terça-feira, 13 de novembro de 2018

Nenhum passo a menos na Cultura!


Nestes primeiros dias pós eleição presidencial em que as notícias nos apontam para dias muito nebulosos para o Brasil sob o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, ainda não há definição sobre que rumos esse governo dará à área da Cultura em nosso país. Bolsonaro pouco falou no assunto em sua campanha. Mas seus arautos mais barulhentos vêm apontando dedos para a lei de incentivo à cultura, a Lei nº 8.313/91.

Mais conhecida como Lei Rouanet, ela instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, o Pronac (o nome "Rouanet" é uma homenagem a seu criador, o diplomata Sérgio Rouanet). Esta lei dá as regras através das quais o governo federal disponibiliza recursos para projetos da área cultural e artística. Na verdade, a Lei Rouanet funciona como uma espécie de mecenato…

Mas mesmo esta escassa forma de incentivar artistas e produtores culturais - alvo de ataques da extrema-direita -  vem cumprindo um papel muito importante para nossa vida cultural e artística. Inúmeros projetos e entidades, como museus brasileiros (veja o Masp) recebem - através da Lei Rouanet - recursos, a título de doações ou patrocínios de pessoas físicas ou jurídicas que fazem esta opção, pegando uma parte do dinheiro que iria para o Imposto de Renda para apoiar projetos na área cultural. Ou seja: optam por aplicar parte de seu dinheiro dos impostos incentivando projetos culturais. Simples assim. 

Com isso artistas, produtores e agentes culturais podem se beneficiar, candidatando seus projetos, que incluem setores como o das artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita e instrumental; exposições de artes visuais; doações de acervos a bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos de manutenção dos acervos; produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; preservação do patrimônio cultural material e imaterial; construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que também podem abrigar centros culturais em municípios com menos de 100 mil habitantes.

Pelo que se pode ver, o alcance das benfeitorias que leis como a Rouanet podem atingir, num país como o nosso, é imenso. 

No Brasil, o incentivo à Cultura e às Artes por parte do poder público é historicamente muito restrito, sendo um dos graves problemas estruturais que temos a resolver em nossa sociedade, junto com o problema do acesso à Educação de qualidade. A Lei Rouanet, mesmo com todas as falhas, é um importantíssimo aporte de recursos para que não se apague de uma vez a nossa produção artística. O fim dessa lei também seria o desemprego em massa de milhares de pessoas, que hoje fazem parte da estrutura da economia cultural.

Os riscos da eleição deste grupo liderado por Jair Bolsonaro são muitos. Incluindo o de passar a tratar arte e cultura como temas de ínfima importância e reduzir ainda mais os parcos recursos e incentivos para o setor. Corremos - nestes dias caóticos - até mesmo o perigo de intervenção ideológica de cunho conservador sobre a produção artística brasileira. 

Leis, como a Rouanet, no lugar de extinção deveriam ser aperfeiçoadas para, por exemplo, ter uma distribuição mais equitativa em todo o território nacional. Deveria-se fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, assim como o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Deveria-se democratizar mais os recursos para mais projetos. Deveria-se criar mais organismos de fomento, como o Procultura. Deveria-se incentivar ainda mais a cultura brasileira e seus artistas… Mas isso seria em um outro Brasil...

É bom lembrar, faz bem para o coração: no período em que Gilberto Gil se tornou Ministro da Cultura (2003-2008) e criou o Plano Nacional de Cultura (que incluía o excelente programa “Pontos de Cultura”), uma luz - ou muitas - se acenderam em nossa constelação. Havia um projeto de política cultural para o Brasil: o programa Mais Cultura (lançado em 2007) reconhecia a cultura como necessidade básica e como direito de todos os brasileiros. Reconhecia-a como “vetor importante para o desenvolvimento do país”, dando-lhe status de política estratégica para redução das desigualdades sociais.

Mas críticos do tipo do ator-pornô Alexandre Frota e de Eduardo Bolsonaro (eleitos deputados federais por São Paulo) que acusam artistas de “mamar” nas verbas do governo, não têm alcance intelectual para conseguir compreender isso.

No mínimo deveriam - mas não o fazem, por má vontade mesmo - estudar o caso um pouco mais a fundo e veriam que 70% dos projetos realizados com apoio da Lei Rouanet são projetos de pequeno porte, de até 500 mil reais (informação dada à imprensa por Henilton Menezes, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC). Mas preferem induzir a erro seus eleitores, apontando para artistas do porte de Chico Buarque, que nunca fez uso dessa lei, lançando sobre ele (e sobre eles e sobre elas, diversos outros artistas brasileiros) suas arengas pró-fascistas.

O receio agora - com a eleição de Jair Bolsonaro - é que esses parcos programas de incentivo à cultura simplesmente desapareçam. Há o perigo, inclusive, de que o novo presidente extinga o Ministério da Cultura, juntando-o à outra pasta, como uma que reuniria Cultura e Esporte. Mas o perigo não pára por aí, mudando estruturas ou leis. Seremos censurados novamente, como no período da ditadura militar? A mão pesada da ideologia de Bolsonaro pesará sobre a criação brasileira? Até que ponto ele pretende ir? Retomaremos a luta contra a censura, pedindo novamente liberdade de expressão, num país que parece rodar em volta do próprio rabo? Há pouco tempo, movimentos como o MBL e personagens da extrema-direita atacaram exposições como a “Queermuseum”, em Porto Alegre, abrindo um nefasto precedente...

Artistas e produtores culturais brasileiros, precisamos mais do que nunca estar atentos aos próximos passos desse novo governo e nos preparar para resistir e reagir, caso necessário. Em defesa da arte e das manifestações culturais que expandem o conhecimento humano, aprofundam nossa identidade, incentivam a solidariedade e a partilha, recuperam nossa dimensão humana, valorizam nossa história, falam mais sobre nós mesmos, nos tornam pessoas melhores em uma sociedade melhor.

Já tivemos Gilberto Gil como Ministro da Cultura. Naqueles tempos bons, ele assim resumiu um sonho em um discurso na Universidade de Columbia, em Nova York: 

“Não falo de dar o peixe, nem de ensinar a pescar. Falo de potencializar a pesca que se faz há muito tempo, em especial nas áreas de risco social, nos territórios da invisibilidade, nos grotões e nos guetos das grandes cidades brasileiras, onde pulsa uma cultura e uma arte tão fortes, mas tão fortes, que não há miséria, não há indigência, não há descaso ou violência que as façam calar”.

Nem Bolsonaro!

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A Nona Sinfonia de Beethoven

Um manuscrito da Sinfonia nº 9 de Beethoven

O cineasta alemão Claus Wieschmann acaba de chegar ao Brasil, para captar imagens das atividades e do cotidiano dos jovens da Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Ele começou a filmar um documentário a respeito do encantamento que as pessoas ao redor do mundo sentem ao ouvir a Sinfonia número 9, de Ludwig van Beethoven. Esse filme fará parte da comemoração dos 250 anos do nascimento do compositor, que terá uma extensa programação entre 2019/ 2020.

Parte da captação dessas imagens está sendo feita em São Paulo, na favela de Heliópolis, berço da Sinfônica de Heliópolis, composta especialmente por rapazes e moças da comunidade, mas que foi ampliada para 80 músicos vindos de diversas regiões do país. Esta orquestra começou sua história em 1996 e tem como regente o maestro Isaac Karabtchevsky.

Segundo o documentarista alemão, a intenção do filme é “entender o motivo” pelo qual a música de Beethoven “permanecer tão viva na mente dos ouvintes”, em especial a Nona Sinfonia.

Beethoven apresentou pela primeira vez esta música em 1824. A parte final da música, que inclui um coro, passa uma mensagem de unidade e de fraternidade. Quando o músico alemão compôs esta música, já estava completamente surdo. “Ode à Alegria”, a parte coral ao final da Nona Sinfonia, “carrega uma mensagem clara de liberdade, igualdade, um sentido de humanidade que é ainda hoje muito forte. Mas ela é também, acredito, sinônimo de diversidade. E é esse o nosso norte à medida que trabalhamos nas filmagens, tentando chegar a uma resposta final a respeito de por que uma sinfonia como essa mexe tanto com as pessoas”, explica Wieschmann.

Wieschmann chegou ao Brasil nos primeiros dias de novembro e já esteve na favela de Heliópolis conhecendo a comunidade e escolhendo os lugares para sua filmagem, além de conhecer pessoalmente os músicos da orquestra.

A Orquestra Sinfônica de Heliópolis vai apresentar a Nona Sinfonia de Beethoven no próximo dia 12 de dezembro, ao meio-dia no Teatro Municipal de São Paulo. O Coro “Ode à Alegria” será entoado pelo grupo Coral da Gente, composto por crianças e adolescentes, entre 4 e 14 anos, da comunidade de Heliópolis e região. E tudo será filmado pelo documentarista alemão, que incluirá essas imagens no documentário sobre a Sinfonia nº 9, que ele está filmando em vários lugares do mundo.

Claus Wieschmann em Heliópolis
“O estimulante para mim é entender, em nível bastante individual, qual o sentido disso tudo. Em outras palavras, quero estar ao lado de alguns músicos, acompanhá-los, entender suas histórias, suas trajetórias de vida, para entender por que resolveram se dedicar à música, e a esta música especificamente. Acreditamos que a música provoca mudanças, mas queremos entender como isso se dá. Eu particularmente acho que assistir a um concerto na televisão é algo muito chato. Mas entender quem são essas pessoas que fazem a música acontecer e ganhar sentido, isso é fascinante.”

Wieschmann já fez um outro documentário sobre o tema da música na cidade de Kinshasa, capital do Congo, no continente africano. Lá também se formou uma Orquestra Sinfônica formada por aproximadamente 200 músicos amadores que ensinavam Händel, Vivaldi, Mozart e Beethoven uns aos outros, se apresentando com instrumentos musicais de sua cultura, assim como instrumentos fabricados com materiais diversos. O documentário se intitula “Kinshasa Symphony” e foi lançado em 2010, tendo sido premiado em diversos festivais de cinema.