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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sol da minha vida

"Por do sol em Mont Majour", Van Gogh, 1888
Tem dias que a melhor coisa do mundo é um bom poema! Há uns 25 anos atrás uma amiga me deu de presente um poema de Maiakovski, este que publico abaixo. O poema iluminou minha alma então... Hoje, sem sol em São Paulo, nada melhor do que chamar o Sol para iluminar o dia:


"A aventura insólita que viveu V. Maiakóvski quando de sua estada na Datcha"


"Semeador ao sol", Van Gogh
O ocaso ardia em cento e quarenta sóis.
Em julho deslizava o verão,
fazia calor,
o calor ardia.
Assim era na datcha.

A colina de Púchkin acorcundava-se
na montanha de Akulov,
e ao pé da montanha
havia uma aldeia,
encurvada de tetos de cortiça.
E atrás da aldeia
havia um buraco,
e para esse buraco, com certeza,
descia o sol, toda vez,
lentamente e fielmente.


E no dia seguinte
de novo
a inundar o mundo
erguia-se o sol escarlate.


E dia após dia a enfurecer-me terrivelmente
isso começou.

E assim uma vez enfureci-me tanto
que tudo desbotou de medo,
à queima-roupa eu gritei ao sol:

- "Desce!
chega de vadiar nesse calor tórrido!"
Eu gritei ao sol: - "Parasita!
Tu estás aconchegado nas nuvens,
mas aqui, sem saber quando é verão e quando é inverno
é um tal de 'senta! desenha cartazes!’"
-  "Ouve, testa de ouro,
que tal deixar os negócios de lado
e vir tomar um chá comigo?"


O que eu inventei! Estou perdido!
Para mim, de boa vontade,
ele mesmo,
abrindo seus largos passos-raios
vem à terra.

"Girassois no vaso", Van Gogh
Quero não mostrar meu susto
e dou uns passos para trás.
Seus olhos já estão no jardim.
Já está atravessando o jardim.
Pelos postigos, pelas portas,
pelas frestas entrando,
a massa do sol desaba,
irrompe;
reconduzindo o fôlego
disse com voz de baixo:

- "Eu rechaço meus fogos
pela primeira vez desde a criação.
Tu me chamaste? Manda vir o chá,
poeta, manda vir a geleia!"


Com lágrimas nos olhos devido ao calor
eu perdi a cabeça
e disse a ele – olhando para o samovar:
- "E então, astro, senta!"

O diabo atiçou minha ousadia
a gritar com ele, – e eu, confuso,
sentei no cantinho do banco
com medo que a coisa fosse piorar.
Mas uma estranha claridade do sol
emanou – e esquecendo
qualquer solenidade, sento a falar
com o Astro calmamente.


Disso, daquilo, falo eu,
de como a Rosta me comeu a mordidas.
E o Sol: - "Bem, não te aflijas,
olha para as coisas simplesmente!
Ou pensas que é fácil para mim brilhar? Vamos, experimenta!
E aí vais – é preciso ir,
vais e brilhas, ao mesmo tempo!"


"Vamos, poeta,
vamos raiar, vamos cantar
no mundo de trastes cinzentos.
Eu, Sol, verterei o que é meu,
e tu, o que é teu, os versos".


A parede das trevas,
a prisão da noite,
sob o sol caíram, ambas,
de versos e  luzes uma profusão
brilha a toda!


Brilhar sempre,
brilhar em toda a parte,
até ao dia em que a fonte da vida se esgote,
brilhar –
e é tudo!
É o nosso lema – meu e do sol!


Menina à beira mar, de Joaquín Sorolla

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O incansável artista Gustave Doré

Os Saltimbancos, Gustave Doré, 1874, óleo sobre tela
Gustave Doré
Paul Gustave Louis Christophe Doré é o nome completo do artista francês Gustave Doré. O Museu d’Orsay de Paris acabou de abrir uma exposição com uma parte de sua obra que ficará exposta de 12 de fevereiro a 11 de maio de 2014.

Gustave Doré é um dos mais prodigiosos artistas do século XIX. Com apenas 15 anos ele começa sua carreira de caricaturista e e, em seguida, de ilustrador profissional. Ao longo de sua vida ele também desenvolveu-se como pintor, aquarelista, gravador e escultor.

Com seu imenso talento, Doré passou por diversos gêneros que vão da ilustração satírica até às de história, assim como executou grandes e pequenas telas, fez gravuras, esculpiu. Como ilustrador, ele aceitou o desafio de ilustrar nada mais nada menos do que estes grandes autores: Dante Alighieri, Rabelait, Perrault, Miguel de Cervantes, Milton, Shakespeare, Victor Hugo, Balzac, Edgar Allan Poe… Por causa de sua prolífica carreira de ilustrador, Doré tem sido a referência até os dias de hoje não só para ilustradores, mas também para as diversas gerações de artistas dos Quadrinhos.


