quinta-feira, 28 de abril de 2011

Algo a ver com Perséfone?

Hoje, terceiro dia de Rio de Janeiro, fui até à Gávea, dar uma olhada no Instituto Moreira Salles, onde sempre há exposições. Foi para cá que veio primeiro a exposição de fotografias de Aleksandr Ródtchenko, antes de ir para São Paulo. Mas cheguei lá às 11 horas e ainda estava fechado. Abre às 13h, o que só descobri vindo ao local, após duas horas de ônibus e trânsito. Falha do portal, que não divulga o horário de funcionamento.

Enquanto isso, fui para o Museu do Universo, no Planetário do Rio, aqui também na Gávea. E por isso diria - dentro do velho ditado - de que os deuses escrevem certo por linhas tortas...

Plutão e Perséfone, de Gian Lorenzo Bernini,
escultor italiano, 1622
Lá no Museu do Universo vi, vendo a história da Astronomia e sua relação com a cultura dos povos, que os antigos - assim como nós - estavam visceralmente ligados às estrelas. E viam imagens nas estrelas!

Os povos de antigamente usavam o céu como pano de fundo de suas vidas, num tempo em que a luz artificial não ofuscava os céus... Nessa época não havia, nem em sonho, a "feia fumaça que sobe apagando as estrelas".

Os antigos projetavam nelas seus mitos, suas crenças, sua história. As estrelas eram pontos luminosos que se ligavam em linhas imaginárias, na imaginação de nossos antepassados. Ou pixels formadores de imagens. Olhavam ali para aquela multidão de estrelas e viam muito naquilo tudo!

Um exemplo dos mais bonitos sobre a rica capacidade humana de criar imagens e, com elas, criar sua cultura, sua riqueza artística, expor sua alma, está na constelação de Virgem. Nela, nossos antepassados viram estampado o drama da deusa Démeter, protetora da fertilidade e da agricultura. Démeter tinha uma filha de nome Perséfone. Ocorre que Plutão foi ferido pela seta de Cupido e por causa disso raptou a filha de Démeter e a levou consigo para o reino dos mortos.

Perséfone, do pintor italiano
Dante Gabriel Rossetti, pintada entre 1873-77
Desesperada, Démeter procurou a filha pela terra inteira e, não a encontrando, deixou de fazer com que o trigo nascesse. Júpiter, preocupado com isso, enviou o deus Mercúrio para que negociasse com Plutão o resgate de Perséfone. Um acordo foi feito, mas Plutão impõe uma condição que Démeter é forçada a aceitar: durante seis meses do ano Perséfone estaria com a mãe, e os outros seis meses permaneceria com ele, no Hades. Em troca desse acordo, Démeter só permite que a natureza floresça e dê frutos durante o período em que sua filha estiver com ela, período que começa na primavera e termina no final do verão. Nos seis meses em que Perséfone jaz prisioneira de Plutão, a terra não produz nada. É outono e inverno. Então quando as flores começam a brotar e a natureza dá seus frutos, enchendo tudo com mil tons de verde, é a mãe Démeter feliz com o retorno da filha. A terra se torna iluminada pela luz do sol, que cria todas as cores.

E o ser humano, cá embaixo, vendo aquela inundação de luz e cor, pega o seu pincel e sua palheta e joga sobre a tela as cores que vê ali à sua frente. Mas de uma forma que conte uma história, como contavam os antigos olhando para a imensa tela do céu... Afinal de contas, contar histórias tem sido a forma de o homem se juntar aos seus iguais, falar a mesma língua, criar laços, conexões, figurações...


No período do Renascimento italiano, pintores e escultores, como Bernini e Rossetti, interessados nesse mito, retrataram Perséfone, provavelmente intrigados com uma deusa que passava metade do ano habitando o reino de Hades, para onde vão todos os mortos. Com isso, esses artistas resgatavam velhos mitos gregos e romanos para trazer de volta o Homem para o centro do mundo, indo muito além do mito, hegemônico numa época de muito poder da Igreja Católica, do cristianismo. Démeter, Plutão, Júpiter, Perséfone... são a forma humana de inventar uma cosmologia para o mundo, inspirada nas estrelas do céu profundo. A Cosmologia avançou muito, com a ciência, mas ainda hoje é encantador olhar para o céu estrelado e rever nele as figuras que povoam a mente criativa do homem...

