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domingo, 4 de novembro de 2012

Mário de Andrade - Cartas do Modernismo

Mário de Andrade

Mário de Andrade, por Portinari
Uma exposição no Rio de Janeiro estará encerrando as comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna, completados neste ano de 2012, com diversas cartas de Mário de Andrade, um dos principais teóricos e idealizadores da semana que marcou as artes e a cultura brasileira no século XX. De 13 de novembro a 6 de janeiro de 2013, o público carioca poderá apreciar esta exposição que terá como local o Centro Cultural dos Correios, no centro da cidade.
Mário de Andrade manteve uma correspondência bastante grande com os mais importantes intelectuais e artistas, entre poetas, músicos, escritores e pintores. Através dessas cartas ele vai delineando seu pensamento sobre o modernismo brasileiro, o tema central das cartas dessa exposição no Rio.

São correspondências trocadas entre Mário e Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Di Cavalcanti, Enrico Bianco, Cícero Dias e Victor Brecheret. 

Mário de Andrade,
por Lasar Segall
Mas o outro tema da exposição de cartas são as Artes Plásticas, mostrando como Mário trocou ideias sobre o assunto com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Henriqueta Lisboa. Mário de Andrade viveu um pouco de tempo no Rio de Janeiro e aprofundou sua amizade com Candido Portinari, como pode ser também observado através das cartas trocadas entre os dois amigos, que hoje pertencem ao acervo do Projeto Portinari.

Mário de Andrade possuiu uma boa coleção de obras de arte, seja porque ele comprou, seja porque tenha ganhado de presente muitas delas. O Instituto de Estudos Brasileiros da USP é que mantém a guarda de parte desse acervo e cedeu algumas dessas obras para a exposição. 

Entre elas estão "As Margaridas de Mário" de Anita Malfatti , "Mulher" de Di Cavalcanti, desenhos e aquarelas de Cícero Dias, Ismael Nery, Portinari, Segall, Zina Aita e Augusto Rodrigues. Também lá estão os três retratos do escritor feitos por Portinari, Lasar Segall e Enrico Bianco. De outras coleções, estão: "Chinesa" de Anita Malfatti e "Menina do Circo" de Di Cavalcanti.


Por causa da fragilidade dos papeis, a maioria das cartas serão apresentadas em fac-símile, e uma parte delas, para melhor compreensão, foi transcrita e impressa.

Carta-desenho de Anita Malfatti a Mário de Andrade
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Biografia suscinta:
Mário,
por Tarsila do Amaral
Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo no dia 9 de outubro de 1893 e aqui faleceu no dia 25 de fevereiro de 1945. Foi poeta, romancista, historiador, crítico de arte, musicólogo e um dos principais teóricos do movimento modernista brasileiro do século XX.
Em 1922 lançou aquele que seria o ato inicial da poesia moderna brasileira: seu livro Pauliceia Desvairada. Estudou a cultura brasileira a fundo, desde a musicalidade dos nossos índios até o nosso folclore, trazendo à tona os valores culturais do nosso povo, num momento em que a burguesia brasileira conservadora e colonialista, se voltava para a cultura europeia.
Mário foi uma das figuras centrais dos movimentos de vanguarda em São Paulo, que influenciou todo o Brasil. Um dos líderes principais da Semana de Arte Moderna de 1922, ele continuou sua pesquisa sobre o modernismo e a cultura brasileira durante toda a sua vida. Foi poeta, escritor e ensaísta, mas também professor de música e colunista de jornal. Em 1928, resumiu sua pesquisa na cultura do povo brasileiro mais profunda no livro Macunaíma. Nos últimos anos de sua vida foi diretor do Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo.
Em homenagem a este grande intelectual, poeta e escritor brasileiro, reproduzimos abaixo um dos seus grandes poemas do livro Pauliceia Desvairada, Ode ao Burguês, que foi lido em um dos dias da Semana de 1922:
Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!


Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
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Serviço: 
Exposição: "Mário de Andrade - Cartas do Modernismo"
Abertura: 13 de novembro, às 19h
Visitação: 14 de novembro a 6 de janeiro de 2013
Local: Centro Cultural Correios
Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro
Rio de Janeiro

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A noite escura da alma de Oswaldo Goeldi


 O Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, está apresentando a exposição “Oswaldo Goeldi: sombria luz”, trazendo a maior retrospectiva da obra do artista do Rio de Janeiro. São cerca de 200 trabalhos que vão dos anos 1920 até sua morte em 1961.


Na tarde gelada deste último domingo, fui ver a exposição. Queria ver de perto as gravuras desse homem melancólico, solitário, que criava suas gravuras numa temática que ia na contramão dos modernistas brasileiros, seus contemporâneos, mais luminosos e coloridos. Oswaldo Goeldi mostra uma cidade do Rio de Janeiro noturna, deserta, habitada por figuras sombrias, sempre solitárias, e por gatos, cachorros, pássaros agourentos.

Na noite escura da alma de Goeldi, ele só escavava suas madeiras baseado em traços, poucos, que fossem suficientes para mostrar ruas e casas iluminadas por postes de luz fraca, ou pelo céu cuja fosforescência partia de baixo para cima. Algumas de suas xilogravuras são, mesmo assim, luminosas. A luz parece explodir de um ponto qualquer, mas todo o resto está imerso na mais profunda escuridão.
São pequenas as xilogravuras de Goeldi. Alguns dos traços de sua goiva são muito tênues, finíssimos, mas que dão a configuração necessária ao que ele quer mostrar, seja um rosto triste contra a luz de um poste, seja um pequeno gato preto deitado num muro. Ele é econômico nos traços: nada de linhas desnecessárias, o observador que complete a imagem em sua mente. Há seres solitários lá, bichos abandonados assim como as pessoas caminhando sozinhas por ruas escuras, observadas por gatos, urubus, cães.
Autorretrato
Depois de uma hora observando de perto o trabalho deste artista, uma certa melancolia acaba nos invadindo também. E acabamos nos questionando: por que ele era tão triste, tão solitário? Que caracterizava sua personalidade? Que experiências de vida ele viveu? Por que sua cidade nada tem de luminosa? Cadê o sol em sua vida?
Oswaldo Goeldi pode ser caracterizado como um artista expressionista, movimento artístico que teve lugar especialmente na Alemanha, no começo do século XX. O Expressionismo foi uma espécie de projeção da subjetividade, baseada numa reação emocional. Os sentimentos angustiados do artista expressam um real deformado, que ele mostra de forma intensa em sua arte. A visão é pessimista, o mundo ameaçador.

