso incluía as cores. Vermelho, Preto e Branco não representavam tudo. Foi nessa época que, além do Azul, o Amarelo e o Verde também entram na classificação das cores. Passamos de uma palheta de 3 cores, para uma de 6. Exatamente a divisão feita por Aristóteles. Em 1.130, quando o abade Suger manda reconstruir a Igreja de Saint Denis, ele mandou colocar vitrais de todas as cores, para “dissipar as trevas interiores” à igreja.

Michel Pastoreau diz que muito antes dos artistas e dos tintureiros, os homens da Igreja foram grandes coloristas. Como muitos deles eram pesquisadores, filósofos, estudiosos não só das ideias espirituais mas da observação do mundo, foram os primeiros a fazer experiências óticas, a estudar o arco-íris. Já falamos de Robert de Grosseteste em nosso primeiro texto sobre as cores. O abade Suger, por exemplo, não tinha dúvida: Cor é Luz. Mas ao contrário dele, São Bernardo, abade de Clairvaux (cidade do interior da França), dizia que a Luz é Matéria e por isso abominável e por isso se deveria preservar as igrejas das cores porque elas servem de distração para os monges e para os fieis, que se afastam de Deus…

Hoje este debate é muito atual, na Física Quântica: a Luz é Onda ou Partícula?

"O Bom Pastor", ost,
Philippe de Champagne, séc. XVII
Desde então, o Azul se espalha por igrejas, obras de arte e começou a ser usado nas roupas. “Se a Virgem se veste de azul, o rei da França também o fará...”. São Luís rei de França foi um dos primeiros reis franceses a adotar a cor azul em sua vestimenta. E toda a aristocracia também. A indústria da tinturaria prospera, aperfeiçoando os pigmentos e nuances de azul…

A economia cresce! Os campos se enchem com a planta conhecida por “guède” ou “pastel” (em nosso continente conhecida como Anil), que dava um colorante excepcional, o Índigo. Foi uma das primeiras empreitadas agro-industriais e certas regiões da Europa enriqueceram com seu plantio: a região de Toulouse, na França, por exemplo, e, na Itália, a Toscana. Era o período do chamado “Ouro Azul”.

Michel Pastoreau conta a anedota de que na região de Estrasburgo, onde predominava a planta “garance” que dá o colorante vermelho, os agricultores fizeram uma verdadeira campanha contra os colegas fornecedores do pigmento azul. Subornaram um mestre vidreiro que fazia vitrais para as igrejas, para que ele representasse o diabo na cor azul, na tentativa de desvalorizar o azul, seu grande concorrente. Foi a primeira batalha entre o Vermelho e o Azul… Me lembro de quando eu era criança, em Caruaru, e existia um folguedo onde meninas enfeitadas com fitas formavam dois cordões: o Azul e o Vermelho. Eu sempre preferia as do Cordão Azul…

Mas a guerra entre essas duas cores foi longa e durou até o século XVIII, diz Pastoreau. No fim da Idade Média, a Reforma Protestante dividiu as cores em dois tipos: as dignas e as indignas. A Reforma, então, instituiu a seguinte palheta de cores: Branco, Preto, Cinza, Marron e Azul.

Neste ponto Michel Pastoreau sugere uma comparação entre dois grandes nomes da pintura: o calvinista Rembrandt, com sua palheta bastante restrita, e Rubens, o católico, que tinha uma palheta muito colorida. Assim como é bom notar - sugere ele - a evolução de Philippe de Champaigne, um pintor francês que enquanto era católico tinha uma palheta bastante colorida e que ficou mais escurecida e também azulada quando ele se tornou jansenista.

Até mesmo as roupas das pessoas passaram por mudanças: era recomendável a todos os homens o uso de vestimentas de cor preta, cinza ou azul. Pastoreau nos indaga: ainda não estamos sob o regime da Reforma, uma vez que aos homens de nosso tempo é recomendado o uso de ternos nessas cores, ou pelo menos mais sobriedade nas cores das roupas masculinas?

"Arlequim pensando", fase azul de Picasso
No século XVIII, o Azul era a cor preferida dos europeus em geral. Em 1720 um farmacêutico de Berlim inventa por acidente o famoso Azul da Prússia, o que vai permitir ao pintores e aos tintureiros uma gama de azuis mais diversificada. Além disso, o Índigo começou a ser importado em grandes quantidades vindo das Antilhas e da América Central, que tinha ainda mais poder de coloração. E acima de tudo, mais barato, porque era fruto do trabalho dos escravos.

