sexta-feira, 13 de maio de 2011

Debret desenha o Brasil


A Caixa Cultural de São Paulo inaugurou, no último 3 de maio a exposição Debret – Viagem ao Sul do Brasil. A mostra  reúne 60 desenhos e aquarelas do artista francês Jean-Baptiste Debret, que viveu durante 15 anos no Brasil, a partir de 1816, integrando a Missão Artística Francesa. Esses desenhos e aquarelas fazem parte do acervo dos Museus Castro Maya, que possui a maior coleção de obras de Debret existente no Brasil.
Esses trabalhos expostos foram feitos pelo artista numa viagem ao Sul do Brasil, em 1827, na comitiva de D. Pedro I, quando percorreram os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. São registros da costa sul brasileira, paisagens da mata nativa, assim como retratos de índios, brancos e negros em seu cotidiano e até mesmo em festas e tradições populares.
Uma outra parte da exposição apresenta aquarelas realizadas no Rio de Janeiro, que retratam a vida urbana na Corte, incluindo a pompa do Império. Mas também se destacam as aquarelas onde Debret descreve o cotidiano dos escravos, seus hábitos, suas vestimentas, seu trabalho.
O artista
Auto-retrato
Jean-Baptiste Debret  nasceu em Paris em 18 de abril de 1768, morrendo também em sua cidade no dia 28 de junho de 1848.  De uma família de artistas, era sobrinho-neto do pintor e gravador François Boucher e primo de Jacques-Louis David, grande mestre do Neoclassicismo francês que pintou o famoso quadro "Marat assassinado", onde ele retrata a morte de um revolucionário francês (Jean-Paul Marat), em 14 de julho de 1793. Debret estudou na Academia de Belas Artes de Paris e foi um dos pintores oficiais do império que retratou as façanhas de Napoleão. Veio para o Brasil à convite de D. João VI.
Mas, sendo francês, pela importância de seu trabalho artístico como registro da história e da cultura brasileira, podemos considerá-lo como um dos artistas importantes de nossa História da Arte. Debret fundou no Rio uma academia de artes que mais tarde ficou conhecida como Academia Imperial de Belas Artes. Lá, ele deu aulas de pintura.
Quando voltou à França em 1831, levando consigo uma quantidade considerável de desenhos e pinturas sobre o Brasil, publicou o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, onde documenta diversos aspectos da natureza, do homem e da sociedade brasileira daquela época.
As obras, que compõem essa exposição Debret – viagem ao Sul do Brasil foram adquiridas pelo empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968), em Paris, no final dos anos 1930, tendo também adquirido uma boa quantidade de obras inéditas de Debret sobre o Brasil. Os Museus Castro Maya, no Rio de Janeiro – Museu do Açude e Museu da Chácara do Céu –, têm origem na coleção de arte, formada ao longo da vida, por esse empresário, que era também mecenas das artes e colecionador.
Anote aí:
Exposição Debret – Viagem ao Sul do Brasil
de 4 de maio a 19 de junho de 2011
Horário de visitação: terça-feira a sábado, das 9h às 21h, e domingos e feriados das 10h às 21h
Local: CAIXA CULTURAL São Paulo (Paulista) – Conjunto Nacional
Av. Paulista, 2083 – São Paulo

terça-feira, 10 de maio de 2011

O cinema que resiste

Ontem à noite, no Espaço Unibanco, uma das mais importantes referências de sala de cinema de São Paulo, 260 pessoas lotaram a sala 1 para assistir ao filme "Botinas no Elevador", um curta metragem que tem a direção de João Luiz de Brito Neto.


O roteiro - de Edson Araújo Lima - conta alguns momentos da vida de João Luiz como militante político em pleno período de Ditadura Militar no Brasil. João era do Partido Comunista, além de já ser envolvido com o cinema e com os cineclubes de São Paulo.


O filme não é literal, mas apresenta de forma ágil e simbólica, um pouco do que foram aqueles anos de falta de liberdade, quando, mesmo assim, milhares de brasileiros pelo país a fora, resistiam. Muito morreram, muitos desapareceram, muitos foram torturados, presos, marcados. Ao final do filme, uma lista completa com todos os nomes dessas pessoas - verdadeiros heróis do povo brasileiro - que morreram e desapareceram. Também faz agradecimentos a dirigentes comunistas importantes, como João Amazonas, um dos principais líderes do Partido Comunista do Brasil.