Paulo Venancio Filho, especialista na obra de Goeldi e curador da exposição diz, no livreto que fundamenta a mostra, que a proximidade do artista gravador com o expressionismo “é inequívoca, artística e existencial”. Goeldi trazia à tona um lado obscuro do Brasil, um país de tantos contrastes, principalmente sociais. Nada há nele que mostre a face conhecida de um Brasil ensolarado, luminoso, mas – acrescenta Venancio – Goeldi “com os recursos limitados da xilogravura e do desenho a lápis ou carvão, mostrou que sob a luz solar havia um mundo em desassossego e desajuste”.
Oswaldo Goeldi trabalhava sozinho em seu ateliê que era em seu próprio quarto. Morou muitos anos, os últimos de sua vida, na casa de uma casal de amigos, situada no Leblon, na época um bairro simples do Rio. Segundo sua sobrinha-neta, Lani Goeldi, ele se sentiu atraído pelo expressionismo desde que conheceu a obra de Vang Gogh (1853-1890) e Edvard Munch (1863-1944). “Foi dentro dessa linha que ele construiu seu trabalho”, diz ela.
Oswaldo Goeldi em seu ateliê
Mas ele se identificou principalmente com a obra de Alfred Kubin (1877-1959), de quem se tornou amigo. Kubin foi um escritor, desenhista, gravador e ilustrador austríaco. Seus traços também são expressionistas.
Otto Maria Carpeaux (1900-1979), jornalista, ensaísta e crítico literário brasileiro (austríaco de nascimento), disse de Oswaldo Goeldi:
“A arte de Goeldi sempre me lembrou um recurso raro da dramaturgia: o monólogo, que é, por definição, uma arte silenciosa. As figuras, nas suas sombras, parecem cercadas pelo silêncio e pela solidão; esses homens irremediavelmente perdidos e esses bichos abandonados em meio a paisagens suburbanas em decadência. Quando muito, seus pescadores à beira-mar chegam a ver, na hora da madrugada, um sol terrível que se levanta vermelho no horizonte. O resto é noite. Temos que penetrar no sentido dessa escuridão que assombra o mundo de Goeldi”.

Biografia
Oswaldo Goeldi nasceu em 1895 no Rio de Janeiro. Seu pai era o naturalista suíço Emílio Goeldi. Logo após o nascimento do menino, seus pais se mudaram para Belém do Pará, onde Emílio Goeldi foi fazer pesquisa em Zoologia e Botânica. Com seis anos de idade, Oswaldo foi estudar na Suiça. Mas cedo abandonou os estudos politécnicos para ingressar na Escola de Artes e Ofícios de Zurique. Também não concluiu sua formação lá. Continuou estudando sozinho e fez sua primeira exposição individual na cidade suíça de Berna, onde conheceu o trabalho de Alfred Kubin, com quem se corresponderá durante décadas.
Goeldi volta para o Brasil em 1919. A I Guerra Mundial havia acabado, mas a Europa ainda sofria as consequências, inclusive psicológicas, dos horrores causados pela guerra. Aqui no Brasil, ele vai trabalhar como ilustrador de livros e periódicos. Em 1930 lança seu álbum “Dez gravuras em madeira”, com prefácio de Manuel Bandeira. Participou da Bienal de São Paulo e de Veneza, ganhou prêmios e projeção nacional e internacional. Foi também professor da Escola Nacional de Belas Artes.

Lani Goeldi diz que ele vivia “à margem das convenções sociais e familiares. Nunca dividiu suas preocupações, nem seus anseios, nem com os poucos amigos que tinha”. Nunca se casou, não teve filhos.
Morreu no dia 16 de fevereiro de 1961, no Rio.
O poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) assim falou do amigo:
“A imaginação de Oswaldo Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos – arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma personalidade monstruosa e aterradora”.

É assim a gravura do artista brasileiro Oswaldo Goeldi: mostra um mundo que ninguém quer ver, mas que está lá atrás das sombras, tão Real quanto o outro.


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um Museu para as Artistas

Pintura da holandesa Clara Peeters, de 1611, uma representante da arte barroca europeia

Existe em Washington, DC, Estados Unidos, um Museu Nacional, único no mundo, dedicado exclusivamente a reconhecer as contribuições das mulheres artistas. O National Museum of Women in the Arts (NMWA) foi criado em novembro de 1981 como uma empresa privada sem fins lucrativos.

Durante toda a história da arte, pouco se ouve falar de artistas do sexo feminino. Mas elas existiram em grande número!

É o que mostra a coleção permanente do Museu, composta por mais de 3.000 obras de artistas desde o século 16 até o presente. São pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e muitos outros trabalhos em papel. A coleção representa uma ampla gama de estilos dessas artistas, que vão desde Lavinia Fontana, pintora italiana do século XVI até Käthe Kollwitz, gravadora alemã do século XX, sem falar nas artistas mais recentes e contemporâneas. O Museu também tem várias importantes coleções especiais, incluindo a joalheria em prata feita por mulheres ourives inglesas e irlandesas dos séculos XVIII e XIX.

Museu Nacional das Mulheres Artistas,
Washington DC, EUA
A história do museu está ligada a dois estudiosos e pesquisadores da arte norte-americanos: Wilhelmina Cole Holladay e Wallace F. Holladay. Nos anos 1960 eles começaram sua coleção de obras de arte e se interessaram pelo debate em torno da sub-representação das artistas mulheres e de vários grupos raciais e étnicos em coleções de museus e exposições de arte.