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Arte "Sem Título"

O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro
De volta ao Museu Nacional de Belas Artes hoje, aqui no Rio, fui concluir minha visita ao terceiro piso do prédio. Faltou ver as obras de artistas contemporâneos, como Tomie Ohtake, Flávio Shiró, Abrahan Palatnik, Eduardo Sued, Paulo Pasta, Renina Katz, Dió Viana, Laura Vinci, Iole de Freitas, Jorge Guimle, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Lygia Pape, Fayga Ostrower, Leonilson, Luíse Weiss, entre outros.

Com exceção da alta qualidade das gravuras de Renina Katz e da beleza forte do traço de Luise Weiss, o resto... bem, eu não gosto mesmo! 

- Tomie Ohtake não me diz nada; 
- não gosto das manchas polockeanas de Jorginho Guinle; 
- Leonilson, o tal endeusado pelos "experts", não me toca; 
- outra "deusa" da expertise contemporânea, Beatriz Milhazes e suas florezinhas coloridas, para mim não se encaixa no gênero das Belas Artes, o que ela faz é decoração e padronagem ilustrativa para tecidos de decoração; 
- Laura Vinci, a que vi aqui, apenas copia uma cópia da cópia da cópia da abstração; 
- Paulo Pasta, idem;
- assim como outros, a maioria que estava lá. 
Garatujas de Jorge Guinle.
Prefiro Carlos Oswald, acima.

E definitivamente não gosto de instalações. Ou melhor, gosto das primeiras instalações, aquelas do russo Vladimir Tatlin, que sabia o que fazia. Esses caras de hoje apenas copiam copiam copiam à exaustão, mas se acham - e outros "experts" acham também - que são muito criativos.

Ontem passei 4 horas observando as pinturas dos séculos XIX e XX. Hoje passei 1 hora vendo toda a parte de arte contemporânea, sem quase nada que valesse a pena me deter um pouco mais. Com exceção de Luise Weiss e Renina Katz, como disse. E somente passei todos os 60 minutos porque parei em todos, anotei todos os nomes expostos. E percebi uma coisa muito interessante sobre as obras desses artistas contemporâneos: muitos dos trabalhos - contei 11, mas tinha mais - não tinha um título para a obra. Ou melhor tinha como título o título "Sem Título"... Nem eles sabem como dar um nome à coisa amorfa que fazem? Ou será que o charme a mais da obra denominada de "contemporânea" é mesmo não ter um título?

Não tinha um único ser humano lá, além de mim, olhando para aquilo. Ou melhor, dois rapazes passaram por mim, olhando rapidamente aqueles quadros, rindo muito. Lembrei de um texto que li em um site inglês, onde o jornalista contava que fez uma pesquisa sobre quanto tempo as pessoas param em frente a obras desse tipo e concluiu que são poucos segundos... Os que param. Ainda vou falar desse texto por aqui, em breve. 

Gravura em água forte, água tinta e ponta
seca de Carlos Oswald (1882-1971)
Outra observação: textos para ler, tem! Talvez para ocupar o espaço da "obra", que parece não preencher direito a falta. Copiei estes dois exemplos, um deles de uma sala de exposições da Escola de Artes Visuais do Parque Lage: 

Exemplo número 1: "Pela percepção da essência de matéria prima num processo próprio de inspiração, (fulano) interage livremente no consciente e inconsciente. (...)"

Exemplo número 2: "(...) a exposição toca a profundidade característica da poesia e, ao mesmo tempo, sua noção de expansão. Tomando, pois, o artista como poeta de fazeres que destituem separações ou divisões de gêneros artísticos. Aventura-se na transposição de estruturas verbais em visuais e vice-versa, no limite da leitura e apreensão, no espaço em linha, luz, volume, movimento, feito poema que salta da página com alusões a formas, imagens. Sua unidade advém da expografia, cuja ordem escapa à do tempo comum. O enfrentamento dos trabalhos no espaço persegue o instante poético.”

Entenderam? ... Nem eu...