O Azul vira moda em todos os lugares. O Romantismo, movimento cultural que surgiu no fim do século XVIII na Alemanha e na Inglaterra, acentuou ainda mais o caráter do Azul. Diz Pastoreau: “Como seus heróis, e o Werther de Goethe, os jovens europeus se vestiam de azul, e a poesia romântica alemã celebra o culto desta cor melancólica”.

E, por fim, a grande invenção da cor azul que surge no ano de 1850: as calças jeans, inventadas em São Francisco, na Califórnia, EUA, por um costureiro judeu, Levi-Strauss. A primeira calça moderna de trabalho.

Foi somente a partir de 1930 que as calças jeans passaram a ser usadas, nos EUA, fora do ambiente de trabalho. Na década de 1960 se tornou símbolo da juventude rebelde. Até mais ou menos o começo da década de 1980, em plena ditadura militar no Brasil, uma publicidade incentivava ainda mais nossos espíritos de rebelião com o jingle genial:

“Liberdade é uma calça velha, 
azul e desbotada 
que você pode usar 
do jeito que quiser! 
Não usa quem não quer!”

Basta olhar para quase todas as pernas, no dia de hoje, incluindo as minhas, para constatar: vestimos todos a mesma e velha calça índigo blue...

"Mulher de azul lendo uma carta", Johannes Vermeer, 1663-46, óleo sobre tela.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte II

Círculo Cromático com a divisão feita por Isaac Newton, com 7 cores
As descobertas de Isaac Newton sobre a Luz e, em especial, seu Círculo Cromático de sete cores tiveram um impacto grande sobre a época dele, e influiu na fabricação artesanal de pigmentos não somente para a pintura artística, mas também para o tingimento de tecidos.

Mas em 1807, o físico inglês Thomas Young (1773-1829) observou que não é necessário juntar todas as 7 cores do espectro de Newton para conseguir a luz branca. Apenas 3 eram necessárias. Ele descobre as 3 cores primárias da Luz - VERDE - VERMELHO - AZUL - enquanto estudava os receptores sensoriais do olho humano. Ele achava que no olho os receptores capazes de criar qualquer tipo de cor eram de apenas 3 tipos: verde, vermelho e azul. Foi preciso muito tempo depois para que esta hipótese fosse confirmada em experimentações no olho humano, que mostraram 3 tipos de cones na retina: um sensível ao verde, outro ao vermelho, outro ao azul. Young previu que os diferentes comprimentos de ondas da luz tinham uma ação direta na sensibilidade dos cones.

Mas com o avanço da pesquisa científica, não só na área da Física da Luz mas principalmente da Biologia do corpo humano, a intuição de Young foi confirmada. Existe no olho humano 3 tipos de cones, cada um receptivo a três comprimentos de ondas de luz referentes às cores Verde, Vermelho e Azul.


Vermelho, Verde, Azul:
as cores que nossos olhos captam através
dos cones S, M e L
Os cones são pequenas células presentes no fundo do olho. São cerca de 7 milhões de células que nos servem para a visão diurna e para diferenciar as cores do mundo à nossa volta. Eles são menores em tamanho do que os bastonetes, que existem em cerca de 120 milhões em nossos olhos e são muito sensíveis à luz. Os bastonetes nos permitem enxergar em lugares com pouca luz, pois são 100 vezes mais sensíveis à luminosidade do que os cones. Eles não são sensíveis às cores, mas às gradações de Cinza e seria por isso que em lugares escuros conseguimos identificar a forma das coisas, e não suas cores.

Mesmo sendo menos sensíveis à luz, os cones distinguem as diferentes cores. Mas precisam da luz para distinguir uma cor da outra. Seriam, como dissemos, de três tipos: os cones “L”, sensíveis ao Vermelho (580 nm); os “M”, sensíveis ao Verde (545 nm); os S, sensíveis ao Azul (440 nm). 

O pigmento Azul absorve sobretudo os raios visíveis de ondas de comprimento mais curto, enquanto o Verde e o Vermelho, seriam ondas médias e longas em comprimento. O símbolo “nm” significa Nanômetro, que é uma sub-unidade do metro e tem sido usado para medir os diversos comprimentos de ondas do espectro da Luz. Abaixo um modelo de espectro da luz visível ao olho humano.