Foi muito interessante - emocionante até - ver como o movimento do cinema independente, dessas pessoas que resistem, há décadas já, no movimento cineclubista de São Paulo, consegue reunir tanta gente numa segunda-feira às 21h30! Pessoas amantes do cinema, artistas, intelectuais, cineclubistas, atores, roteiristas, produtores culturais, estudantes universitários... todos estavam ali. E todos aplaudiram de pé - quando acabou o filme - a lista dos nomes de militantes de esquerda brasileiros mortos e desaparecidos da época da ditadura.


Mais uma vez mostra a necessidade, cada vez mais urgente, de o Poder Público investir, apostar mais nesses artistas brasileiros de todas as áreas que continuam produzindo arte, enriquecendo o imenso acervo nacional, na imensa maioria das vezes sem recursos financeiros, sem incentivo a não ser a sua imensa vontade individual de criar.

Mendigo contemporâneo do centro de São Paulo

Foto no viaduto Santa Ifigênia, centro de São Paulo, 8 de maio de 2011


Um homem pede esmolas no centro de São Paulo, pleno domingo de sol de outono. Um estranhamento ronda sua figura plástica, pictórica, coberta de uma mesma tonalidade marrom como sua pele. Sigo pelo viaduto Santa Ifigênia, mas meus pensamentos ficam lá com aquela figura.

O mundo que ronda esse homem transformou-se num grande mercado e ele tenta, lá do seu jeito torto e trágico, captar as sobras, os restos da Grande Feira deste mundo pós-moderno. O capitalismo passa como uma máquina monstruosa sobre esse homem, relegado à ignorância, à fome, ao abandono, à solidão mais absoluta de um homem só, sozinho contra um mundo!


O jovem mendigo (1645-1650), de
Bartolomé Esteban MURILLO (Sevilha, 1618 -1682)
Museu do Louvre-Paris-França
Um pintor espanhol do século XVII, Bartolomeu Esteban Murillo (1618-1682) também pintou um mendigo. No caso, um menino mendigo, um menino de rua, como tantos que havia na Sevilha desse tempo, quando a Espanha vivia sua Idade do Ouro.


O mendigo de Murillo é um garoto vestido com trapos, com os pés sujos, sentado no chão, sozinho no canto de um interior em ruínas. Ele parece ocupado em se livrar das pulgas que incomodam. 

Murillo escolheu, como artista, pintar os pobres de seu tempo. Ele se inspirou na pintura de Caravaggio, o mestre italiano. Como este, também inclui os contrastes violentos de luz e sombra que caem sobre suas figuras pintadas, que recuperam algo de sua dignidade de ser humano.

Mas o mendigo de São Paulo é sombrio naturalmente. Nada tem de gracioso, de harmônico, de digno. É mais um dos muitos que encontramos vagando pelo centro da cidade, expostos à fome, ao tempo, às drogas. Porque são mendigos de agora, mendigos versão contemporânea, sobrevivendo em permanente asfixia, numa rotina que se repete como os piores sonhos! Eles e seus pés andarilhos.
Desenho com lápis grafite, 2010

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A estranha perspectiva de Maurits Cornelis Escher

 
Auto-retrato
Fui visitar a exposição “O mundo mágico de Escher” no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro de São Paulo. A mostra reúne 94 obras, entre gravuras originais e desenhos, incluindo todos os trabalhos mais conhecidos do artista. 

Durante mais de 50 anos de trabalho, MAURITS CORNELIS ESCHER – este é seu nome completo – fez desde simples desenhos com lápis, assim como xilogravuras, litogravuras e linoleogravuras representando perspectivas estranhas de construções impossíveis, fazendo explorações gráficas com a ideia de infinito e diversos estudos em que metamorfoseou padrões geométricos em peixes, pássaros e outros bichos.