Ilustração para o "Inferno", de Dante Alighieri
Gustave Doré nasceu em Strasbourg, no nordeste da França, no dia 6 de janeiro de 1832 e faleceu em Paris no dia 23 de janeiro de 1883, de ataque cardíaco, com apenas 51 anos de idade. Seu pai era engenheiro e foi convidado a ir a Bourg-en-Bresse coordenar a construção de uma ponte. Levou junto sua família e matriculou o pequeno Gustave na escola local, onde ele logo cedo chama a atenção pelos seus desenhos e caricaturas. Quando tinha 12 anos, um gráfico local resolveu publicar suas primeiras litografias com o tema “Os Trabalhos de Hércules”. Em seguida, foi orientado a ir para Paris. A partir de 1847 ele começa a estudar no Liceu Carlos Magno. Ao mesmo tempo em que frequentava o colégio, Doré também fazia caricaturas para o “Jornal para rir”. Rapidamente ele se torna conhecido e participa com dois desenhos do Salão de 1848.

Mesmo com a imensa capacidade de trabalho de Doré, nem ele foi imune à acidez dos críticos de quem se considerava uma vítima, especialmente por causa de suas pinturas a óleo.


Ilustração para o "Paraíso Perdido" de Milton
Gustave Doré foi também um grande leitor, especialmente dos grandes autores da literatura que lhe despertavam a imaginação, criando universos próprios, como é o caso da Divina Comedia, de Dante, cujo “Inferno” recebeu suas melhores ilustrações. Mas também se interessou pelas Fábulas de La Fontaine, pelos contos de Perrault, o “Paraíso Perdido” de John Milton, o “Dom Quixote” de Cervantes, o livro de Victor Hugo “Notre Dame de Paris”, assim como diversas peças teatrais de William Shakespeare. E se debruçou sobre a Bíblia, criando para este livro sagrado dos cristãos ilustrações que até hoje povoam as mentes e as lendas da cultura popular.

Uma espécie de herdeiro de outro grande caricaturista, Honoré Daumier, Doré também se dedicou a satirizar a sociedade e a política. Com apenas 16 anos de idade, ele colabora com o “Jornal para rir”, um folhetim satírico que nasceu após a Revolução de 1848. Gustave Doré satirizava a todos e a tudo, desde os políticos, a burguesia, os próprios artistas. Tudo, sob seu desenho, se transformava em algo cômico..


"A prisão de Newgate", gravura
Ele também gostava muito de viajar pela Europa, especialmente para a Espanha e Londres. Na capital do império britânico que na época era a cidade mais rica do mundo ocidental, ele também se volta para a periferia da cidade, onde habitavam aquelas pessoas que viviam sob a mais completa pobreza. Ele fez uma série de desenhos intitulada “Londres: uma peregrinação”, publicada em livro após a guerra de 1870. Nessa série, Doré mostra as contradições de uma cidade próspera da era vitoriana, em que o luxo agredia os miseráveis, e a arquitetura parecia esmagar as pessoas. Lugar de residência da alta sociedade e da aristocracia inglesa, Londres também era o lugar dos pobres que viviam em seus pequenos cubículos, famintos e mal vestidos. O escritor inglês Charles Dickens descreveu muito bem como era esse ambiente naquela cidade rica. Na Espanha, atrás da terra de Dom Quixote, Gustave Doré foi procurar viver suas aventuras, buscando registrar como viviam desde dançarinos até os contrabandistas, mendigos e músicos.


Uma mãe pobre londrina
Por tudo isso Gustave Doré também é considerado um dos grandes cronistas dos anos 1840-1880. Ele expõe as condições sociais em que viviam seus contemporâneos. Uma gravura, como “A prisão de Newgate”, que foi copiada por Van Gogh, é o retrato mais sombrio de como era a vida prisional na época. A guerra de 1870 foi para ele também tema para um grande número de telas. Como exemplo, a tela “O Enigma”, de 1871, que se encontra no Museu d’Orsay. Pintada no calor da guerra franco-prussiana, ela é testemunha dos momentos sombrios em que viviam os franceses.

Doré foi também pintor. Suas telas com temas religiosos parecem apresentar seu próprio catecismo. Também se dedicou à pintura histórica, sempre com seu modo pessoal de ver as coisas, que oscilava entre o olhar romântico e o simbolismo que impregnava sua alma. Mais tarde na vida, ele se dedicou também a pintar paisagens.

Depois dos 45 anos, ele se voltou também para a escultura, de forma autodidata. Sempre demonstrando uma certa característica teatral, que inclusive lhe rende o reconhecimento de ter sido um dos precursores do cinema.

Uma informação bem interessante - e útil - para quem desenha. Gustave Doré se orgulhava de ter feito, até os 33 anos de idade, mais de 100 mil desenhos! E ele mesmo reinvindicava para si o mérito de ser um dos maiores desenhistas de seu século. Alguém contesta?

Abaixo, mais algumas obras desse grande artista:


Ilustração para o livro "Orlando Furioso" de Ludovico Ariosto
O Enigma, gravura feita durante a guerra franco-prussiana
"Estocada", gravura feita na Espanha
O fidalgo Dom Quixote de la Mancha, ilustração para o livro de Miguel de Cervantes

Chapeuzinho Vermelho, dos contos de Charles Perrault

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte V - O Amarelo

Meninos no balanço, Candido Portinari, 1960, óleo sobre tela
Seguindo nosso resumo do “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos para a terceira das três cores primárias, o Amarelo. No próximo e último post sobre o livro do estudioso francês, concluiremos falando do Preto e do Branco.