Por mais de 20 anos os Holladays foram em busca da arte feita por mulheres. Foi a partir de 1980, que Wilhelmina Holladay começou a dedicar suas energias e recursos para a criação de um museu que iria mostrar mulheres artistas e suas obras.

Em 1983, adquiriram um prédio onde funcionou um antigo Templo Maçônico, que foi remodelado e adaptado para funcionar um museu de arte. Em 1987, o Museu Nacional de Mulheres Artistas foi aberto com a exposição inaugural “Mulheres Artistas norte-americanas” do período de 1830 a 1930. Essa mostra teve a curadoria da historiadora de arte e militante feminista Eleanor Tufts, que fez pesquisas sobre trabalhos produzidos por artistas mulheres nos EUA.

Importância

Pintura de Lavia Fontana,
Itália, século XVI

“Se fosse costume enviar as meninas para a escola e ensinar-lhes as mesmas matérias que são ensinadas aos meninos, elas aprenderiam tão plenamente quanto eles e entenderiam as sutilezas de todas as artes e ciências.”

Esta frase foi dita em 1405 por Christine de Pisan, filósofa e poeta, nascida em Veneza, Itália, em 1364. Ela morreu no mosteiro de Poissy, na França, por volta de 1430. Christine de Pizan é considerada a primeira mulher dedicada à literatura de língua francesa e viveu de seu trabalho como escritora. Era muito erudita, acima da média de mulheres e de homens de sua época. Compôs desde tratados de política e filosofia, assim como poemas. Retirou-se para um convento no final da vida.

A arte tem desempenhado um papel muito importante em nosso mundo, desde sempre. Mas em especial no século XVI, a sociedade aristocrática e eclesiástica europeia possuiu pintores homens altamente treinados, assim como gravadores e escultores, que tiveram como patronos líderes políticos e religiosos, além de intelectuais da época. No entanto, as mulheres que praticavam as artes plásticas eram limitadas a estudar com seus pais e esposos. Eram geralmente proibidas de praticar as técnicas de maior prestígio artístico, tais como pintura em afresco, ou estudar anatomia e perspectiva e outras informações necessárias para se obter sucesso como artistas profissionais. Além disso, não tinham, como os homens, liberdade para viajar, para conhecer outros países, estudar com os mestres italianos, por exemplo, como fizeram tantos artistas do sexo masculino, de variadas regiões do mundo.

"Retrato de mulher em vermelho",
pintura de Marianne Loir, França, séc. XVIII
A maioria dessas mulheres que pintavam, desenhavam e esculpiam eram em geral filhas ou esposas de artistas, com quem adquiriam as habilidades. Mas a elas só era permitido pintura de “estilo menor”, como paisagens, cenas de gênero, etc.
Mas no norte europeu, durante os séculos 16 e 17, por conta da religião calvinista e luterana, as artistas da Holanda e da Alemanha, especialmente, tinham algumas vantagens sobre as mulheres do sul. Um país mais voltado ao comércio, a Holanda especialmente se tornava uma nação poderosa, tendo vencido a Espanha, de quem se tornou independente, e mesmo a França, países de tradição monárquica e católica.

Na Itália, a Igreja Católica era a principal provedora da arte e pagava altas comissões aos trabalhos de artistas homens. A Igreja não aceitava a arte de mulheres. Mas no Norte da Europa, após a Reforma Protestante, as mulheres desempenharam um papel extremamente importante no desenvolvimento da vida e também da pintura, a partir de 1600.

Algumas delas, flamengas e holandesas, se tornaram tão proeminentes que conseguiam até ganhar a vida pintando naturezas-mortas e cenas domésticas, como é o exemplo de Rachel Ruysche e Judith Leyster.

Autorretrato de Rosalba Carriera
com sua irmã, Itália, século XVII
E Clara Peeters, que viveu entre 1594 e 1659. Ela foi uma pintora bastante ativa em sua época. Esta holandesa, precocemente começou a mostrar talento e entrou para a história da arte como uma das representantes da arte barroca europeia. Ela foi uma das precursoras da pintura de gênero holandesa.

Mas no sul da Itália, especialmente em Bolonha, surgiu também uma série de artistas notáveis. Bolonha tinha tradição de ser uma cidade com longa história de atitudes progressistas em relação às mulheres. Os registros mostram que 23 pintoras e pelo menos uma escultora estavam ativas em Bolonha entre 1500 e 1600. Entre elas, Lavinia Fontana, filha de um pintor de sucesso, que desenvolveu uma carreira ilustre como retratista. Elisabetta Sirani foi pintora de temas religiosos e mitológicos antes de atingir a idade de vinte anos.

Sem estender muito mais, na França do século XVIII, Rosa Bonheur se especializou na pintura de animais, apresentando uma técnica surpreendente. Ela nasceu em 16 de março de 1822 e foi uma pintora realista francesa, muito admirada em seu país, assim como na Inlgaterra e nos EUA.

Escultura de Camille Claudel
Camille Claudel, nascida em Paris em dezembro de 1864, foi uma grande escultora, aluna do escultor Auguste Roudin. Ela começou bem pequena ainda a se interessar em fazer esculturas, e recebeu muito incentivo de seu pai. Hoje ela é considerada uma das principais artistas francesas do século XIX.

Aqui no Brasil, as artistas mulheres também sofreram preconceito e discriminação, apesar de terem tido uma participação bastante razoável na pintura brasileira.

Sabe-se que muitas delas estudaram na Academie Julian, de Paris, a principal escola privada, em nível internacional, a aceitar mulheres como alunas a partir do final do século XIX. Berthe Worms, Nicolina Vaz, Julieta de França, Nair de Teffé, Georgina de Albuquerque, entre outras, foram estudar em Paris e tiveram sucesso em seu tempo, ganhando medalhas e prêmios. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, por onde passaram muitos importantes pintores da nossa história, entre os quais Candido Portinari, somente no final do século XIX passou a aceitar mulheres como estudantes.