Um pouco de sua biografiaEscher nasceu em 17 de junho de 1898 em Leeuwarden, na Holanda. Em 1903 a família mudou-se para Arnhem. Em 1922, Escher, já tinha muito domínio sobre o desenho e, em especial, sobre a xilogravura. No início de 1919, frequentou a Escola de Arquitetura e Artes Decorativas em Haarlem, onde começou a estudar arquitetura, mas acabou se dirigindo para as artes decorativas, estudando sob a direção de Samuel Jesserun de Mesquita, um artista com quem  manteve contato até a morte deste, pelos nazistas, em 1944.

Escher parte para Florença em 1922, onde desenhou incansavelmente a paisagem italiana vista a partir de perspectivas incomuns. Ele também gostava de desenhar pequenos animais ou pequeninas formas de plantas que ele via pelo microscópio. Em 1924, já com sua esposa Jetta Umiker mudou-se para Roma, e lá ficou até 1935, quando o clima político de Mussolini tornou-se insuportável. Foi para Chateau d'Oex, na Suíça, onde permaneceu por dois anos, mas como não gostava de lá resolveu ir morar em Uccle, uma pequena cidade da Bélgica, próxima a Bruxelas.

Mas a violência da II Guerra Mundial o obrigou a mudar-se novamente em 1941, só que, desta vez, para a cidade de Baarn, em seu país natal, onde viveu até 1970. Morreu em Hilversum, também na Holanda, em 27 de março de 1972. Suas obras mais conhecidas datam deste período, onde o clima nublado, frio e úmido da Holanda lhe permitiu se concentrar totalmente na sua obra.

Desenhando-se, litografia, 1948, 28,5 x 34cm
Escher foi considerado um grande matemático geométrico, além do grande artista. Ele brinca com a representação tridimensional do espaço no plano bidimensional da folha de papel. No desenho, ele criava figuras impossíveis, representações distorcidas, paradoxos. Algumas de suas gravuras apresentam verdadeiras ilusões de ótica em relação à perspectiva. Em alguns desenhos ele mostra uma espécie de loop infinito, onde não se pode saber se as pessoas descem ou sobem escadas, se olham ou são olhadas. Em um de seus desenhos que eu mais gosto, estão duas mãos se desenhando uma à outra. Outros desenhos mostram construções impossíveis, num desenho cheio de truques de perspectiva.

Relatividade, litografia, 1953, 28 x 29cm
O desenho de Escher possui forte componente matemático. Ele brincou com os sólidos de Platão, com equações de Mobius, com o cubo de Necker e o triângulo de Penrose, o famoso matemático britânico, Roger Penrose, que era seu amigo pessoal.

Os experts em seu trabalho, dividem sua obra em dois períodos: os desenhos feitos antes de 1937 e os pós-1937, pois foi nesse ano que ele começou a dar rédea livre à sua imaginação de matemático e geômetra. O primeiro período corresponde ao que ele morou na Itália e Suíça. Na Itália, por exemplo, ele reproduziu muitas paisagens e cidades italianas com riqueza de detalhe. Mas já nesse período (dá pra perceber vendo seus desenhos nessa exposição de São Paulo) ele mostra sua forma muito pessoal de representar a realidade que vê. Muito observador do mundo por onde passa, ele quer mostrar as coisas de uma forma diferente do lugar-comum.

Queda d'água, litografia, 1961, 38 x 30 cm
Mas foi na segunda fase, pós-1937, que Escher começou a mexer com o espaço, justapor figuras, realizar metamorfoses, fazer translação, rotação, reflexão e até dilatação de figuras e construções. Além disso, a exposição evidencia os efeitos de alguns fenômenos de espelhamento, perspectiva e matemática em diversas instalações interativas, onde é possível brincar um pouco com as formas criadas por Escher.

Vale muito a pena ir dar uma olhada na exposição de um artista que desenhou por mais de 50 anos em sua vida! Escher é um grande exemplo de dedicação ao desenho.