O Amarelo

O Amarelo, na Antiguidade, era uma cor bastante apreciada. Os romanos, por exemplo, se vestiam de amarelo em determinadas cerimônias, como as de casamento. Mas especialmente nos países asiáticos esta cor sempre foi valorizada. Na China, durante muito tempo, era a cor reservada ao imperador, e ela até hoje ainda ocupa um lugar importante na vida cotidiana dos chineses, associada ao poder, à riqueza e à sabedoria. 

Mas no mundo ocidental, o Amarelo está sempre por último na ordem de preferência das cores... Vamos ver porque...

Isso pode ter origem na Idade Média, observa Michel Pastoreau. O Amarelo sempre sofreu a concorrência da cor dourada que, esta sim, absorve todos os símbolos positivos do amarelo, ou seja, tudo o que evoca a luz, o sol, o calor, a vida, a alegria, a força. O Ouro é visto como a cor que brilha, clareia, aquece… Por isso o Amarelo, destituído de seus aspectos positivos, parece uma cor opaca, triste, que lembra o outono, as folhas caindo das árvores, o declínio, a doença… E claro que acabou simbolizando também a traição, o engano, a mentira… 


"O beijo de Judas", Giotto, 1304
Podemos ver isto através da análise do imaginário medieval, onde as pessoas sem valor eram obrigadas a se vestir de amarelo. Em Roma, os cavaleiros criminosos são descritos vestindo-se nesta cor. Judas Iscariotes, da Inglaterra à Alemanha, incluindo toda a Europa, estava sempre portando vestes amarelas, especialmente após o século XII. Judas, ao longo do tempo, foi absorvendo todos os caracteres de uma pessoa infame e até mesmo seus cabelos eram pintados de loiro. E para piorar a situação do pobre traidor do Cristo, os artistas ainda o representavam… canhoto! E isto tudo é pura construção simbólica medieval, uma vez que em nenhum momento os textos bíblicos fazem qualquer referência à cor de suas roupas ou de seus cabelos. Mas o Amarelo, em consequência, passou, desde então, a ser a cor dos traidores. No o século XIX os maridos traídos era caricaturizados vestidos de amarelo ou fantasiados com uma gravata amarela. Isto sem falar que o enxofre representa simbolicamente o diabo e é amarelo…


Nos manuais de receitas para a fabricação das cores, que datam do fim da Idade Média, o capítulo sobre o Amarelo é sempre o mais curto e sempre se encontra relegado ao final dos livros. Ou seja, esta cor além de presentar a traição e a mentira, também era a cor do ostracismo imposto àqueles que queremos excluir ou condenar, como era o caso dos judeus. O conjunto das comunidades judaicas era representado em amarelo, assim como nas imagens. Depois do século XIII, os concílios católicos se pronunciaram contra o casamento entre cristãos e judeus e mandam que estes últimos carreguem consigo um sinal que os distinga. No princípio, este sinal era ou uma roseta, ou uma figura representando as tábuas da lei, ou uma estrela que evocasse o Oriente. Bem mais tarde, na Alemanha nazista, foi instituída a obrigação, aos judeus, de portar uma estrela amarela no peito, numa evidente relação com a simbologia medieval. É preciso ressaltar ainda, sobre o período medieval, que foi desenvolvido um verdadeiro ódio em relação aos não-cristãos. Assim como Hitler pregava a intolerância contra aqueles que não pertencessem à raça ariana.

No Renascimento, a cor amarela aparece nas pinturas. Como aparecia desde as pinturas rupestres (junto com os tons ocres) e nas obras gregas e romanas. Mas nos séculos XVI e XVII, o Amarelo toma novo lugar na palheta dos pintores, com o surgimento de novos pigmentos como o Amarelo de Nápoles, tão utilizado pelos pintores holandeses do século XVII. É preciso observar que nas pinturas murais, certos tons de amarelo perdem sua cor ao longo do tempo tornando-se pálidos, ou mesmo esbranquiçados. Ele estava presente também nos vitrais do século XII, mas sempre pra indicar traidores e criminosos. Essa depreciação do Amarelo - diz Pastoreau - chegou até os Impressionistas, que seguiram em outra direção. 

Porque entre os anos 1860-1880 uma mudança se produz na palheta dos pintores que saíram do interior de seus ateliês para ir pintar ao ar livre. Era também o momento em que a arte, referendada pela ciência, afirma que existem três cores primárias: O Azul, o Vermelho e o Amarelo. Foi o momento da reabilitação da cor amarela e é possível que o desenvolvimento da eletricidade tenha igualmente contribuído para esta primeira retomada do valor desta cor.


"Retrato do pai Tanguy", Van Gogh, 1887
(ao fundo da figura principal, vemos paisagens
e figuras de origem asiática que muito
impressionaram Vincent)
O pintor Vincent van Gogh fez amplo uso dos tons amarelos em seus quadros, assim como Gaguin, Monet, Seurat... O inglês William Turner criou céus intensos, luminosos, quase sólidos, em nuances que iam do Vermelho, passando pelo Laranja e pelo Amarelo. O mundo brilha lá fora, sob intensas tonalidades de Amarelo... Neste verão quente paulistano nossos dias tem sido intensamente tomados de amarelo...

