“Sabes que
"poesia" é algo de múltiplo;
pois toda
causa de qualquer coisa
passar do não-ser
ao ser é “poesia”,
de modo que as
confecções de todas as artes são “poesias”,
e todos os
seus artesãos poetas.”
(O Banquete,
Platão)
Estudo meu feito com pastel sobre papel cartão, sobre obra de Jan Vermeer, "Retrato de uma jovem mulher", de 1665 (novembro, 2012) |
Terminei mais um estudo baseado nas obras dos mestres da pintura. Fiz em
pastel sobre papel cartão esta pintura ao lado, usando como referência o quadro
de Jan Vermeer “Retrato de uma jovem mulher”. No ano passado já tinha feito, em
óleo sobre tela, um estudo também sobre outra obra de Vermeer, “Moça com brinco
de pérola”. No Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi onde estudo
atualmente, essa dedicação a conhecer o mais profundamente a técnica dos velhos
mestres é parte da nossa formação e aprendizado.
Mas não é uma novidade em termos de método porque sabemos que grandes
pintores alcançaram grandes alturas porque se lançaram à aventura de penetrar
nas obras de arte realizadas por grandes artistas que os precederam. Pois assim
é a nossa história humana: vamos evoluindo, vamos criando e recriando o mundo,
mas sabemos que atrás de nós há gerações e gerações de grandes seres humanos
que continuam nos inspirando e mesmo iluminando nossos caminhos como
verdadeiros faróis. O grande Isaac Newton (1643-1727), cientista e filósofo,
disse certa vez que se pôde enxergar mais longe é porque estava “sobre ombros
de gigantes”, provavelmente se referindo a Galileu e Kepler, dois gigantes que
vieram antes dele.
Pintura a óleo tendo como referência a obra "Moça com brinco de pérola", de Vermeer (outubro, 2011) |
Isso é muito importante saber, qualquer que seja a área de nossa vida:
não podemos esquecer que se aqui estamos e no ponto em que estamos, muito
devemos aos que nos antecederam. Muito temos o que aprender com o passado para
poder construir o futuro que queremos.
Nas escolas de artes atuais, em sua maioria, infelizmente, o estudo dos
mestres se reduz a saber de sua biografia, dos movimentos de que participavam,
em que “ismo” se encaixava sua arte. A tradição parece ser uma palavra que
engasga na boca dos que ensinam arte em escolas e faculdades. Pelo contrário,
os novos “ensinadores de arte” parecem gostar de repetir que o aluno deve “se
soltar” (o que isso significa?), deve esquecer qualquer tentativa de querer
desenhar baseado na realidade, e, o que é pior, não recomendam mais o desenho,
o exercício, o estudo com linhas e massas. “Soltem-se”, entoam eles em coro...
Há alguns dias atrás assistimos, no Atelier, ao filme “Jiro: dreams of
sushi” sobre um mestre artesão de sushi, considerado hoje um dos melhores do
mundo. Mas onde sushi tem a ver com pintura e desenho? Recomendo que se veja o
filme para se buscar compreender melhor que, na verdade, sushi e pintura tem
muitos pontos em comum, no sentido de que o trabalho de alguém está por trás disso.
"Baile de máscaras", pastel sobre papel cartão, 2011 |
Minha experiência pessoal nestes últimos anos tem me mostrado que venho
aprendendo muito mais do que desenhar e pintar! Porque desenhar e pintar são
duas atividades humanas que exigem um redesenho interno da alma, no sentido de
que há uma integração entre o que eu sou como pessoa e o
resultado do meu trabalho. Cada avanço que faço, cada sutileza de cor que meus
olhos agora vêem (antes não viam), cada conceito apreendido (mais do que
aprendido) além de trazer uma felicidade nova me mostra o que há mais além, mais
a conquistar, mais a aprender, mais a ser. Me mostra também que cada traço
desenhado, cada toque novo do pincel é um instante que ganho diante do tempo
que foge.
"Retrato de Jeosafá", Mazé Leite, 2012 |
Num certa cena do filme, Jiro, o velho mestre de sushi, fala: “Vou
continuar a subir, tentar alcançar o topo, porém ninguém sabe onde o topo
está!” Essa busca da excelência na arte, essa caminhada em direção ao Real
mais profundo, onde vamos colhendo camadas de percepção dele que fogem à
percepção comum, é fugidia, exige dedicação, empenho, perseverança, paciência,
trabalho... Porque o “topo”, que está lá mais à frente, parece se mover, e isso
enriquece ainda mais essa busca. Porque nessa dedicação ao estudo da arte,
quanto mais aprendemos, mais vemos que podemos mais, que há mais a ser descoberto
e que, no final das contas, nos deparamos mesmo é com a inesgotabilidade do
Real! Isso, por si só, é objeto do mais puro fascínio para quem pratica o estudo de
arte, seja desenho, pintura, escultura, teatro, literatura, dança, música...
Infelizmente isso tudo é muito longe do que é ensinado nas escolas!
Nesse mundo de correria, ensina-se que as coisas devem ser feitas de forma
rápida, mesmo com qualidade mediana. Nos acostumamos a viver com o mediano como
se isso fosse normal! Infelizmente o que se ensina é que a genialidade é um dom
de Deus, que se nasce gênio. Um tipo de pensamento que subestima a capacidade
do ser humano de buscar com seu trabalho a sua própria perfeição. Mas não
perfeição no sentido místico, moralista em certo sentido. Perfeição no sentido
de alcançar mesmo que seja a simplicidade da forma, como podemos ver na
escultura de Alberto Giacometti, por exemplo. Mesmo que seja para não pintar o
Belo, porque o Feio também faz parte do nosso mundo...
Alguém já disse que o estilo pessoal é a expressão da alma do artista.
Mas eu pergunto, como alcançar essa expressão de alma sem estudo, sem busca,
sem prática? Isso me faz lembrar de Michelangelo. Um dia ele teria dito que
quando olha para uma pedra ele já sabe que partes dela precisa retirar para que
se mostre a figura que ele quer. É isso aí, é preciso lapidar o diamante para
que ele brilhe!
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Abaixo, alguns dos meus exercícios:
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Abaixo, alguns dos meus exercícios:
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres (Mazé Leite, 2012) |
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres. À esquerda, pintura baseada numa natureza morta de Gustave Courbet (Mazé Leite, 2012) |
Estudos em pastel. À esquerda, baseado em fotografia. À direita, sobre obra de um mestre (Mazé Leite, 2012) |
À esquerda, desenho gestual baseado numa pintura de Velázquez. À direita, uma xilogravura de 1989 (Mazé Leite) |