Somente depois da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, é que a artista brasileira passou a ter seu lugar reconhecido. Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, as pioneiras do modernismo brasileiro, abriram caminho para todas as gerações de artistas seguintes.

Sabemos que neste primeiro semestre de 2011, com o apoio da presidenta Dilma, houve uma exposição de mulheres artistas no Palácio do Planalto. Pinturas, esculturas, obras em cerâmica, desenhos, gravuras, fotografias e tapeçarias feitos por artistas brasileiras como Tarsila do Amaral, Djanira, Anita Malfati, Georgina de Albuquerque, Noêmia Mourão, Collete Pujol, Lygia Pape, Mira Schendel, Tomie Ohtake, Edith Behring e Renina Katz.

Pintura de Rosa Bonheur, pintora realista do século XIX, França

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Leia também, neste Blog:

- KÄTHE KOLLWITZ, UMA ARTISTA EM BERLIM
- ANITA, A MULHER QUE MODERNIZOU AS ARTES BRASILEIRAS

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Candido Portinari no MAM de São Paulo


O Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, traz para o público uma exposição do pintor brasileiro Candido Portinari. São cerca de 90 obras, que retratam diversos períodos da carreira do artista, desde 1920 até 1945. Entre as obras mais conhecidas (“Retrato de Maria” (1932), “Domingo no morro” (1935), “Sapateiro de Brodowski”(1941) e ”Criança morta” (1944), podem ser vistos outros trabalhos menos conhecidos, como o retrato “Meu primeiro trabalho”, de 1920.


Portinari
Candido Portinari nasceu em 1903, numa fazenda de café aonde seus pais – camponeses italianos imigrantes – trabalhavam, na cidade de Brodósqui, interior de São Paulo. Desde muito cedo, seu talento para o desenho sobressaiu e, incentivado por sua família, com apenas quinze anos de idade foi para o Rio de Janeiro estudar artes plásticas. Inicialmente foi aluno de desenho no Liceu de Artes e Ofícios, até conseguir uma vaga na Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou dentro dos cânones acadêmicos da pintura.

Em1928, com a tela “Retrato do poeta Olegário Mariano” (que pode ser vista no MAM), ganhou como prêmio uma bolsa para estudar na Europa. Visitou a Inglaterra, a Itália e a Espanha até ir para Paris, onde permaneceu até 1931, quando retornou ao Brasil. Nessa viagem fez duas descobertas fundamentais – como aponta a curadora da exposição Annateresa Fabris, em seu livro “Portinari, pintor social”: ele descobriu os pintores renascentistas italianos e os pintores da Escola de Paris, “sobretudo Matisse, Modigliani, Picasso”.

Nesse período na Europa, Portinari observou muito o andamento das artes plásticas, as novas correntes estéticas que se formavam por lá. Era o começo do fim de sua influência pelas regras acadêmicas da Escola Nacional de Belas Artes do Rio.

O mestiço, de Portinari
Foi lá, distante de sua terra natal, que Portinari descobriu a riqueza plástica do Brasil e dos brasileiros. Numa de suas cartas, escreveu:

“Apesar de eu ter sangue de gente de Florença (…) eu me sinto um caipira. Daqui fiquei vendo melhor a minha terra – fiquei vendo Brodósqui como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. (…) A paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a gente com quem a gente conversou a primeira vez, não sai mais da gente, e eu quando voltar vou ver se consigo fazer a minha terra.”

Quando Portinari voltou ao Brasil em 1931, encontrou um ambiente muito novo. A Semana de Arte Moderna de 1922 já rendia seus frutos pelo país a fora e o espírito modernista tomava todas as mentes. Intelectuais e artistas estavam imbuídos desse novo modo de pensar o País, e logo veem em Portinari o representante plástico do Modernismo. Um de seus mais entusiasmados defensores era o escritor paulista Mário de Andrade.
Em 1934, Portinari faz sua primeira exposição individual em São Paulo, recebendo elogios de Mário e de Oswald de Andrade. Oswald chegou a dizer que Portinari era “o grande revolucionário da pintura brasileira”:

(…) o Brasil tem em Candido Portinari o seu grande pintor. Mais do que escola, que faça exemplo. Pintor iniciado na criação plástica e na honestidade do ofício, homem do seu tempo banhado nas correntes ideológicas em furacão. Não admitindo a arte neutra, construindo na tela as primeiras figuras do futuro titânico – os sofredores e os explorados do capital”, disse Oswald de Andrade.

Feita a escolha estética, Portinari fez a escolha social, optando por pintar o povo e o trabalhador brasileiro. Nesta exposição atual do MAM, podemos ver diversos desenhos a grafite ou a carvão, esboços para grandes paineis, onde ele representou os trabalhadores do Brasil, que eram o motor da recente industrialização que seguia de vento em popa. Pintou murais com temas como Café, Cacau, Fumo, Carnaúba, Descoberta do Ouro, Borracha, Carvão.
Mas também pintou os retirantes nordestinos em seu mundo árido, sofrido, onde a morte ronda todos os seres vivos: homens, animais e plantas. Olhando para um de seus quadros com esse tema, fazemos imediatamente a ligação com grandes textos de grandes escritores brasileiros, como “Os Sertões” de Euclides da Cunha e “Vidas Secas” de Graciliano Ramos.

Cambalhota, Portinari
Nesta exposição, minha observação pessoal é de que o modernismo de Portinari vem não só da temática por ele utilizada, em consonância com um Brasil que crescia, mas também pela estilização de suas personagens. As figuras são – de modo geral – deformadas, seja no traço, seja nas cores, seja no movimento do pincel. Algo entre a Guernica de Picasso e as litogravuras de Kathe Kollwitz podem ser observadas numa tela como “Criança morta”, de 1944. Em muitas de suas pinturas podemos observar uma forma de expressar seus sentimentos de artista que lembra muito, na minha opinião, os expressionistas alemães. “Os Retirantes”, “O enterro na rede” e até mesmo uma paisagem, como “Paisagem de Petrópolis”, são exemplos, para mim, expressionistas.