Michel Pastoreau concorda com o jornalista Dominique Simmonet que essa mudança de status do Amarelo acontecida no final do século XIX tenha direta relação com todos os movimentos revolucionários da época, que atingiam também a vida privada e a moral ocidental. Sim, diz Pastoreau, as “cores refletem em efeito as mudanças sociais, ideológicas e religiosas, mas elas também absorvem as mudanças técnicas e científicas do mundo”. E isto tudo vai criando novos gostos e, obrigatoriamente, um novo olhar, um novo simbolismo.

Mas na vida cotidiana e nos gostos ocidentais, o Amarelo ainda guarda um lugar limitado. Falamos, por exemplo, de “sorriso amarelo” como uma forma negativa de expressão; poucos usos fazemos do Amarelo em nossas roupas, em nossos mobiliários, em nossos automóveis… Ainda por cima, a cor amarela ainda está ligada à falta de saúde, à cor dos cadáveres, ao outono…


"Intoxicados", John Singer Sargent, óleo sobre tela, 1918-19


Mas é a cor dos Correios, em muitos lugares, incluindo o Brasil. Há muito tempo os alemães e suiços já representam seus correios em amarelo, depois a França e todos os outros países. Também temos o sinal de trânsito amarelo, pedindo “atenção”, e no futebol, uma infração média é punida com o cartão amarelo do árbitro.

Quanto ao dourado, voltamos as costas para ele em nossos dias e pouco o utilizamos em nosso dia a dia. Isso vem do tempo em que os Protestantes do norte europeu começaram a condenar o luxo e o fausto das jóias e do ouro. Desde o começo do século XX a cor dourada se tornou vulgar, se usado em excesso. Atualmente, especialmente aqui no Brasil, uma pessoa cheia de correntes e pulseiras douradas - mesm que de ouro legítimo - representa mais a cafonice brega dos “novos ricos”.

Quanto ao Laranja, muito próximo ao Amarelo, acabou herdando do dourado todo o lado positivo que seria da cor amarela: a alegria, a vitalidade, a saúde, a vitamina C. A energia do sol é muito melhor representada em Laranja.

Enfim, tudo isso mostra como nossos gostos e nossa cultura muda ao longo do tempo, e com ela a nossa percepção simbólica das cores. Nos esportes e nas roupas de lazer, a cor amarela se encontra muito presente nos dias atuais. Mas surge pontualmente em roupas e objetos que fogem ao padrão industrial, sendo usada como uma forma de estar à parte dos usos, costumes e moralidades contemporâneas. Nas roupas dos nossos jovens mais “descolados” o Amarelo está em seus tênis, meias, bermudas, camisetas, bonés… Como estava presente no mobiliário da década de 1970, por exemplo, pós movimentos revolucionários de 1968, quando a cor amarela surgiu em geladeiras, fogões, sofás, abajours. 

E na canção "Yellow Submarine” dos Beatles…


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Expressionismo necessário

Músico cego, do pintor finlandês Alvar Cawén (1886-1935), 1922
Nos fins do século XIX, no norte da Europa, surge e se irradia um movimento artístico, contraposto ao Impressionismo nascido na França. Especialmente desenvolvido na Alemanha, o Expressionismo atingiu diversos setores da arte: a pintura, a literatura, o cinema, a música. Mais tarde, na mesma Alemanha, o regime nazista condenou esse movimento, considerando-o como “arte degenerada”.

O Expressionismo foi uma das primeiras ramificações da chamada “Arte Moderna”, assim como o Realismo e o Impressionismo. Sua principal característica é ter representado culturalmente aquela região da Europa, fria e nevoenta, com aquele temperamento germânico que amava “mais a beleza do caráter do que a beleza da forma”, como bem enfatiza Carlos Cavalcanti em “História da Arte”. Era a contraposição entre as sombras geladas daquele pedaço do mundo e a claridade solar e quente do mundo mais latino, também destaca o professor. Era o predomínio da emoção sobre a razão. Que nascia num mundo pleno de contradições.


Sobreviventes, Käthe Kollwitz, gravura
O engraçado é que enquanto estudava um pouco sobre esse movimento que muito me atrai - desde minha adolescência quando conheci as gravuras de Käthe Kollwitz -, li simultaneamente um artigo que escrevi há alguns anos sobre nossa poeta brasileira Cecília Meireles. O título do meu artigo - não publicado - era exatamente “As sombras de Cecília”. Cecília nasceu no começo do século XX, 1901, e antes dos 3 anos já não tinha mais nem pai nem mãe.

No pêndulo de sua existência, Cecília escrevia como se escrevesse na penumbra. Dá a impressão de que suas mãos riscavam o papel na seqüência do seu olhar que passeava no lusco-fusco do final do dia e do começo da noite. Noite sem a negritude da noite profunda, mas também sem os raios ofuscantes do dia. Noite que ainda era promessa de mistérios profundos, mas que ainda guardava resquícios de realidade, contornos da vida, detalhados pelos últimos raios do sol.