Mas tem uma música do Zeca Baleiro que resume tudo isso, olha este trecho aqui:
"Pra entender um trabalho tão moderno é preciso ler o segundo caderno,
Calcular o produto bruto interno, multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone,
Rodopiando na fúria do ciclone, reinvento o céu e o inferno
Minha mãe não entendeu o subtexto da arte desmaterializada no presente contexto
Reciclando o lixo lá do cesto chego a um resultado estético bacana
Com a graça de Deus e Basquiat, Nova York, me espere que eu vou já
Picharei com dendê de vatapá uma psicodélica baiana..."
O Parque Lage
O Parque Lage é um lindo parque que fica entre o Corcovado e o Jardim Botânico. Mata Atlântica, com árvores centenárias, palmeiras imperiais. Projetado inicialmente pelo paisagista inglês John Tyndale em 1840 ao gosto dos jardins românticos, foi parcialmente reformulado, nas décadas de 1920-30 e 1930-40. Pertenceu a uma família de sobrenome Lage. 
O prédio principal abriga a Escola de Artes Visuais. Passei hoje toda a tarde lá. Salas cheias de alunos desenhando e pintando. Um grupo de alunos estava no pátio interno, ao ar livre, fazendo desenhos de observação do prédio. Uma professora acompanhava o exercício e parava um tempo com cada aluno, orientando o desenho. Sentei-me atrás de um grupo, numa mesa, com meus lápis e meu sketchbook e desenhei um pouco. 
Fiquei observando os desenhos dos alunos, alguns bem bons. Depois dei uma passada em volta, nos corredores do prédio, onde tinha diversos cavaletes com trabalhos de alunos, começados. Pinturas em acrílico, a maioria. Alguns abstratos, alguns figurativos. Depende do professor, me disse uma aluna. Fiquei com muita inveja dessas pessoas (inveja boa) por terem um lugar como este para estudar pintura e desenho! Com o detalhe muito interessante de que qualquer pessoa pode entrar lá, pode ver as pessoas desenhando e pintando, pode comer um lanchinho ou tomar só um café na lanchonete do fundo, onde na mesa ao lado da minha um grupo de moças e rapazes fazia uma reunião para organizar sua apresentação próxima em algum teatro de alguma cidade. Eles eram atores. 
Aqui funciona a Escola de Artes Visuais do Parque Lage

terça-feira, 26 de abril de 2011

Rio de Janeiro em abril

Saí de férias e vim pro Rio de Janeiro, três dias. Intenção: visitar museus e exposições. Vim junto com uma chuva imensa que alagou a Tijuca, o Maracanã e o Estácio. O Estácio sempre me faz lembrar da voz de um dos meus cantores preferidos, Luiz Melodia: "Se alguém quer matar-me de amor, que me mate no Estácio, bem no compasso, bem junto ao paço..."

Estou aqui, no Rio. De janeiro, mas em abril.

Estou aqui nas redondezas dos Arcos da Lapa, e fui visitar a minha velha escola de pintura, a Sociedade Brasileira de Belas Artes, na rua do Lavradio. Cá está o prédio, como era antes, lindo:

Aqui foi minha primeira escola de pintura, nos idos de 1980. Não lembro o nome do meu professor, mas lembro das aulas, de mim subindo uma escada de madeira, com a maleta de tintas e pincéis na mão. E muita esperança na alma! Hoje, 31 anos depois, estou de volta. 

Converso com a diretora, Therezinha Hillal, que me disse que já estava lá, há 31 anos. Ela continua aqui, 31 anos depois! E eu? Tantas voltas dei pelo mundo! Mas de tão redondo, o mundo me trouxe de volta à SBBA. Therezinha - com th mesmo, como insistiu a secretária - me convidou a expor aqui, "quando eu quiser". Aqui tem salões permanentes, que fazem premiações, dão títulos. Uma coisa a se pensar... No fim de semana, 40 artistas ligados à SBBA estão indo expor suas pinturas em Roma, Itália. Com a curadoria de Therezinha.

Saí de lá, olhando, pensando, nas voltas que a vida dá... Fui pro Museu Nacional de Belas Artes, bem no coração da Cinelândia, aonde também fica o Teatro Municipal lindíssimo, recém-restaurado, e a Biblioteca Nacional, um dos prédios que nos levam de volta aos tempos do Rio-capital-do-Brasil e até do Rio capital da monarquia de Dom João VI... Prédios lindos, verdadeiras jóias.

Todo o setor do Museu Nacional de Belas Artes dedicado aos artistas do século XIX foi todo reformado e reinaugurado há poucas semanas. Este foi um dos motivos principais que me trouxeram ao Rio, pois um amigo me informou a respeito e me disse que eu deveria vir ver de perto. Vim.

E vi tantos artistas brasileiros, estrangeiros-brasileiros, gente pintando o Brasil e a nossa gente.