Anote aí:
Exposição “O mundo mágico de Escher”
De 19 de abril a 17 de julho de 2011
De terça a domingo, das 9h às 20h
Local: CCBB – Rua Álvares Penteado, 112 centro 
São Paulo-SP

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O olhar necessário para a Cultura

Duas instituições oficiais brasileiras – o IBGE e o IPEA –, em parceria com o Ministério da Cultura, publicaram resultados de pesquisas sobre o consumo cultural do povo brasileiro, em 2007. O resultado mostrou como a injusta distribuição de renda no Brasil deixa a imensa maioria do povo sem poder ir ao cinema, ao teatro, ao museu, e sem acesso a livros. Mostra também como a Educação está intrinsecamente vinculada ao gosto e à fruição de cultura, pois quanto maior o grau de escolaridade, mais consumo cultural.

No final de semana de 16 e 17 de abril em São Paulo, durante 24 horas, mais de 4 milhões (!) de pessoas foram para o centro da cidade para se alimentar de arte, na Virada Cultural. Espalhados em diversos palcos, artistas de categorias as mais diversas tiveram como público verdadeiras multidões. Dois exemplos me tocaram especialmente: primeiro, no Pátio do Colégio – lugar histórico do centro de São Paulo – acontecia, no sábado à noite, dia 16, a apresentação do grupo de Ópera "Pagliacci" que, junto à Orquestra Sinfônica Municipal e ao Coral Lírico, encenou uma peça musical. Não sei dizer quantas pessoas cabem no Pátio do Colégio, mas estava absolutamente tomado de gente, em silêncio impressionante, olhos no palco e no telão da tradução do italiano para o português! Gente de todo tipo, todos juntos ouvindo a orquestra e a voz de tenores e sopranos. Segundo exemplo: no encerramento da Virada Cultural, na Praça da República, Paulinho da Viola atraiu uma multidão, que cantava e dançava sem parar. Mesmo nos dois momentos em que o cantor executou duas músicas instrumentais, o silêncio aqui também era tocante, encerrado apenas ao final das músicas quando a multidão aplaudia, gritava e assobiava. E voltava a cantar, junto com ele, os clássicos do samba bom de Paulinho da Viola.

Este é apenas um dos inúmeros exemplos que podíamos dar sobre a importância crucial das artes e da cultura na vida do homem. Se incluirmos todas as festas populares, os eventos folclóricos, as atividades artísticas que acontecem pelo Brasil a fora, chegaremos, com certeza, a números altíssimos.

Pois a ideia de que Cultura é algo supérfluo é totalmente enganosa diante das prioridades e da alocação real de recursos das famílias brasileiras. Uma importante constatação fez o IPEA: as famílias brasileiras em seu conjunto dispensam mais recursos de seu orçamento para a fruição de produtos culturais do que o governo gasta com Cultura! As classes A e B consomem 3,5% de seu orçamento com cultura; a classe C, 3,1%; e as classes D e E (onde se incluem os “miseráveis”) 2,3%. 

No Brasil, em 2010, o orçamento da União para a área chegou em torno de 1%, alcançando um patamar alto, se comparado com governos anteriores, como os de FHC, Fernando Collor, etc. Mas muitíssimo abaixo da importância que tem o setor para o desenvolvimento de qualquer povo e país. É sempre bom lembrar que Gramsci, um marxista bastante empenhado em destacar o papel que a cultura exerce na vida em sociedade, disse certa vez que nenhuma grande transformação política pode ser feita sem uma grande transformação cultural. 

Mas se o Poder Público ainda não se convenceu da importância que deve ser dada à Cultura, a empresa privada sabe. Diz a pesquisa do IPEA que o “desenvolvimento cultural tem seguido a direção da crescente privatização dos espaços de produção, fruição e consumo, da ampliação dos espaços de mercado e da relevância crescente da cultura transmitida por meios eletrônicos.” Por isso também, o consumo de bens culturais mantém relações estreitas com as desigualdades sociais. Pois se a maioria do povo não é “dotado de capital econômico” isso “implica alta probabilidade de desapossamento do gosto e dos hábitos de consumo de certos bens da cultura, ou seja, implica uma grande possibilidade de desapossamento cultural”, diz o IPEA. Um outro dado importante do IBGE: de 2003 a 2005 as empresas da área cultural tiveram um crescimento 19,4% superior ao total de empresas de outros setores. Entre 2005 e 2006, em consequência, o número de trabalhadores do setor cresceu 5,4%, contra os 2,4% de trabalhadores de outras categorias.