Vista de Toledo, El Greco, 1600
Mas vamos caminhando entre os artistas alemães e esta poeta brasileira, neste primeiro texto sobre o Expressionismo, que apenas pretende introduzir o assunto. Em outros textos, neste blog, já falamos sobre alguns desses artistas expressionistas.

O Expressionismo - movimento no qual não foi enquadrada a poesia de Cecília - é a própria projeção da subjetividade humana, que, do mais profundo do seu sofrimento, tende a deformar a realidade e provocar no observador as mesmas reações emocionais do artista. A visão do artista expressionista é angustiante, pessimista, assombrada por aquele mundo em mudança que já trazia as sementes da I Guerra Mundial, onde morreram milhões de seres humanos.

Enquanto isso Cecília cantava lá no seu Rio de Janeiro:

“Sombra que passas, eu sei que és sombra,
eu sei que és sombra, sombra que falas.
Não deixas passo em nenhuma alfombra
das altas, graves, eternas salas.


Mas os que choram de sala em sala,
mirando espelhos, mirando alfombras,
choram teus passos e tua fala,
e o seu destino de amar as sombras...”


Autorretrato, Otto Dix, 1913
São muito frequentes, no Expressionismo, o uso de símbolos para descrever o estado da alma dos artistas. Ao contrário da solaridade e colorido dos Impressionistas, o Expressionismo usa cores fortes, violentas, pois ele também era uma reação contra os rumos que a sociedade tomava naquele tempo. Era a arte do pintor solitário, das cores tristes, que até já podíamos encontrar bem mais atrás, em El Greco, em Goya, em Mathias Grünewald… 

Mas dois dos primeiros desses pintores nórdicos do século XIX a expressar mais sua alma do que o mundo que viam foram Vincent van Gogh e Edvard Munch. Foi um crítico de arte alemão,  Wilhelm Worringer, quem, em 1908, chamou de "expressionismo" àquela forma particular de arte.

Enquanto a fotografia substituía a pintura na descrição da realidade, os artistas expressionistas se voltaram para mostrar mais como eles “sentiam” sua própria realidade, usando sua arte como um grito contra os sofrimentos daquele mundo que esmagava as pessoas nas cidades já industrializadas, mostrando a miséria, a solidão, a pequenez do homem diante da máquina movida pelo capitalismo daqueles tempos, que trouxe consigo as guerras mortais do século XX...


Agonia, Edvard Munch, 1915
Bem como cantou nossa poeta triste que, na América do Sul, sentia as dores de todo aquele mundo, além das suas:

“Aqui está minha dor – este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.”

Diversos grupos de artistas surgiram na Alemanha, como a “Associação dos Artistas de Munique” (o NKVM); a “Nova Secessão de Berlim”, que gerou dois outros grupos: os “Der Blaue Reiter” (O Cavaleiro Azul) e o “Die Brücke” (A Ponte); o “Grupo de Novembro”. Do “Die Brücke” (de 1905) participaram os artistas Ernst Ludwig Kirchner, Fritz Bleyl, Erich Heckel et Karl Schmidt-Rottluff. Eles eram de Dresden.


Edvard Munch
A forte crítica social que eles imprimiram às suas obras acabaram atraindo a crítica dos conservadores, claro. Sua visão crítica do mundo acabava sendo vista como um perigo para as gerações mais novas. Ernst Ludwig Kirchner, por exemplo, pintava as ruas e a vida urbana de Berlim de uma maneira considerada ácida. Edvard Munch, pintor norueguês, resolveu mudar sua maneira de pintar depois de 1892, usando cores mais fortes para demonstrar suas obsessões com a morte e com as doenças.

Na Alemanha, país onde o Expressionismo mais atraiu artistas, o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, já em meio à I Guerra Mundial, viram nascer diversos movimentos e grupos artísticos, onde os debates e inquietações acerca daqueles momentos eram muito intensos. Max Beckmann, Otto Dix, Conrad Felixmüller, George Grosz, Ernst Ludwig Kirchner, Käthe Kollwitz, Franz Marc, Paula Modersohn-Becker e Otto Mueller eram alguns desses artistas. No Brasil, Anita Malfatti, Candido Portinari e Di Cavalcanti foram influenciados também pelo movimento dos artistas do norte europeu. Um deles veio para o Brasil e aqui trouxe as influências de seus colegas alemães: Lasar Segall.


Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari"
Mas como dissemos no início, o Expressionismo não ficou só nas artes plásticas. 

No cinema, por exemplo, o filme do diretor alemão Robert Wiene, de 1919, “O Gabinete do Dr. Caligari” aparece como um dos primeiros a introduzir no cinema muitos elementos do expressionismo: grande carga de simbolismo, iluminação dramática, vestuários estranhos e personagens sombrios. 

Em seguida, surgem outros diretores seguindo essa mesma linha estética: entre eles, o grande Fritz Lang. As películas que mais representam esta época são: “Nosferatu” de Friedrich Murnau, “Metropolis” de Fritz Lang, entre outros. Era ainda a época do cinema mudo. Depois, já com o cinema falado, Fritz Lang dirigiu “M” (“O Maldito”).

