terça-feira, 20 de março de 2012

Alberto Giacometti e suas figuras esmagadas

O cão
A Fundação Alberto e Annette Giacometti traz pela primeira vez ao Brasil, a primeira grande retrospectiva dedicada à obra do artista suiço Alberto Giacometti (1901-1966). A Pinacoteca do Estado de São Paulo inaugura a temporada sul-americana da mostra neste final de semana, dia 24 de março. Para a exposição foram selecionados cerca de 280 trabalhos, sendo 80 esculturas de tamanhos variados, 40 pinturas, 80 trabalhos sobre papel, 56 fotografias e documentos. Ao todo, são mais de 220 obras da coleção da Fundação Alberto e Annette Giacometti.
Homem andando, Giacometti
A exposição permitirá aos visitantes observar o desenvolvimento da carreira de um dos artistas mais marcantes do século XX, desde seu período de formação, na oficina de seu pai na Suíça, até suas últimas obras. Mostrando todos os aspectos da produção de Giacometti (esculturas, pinturas, desenhos, gravuras e escritos), a exposição aborda os principais temas do pensamento criativo do artista: a influência de Cézanne, a descoberta da arte Africana em 1926, a marca duradoura do pensamento mágico e do surrealismo, a invenção de uma nova representação do ser humano. A busca intelectual da Giacometti se aproximou dos maiores pensadores de sua época: André Breton, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Jean Genet, que são mencionados na exposição através de retratos e textos.
A Fundação também destaca que diversos colecionadores e amantes da arte na América do Sul, interessados e atraídos pela efervescência cultural de Paris nos anos 1930, adquiriram obras do artista, como a argentina Elvira de Alvear. Uma cópia desse trabalho se encontra na exposição, acompanhada por outras que foram adquiridas pelo MAM do Rio e pela Bienal de São Paulo em 1951. O evento teve estreita colaboração entre a Fundação Giacometti, os museus do Brasil e Argentina onde a exposição passará, além do patrocínio da Embaixada da França no Brasil e do apoio do Ministério da Cultura e de patrocinadores privados.
A seleção das obras que serão apresentadas, foi feita por Véronique Wiesinger, curadora da exposição e diretora da Fundação Alberto e Annette Giacometti. Ela se preocupou em apresentar as variações do percurso artístico de Giacometti ao longo de meio século, destacando a influência da escultura africana e da Oceania. Giacometti se deixou influenciar bastante pela arte primitiva, criando um estilo muito característico dele. Também sofreu influências do Surrealismo e sua obra “Bola suspensa”, feita entre 1930-31, é considerada por André Breton o melhor exemplo de uma escultura surrealista.
A mostra traz desde os retratos do artista executados por seu pai e por seu padrinho, ambos pintores, até as esculturas monumentais. O tema da cabeça humana é recorrente na obra de Giacometti, que realizou centenas de estudos sobre a cabeça e sobre os olhos do ser humano. Há salas para as esculturas onde as figuras são engaioladas, assim como bustos, pintados ou esculpidos, com destaque para os retratos de sua esposa Annette e de Rita, a cozinheira de sua mãe. Nos corredores da Pinacoteca estarão esculturas de grandes dimensões. E no vão central, a monumental escultura “Homem caminhando”, que integra o importante conjunto concebido para o projeto do hoje Chase Manhattan Plaza, em Nova Iorque, em 1960.
Essa exposição ficará em São Paulo até o dia 17 de junho. Depois segue para o Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, de 17 de julho a 16 de setembro, e encerra a temporada lation-americana na Fundación Proa, em Buenos Aires, de 13 de outubro a 9 de janeiro de 2013.

Biografia

Giacometti, nankin de Jan Hladík, 2002
Alberto Giacometti nasceu na Suíça, em 10 de outubro de 1901. Era o mais velho de quatro filhos do pintor impressionista Giovanni Giacometti, de quem o menino Alberto recebeu todo o incentivo para se tornar artista. Pintou seus primeiros trabalhos usando como modelos as pessoas de sua família ou seus colegas de escola. Depois da educação mais formal, ele foi estudar na École des Beaux Arts de Genebra, antes de ir para Paris em janeiro de 1922.
Logo no início, Giacometti participou de uma oficina com Antoine Bourdelle, na Académie de la Grande Chaumière, em Montparnasse, onde eu estive fazendo aulas de modelo vivo, em outubro de 2011. Alberto Giacometti descobriu o cubismo, a arte africana e a estatuária grega, que foram fundamentais para influenciar seu trabalho no futuro. Em dezembro de 1926, Giacometti foi morar na rua Hippolyte-Maindron número 46, em Paris, de onde nunca mais se mudou, apesar de ser um lugar pequeno e desconfortável. Embora a maior parte de sua produção tenha sido feita em Paris, Giacometti retornou frequentemente à Suíça, onde trabalhava na oficina de seu pai. Em 1927, expôs seus primeiros trabalhos no Salon des Tuileries.
Em sua vida parisiense das primeiras décadas do século XX, Giacometti se aproxima dos surrealistas e expõe com o pintor espanhol Joan Miró em 1930. Convive com intelectuais e artistas como Tristan Tzara, René Crevel, Louis Aragon, André Breton, Salvador Dali e André Masson, juntando-se oficialmente aos surrealistas de Paris em 1931. Ele também ilustrou livros de René Crevel, Tristan Tzara e André Breton.
A partir de 1935, Giacometti prefere voltar a um trabalho mais próximo da realidade, e aos retratos e naturezas-mortas. Quando ele ainda tinha 20 anos, havia feito uma viagem à Itália com seu pai, e a pintura de Tintoretto e Giotto foram uma grande revelação para ele. Foi nesse período, em 1935, que ele fez inúmeros desenhos da cabeça, usando seu irmão como modelo. Em seu atelier apertado da rua Hippolyte-Maindron onde também morava, era difícil pintar seus modelos: sua esposa Annette, seu irmão Diego e seus amigos, entre os quais Jean Genet (que escreveu o livro “O Atelier de Giacometti”).
Nesses estudos, ele se martirizava muito, apagava tudo o que fazia, corrigia, repetia tudo, se angustiava ao ver que os anos em que ficou longe do desenho agora lhe traziam dificuldades.
Durante o período em que durou a segunda guerra mundial, dizem, tudo o que Alberto Giacometti produziu caberia “em poucas caixas de fósforos”. Em dezembro de 1941 ele sai de Paris e vai para Genebra, onde continua a produção das esculturas minúsculas que havia iniciado em Paris. Ele sentia dificuldade em fazer esculturas grandes, e isso o incomodava. Mas só depois do fim da guerra é que ele consegue voltar a uma produção mais intensa e com figuras cada vez maiores. A forma de moldar cabeças e figuras como se tivessem sido esmagadas pelo espaço a seu redor, dá a impressão de que elas quase reduzem-se a esqueletos em movimento.
A partir de 1945, com a prática do desenho, Giacometti consegue criar figuras de tamanho grande, mas com esse aspecto de esqueletos compridos, alongados. São bustos, figuras em pé, imóveis, figuras em movimento. Em setembro de 1945, Giacometti retornou a Paris, e em 1949 se casa com Annette Arm. Somente em junho de 1951 realiza sua primeira exposição após a segunda guerra, em Paris.
Em 1948, Jean-Paul Sartre assinou o prefácio da primeira exposição de Giacometti em Nova York, “A busca do absoluto”. Após a metade da década de 1950, Giacometti volta-se para fazer cabeças, bustos e figuras. Representando a França na Bienal de Veneza em 1956, Giacometti exibiu uma série de figuras femininas. No final de 1958, ele recebeu um pedido para criar esculturas para onde hoje é o Chase Manhattan Bank, em Nova Iorque. Para este monumento, ele cria três elementos: uma grande mulher, um homem andando e uma grande cabeça.
Busto de homem
No final de sua vida, Giacometti foi um artista bastante reconhecido e ganhou diversos prêmios, como o Internacional Carnegie da Bienal de Veneza, em 1962.
Alberto Giacometti morreu em Chur, Suíça, no dia 11 de janeiro de 1966. Seu corpo foi transferido para Borgonovo, onde nasceu, e foi sepultado junto ao túmulo de seus pais. Sua viúva se dedicou a cuidar de sua obra, lançando as primeiras sementes da futura Fundation Alberto e Annette Giacometti Foundation, que abriga um grande número de pinturas e esculturas do artista, e um centro de pesquisa e documentação.

Serviço:
Exposição "Alberto Giacometti: Coleção da Fondation Alberto et Annette Giacometti, Paris"
de 24.mar a 17.jun 2012
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Praça da Luz, 2 São Paulo, SP
Tel. (11) 3324-1000


Giacometti em seu ateliê

domingo, 18 de março de 2012

Carlos, Thaís, Chico, Arte

Estudo com carvão
Hoje aqui se fez 50 mil acessos! 50 mil! Isso é para se comemorar! 50 mil acessos em menos de dois anos! Se comemorar quando esse mundo vasto mundo é mais belo por causa da pintura, por causa da poesia, por causa da música, por causa da arte. Vasto mundo que não é só violência, só crise, só morte, só tristeza: é também arte, também belo, também exaltação mais pura da alma humana. São 50 mil acessos em quase dois anos de um blog que só fala de arte...

O poeta Carlos Drummond
Mundo mundo vasto mundo...


Semana de comemorações. Fui ver o show-sarau em honra dos 100 anos de nascimento do poeta maior dos brasileiros: Carlos Drummond de Andrade. Com Zé Miguel Wisnik, Arrigo Barnabé, Luis Tati, Arnaldo Antunes, Leda Cartum (que conheci criança e recitou o poema "A moça e o padre" de forma tão bela, tão suave, tão Drummond). E o Emicida que passeava pelo palco questionando um José, um eu, um Maria José, um você, um de nós...

          "Com a chave na mão
          quer abrir a porta,
          não existe porta;
          quer morrer no mar,
          mas o mar secou;
          quer ir para Minas,
          Minas não há mais.
          José, e agora?
(...)
          Sozinho no escuro
          qual bicho-do-mato,
          sem teogonia,
          sem parede nua
          para se encostar,
          sem cavalo preto
          que fuja a galope,
          você marcha, José!
          José, para onde?"

E José Miguel Wisnik na coordenação do que ali se lia de poesia e que entoou "A Máquina do Mundo", um dos poemas mais belos da literatura brasileira. E que me fez voltar para casa, lágrimas nos olhos, pensando em como é bom ver grupos enormes, filas imensas, aglomerações gigantes de pessoas em torno da poesia, da música, da pintura. Da vida, enfim. Que Arte é vida.


Enquanto transitava pelas ruas abarrotadas de carro dessa cidade imensa, levando a poesia de Drumond em meu coração, ia lembrando frase a frase de "A flor e a náusea" porque eu também....


"Preso(a) à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?


Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.


Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase."


Sim, que tristes são. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Que triste é o mundo sem a poesia. Que tristes as coisas sem arte... Que tristes são os que perderam o rumo das coisas belas e que perderam as cifras e os códigos sob a pele das palavras e que já não desnudam-desvelam o real de debaixo de seus olhos... 

Thais Gulin
Mas na sexta, fui ver Thaís Gulin, poeta-cantora, completando as indagações perenes da minha alma de artista neste mundo vão, mundo quase cão. Caótico mundo complicado entupido das pasteladas de outras influências culturais que castram a nossa e com Thais Gulin eu repito que "prefiro os nossos sambistas" a esses outros que se sentem tanto tão:


"Tão homem tão bruto tão coca-cola nego tão rock n'roll
Tão bomba atômica tão amedrontado tão burro tão desesperado
Tão jeans tão centro tão cabeceira tão Deus
Tão raiva tão guerra tanto comando e adeus


Tão indústria tão nosso tão falso tão Papai Noel
Tão Oscar tão triste tão chato tão homem Nobel
Tão hotdog tão câncer social tão narciso
Tão quadrado tão fundamental


Tão bom tão lindo tão livre tão Nova York
Tão grana tão macho tão western tão Ibope
Racistas paternalistas acionistas...


Prefiro os nossos sambistas!"


Do coração-poeta-cantor-sambista da música que sai da alma dela que parece cantar na beira do cais num fim de tarde onde o mar e o céu já se fundiram numa só massa de luz:


"Vai pensar, em morar perto das mulatas
Vai pensar
Em concordar com as demoras, vai pensar
No tilintar da Lapa, vai pensar
Na confusão das horas cariocas.


Vai saber, de um cabaré nas docas
Vai saber
Se a noite somos todas pardas, vai saber
Que o que mais quero é não ter sardas, vai saber
Por que mulher, por quem me trocas?