- Vi telas de Manuel Dias Brasiliense e de Manuel da Cunha;
- vi os retratos de August Müller, um alemão que veio para o Brasil e morreu aqui no Rio em 1883;
- vi um marinheiro carvoeiro, pintado por José Correia de Lima, nascido em 1814, que morreu com apenas 43 anos;
- vi Manoel Joaquim Corte Real e Felix Émile Taunay;
- vi uma paisagem pernambucana do meu conterrâneo Telles Júnior, que nasceu em Recife em 1851;
- vi a "Primeira missa no Brasil" de Vitor Meireles, vi muitos Vitor Meireles, esse pintor nascido em Florianópolis, SC, em 1832, um artista de alto nível em sua época, que contou um pouco da história do nosso país e da nossa gente. Esse quadro foi pintado em Paris entre 1859 e 1860 e é a primeira obra brasileira a participar do Salón de Paris, o que ocorreu em 1861;
- vi a imensa tela de Vítor Meireles "Batalha dos Guararapes", de quase 5 metros de altura por mais de 9 metros de largura;
- vi a linda tela de Pedro Weingarten, gaúcho nascido em 1853, intitulada "Chegou tarde!";
- vi uma velhinha preta linda, perfeitamente retratada pelo pincel de Modesto Brocos, um espanhol que veio para o Rio e aqui viveu até sua morte em 1936. Nesse quadro, a velhinha faz uma bênção a um bebê sentado no colo de uma mulata. O quadro se intitula "Redenção de Cã";
- vi diversas telas à óleo de Pedro Américo, o pintor paraibano, de Areia, nascido em 1843, que fez muitos retratos do Brasil de sua história, de sua gente. Pedro Américo é o autor da maior pintura de cavalete da história da Arte brasileira, que foi pintada em Florença, Itália: "Batalha do Avaí", uma tela gigante, de 6 metros por 11 metros. Sentei para apreciar a obra. A meu lado, três pessoas, de uma mesma família, um casal e uma senhora. Pessoas simples. Fiquei prestando atenção a seus comentários: a senhora mais velha confirmou o que disse o rapaz: "parece um filme inteiro". A tela conta uma história muito longa, dá para ficar muito tempo observando os inúmeros personagens das várias cenas da tela...
- vi Almeida Júnior, este ituano nascido em 1850, formado na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, acadêmica, clássica. Almeida Júnior, o eterno caipira paulista foi para Paris. Lá conheceu a obra realista de Gustave Courbet e voltou querendo pintar o homem brasileiro. Pintou "O Caipira mascando fumo", os "Caipiras negaceando" e "O derrubador brasileiro", entre tantos outros. Telas grandes deste pintor estão expostas aqui no MNBA do Rio;
O descanso da modelo, de Almeida Júnior, 1882, pintada em Paris
- vi que há uma sala destinada à "Pintura de Gênero", a "petit genre", que são pinturas feitas a partir de cenas do cotidiano das pessoas. Esse tema surgiu na França do século XVIII, mas já era praticado na Holanda do século XVII. Aqui no Museu, há algumas cenas do cotidiano da vida dos brasileiros, cenas realistas, pintadas por artistas como Belmiro de Almeida (1858-1935, mineiro), Francisco Aurélio de Figueiredo (paraibano, 1854-1916), Rafael Frederico (1865-1934, RJ), Rodolfo Amoedo (bahiano, 1857-1941), Eliseu Visconti (italiano, 1866, que morreu no Rio em 1944), o próprio Almeida Júnior, além de Oscar Pereira da Silva, Félix Bernardelli, Presciliano Silva e Henrique Bernardelli;
- vi esse Henrique Bernardelli, um chileno que veio para o Brasil e aqui viveu até sua morte em 1936, cujas pinturas são de alta qualidade. Elee dominava não só a pintura à óleo, mas também o pastel e a aquarela; é dele a pintura em pastel "Modelo em repouso", assim como a aquarela intitulada "Proletário";
- vi Rodolfo Amoedo, bahiano nascido em 1857, que veio para o Rio de Janeiro e aqui viveu até 1941, ano de sua morte;
- vi mulheres artistas brasileiras: Georgina de Albuquerque (1885-1962), Angelina Agostini (1888-1973), Djanira (1914-1994), Sônia Ebling (1926-2006), Maria Leontina (1917-1984), Zélia Salgado (1904-), Ione Saldanha (1921-);
- vi Portinari, Di Cavalcanti, Tomás Santa Rosa, Alberto Guignard, Quirino Campofiorito, Milton Dacosta, Lasar Segall;
- vi Iberê Camargo, Roberto Burle Marx, Frank Schaeffer, Carlos Scliar, Fulvio Penacchi, Clóvis Graciano;
- vi Yoshiya Takaoka, Jorge Mori, Manabu Mabe;
- vi Francisco Rebolo, Firmino Saldanha, Aldo Bonadei, Rubem Valentim;
- vi Alfredo Volpi e Arcângelo Ianelli (pai do meu amigo pintor Rubens Ianelli);
- vi Siron Franco, João Câmara, Glauco Rodrigues, Rubens Guerchman...