E assim o Expressionismo, na Arte, mostrou um artista chocado diante desse mundo que jogava o sujeito ao seu próprio destino, nesse jogo de “salve-se quem puder” perpetrado por um sistema injusto, discriminador e assassino. Que manchava as cores do mundo com suas grandes sombras pesadas, como asas monstruosas, que varreram milhões de vidas humanas em duas guerras mundiais horrorosas. E ainda continuam nos sobrevoando, ameaçadoramente…

Mas até mesmo nesses momentos, o artista deve falar. A sensibilidade do artista está aí para nos fazer ver que, além de qualquer visão terrível, a Musa sempre canta… e nos encanta…

Como disse Cecília Meireles:

“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias

não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico

se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada”.


O sonho da razão produz monstros, Francisco Goya, gravura, 1799

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Inesquecível Van Gogh

Estudo em óleo para a tela "Os comedores de batata", 1885, Vincent Van Gogh
Van Gogh com 13 anos
Neste último dia 29 de julho, completaram-se 123 anos da morte de um dos pintores mais conhecidos do mundo: Vincent Van Gogh, sobre quem já falamos aqui neste Blog, em outro post (veja aqui). Mas é sempre bom falar e lembrar deste artista que vivia em permanente agonia expressiva. Com temperamento cheio de altos e baixos, ele deixou uma obra enorme e muito característica, que ainda hoje impressiona.

Diversos eventos em várias cidades europeias lembraram a data de sua morte. A pequena cidade Auvers-sur-Oise onde ele morreu e encontra-se enterrado ao lado do irmão Theo, fez uma pequena retrospectiva histórica da presença de Vincent por lá. A igreja pintada por ele, o Albergue Ravoux que ainda existe, onde ele morou e onde seu quarto se encontra ainda intacto. Dois designers de animação também homenagearam Van Gogh dando vida a várias de suas pinturas, como o italiano Luca Agnani e o artista grego Petros Vrellis, que animou a pintura - uma da mais famosas do artista holandês - “A noite estrelada” (Veja o vídeo abaixo).

E a galeria Eykyn Maclean de Londres, de 26 de setembro a 29 de novembro próximos, apresenta uma exposição intitulada “Van Gogh em Paris”, sobre os anos de 1886 a 1888, quando o artista vivia e trabalhava na capital francesa.
Fachada atual do Albergue Ravoux,
onde ele viveu em Auvers-sur-Oise

Os dois anos que Van Gogh passou em Paris representam uma parte importante de sua prolífica carreira. Este período foi marcado por uma transição no estilo artístico do pintor, que se distancia então de uma predominância de coloração escura em suas obras, dando mais luminosidade e expressão a seu trabalho. A mostra inclui trabalhos raramente expostos, onde a maior parte provém de coleções privadas. Estas obras são acompanhadas de outras de seus contemporâneos, como Monet, Pissarro, Toulouse-Lautrec e Gauguin. Essa galeria londrina é uma galeria privada, com espaços de exposição em Londres e New York. É especializada em obras de altíssima qualidade do movimento impressionista, tanto os da época dos princípios desse movimento, quanto os dos artistas contemporâneos.


Sorrow, 1882, Van Gogh
Mas destacamos aqui, com uma ênfase grande, o inegável e incansável trabalhador da arte que foi Vincent Van Gogh. Ele desenhava e pintava noite e dia. Parecia que tinha uma necessidade extrema por se expressar de algum jeito. Nas inúmeras cartas que escreveu a seu irmão Theo, durante anos, ele expunha suas ideias estéticas e sua atividade infatigável de ver o mundo com os olhos do artista, desenhando, fazendo apontamentos, observações. Nestas cartas (Cartas a Theo) se pode conhecer sua prática artística intensa.

Sua obra é plena de um realismo que pode se chamar de impressionista e neo-impressionista, e foi ele quem antecipou outros movimentos pictóricos do final do século XIX e começo do XX, como o Fauvismo e o Expressionismo.

Abaixo destaco alguns trechos de suas cartas (são só 4 exemplos escolhidos entre inúmeros outros), onde ele relata sua vida diária desenhando e pintando. Para mim é importante fazer esse destaque sobre Van Gogh, pois nos dias atuais predomina o pensamento de que o artista não precisa mais de técnica e nem “perder tempo” praticando sua arte, desenhando. Mas a história e os mestres estão aí para mostrar que um artista não se constrói de uma hora para outra, nem nasce feito, como um “privilegiado” de Deus. TODOS - sem exceção - trabalharam horas e horas, dias, meses e anos a fio em seu ofício, deixando ao mundo o resultado de seu intenso trabalho: a obra de arte. Hoje, diante delas, em algum sentido, somos profundamente impressionados.

Exemplo 1:
“Bruxelas, 1 de novembro de 1872, Boulevard du Midi.
Andei desenhando estes últimos dias uma coisa que me custou muito trabalho, porém me sinto feliz por tê-la feito; desenhei à pena um esqueleto de uma dimensão grande, em cinco folhas de papel Ingres.
1 folha: a cabeça, esqueleto e músculos.
1 folha: tronco, esqueleto.
1 folha: palma da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: dorso da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: pélvis e pernas, esqueleto.