O relatório do IBGE lembra que nas duas últimas décadas do século XX Cultura deixou de ser sinônimo de Belas Artes e luxo acessível a uma elite, para ser encarada como direito humano que pertence a todos. E acrescenta que “mais recentemente, a palavra “Cultura” como termo e como conceito, passou a ser incorporada às cartas constitucionais da maior parte dos países latino-americanos”.

Apesar de terem se passado quatro anos da divulgação dessas pesquisas, elas mantém sua atualidade, porque esses números lançam sobre o governo a responsabilidade imensa de tentar diminuir a desigualdade social, também na área da cultura. Dilma Roussef tem falado em erradicação da miséria; não podemos esquecer que acabar com a miséria econômica passa por também acabar com a miséria cultural, e passa por propiciar, à ampla maioria da população, o direito básico e fundamental da fruição de Cultura.

É muito preocupante, portanto, que neste ano de 2011 o governo vá pagar 230 bilhões de reais de juros a banqueiros, a tal dívida pública! Esse montante é quase 15 vezes maior do que o que deve ser destinado ao Bolsa-Família e quase seis vezes maior do que os 40,1 bilhões de reais destinados ao PAC. Para piorar a situação atual, no recente corte de 50 bilhões feitos pelo governo, nos gastos públicos, a Cultura é um dos setores duramente atingidos.

Essa situação só agrega mais injustiça social, pois os mais ricos podem continuar indo a shows, ao teatro, ao cinema e podem comprar livros, enquanto que a imensa maioria do povo ainda está longe disso, como se vê na pesquisa “O Consumo Cultural das Famílias Brasileiras”, do IPEA: 

- das pessoas das classes D e E, 92% nunca vão a shows, 95% nunca alugam filmes, 83% nunca vão ao cinema, 92% nunca vão ao teatro e 75% nunca leem nada (nem livro, nem revista, nem jornal)! A maior forma de fruição cultural da maioria das famílias brasileiras vem – pasme-se! – da televisão!

Um país com 5.565 municípios (censo do IBGE de 2010), possui 2.953 municípios que não têm um único centro cultural, um único museu ou cinema! 84,6% das cidades brasileiras não têm órgãos exclusivos para gerir cultura e só 4,2% possuem uma Secretaria de Cultura!

Além disso, se convive com uma produção simbólica que circula em aura de raridade, não pela sua raridade e genialidade intrínseca, mas em razão da falta de apoio institucionais consistentes. Nesse cenário, o bem cultural distante e produzido por especialista ganha um encanto que permite tanto sua sacralização quanto seu desprezo, dada a dificuldade para entendê-lo”, acrescenta o estudo do IPEA (grifo meu). Onde espaços públicos de cultura são escassos e pouco acessíveis e os deslocamentos confusos, desorganizados e caros, resta outra alternativa do que a telinha e o plim-plim?

É preocupante saber que o consumo cultural das classes D e E, e mesmo da C, é pouquíssimo direcionado às belas artes e às letras! Pois isso mostra que bens culturais estão fortemente submetidos à extrema desigualdade de renda, às desigualdades de escolarização e à desigualdade de acesso a equipamentos públicos que ofertem bens culturais variados. Para completar o índice das desigualdades: o que dizer de um povo cujo público consumidor de livros reside em 90% nas classes A e B? E que 75% das classes D e E não leem sequer jornal ou revista, quanto mais livros? E que apenas 42% dos pobres têm mais de 10 livros em casa (incluindo aí livros didáticos e religiosos)?

É necessário pensar a política cultural brasileira a partir de uma ênfase que seja inovadora, para propor rumos diferentes que levem nosso povo a um outro padrão de vida econômico, social e cultural. Para um necessário salto de civilização, a cultura concorre em muito! Proponho, em face disso, um olhar reflexivo maior – e mais frequente – sobre a vida cultural do povo brasileiro.

Estudantes de escola pública visitam exposição de pinturas
de Anita Malfatti, no CCBB, em Brasília, 2010