Vi tudo isso, mas nem foi tudo. Ainda tenho que voltar ao Museu Nacional de Belas Artes amanhã, pra ver o que faltou.

Fayga Ostrower
Saí de lá, avistei na Cinelândia, em frente ao tradicional bar "Amarelinho", uma feira de livros. Garimpando, garimpando, achei um livro de Fayga Ostrower, uma artista plástica brasileira, nascida na Polônia em 1920. O livro é o "Universos da Arte", de 1983. O livro foi escrito com base em um curso sobre Arte que ela deu para um grupo de 25 operários da Encadernadora Primor, do Rio. Logo na introdução ela faz um agradecimento a esses "alunos" tão especiais:

"... agradeço aos operários. Além de sua confiança, recebi deles algo que para mim é do maior valor: demonstraram-me, por sua atenção crescente, em palavras e comportamento, que a arte continua sendo uma necessidade para os homens, caminho essencial de conhecimento e realização de vida. No final de uma das aulas ouvi a seguinte observação de um operário: "A senhora sabe, eu tenho um tio, a quem conto todas as suas aulas. O tio já está velho, não enxerga mais. Mas quando era jovem, ele gostava de coisas bonitas. Ele me disse: 'Luís, o que essa moça fala não é só para você. É para que você o diga a seu filho'."

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Trabalho inútil? - Uma defesa da repetição

Sísifo, de Tiziano, pintura de 1549
Nestes dias, minhas tarefas como membro de um atelier de arte realista têm-me suscitado reflexões e angústias. Há uma luta que travo com o que desenho, luta livre entre eu e a forma que teima em me dominar. E eu que teimo em dominá-la. Nessa dialética, olho para o mundo à minha volta. E quando olho, acho que devo voltar ao meu desenho.

Viver atualmente, especialmente nas grandes metrópoles, é submeter-se a padrões de vida estonteantes. A velocidade da máquina desse sistema formado pela tecnologia e pela informação, parece impor às pessoas a necessidade de uma rapidez de mesma intensidade. Transformando os indivíduos em frenéticas partículas mantenedoras do sistema maior, o capitalismo contemporâneo.

Com isso, temos uma sociedade ansiosa, pautada pelo efêmero, que parece repudiar o que é lento, sistemático, metódico. Num tempo em que a superficialidade predomina e onde reina a estética pessoal que incentiva o individualismo, há ainda, mesmo assim, os que resistem.

Falo agora de Arte.

A chamada Arte Contemporânea é, assim como o sistema todo atual, efêmera, passageira. Criar, hoje, é  ter uma ideia instantânea; seu produto é um objeto construído em instantes, para uma observação apenas superficial. O “produto” desse ato criador não necessariamente precisa ser mais do que um simples arrazoado escrito ou transformado em vídeo. Ou qualquer coisa.

Há ainda, mesmo assim, os que resistem.

Desenhar – um ato que não se pratica mais no sistema de arte atual – é um trabalho lento, moroso, doloroso até. Dura talvez meses, talvez anos, talvez uma vida inteira. O artista fica lá, arqueado sobre uma folha de papel, ou sobre uma tela, repetindo movimentos, extraindo formas, linhas, massas, numa árdua tarefa de buscar a perfeição que faz o Mestre. Coisa mais “fora de moda”, para o sistema acima, não pode ter...

Lembro de uma entrevista com meu amigo, o artista Rubens Ianelli que recorreu a um dito do pintor Van Gogh onde este comparou o ato de desenhar ao trabalho de abrir um buraco numa chapa de ferro, usando-se apenas uma lima... Porque é isso, porque há um poder intrínseco à repetição... Como diz o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, Poesia (num sentido amplo) é repetição. Acrescento: Música é repetição, Pintura é repetição...