Sínteses aditiva e Subtrativa


Síntese Aditiva - a mistura das
3 cores primárias cria cores mais claras
A Síntese Aditiva é quando juntamos 3 cores para formar uma nova cor. Mas isso em relação à Cor-Luz (para usar a distinção feita por Israel Pedrosa em seu livro “Da Cor à Cor inexistente”). Se juntamos a luz de 3 projetores com as 3 cores primárias (Vermelho, Azul e Verde) teremos como resultado a cor branca, pois uma das regras dessa forma de cor é que quando misturamos uma cor-luz primária com outra isso dará como resultado uma cor mais clara. 

A Síntese Aditiva é o que faz funcionar os spots e projetores coloridos do teatro, por exemplo, assim como monitores de computador, televisores, scanners, etc. São as nossas conhecidas cores industriais do padrão RGB (Red, Green e Blue). 

Na Síntese Subtrativa, que nos interessa mais, aos pintores, ocorre o inverso. Israel Pedrosa chama às cores físicas de Cor-Pigmento, para distingui-las da Cor-Luz. Aqui a fonte de luz é o branco da superfície da tela, ou do papel. O Branco é o Valor mais alto da escala cromática baseada na Síntese Subtrativa. Cada pincelada de pigmento colorido que damos sobre a tela branca vai SUBTRAIR dele uma certa quantidade de luminosidade. Daí o “Subtrativa” do nome. Aqui a sobreposição de pigmento Azul em cima do pigmento Amarelo vai criar uma nova cor, o Verde, como já sabemos desde as aulas de educação artística mais básicas da nossa escola primária.


Síntese Subtrativa - a mistura das 3 cores
primárias cria cores mais escuras
Notamos que além de subtrair ao Branco da tela ou do papel sua luminosidade quando damos uma pincelada azul, por exemplo, no momento em que damos uma pincelada amarela também subtraímos ao azul um pouco da sua luminosidade. Então o Verde - resultado da mistura - seria uma Cor de valor ainda mais baixo que o Azul, ou mesmo que o Amarelo. Ao contrário da Síntese Aditiva, aqui se misturamos as 3 cores primárias teremos como resultado uma cor quase negra.

As três cores primárias na Síntese Subtrativa são Vermelho, Azul e Amarelo.

Nos dois casos, a mistura em diferentes proporções entre as cores primárias geram todas as outras cores visíveis.

Ainda fazendo um paralelo com a indústria das cores, aqui temos a nossa palheta CMY (Cyan, Magenta e Yellow) que na indústria gráfica recebeu uma quarta letrinha, o K (de preto). Então CMYK. 
A Síntese Subtrativa atinge todas as misturas de pigmentos coloridos usados na pintura artística, na tintura de tecidos, na impressão em geral.

Mas o resultado de tantos estudos sobre as cores tem dado origem a uma infinidade de textos, de pesquisas e experimentações de toda ordem. 

As cores primárias na Pintura

Desde o Renascimento os pintores são familiarizados com essa divisão formada pelas Cores Primárias e pela Cores Secundárias. As primárias, lembrando, são: Azul, Amarelo e Vermelho; as 3 cores secundárias são Laranja, Violeta e Verde. Abaixo um modelo do círculo cromático baseado nas cores primárias. Pode-se ver suas complementares: o Verde do Vermelho; o Laranja do Azul e o Violeta do Amarelo.


Círculo Cromático com as 3 cores primárias e as 3 secundárias

A partir da simples mistura entre as 3 cores primárias, é possível se criar qualquer outra cor. Fala-se da palheta, restrita quase às primárias, usada por Leonardo da Vinci (1452-1519), mas ainda hoje alguns pintores mais metódicos escolhem continuar pintando a partir das primárias mais o Branco e o Preto. 

Eu mesma passei por esta experiência num curso intensivo de pintura no Atelier Decinti Villalón em Madrid, Espanha, em 2013. Lá, usei o Preto de Marfim, o Branco de Titanium, mais o Amarelo de Cadmium médio, o Vermelho de Cadmium e o Azul Ultramar junto com o Cerúleo. Ou seja, a ideia é baseada numa palheta de cores primárias, mas rigorosamente eu teria que ter usado as primárias puras. 