Fiz esse trabalho a partir de um manual de John: Esboços anatômicos para uso dos artistas. Nesta obra há uma quantidade grande de desenhos das mãos, dos pés, etc, que me parecem muito claros e eficazes.

Agora vou terminar completamente o desenho dos músculos, especialmente do tronco e das pernas, que irão formar, com os desenhos já executados, um corpo humano completo; na sequência, o corpo visto pelas costas e de lado.

Vês, pois, que prossigo com certa energia; mas essas coisas não são tão fáceis e exigem tempo e sobretudo muita paciência.
Esboço para "Marguerite Gachet
ao piano", Van Gogh

Vou tentar, na escola veterinária, conseguir umas reproduções de anatomia, por exemplo, do cavalo, da vaca e do carneiro, e desenhá-las como fiz com a anatomia do corpo humano. Existem leis para a proporção, para luz e sombra, para perspectiva, que devemos conhecer para poder desenhar; se não possuímos este conhecimento, estaremos sempre numa “luta estéril” e não conseguiremos “parir”. É por isso que acredito ter procedido bem quando tive a ideia de desenhar a anatomia e quero me esforçar para, neste inverno, adquirir um bom repertório de anatomia; não posso esperar mais, pois, do contrário, o prejuízo seria maior se eu perdesse meu tempo. Acredito que esta também seja sua maneira de ver. O desenho é uma luta dura e árdua. (...)”

Exemplo 2:
“Bruxelas, janeiro de 1881
Meu caro Theo,
Quase todos os dias tenho algum modelo; um velho contínuo, algum operário, um moleque que eu faço posar. Domingo que vem, talvez eu tenha um ou dois soldados que virão posar. E como agora não estou mais de mau humor, faço de você, e de todo mundo em geral, uma ideia completamente diferente e melhor. Também voltei a desenhar uma paisagem, uma chameca, o que não fazia à muito tempo.

Gosto muito de paisagens, mas gosto dez vezes mais daqueles estudos de costumes, às vezes de uma verdade assustadora, como os de Gavarni, Henri Monnier, Daumier, de Lemud, Henri Pille; Th. Schuler, Ed. Morin, G. Doré (por exemplo, em sua “Londres”), A. Lançon, De Groux, Félicien Rops, etc etc... os desenharam magistralmente.

Agora, sem pretender de forma alguma chegar tão alto quanto eles, continuando contudo a desenhar estes tipos de operários, etc, espero chegar a ser mais ou menos capaz de trabalhar na ilustração de jornais e livros. Principalmente quando estiver em condições de pagar mais modelos, inclusive modelos mulheres, farei ainda mais progressos, sinto-o e sei disso.

E chegarei, provavelmente, também a conseguir fazer alguns retratos. Mas sob a condição de trabalhar muito; sequer um dia sem uma linha, como dizia Gavarni.

Exemplo 3:
Paris, verão de 1987
(...)
Meu querido Théo:

Estou cheio de trabalho, já que as árvores estão florindo e eu queria fazer um pomar da Provença cheio de uma alegria monstruosa. Escrever-te com a mente descansada apresenta sérias dificuldades: ontem te escrevi cartas que em seguida destruí.
Esboço para a tela "Quarto de dormir", Van Gogh

E encontrei uma coisa graciosa como não se encontra todos os dias.

É a ponte levadiça com um pequeno carro amarelo e um grupo de lavadeiras; um estudo onde a terra é um alaranjado vivo, a grama muito verde, o céu e a água azuis.

Falta-lhe apenas um quadro explicitamente calculado em azul royal e dourado, esse modelo com a bandeja azul e a haste exterior dourada; mas, se necessário, o quadro poderia estar em pelúcia azul; mas vale pintá-lo. Posso te assegurar que o que eu estou fazendo aqui é superior ao da campina de Asnières na última primavera

Estou de novo em pleno trabalho, com pomares sempre florescendo. O ar daqui definitivamente me faz bem; eu desejaria que pudesses respirá-lo a plenos pulmões; um de seus efeitos é muito engraçado: aqui um único copo de conhaque me deixa tonto; assim como eu não posso recorrer a estimulantes para fazer circular meu sangue, pelo menos, minha constituição física não vai de desgastar.

Somente que, desde que estou aqui, tenho o estômago terrivelmente enfraquecido; enfim, isso é um assunto que me pede muita paciência. Este ano espero fazer reais progressos, dos quais sinto uma grande necessidade.

Tenho um novo pomar que está tão bom quanto os damascos rosados e os pêssegos com seu rosa muito pálido.
Entrada para o quarto onde ele viveu,
no albergue Ravoux, ainda preservado

Atualmente trabalho com umas ameixas de um branco-amarelado com mil ramas negras.

Gasto muito com telas e cores, mas mesmo assim espero não estar perdendo dinheiro.

Também ontem eu vi uma tourada, onde cinco homens atormentavam o boi com bandeiras e fitas; um toureiro esmagou um testículo ao saltar a barreira. Era um homem loiro com olhos cinzentos, e com muito sangue frio; disse que ainda tinha um longo tempo. Ele estava vestido de azul celeste e dourado, exatamente como o cavalheiro de nosso Monticelli, que tem três figuras em um bosque. As areias são muito bonitas quando há sol e as multidões.