Penso no mito grego de Sísifo, o que desafiou os deuses. Por sua afronta, foi condenado a, por toda a eternidade, empurrar uma pedra montanha acima, até o topo. Chegando perto do topo, a pedra rolava para baixo e ele tinha que recomeçar tudo. A vida do artista se assemelha muito ao trabalho de Sísifo. Aparentemente inútil, aparentemente uma condenação. Albert Camus, escritor franco-argelino disse certa vez que Sísifo é a imagem daquele que vive sua vida ao máximo e que mesmo que outros não vejam sentido no que faz, ele continua executando sua tarefa diária. E compara esse mito com a vida dos trabalhadores: "O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas é trágico quando em apenas nos raros momentos ele se torna consciente", diz ele. Mas diz também, e tão bem, o poeta Vinícius de Moraes em Operário em Construção: “O operário faz a coisa e a coisa faz o operário”... Nessa aparente falta de sentido de seu trabalho, oculta-se a genialidade.

E o domínio técnico, que transforma simples mortais em gênios. A repetição cria o mestre. Cria também calos nas mãos, marcas no corpo e na alma. Assim como cria vícios, acomodamentos e dores. Porque há momentos em que o artista necessita se recriar, rolar de novo a pedra montanha acima. Recomeçar. Nunca mais do zero, pois a experiência anterior joga a seu favor.

Ainda bem que a vida não se resume à tensão masoquista pós-moderna. Há ainda o trabalho lento, metódico, de bordadeiras, de rendeiras, de artesãos, de poetas, de pescadores solitários lançando sua rede, de agricultores silenciosos lançando sementes ao solo. E de músicos. Há o trabalho diário do violonista, sentado horas e horas diante da partitura, violão abraçado ao peito, dedilhando acordes fáceis e complexos, num ritual sagrado de repetição em busca da perfeição, do domínio absoluto do instrumento, do seu violão que vai tocar aquela sonata que irá enlevar a alma dos que o irão ouvir...

Ou o trabalho solitário e silencioso do pintor em seu atelier, anos a fio debruçado sobre uma folha em branco, ou sobre uma tela, trabalhando o desenho, achando a proporção certa, dada pela observação dos movimentos da luz. Trabalho quieto de olhar para as coisas do mundo e ver na realidade o que a maioria não vê. E transformar o que vê no desenho ou na pintura perfeitos. Não uma mímese perfeita do real, mas a captação do momento pictórico tornado perfeito. Tornada perfeita a expressão dos movimentos da luz que incide sobre o mundo, em suas infinitas gradações que vão da sombra mais profunda à luminosidade mais incandescente...

Sim, é necessário empurrar a pedra morro acima, diariamente. Repetição é movimento e movimento é Vida.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Novos estudos com carvão e lápis-carvão

Nas duas últimas quintas-feiras, com sala cheia, assistimos A FALECIDA, longa de Leon Hirszman, adaptado da peça homônima de Nelson Rodrigues e conversamos sobre ele, aspectos técnicos, poéticos, estéticos, simbólicos, etc. É um filme de 1965, quando Leon Hirszman tinha apenas 27 anos de idade. Dirigiu atores desse filme como Paulo Gracindo, Fernanda Montenegro, Wanda Lacerda, Nelson Xavier, Hugo Carvana, Zé Kétti, José Wilker e outros menos conhecidos porém igualmente importantes para o cinema brasileiro.


Leon estreou com o curta PEDREIRA DE SÃO DIOGO, um dos episódios de CINCO VEZES FAVELA, de 1962, produzido pelo CPC da UNE, de que foi fundador, tendo iniciando sua saga de cineasta, como todos então, nos cineclubes da época. 

Nossos fóruns estão sendo gravados e editados pelo cineasta e cineclubista JOÃO Luís de BRITO Neto. Assim, estamos elaborando o memorial do nosso "Ciclo Antônio Gouveia Jr" de cinema e literatura. 

Inspirada no filme, fiz este desenho. A moça que tinha os dias contados se envolve com a ideia da própria morte. Aqui abaixo, ela olhando para ela, a morta-viva ou viva-morta, pois assim era a vida da personagem principal. Ela, que desejava ter o enterro mais chique do mundo para ter na morte o que a vida não lhe deu. No fim morreu como viveu, pobre mulher de subúrbio, casada com um malandro jogador de sinuca.


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Estudos do atelier:

Estudos feitos à carvão e lápis-carvão, com modelo vivo. A ideia é aperfeiçoar o uso da massa aberta e do Valor para dar a ideia de profundidade tridimensional. Observar a incidência da luz, os valores diversos das áreas de sombra. Desenho construído de fora para dentro com o uso do gestual. O modelo é o Tiago, aluno do atelier de Maurício Takiguthi, pintor realista de São Paulo, com quem estudo atualmente.

estudo n. 01
estudo n. 02
estudo n. 03
estudo n. 04
estudo n. 05
estudo n. 06