Aqui uma pausa para explicar que quando compramos um tudo de tinta a óleo numa loja especializada, se observamos o tubo podemos encontrar códigos que devem ser muito levados em conta pelos artistas. Esses códigos seguem um padrão internacional de mistura de pigmentos e são formados por 2 letras seguidas de 1 ou 2 números. Por exemplo: 

PW = Pigmento Branco
PO = Pimento Laranja
PB = Pigmento Azul
PBr = Pigmento Marron
PV = Pigmento Violeta
PY = Pigmento Amarelo
PR = Pigmento Vermelho
PG = Pigmento Verde
PBk = Pigmento Preto

Por exemplo, o PW1 é o Branco de Prata, PW4 é o Branco de Zinco e assim sucessivamente. Esses números correspondem aos elementos químicos que compõem aquela cor particular.

Neste sentido, as cores primárias exatamente teriam que ser o Amarelo de código PY3, PY74 separados ou juntos. O Vermelho seria o PR122 e o Azul seria o PB15 ou PB15+PB16. Complicado demais? Sim, porque é muito difícil encontrar esses cromas puros no mercado. Teríamos que pesquisar loja por loja. E como hoje em dia a indústria de pigmentos oferece uma gama imensa de possibilidades de cor, encontramos mais facilidade em criar palhetas cada vez com mais cores mais variadas e desorganizadas. Diz-se que os grandes mestres nunca tiveram uma palheta com mais de 12 cores. (Se alguém quiser ter mais informações sobre esse mundo rico dos pigmentos e de toda a química ligada à pintura, pode acessar o site da Cozinha da Pintura, do pintor e pesquisador Márcio Alessandri).

(Continua)


A indústria química oferece uma gama imensa de pigmentos que artistas
ainda compram para fabricar suas próprias tintas



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte I

"A última viagem do 'Temerário' a seu ancoradouro para ser destruído",
de William Turner, óleo sobre tela, 1839, 91 x 122 cm

Tudo o que vemos do mundo, vemos por causa de um único fenômeno físico: a Luz. A frequência de ondas do espectro eletromagnético numa determinada escala nos permite perceber o mundo e todas as coisas que fazem parte dele. Ao contrário disso, tudo seria a mais completa escuridão, o Nada mais intangível. Portanto a Luz cria a matéria, da qual somos parte, da qual temos consciência e com a qual percebemos tudo ao nosso redor. E o mundo se abre em cores para todos nós.


Sem Luz não existe Cor. Tudo o que podemos ver do mundo, é possível de ser visto por causa dessa relação estreita entre as cores e a Luz, uma relação de caráter tão profundo que ainda hoje nos esforçamos para compreender que as diferenças entre os azuis, os amarelos, os verdes e os vermelhos acontecem nessa sintonia direta com a Luz, com a proximidade a ela ou com o distanciamento dela. Um Azul mais próximo da Luz tem um VALOR mais alto, ou seja é um Azul como o Celeste. Por outro lado, o Azul mais distante da Luz, mais próximo da sombra mais profunda, tem seu VALOR mais baixo, como o Índigo, o Ultramar, os azuis profundos, escuros, quase negros.


Um quadrado azul pode ser visto porque há uma fonte luminosa que ilumina mais um de seus lados, e vai perdendo luminosidade em outros, gerando outros valores de azuis, até que em algum ponto de contato com a terra, a ausência de luz gere a sombra maior.


Isso tudo parece óbvio. Mas seu estudo é das coisas mais profundas que há no mundo! Como este é um dos temas do meu mais amplo interesse nos dias atuais, tenho lido e estudado bastante sobre o tema. O resultado dessa pesquisa, irei colocar aqui neste Blog, dividido em partes, para que não seja um texto longo e cansativo demais.


Em 1987 comprei, e li todo de uma vez, um livro muito importante sobre o assunto das cores, o “Da cor à cor inexistente” de Israel Pedrosa. Fiquei fascinada com minhas descobertas, através dele, de que as cores se comportam de forma diferente, de acordo com a vizinhança, com o contexto. Não só pelo contexto luminoso, da fonte luminosa, mas pelo contexto da matéria presente e em interação.


Aurora boreal no norte europeu
Em 1998, fiz um curso de Cosmologia com o astrônomo Amâncio Friaça, da USP. Acompanhei as aulas do professor durante quatro anos e boa parte delas se dedicaram ao estudo da Luz, trazendo as mais novas descobertas da ciência sobre o assunto, mas também os mais antigos textos e tratados sobre a Luz, que vem desde os antigos gregos, entre eles o principal, Aristóteles.