Os diversos estudos presentes nessa exposição, para diversos murais pintados por ele, lembra bastante também a estética do Realismo Social praticado no México, nos EUA e na União Soviética, quase simultaneamente (vale lembrar que os norte-americanos somente passaram a praticar o Expressionismo Abstrato somente após 1945 e o advento da Guerra Fria, quando o Realismo Social passou a ser encarado como arte “comunista”. Mas mesmo assim, pintores realistas sobreviveram e pintam até hoje). Os trabalhadores dos pintores desse período, inclusive os de Portinari, possuem grandeza, gigantismo, fortaleza. Suas mãos e pés, sua musculatura agigantada são como formas de mostrar a força do mundo novo que pessoas simples, simples trabalhadores, podem construir.

Não foi a toa, que Portinari, em 1945, se filia ao Partido Comunista do Brasil. Participando de uma exposição de artes para arrecadação de fundos para o partido, lança-se candidato a deputado federal por São Paulo. Mas não foi eleito. Em 1947, lança-se candidato novamente, desta vez a senador. Não foi eleito por uma margem muito pequena de votos, e alguns suspeitam de que sua não eleição sofreu fraude. Ainda em 1947, com as ameaças sofridas por seu partido e por ele próprio, por parte do governo de Gaspar Dutra, resolve se exilar no Uruguai. Ele tinha sido chamado a depor na polícia política diversas vezes e foi incluído em um inquérito contra os intelectuais que lecionavam na Escola do Povo, ligada ao partido comunista.

Em 1948, quando voltou ao Brasil, o Partido Comunista estava na ilegalidade e os mandatos dos parlamentares comunistas tinham sido cassados. Com isso, ele se dedicou cada vez mais a pintar, sem nunca ter oficialmente abandonado o PCB. Faz uma exposição retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo, o MASP, onde foi consagrado pela crítica e pelo público. “Sua exposição é amplamente visitada pelas camadas mais populares”, diz a curadora Annateresa Fabris.

Imigantes, Portinari
A fama de Portinari ganhou o mundo. Foi convidado a pintar dois paineis gigantes que decoram o prédio das Nações Unidas, em Nova Iorque, cuja inauguração se deu em setembro de 1957. Essas duas telas gigantes estarão também em exposição aqui em São Paulo, na Oca do Ibirapuera, a partir do próximo mês de agosto.

Cândido Portinari morreu em fevereiro de 1962, após realizar mais de cinco mil trabalhos entre desenhos, pinturas, murais, painéis, esboços e até ilustrações. Morreu intoxicado por suas próprias tintas.

Leia mais, neste blog:
- Portinari de todos os tempos
- Um samba para Portinari

EXPOSIÇÃO:
No ateliê de Portinari (1920-1945)
Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM
Endereço: Parque do Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 3, São Paulo
Data: de 15 de julho a 11 de setembro
Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O mural brasileiro de Paulo Werneck

São Paulo na tarde de ontem: Parque da Luz, centro.
Uma boa dica pra paulistano que tira férias em São Paulo: conheça São Paulo, o centro, a estação da Luz, a Pinacoteca, o Brás, a Mooca, o Mercado Municipal, a Rua São Bento, o largo do Arouche... Mas não vá de carro! A melhor coisa para quem mora e trabalha aqui é tirar férias do carro também, andar de metrô, de ônibus. Dessa forma se pode ver uma cidade que não é vista do mundo claustrofóbico do automóvel. As boas surpresas acontecem!

Foi assim que fui parar na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fui visitar a exposição "Paulo Werneck, Muralista brasileiro". A Pinacoteca vem trazendo a público um programa de exposições temporárias com a finalidade de apresentar a produção de artistas brasileiros que ainda não tiveram seus trabalhos devidamente reconhecidos ou estudados. Um desses artistas - um dos grandes criadores do período do Modernismo brasileiro - é o carioca Paulo Cabral da Rocha Werneck.


Paulo Werneck
Paulo Werneck nasceu em 29 de julho de 1907, nas Laranjeiras, Rio de Janeiro. Com apenas 20 anos de idade, iniciou sua carreira artística como ilustrador da revista A Época, dos estudantes de Direito da UFRJ, assim como se tornou ilustrador de diversos livros. E de revistas como Fon-Fon, Para Todos, Esfera, Diretrizes, Sombra, Rio Magazine e os seguintes jornais: A Esquerda, Diário de Notícias, A Manhã, Correio da Manhã, Tribuna Popular, Para Todos e o jornal Imprensa Popular, para o qual fez mais de 300 ilustrações.

Foi um desenhista e ilustrador incansável até 1928, quando aprendeu desenho de arquitetura com o arquiteto Celestino Severo de San Juan. Parte, dessa forma, a trabalhar com desenhos de perspectivas arquitetônicas, sendo o desenhista do projeto do arquiteto Marcelo Roberto para o prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), considerado o primeiro edifício modernista brasileiro, construído a partir de 1938.


Ilustração para o livro "Negrinho do Pastoreio"
Ainda em 1938, Paulo Werneck participa da I Exposição de Arte Social, organizada pelo Club de Cultura Moderna no Rio de Janeiro. A partir daí, se dedica também a ilustração de livros infanto-juvenis, como o Negrinho do Pastoreio da editora Civilização Brasileira, publicado em 1941.

De 1942 em diante, Paulo Werneck começa a realizar grandes paineis de mosaico para inúmeros edifícios e construções, inclusive residenciais, como o da casa de Juscelino Kubistchek, a pedido do arquiteto Oscar Niemeyer. Também para Niemeyer, ele produz os paineis de azulejos do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais, que inclui a Casa do Baile, o Iate Clube e o Cassino, além da Igreja da Pampulha, também do arquiteto Niemeyer, de quem se tornou um grande amigo.