O mês vai ser difícil para você e para mim, mas seria a nosso favor se você consegue fazer todos os pomares em flor que pode. Agora me sinto muito bem para trabalhar, e me parece que que faltam uns dez sobre o mesmo tema.

Já sabes que sou muito inconstante em meu trabalho e que esta fúria de pintar pomares não durará muito. Além de tudo, virão possivelmente as areias. E tenho que desenhar muito, porque eu gostaria de fazer desenhos no estilo dos japoneses. Não posso fazer outra coisa a não ser bater no ferro enquanto ainda está quente...
(...)”

Exemplo 4:
“Nuenen, dezembro de 1883 - novembro de 1885
“Nos meus novos desenhos, começo as figuras pelo tronco e parece-me que elas adquirem assim maior amplitude e largura. No caso de não bastarem cinquenta, desenharei cem, e se isto ainda não for o suficiente, farei ainda mais, até chegar exatamente onde quero, ou seja, até que tudo fique redondo e que na forma não haja de modo algum nem começo nem fim, mas que se forme um conjunto harmonioso de vida.
Você sabe que é precisamente esta a questão que Gigoux trata em seu livro “Não começar pela linha, mas pelo meio”.
Muntz diz: o modelado é a virtude da arte, e o que ele mudou na frase de Ingres é que Ingres dizia: o desenho é a virtude da arte, acrescentando ‘eu gostaria de assinalar o contorno com um arame’. Herbert também tinha o que ele mesmo chamava de ‘consideração pela linha’.
Há outros ainda que pretendem que todos os dogmas são absurdos enquanto tais. Pena que isto também seja um dogma. É preciso pois limitarmo-nos a fazer aquilo que fazemos, e tentar tirar disso alguma coisa, procurar dar-lhe vida.
(...)
Eis o esboço de uma cabeça que acabo de fazer. Na minha última remessa de estudos, você recebeu a mesma, precisamente a maior delas, mas pintada de uma maneira lisa. Desta vez não estendi minha pincelada, e aliás a cor é totalmente outra. Eu ainda não havia conseguido uma cabeça a tal ponto pintada com terra, mas agora outras se seguirão”.
À esquerda, O Semeador, de Jean-François Millet, 1850 - - - À direita,  O Semeador (após Millet), 1889, Van Gogh
Dados biográficos

Vincent van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Zundert, Holanda. Tentou ser pastor protestante, como o pai. Chegou a ter como primeira missão pastoral ir para uma região belga de minas de carvão, como pastor dos mineiros e operários que viviam e trabalhavam por lá. Entre 1879 e 1880, Van Gogh viveu em meio a esses trabalhadores que tinham uma vida miserável. Mas logo se viu que Van Gogh não tinha a menor vocação para ser pastor.

Voltou para a casa dos pais, já com 27 anos de idade e dizia-se que ele não sabia fazer nada. Seus pais se inquietavam com aquele filho complicado, cheio de suscetibilidades, e emocionalmente instável.

No natal de 1881 ele teve uma violenta discussão sobre religião com seu pai, que o mandou embora de casa.
Túmulos dos irmãos Vincent e Theo, em Auvers-sur-Oise

Foi então que seu irmão Theo, mais novo que ele, lhe dá seu apoio e se dispôs a ajudá-lo até o fim da vida. Theodore Van Gogh já estava em Paris, trabalhando, e envia-lhe uma mesada para que o irmão pudesse continuar seus estudos de pintura.

Em 1886 viajou para Antuérpia, matriculando-se na Academia de Arte da cidade. Mas não ficou nem trinta dias lá. Abandonou a escola e foi embora para Paris, indo morar com o irmão. Depois Van Gogh se mudou para Arles, interior da França, onde pretendia juntar os artistas em uma comunidade. Apenas Paul Gauguin se dispôs a segui-lo, em seguida abandonando-o porque com Vincent Van Gogh era muito difícil de conviver. As brigas eram muitas, e em uma delas Vincent cortou a própria orelha.

O temperamento dos dois irmãos era muito diferente e Theo sempre representou, para seu irmão angustiado, o protetor, o confidente, o amigo certo. Durante 10 anos, sem interrupção, Theo enviava a Vincent uma contribuição mensal, além de muitas vezes lhe enviar telas, pinceis e tintas. Sabemos que Van Gogh vendeu apenas uma tela enquanto esteve vivo. Atualmente, o mercado de arte avalia suas telas em milhões de dólares. Já em 1958, 68 anos depois da morte do artista, um leilão em Londres vendeu seu quadro “Jardim público em Arles” por 150 milhões de francos!

Vincent Van Gogh morreu no dia 29 de julho de 1890 em Auver-sur-Oise, na França, há exatos 123 anos atrás. Apenas seis meses depois, Theo também morreu e tinha deixado, como último pedido, uma recomendação de que o enterrassem junto a seu irmão Vincent, o que só aconteceu 24 anos depois, porque a família não possuía condições financeiras para levar o corpo de Theo até Auver-sur-Oise, na França.

VEJA ESTA ANIMAÇÃO FEITA PELO ARTISTA GREGO PETRUS VRELLIS: