segunda-feira, 28 de março de 2011

Carta de Gustave Courbet aos Artistas da Comuna de Paris

Desde 18 de março comemoramos os 140 Anos da Comuna de Paris (que durou de 18 de março a 28 de maio de 1871). O pintor francês Gustave Courbet, que teve um papel muito importante nesse acontecimento, foi quem assumiu o comando da Federação dos Artistas da França, nos dias da Comuna. Em uma carta, reproduzida abaixo, ele alerta para a necessidade da união dos artistas, assim como chama a atenção para os espiões alemães anti-Comuna.

Auto-retrato, Gustave Courbet
Gustave Courbet era um jovem pintor de origem camponesa, nascido em Ornans, interior da França. Como tantos, foi para Paris para fazer carreira artística, lá chegando em 1839, quando a cidade vivia momentos de efervescência política, social e artística. Círculos de ativistas políticos de esquerda, artistas e intelectuais enchiam os cafés de Paris. Courbet frequentava o grupo do poeta Charles Baudelaire e dos filósofos Proudhon e Marc Trapadoux, entre outros. Reuniam-se até altas horas da noite, onde elaboravam suas teorias que posteriormente se transformavam em artigos de jornal, ou em panfletos, ou em obras de arte.
Courbet, socialista, partilhava com seus contemporâneos a crença de que a arte podia ser uma força social. Seu ciclo de amigos desprezava os valores burgueses e defendia valores novos para uma sociedade nova, aliando-se, com isso, aos apelos do povo francês por mudanças profundas numa França que vivia um período de muita miséria.
Mas o governo revolucionário da Comuna de Paris foi derrotado, após um verdadeiro banho de sangue nas ruas de Paris. Courbet foi preso, julgado e sentenciado, assim como dezenas de outros, entre os quais destaco, em especial, a militante socialista (e amiga do escritor Vitor Hugo, que lhe dedicou um poema), Louise Michel, uma das líderes da Comuna de Paris.
Gustave Courbet, após a prisão e perseguições de toda ordem, exilou-se na Suíça em 1873, onde morreu em 31 de dezembro de 1877.

Esta é a Carta aos Artistas de Paris, originalmente publicada em “Le Rappel”, em 19 de março de 1871:

"O desesperado", óleo sobre tela de Gustave Courbet

“Paris, 18 de março de 1871

Meus queridos companheiros artistas,

Vocês me deram a honra, em sua reunião, de me indicar seu presidente. Eu os estou convocando aqui, em nome do comitê que foi designado a auxiliar-me, para reportar-lhes sobre nossas fiscalizações e nossas ações. Aproveitaremos também esse encontro para apresentar diversas idéias que surgiram durante o exercício de nossas atividades, em uma proposta para uma nova reorganização da Administração das Belas Artes, que tem como objetivo promover a Exposição e os interesses das artes e dos artistas.
As administrações anteriores que governaram a França quase destruíram a arte sob sua proteção, ao suprimir sua espontaneidade. Essa abordagem feudal, sustentada por um governo despótico e discricionário, não produziu nada além de arte aristocrática e teocrática, justamente o oposto das tendências modernas, de nossas necessidades, de nossa filosofia, e da revelação do homem manifestando sua individualidade e sua independência física e moral. Hoje, numa época em que a democracia deve reger todas as coisas, seria ilógico a arte, que conduz o mundo, ficar para trás na revolução que está ocorrendo agora na França.
Para alcançar esse objetivo, discutiremos em uma assembléia de artistas os planos, projetos e idéias que nos serão submetidos, no intuito de realizar uma nova reorganização da arte e de seus interesses materiais.
Não há dúvidas que o governo não deve tomar a dianteira em questões públicas, pois não é capaz de carregar em seu interior o espírito de uma nação; consequentemente, qualquer proteção será em si mesma prejudicial. As academias e o Instituto, que apenas promovem a arte convencional e banal, para que sejam julgados por seus integrantes, opõem-se necessária e sistematicamente a novas criações da mente humana e infligem a morte de mártires em todos os homens inventivos e talentosos, em detrimento de uma nação e para a glória de uma tradição e doutrina estéreis.
Vejam, por exemplo, o caso deplorável da École des Beaux-Arts, favorecida e subsidiada pelo governo. Essa escola não apenas desvia nossos jovens, mas nos priva da arte francesa, com suas finas procedências, favorecendo, sobretudo, a tradição túrgida e religiosa italiana, que vai de encontro ao espírito da nossa nação. Essas condições podem apenas perpetuar a arte pela arte e a produção de trabalhos estéreis, sem caráter ou convicção, enquanto nos privam de nossa própria história e espírito sem qualquer compensação.
Portanto, para tomarmos decisões sobre bases mais racionais e mais adequadas aos nossos interesses comuns, no intuito de abolir os privilégios, as falsas distinções que estabelecem entre nós hierarquias perniciosas e ilusórias, é desejável que os artistas (como nas províncias e em todos os países vizinhos) definam seu próprio curso. Deixe que eles determinem como farão as exposições; deixe que definam a composição dos comitês; deixe que obtenham o local onde será a próxima exposição. Isso pode ser resolvido até 15 de maio, pois é urgente que todos os franceses comecem a ajudar o país a se salvar de um imenso cataclismo.
É impossível que qualquer artista não tenha um ou dois trabalhos que ainda não tenham sido exibidos. Para os demais, chamaremos artistas estrangeiros. Excluiremos, certamente, os artistas alemães, mesmo que isso seja contrário aos princípios da descentralização e solidariedade. Mas os alemães, após terem se beneficiado de aquisições francesas e comissões por tanto tempo sem reciprocidade, nos obrigam, por sua traição e espionagem, a tomar tal atitude nesse momento.
O local de encontro será anunciado em breve, bem com o as propostas a serem submetidas aos artistas.
Saudações fraternais,
G. Courbet”

sexta-feira, 25 de março de 2011

Garanto que uma flor nasceu


A FLOR E A NÁUSEA

Carlos Drummond de Andrade

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.


Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.


Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.


É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

terça-feira, 22 de março de 2011

O que é um artista?

"Ateliê do pintor", Gustave Courbet
Pablo Picasso, pintor espanhol:
"O que vocês pensam que seja um artista? Um imbecil feito só de olhos, se é pintor; ou só de ouvidos, se é músico; ou de coração em forma de lira, se é poeta; ou mesmo feito só de músculos, se se trata de um pugilista?
É exatamente o contrário. Ele é, ao mesmo tempo um ser político, sempre alerta aos acontecimentos tristes, alegres, violentos, aos quais reage de todas as maneiras. Não, a pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra para operações de defesa e ataque contra o inimigo."



Vincent Van Gogh, pintor holandês:
"Sou um homem de paixões, capaz de fazer coisas mais ou menos tolas, e delas dependente, e das quais mais ou menos me arrependo depois... deverei considerar-me um homem perigoso, incapaz de qualquer coisa? (...)  minha única preocupação é: como posso ser útil no mundo? Não poderei servir a algum propósito e ser de alguma utilidade?"

Atelier da artista

Leonardo Da Vinci:
"Oh, pintor! Quando compuseres tua narrativa pintada, não desenha os membros das tuas figuras com contornos firmes, ou acontecerá contigo o que acontece com muitos pintores que desejam que cada pequeno traço de carvão seja definitivo.. . Já refletiste sobre os poetas que, ao compor seus versos, são incansáveis em sua busca da bela literatura e não se importam em apagar alguns daqueles versos a fim de melhorá-los: Portanto, pintor, decide de modo geral a posição dos membros de tuas figuras e atenta primeiro para os movimentos apropriados às atitudes mentais das criaturas na narrativa, mais do que à beleza e à qualidade de seus membros. Deverias entender que se essa composição rudimentar termina por ser a adequada à tua intenção, ela ficará ainda mais satisfatória ao ser, subseqüentemente, adornada com a perfeição condizente a todas as suas partes."


Albert Camus, escritor francês:
"Eu tenho pouca admiração por certo tipo de arte que só escolhe chocar por falta de saber convencer de outra forma. E se, por uma infelicidade, eu me pegasse realmente sendo escandaloso, seria apenas por causa desse gosto desmesurado que os artistas têm pela verdade – e um verdadeiro artista não consegue abrir mão da verdade, porque isso significaria renunciar à sua arte.

Ateliê do artista, Frederic Basille