Igreja da Pampulha, de Niemeyer,
com painel de Werneck
Niemeyer, em seu livro "As curvas do tempo", de 1998, disse que "sempre que me permitem, convoco os artistas plásticos. Na obra do memorial da América Latina convoquei nove pintores e cinco escultores. Na da Pampulha, meu primeiro projeto, convidei Portinari, Ceschiatti e Paulo Werneck. Eram grandes artistas, bons amigos e, como é natural, a eles sempre recorri.

Foi como muralista que Paulo Werneck se destacou nas artes brasileiras, como dizia Darcy Ribeiro: "O Paulo não foi um pintor de cavalete de quadros. Ele emprestava sua arte às construções, com seus murais, dava dignidade às paredes... ”



Em Cataguases, Minas Gerais, participou da construção de um colégio secundarista junto com grandes artistas do modernismo brasileiro na década de 50: Oscar Niemeyer, Portinari, Burle Marx, Bruno Giorgi, Ceschiatti, Djanira e vários outros.Mas Werneck também estava atento às mudanças políticas que se operavam no Brasil. 


Ilustração do jornal Tribuna Popular,
cuja uma das capas foi ilustrada por ele
para saudar um comício de Luís Carlos
Prestes em Salvador, na Bahia
Diz o arquiteto e artista plástico Carlos Martins (também curador desta exposição) que Paulo Werneck era "partidário dos movimentos contrários ao crescente avanço nazifascista, e sua produção, por todos os conturbados anos 30, vai refletir suas preocupações para com uma sociedade mais justa e digna. (...) Ao evitar uma representação de cunho didático, vai registrar a relação do homem com o meio urbano e industrial, as manifestações e festas populares, as lendas e tradições regionais, sempre com um olhar idealizado e otimista."

Era um nacionalista militante. Durante mais de 20 anos, Werneck ilustra inúmeros jornais e revistas do Rio de Janeiro. Era sua maneira pessoal de participar das mudanças políticas que estavam em curso no Brasil. 
Seu atelier, no bairro das Laranjeiras no Rio, era também um ponto de encontro dos companheiros de Werneck, militantes, como ele, do Partido Comunista do Brasil. Paulo Werneck foi desses artistas que, não satisfeito apenas com sua vida pessoal e artística, resolve ser um ator também das lutas pela liberdade e pela democracia. E pelo socialismo.

Werneck "marcou a paisagem arquitetônica brasileira com centenas de murais", diz o catálogo da exposição, que é também uma iniciativa da família do artista, que faleceu em 1987, doente de câncer.


Esta exposição é um dos primeiros resultados do Projeto Paulo Werneck que quer preservar e divulgar a obra desse artista que marcou a paisagem arquitetônica brasileira com centenas de murais.

A exposição vai até o dia 7 de julho de 2011, na Pinacoteca de São Paulo.

A exposição na Pinacoteca de São Paulo.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

São Paulo sem Macunaíma?

Uma herança maldita deixada pela campanha eleitoral pessedebista: as forças obscuras que antes pareciam desmanteladas, ressurgiram de uma forma assustadora durante a campanha para a presidência da República, espalhando ódio e preconceito. Passada a eleição, eleita a Presidenta Dilma Rousseff, a velha elite paulista, retrógrada e conservadora, agora mostra os dentes tintos da mais repugnante xenofobia. Para isso usa, como emissários, seus filhotes internautas.

Grande Otelo interpretando o personagem Macunaíma
Macunaíma, romance do paulista Mário de Andrade, nasceu junto com o movimento modernista brasileiro, na esteira da famosa Semana de Arte Moderna de 1922 e do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade. Eram tempos de descoberta de novos paradigmas trazidos pela modernidade e, como conseqüência, eram tempos de descobrir o Brasil, de conhecer o povo, a cultura e a língua brasileira. Do estrangeiro, propunha Oswald, abocanhemos o que trouxerem de bom, como bons antropófagos que somos.

Mas o Macunaima de Mário de Andrade, publicado em 1928, é a síntese do povo brasileiro. Nessa história, Mário revoluciona a escrita literária, trazendo palavras e expressões tiradas diretamente da fala do povo que ele pesquisou de norte a sul. Em Macunaíma, Mário reúne as várias regiões do Brasil, e também une, num só personagem, as três raças brasileiras: negro, índio e branco. Macunaíma nasceu no meio da floresta amazônica, “preto retinto, filho do medo da noite”.

O herói sem nenhum caráter, como diz o subtítulo do livro, vem para São Paulo atrás de sua pedra (um talismã conhecido da cultura indígena), sua Muiraquitã, que foi roubada pelo gigante comedor de gente Venceslau Pietro Pietra que morava aonde? “No fim da Rua Maranhão olhando para a Noruega do Pacaembu”, ou melhor, em Higienópolis, mesma rua, mesmo bairro de um certo FHC pessedebista. Coincidência?

Como o gigante-ladrão morava em São Paulo, “cidade macota do igarapé Tietê”, Macunaíma e seus irmãos descem o rio Araguaia e vão para a metrópole na tentativa de recuperar sua Muiraquitã. A maior parte do romance se passa em São Paulo, onde acontecem diversos embates entre Macunaíma e Venceslau Pietro Pietra. O autor, nessas refregas entre os dois, satiriza alguns aspectos da vida paulistana provinciana. Ao final, Macunaíma mata o gigante e recupera seu amuleto, partindo de volta para o Uraricoera, seu lugar de origem. O defunto Venceslau é um dos únicos do romance que não se transforma numa estrela cadente no céu...

Macunaíma é a síntese do que é ser brasileiro, essa mistura de raças, essa heterogeneidade cultural que é nossa riqueza. É o negro, o índio e o branco convivendo em paz e gerando essa linda gente bronzeada e plena de valor, lembrando o samba de Assis Valente.