Mas Amâncio Friaça também nos apresentou estudiosos do século XIII, em especial Robert de Grosseteste, um monge franciscano que foi professor da Universidade de Oxford. Em sua obra “De Luce”, Grosseteste apresenta a Luz como a origem de todas as coisas: a luz visível, o calor, a matéria. Ele se interessou muito pelo estudo do arco-íris e estudou os raios solares diretos e indiretos, com o uso de espelhos e pequenas lentes. Estudou também o fenômeno da refração da luz através de um recipiente esférico cheio de água. Mas o monge franciscano foi mais longe e escreveu um tratado intitulado “De colore”. Foi ele um dos primeiros a distinguir o Branco do Preto, no sentido de Branco como “Luz Clara” e de Preto como “Luz Escura”. Além disso, para cada Cor - e ele falava de 7 cores fundamentais - Robert de Grosseteste observava uma relação direta com a luminosidade no sentido de haver um azul escuro e um azul mais claro. Mais uma vez: a isto se chama Valor.


Mas os estudos sobre a Luz e a Cor vêm de ainda mais longe: da Grécia antiga e seus grandes filósofos, os pais da filosofia ocidental. Entre eles Aristóteles, que influenciou o pensamento europeu durante toda a Idade Média. Ele falava sobre uma “qualidade sensível” como uma atividade da sensação: por exemplo, a vista enxerga a cor, o ouvido ouve o som… Ou seja, a sensação “afirma” a verdade sobre cada coisa: a visão não se engana sobre o Branco. O erro só começa a existir quando a inteligência afirma que tal ou qual objeto é branco. Porque ao conhecimento sensível - advindo dos sentidos - se junta o “conhecimento intelectual”, que vê além da forma do objeto, vê “com a mente”.


Em seus estudos sobre Claridade e Obscuridade, Aristóteles já assentava as bases para o estudo da Cor. Em sua época, as cores eram classificadas por sua luminosidade variante entre o Branco e o Preto. E esse pensamento foi dominante durante todo o período da Idade Média, influenciando profundamente os pintores, inclusive os da Renascença. Essa relação Claridade X Obscuridade era tema muito mais importante do que estudar as outras cores de forma particular, inclusive porque adquirir pigmentos de cores diversas era coisa muito difícil até o Renascimento. Ainda na Idade Média, conceitos como “Lux” e “Lumen” eram o centro do interesse dos estudiosos sobre a Luz. Se dizia que a Luz, em sua dupla natureza, se dividia em: LUMEN - a fonte luminosa de origem divina (a luz do Sol era um símbolo de Lumen); e LUX, a luz no sentido mais sensorial e perceptivo (como a luz emanada pela chama do fogo). Umberto Eco também escreveu sobre o tema no livro “Arte e Beleza na Estética Medieval”, do qual também falarei nesta série sobre as cores.


Os pintores do Renascimento foram formados dentro destas concepções sobre a Claridade. Lembre-se que na época, as pessoas de maior destaque e que mais representam o espírito daquele tempo, tinham grande formação Humanista, tendo estudado inclusive as chamadas Artes Liberais, que eram divididas em dois graus: o Trivium e o Quadrivium (este também foi tema nas aulas do professor Amâncio Friaça). Do Trivium faziam parte os estudos de Gramática, Dialética e Retórica; e do Quadrivium: Aritmética, Música, Geometria e Astronomia. Então esses pintores pintavam com a compreensão perfeita sobre o conceito de Valor. Ou seja: utilizavam as cores não como matizes determinados que deveriam ser aplicados a um objeto, mas as utilizavam em SUA RELAÇÃO com a Luz, de proximidade ou de distanciamento (Valor Alto para a proximidade, Valor Baixo para a distância). É importante que fique claro este conceito de Valor e sua relação com a Luz.


Dentro daquela forma inicial de pensar - relação Claridade X Obscuridade - somente duas cores eram fundamentais: o Branco e o Preto. A partir delas, as outras cores nada mais seriam do que misturas muito precisas entre as duas primárias. Claro que hoje, como pensamos, o Branco e o Preto nem são considerados, a rigor, cores; mas na antiguidade o Branco era um Amarelo extremamente brilhante e o Preto era o mais escuro dos Azuis. Abaixo, uma primeira classificação das cores, tendo como base o pensamento de Claridade e Obscuridade. Do lado esquerdo o Branco, denominado “Luz clara”; do lado direito, o Preto, a “Luz escura”. Entre elas, uma escala de 5 cores. Esta classificação já tem origem em Aristóteles e se distingue pela sua variação em termos de luminosidade.

À esquerda, o Branco, a "luz clara". À direita, o Preto, a "luz escura".

Esta escala de cores pode também ser comparada - e pode ter surgido desta observação - com a luz do dia: do ponto mais luminoso do sol, ao meio-dia, a luz vai se movimentando em direção à noite mais escura e a natureza vai assumindo essas colorações. Seria a ordem natural do movimento da luz no dia. Mais uma vez: o importante deste ponto de vista é que a noção de Claridade é mais importante do que a noção de diferença entre cores separadas.


No começo do século XIV, as teorias sobre a cor iam tomando corpo, com mais estudos que iam sendo feito, seja por artistas, por filósofos, por físicos. Os artistas, por causa de seu ofício, já tinham uma boa noção sobre a mistura das cores e logo se descobriu que todos os matizes poderiam ser obtidos a partir de 3 cores, 3 pigmentos primários: o Azul, o Amarelo e o Vermelho. Conta-se que Leonardo da Vinci usava uma palheta com as 3 cores primárias mais o Azul Índigo e o Verde.


As cores primárias para os pintores de hoje são as mesmas desde a Renascença e nosso círculo cromático, como o conhecemos, vem desse período. O Círculo Cromático básico para qualquer artista é formado pelas 3 cores primárias (Azul, Amarelo e Vermelho) e suas 3 cores secundárias (Laranja, Violeta e Verde).


As pesquisas de Newton


No século XVII, Isaac Newton (1643-1727) - físico, filósofo, matemático e astrônomo inglês - apresentou o primeiro círculo cromático baseado em seus estudos físicos da Luz. Observando a refração da luz branca ao atravessar um prisma de cristal ele viu sair do lado oposto raios coloridos como as cores do arco-íris. Ele demonstrou cientificamente que a luz branca, ao se decompor, se espalha em raios coloridos que, se forem novamente juntados, geram uma luz branca.


Isso foi uma grande revolução no pensamento da época. A partir daí, sabemos que as cores são elementos constitutivos da luz e uma diferença importante se estabeleceu: não mais classificamos as cores com critérios de Valor (Luminosidade) mas com critérios de Matiz (o nome da cor). Passamos a falar “Cor” como sinônimo de “Matiz”. E a tratar as cores de forma estanque, sem relação clara e direta com a Luz. Talvez fique mais fácil de compreender a diferença entre Cor e Matiz, para nós já tão viciados em confundir uma coisa com a outra, se buscamos estas palavras em outra língua. Vamos ao francês. Em francês, “Cor” é “Couleur”, que significa a impressão na retina da luz refletida pelos objetos. Já para “Matiz”, temos “Teinte”, que significa a nuance produzida pela mistura de pigmentos. Em inglês seria “Hue”, que tem a ver com a intensidade/saturação de uma determinada cor (color).


Isso parece pouco, mas trouxe grande influência nas artes e mais tarde os Impressionistas vão experimentar até o limite essas noções de relações entre os matizes. Podemos acrescentar que também influenciou as concepções a respeito da “cor local” de um objeto que sofre a influência não somente da relação Claridade x Obscuridade, mas também dos matizes do entorno do objeto. Vale ressaltar que o conceito Claridade x Obscuridade tem atravessado os tempos no mundo das Belas Artes - mesmo que perdesse importância durante alguns períodos - e hoje existe um movimento bastante interessante de retomada da pintura mais “valorista” - que tem relações com a Luz. Com a qual me identifico.


Voltando a Isaac Newton. Ele propôs uma classificação de cores sob a forma de um círculo cromático, com 7 cores: Violeta, Azul Índigo, Azul Celeste, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho. Ele escolheu as 7 cores para fazer uma comparação com as 7 notas da escala musical. Ele desejava que a harmonia, presente nas notas musicais, também estivesse presente na representação de seu círculo cromático. Mas sua intuição foi depois considerada uma escolha genial, pois permitiria todas as possibilidades de misturas de cores.

(Continua)


A palheta de cores do pintor francês Eugène Delacroix
Museu Delacroix - Paris - Foto: Mazé Leite - 2011