Pois bem. Macunaíma – o povo brasileiro – também mora em São Paulo. Mas há uma certa categoria de gente que também mora em São Paulo que não suporta o diferente, que prefere a monotonia da monocromia cultural e racial. Essa gente não suporta sentar-se ao lado de Macunaíma em seus restaurantes e em suas viagens aéreas. Eles querem que Macunaíma volte definitivamente para o Uraricoera, lá no fim do mundo, onde vivem outros macunaímas pobres, mulatos, injustiçados pelo sistema durante séculos, que não lhes tem dado direitos básicos fundamentais.

Só que a elite de Venceslau Pietro Pietra, o gigante comedor de gente e ladrão do que há de mais essencial na cultura brasileira, essa gente que mora nos Jardins e em Higienópolis não consegue admitir que um Macunaíma-Lula-Operário tenha sido por oito anos Presidente de todos os Macunaímas do Brasil! E até da elite! Elite essa muito mal-agradecida que ganhou ainda mais dinheiro nesses últimos oito anos! Esse gigante-anão, que é essa minoria de paulistas com um olho sempre voltado para 1932, também não admite que uma cunhã (mulher, na língua de Macunaíma) tenha sido eleita para ser a Presidenta de todas as cunhãs brasileiras, pobres e ricas, e de todos os Macunaímas e Venceslau Pietros Pietras do Brasil! Sim, porque Dilma Rousseff disse que vai governar para TODOS os brasileiros!

E querem – eles, essa minoria de retrógrados – expulsar Macunaíma de São Paulo!

Esta semana, pós-eleição de Dilma, os filhotes dessa elite vomitaram em seus twits e posts seu ódio de classe e sua repugnante xenofobia: querem que os nordestinos saiam de São Paulo, querem São Paulo higienizada (né, Higienópolis?) de todos os “forasteiros”. Só que forasteiros são exatamente eles! Essa gente que odeia nordestinos, é ela que está fora de lugar, porque aqui em São Paulo, a imensa maioria dos paulistas são, como todos, brasileiros acolhedores, solidários, fraternos. São pessoas de todas as origens, cores, sotaques, culturas. São Macunaíma, a síntese da nossa cultura, a nossa heterogeneidade, a nossa riqueza!

Mas a mente mesquinha dessa gente medíocre que quer São Paulo para si, não faz ideia do que seria esta imensa cidade sem a mistura encantadora dos mil sotaques que se ouvem nas avenidas. São Paulo, a imensa realidade que cai sobre cada migrante que aqui chega, parece amedrontar quando se mostra do “avesso do avesso do avesso do avesso”.

Mas é aqui que se esconde a Muiraquitã de todos os Macunaímas, brasileiros ou estrangeiros. Nesta Babel de línguas e culturas, São Paulo é mais luz, é mais cor, é mais vida. Sem os nordestinos, as tonalidades de cinza dos céus deste lugar pesariam ainda mais sobre a alma dos que aqui habitam. Tudo seria mais triste sem o canto, a dança, a poesia, o trejeito, o molejo, a fala mansa, o coração quente, o trabalho e o abraço imenso do povo do nordeste que por aqui se aventura e que só deixou seu “cariri no último pau de arara”!

Para as gralhas xenófobas que estrilam seus gritos de morte, faço um convite nordestino:

“Batucada, reuni vossos valores
Pastorinhas e cantores
Expressão que não tem par, ó meu Brasil!
Esquentai vossos pandeiros,
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar!”

Xilogravura de J. Borges


sábado, 3 de abril de 2010

"Vejo o tempo obrar a sua arte..."

Tela "Os operários" de Tarsila do  Amaral, uma das pintoras modernistas brasileiras.
Tela "Os operários" de Tarsila do Amaral, uma das pintoras modernistas brasileiras.
"Vejo o tempo obrar a sua arte
tendo o mesmo artista como tela
Modelando o artista ao seu feitio

O tempo, com seu lápis impreciso
Põe-lhe rugas ao redor da boca
Como contrapesos de um sorriso”.

(Tempo e artista, Chico Buarque, 1993)

Muiitas vezes nos perguntamos o porquê de necessitarmos, de vez em quando, olhar para o passado. É como nossa âncora, que, apoiada no leito do rio, nos fornece segurança. Olhar para trás com “o olho de águia do pensamento”, como dizia Marx, para sabermos exatamente onde pisamos. Ou para compreendermos melhor o momento presente, o que facilita nossa ação.

Voltemos à Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 no Brasil, um evento que, por si só, seria desimportante, não fosse o contexto histórico em que se deu, tanto nacional quanto internacionalmente.

O mundo capitalista produzira uma Primeira Guerra sangrenta, enquanto na Rússia a Revolução Socialista saíra vitoriosa em 1917. O Brasil, especialmente São Paulo, se industrializava, e uma parcela muito grande de imigrantes chegava, em busca de trabalho. Greves operárias muito importantes estouraram em 1917, mesmo ano em que a pintora Anita Malfatti expôs pela primeira vez suas pinturas com clara influência do Expressionismo alemão, que tanto chocou o escritor Monteiro Lobato, avesso às novidades vindas de fora.

No próprio ano de 1922, enquanto os cabeças do movimento modernista preparavam a Semana de Arte Moderna, tenentes começavam a se sublevar nos quartéis e a preparar a famosa Revolta do Forte de Copacabana. Também germinava e frutificava a criação do Partido Comunista do Brasil, em 25 de março. Nas Artes, os sopros das mudanças que ocorriam na Europa desde o século passado, começava a incomodar nossos artistas, levando-os a buscar novos caminhos, na literatura, na música, na pintura...

Na pintura, predominava a arte acadêmica, monitorada pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Mantinha a tradição, ou, melhor dizendo, mantinha os ensinamentos que começaram com a chegada da Missão Artística Francesa, lá pelos idos de 1816. Predominava a pintura de figuras ilustres, de cenas bíblicas, de heróis e acontecimentos nacionais relevantes. É quando surge o pintor Almeida Júnior, formado inicialmente dentro do ambiente acadêmico. Este artista, depois de uma temporada na França de onde voltou em 1882, resolveu voltar os olhos para a temática regional, afirmando sua vontade de identidade com uma nação que fosse soberana. Inspirado na revolução estética do Realismo de Gustave Courbet (que preferia “pintar a verdade do que a formosura”), inaugurou o Realismo no Brasil e a primeira grande mudança nas Belas Artes brasileiras, voltando seu cavalete para a gente do povo. Ele foi a semente da futura ruptura estética causada pela Semana de 22.

O movimento modernista e modernizante, de um Brasil que se industrializava e caminhava para o seu segundo ciclo civilizatório representado pela Revolução de 30, espalhou-se em ondas pelo país, afetando as nossas artes.

Mário Zanini, Igreja de São Vicente, 1940
Em 1935, no centro de São Paulo, um grupo de trabalhadores iniciou o que ficou conhecido por Grupo Santa Helena. Eles se reuniam aos finais de semana no atelier de Francisco Rebolo localizado no Edifício Santa Helena, Praça da Sé. Para lá acorriam os pintores de parede Alfredo Volpi e Mário Zanini, o ferroviário Clóvis Graciano, o ourives Manoel Martins, o mecânico Alfredo Rizzoti, o dono de açougue Fúlvio Penacchi, o figurinista e bordadeiro Aldo Bonadei e o professor de desenho Humberto Rosa. Todos de origem humilde. Todos inscreveram seus nomes com fortes tintas na História da Arte brasileira! Pesquisando e estudando sozinhos, foram reconhecidos muito depois dos eventos da Semana de Arte Moderna, pela qualidade de suas obras.

No Rio de Janeiro, em 1931, cria-se o Núcleo Bernardelli. Seu primeiro presidente foi o artista Edson Motta, ligado à Escola Nacional de Belas Artes, mas que sonhava em trazer o modernismo para sua cidade. Organiza um Salão de Artes em 1931 com a finalidade de apresentar uma nova linguagem artística. É lá que se destacam pela primeira vez os artistas Manoel Santiago, Roberto Burle Max, Quirino Campofiorito, Rui Campelo, Cândida Cerqueira, entre outros.

Em 1938, no Rio Grande do Sul, é criada a Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, onde despontou a genialidade do artista Carlos Scliar (que foi durante muito tempo filiado ao PCdoB, como tantos artistas pelo Brasil a fora).

No Paraná, em 1940, destaca-se o gravurista Poty Lazzarotto e em 1948 é criada a Escola de Música e Belas Artes de Curitiba, com destaque para o pintor Lóio Pérsio.

Em Fortaleza, Ceará, em 1941, criou-se o Centro Cultural Belas Artes, onde se destacaram os artistas Antonio Bandeira, Inimá de Paula e Aldemir Martins. Este último, ganhou diversos prêmios com seus temas nordestinos, como na Bienal de São Paulo em 1955, e de Veneza em 1956.

Na Bahia, a partir de 1944 começou a ofensiva modernista em Salvador, com Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Rubem Valentim, Carybé, e outros.

Ainda em 1944, em Minas Gerais, o prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek, organiza a primeira Mostra de Arte Moderna, além de apresentar ao público a arquitetura de Oscar Niemeyer.

Em Recife, no ano de 1950 criou-se a Sociedade Moderna do Recife, com os artistas Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres, Reinaldo Fonseca e Francisco Brennand. Cícero Dias sempre se manteve fiel à temática de sua terra natal e seus quadros refletem a rica cultura pernambucana.

Em Natal, Rio Grande do Norte, em 1951 aconteceu a Primeira Mostra Moderna, nos Salões da Cruz Vermelha, destacando-se os artistas Dorian Gray Caldas, Newton Navarro e Ivan Rodrigues.

No Maranhão criou-se o Núcleo Eliseu Visconti, em 1959, com os artistas e intelectuais Ferreira Gullar, Luci Teixeira, Floriano Teixeira, Lago Burnett e Bandeira Tribuzi, que tinham a finalidade de renovar as artes maranhenses.

Ainda nos anos 40 foram criados o Museu de Arte de São Paulo (MASP), com o patrocínio de
Assis Chateubriand, assim como o Museu de Arte Moderna, também na capital paulista, e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 1951, fruto de todo esse processo, é realizada a primeira Bienal de Arte de São Paulo.

Cena da peça de teatro do CPC da UNE:
A mais-valia vai acabar seu Edgar
Indo um pouco mais além, podemos dizer que os ventos da modernidade brasileira alcançaram os anos 60, com a fundação de Brasília, a Bossa Nova, o Teatro de Arena, o CPC da UNE, as Neovanguardas, o Cinema Novo, o Tropicalismo. Todos esses eram movimentos que guardavam uma crença na história e no sujeito, o que nos leva a refletir: nós, artistas, emitíamos nossos pontos de vista naquela época! Emitimos hoje? Alguém ouve o que não é dito? Ou diz-se hoje para uma minoria de iniciados que tratam o público dos museus e exposições como ignorante e atrasado porque simplesmente o público não “entende” e não gosta da sua “arte”? Como disse o poeta Ferreira Gullar sobre uma Instalação artística: “De gato morto e ovo frito no prato, sinceramente não sou obrigado a gostar!”

Porque hoje assistimos a essa “arte” que se voltou a falar para si mesma, quando deveria abandonar esse autismo-narcisismo e voltar a falar do mundo e da vida. A arte da moda, a arte-mercadoria, arte-coisa, arte-objeto, arte-conceito, arte discurso. Antiarte não é Arte. O cálculo, mesmo que conceitual, da arte contemporânea me faz lembrar o bom e velho Mário de Andrade em sua Ode ao Burguês, de onde extraio o verso que encerro por hoje a minha revolta:

“Fora os que algarismam os amanhãs!”