Ah... por quem teu sol se põe?
- Eu não sei, eu não sei, eu não sei
Ah... e quem é que vai levar?
- Seja eu, seja eu, seja eu"


Seja eu...

Chico Buarque
Terminei meu périplo cultural de fim de semana indo ver de perto de novo Chico Buarque de Holanda. Eu e... quantos milhares de pessoas já viram e ouviram ou verão e ouvirão essa enxurrada de poesia em forma de música que sai das profundezas da alma de Chico? Quantas milhares de vozes entoaram, como hoje, junto com ele, num gigante coral de vozes de todas as idades, cantando que


"Sem você
É o fim do show
Tudo está claro, é tudo tão real
As suas músicas você levou
Mas não faz mal.
Sem você
Dei para falar a sós
Se me pergunto onde ela está, com quem
Respondo trêmulo, levanto a voz
Mas tudo bem..."


Tudo bem porque a vida vai em frente mesmo quando à deriva de ventos contrários, e o movimento de tudo nos obriga a caminhar, mesmo quando sirenes em estardalhaço nos tiram do sossego e criam medo em nós. Mas tudo bem quando todo esse reboliço vira arte e a gente esquece das mazelas quando canta, quando pinta, quando escreve, quando lê poesia, quando vê de fato o mundo.


E quando a gente é um com Carlos Drummond, Thais Gulin, Chico Buarque... Poesia, Música, Poesia.



Arte. Sem ela a vida não há. Ela "diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível"... né, Leonardo da Vinci?



As coisas consideradas sem ênfase são tristes... Mas o poeta garante que uma flor nasceu. E hoje também é meu aniversário.



E viva a Arte!

quarta-feira, 14 de março de 2012

Ocupação Angeli - a vez do cartum


Rê Bordosa
Angeli
O grande cartunista Angeli, criador de personagens que marcaram uma geração (principalmente a minha), estará ocupando o espaço do Itaú Cultural em São Paulo, de 16 de março a 9 de abril. É a chance de rever Rê Bordosa, Bob Cuspe, Meia Oito, Wood & Stock, e outros personagens famosos da HQ brasileira. 
Arnaldo Angeli Filho publicou seu primeiro desenho com apenas 14 anos de idade, na revista "Senhor" (que não existe mais). Ao longo de 40 anos com caneta nanquin na mão, Angeli criou diversos personagens que retratam figuras do mundo underground de São Paulo, especialmente. 
Com a Rê Bordosa, o velho bar Riviera, antigo ponto de encontro de estudantes e intelectuais de esquerda, ganhou fama nacional. Infelizmente, como acontece muito frequentemente no Brasil, lugares que precisavam ser preservados, pela história simbólica que guardam, são abandonados, obrigados à extinção. Como é o caso bem recente do Cine Belas Artes, que fica localizado quase em frente ao velho Riviera, no começo da rua da Consolação...
Angeli nasceu em 31 de agosto de 1956 em São Paulo. Desde 1973 é cartunista do jornal Folha de São Paulo, onde podemos encontrar seus personagens e suas estórias anárquicas e urbanas. Mas também inúmeras charges e cartuns de crítica social e política. Angeli tem desenhos que fizeram história na luta contra a Ditadura Militar. Eu mesma usei seus traços como referências para meus próprios cartuns usados em publicações do movimento estudantil por volta dos anos 1980.
Desde o Meia Oito, esquerdista, acompanhado sempre do velho parceiro homossexual Nanico, até a junkie porralouca dos anos 1980 Rê Bordosa, durante anos as figuras criadas nas pranchetas do artista povoaram as conversas de bar no meio estudantil, no meio intelectual, no meio dos que gostam de HQ. Mas Angeli publicou também sua revista "Chiclete com Banana" e suas tiras foram parar também em publicações estrangeiras, na Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal, Argentina.
A exposição tem como curadora a designer gráfica Carolina Guaycuru, e é gigante: são 800 obras (sendo 80 originais), entre tiras, quadrinhos, charges, ilustrações, capas de discos, etc. O espaço do Itaú Cultural vai recriar o estúdio do cartunista em 120 metros quadrados. Também acontecerá uma mostra de audiovisual, com curta-metragens, documentários e animação inspirados na obra de Angeli.
Exposição Ocupação Angeli
Avenida Paulista, 149, São Paulo
De 16 de março a 29 de abril
Entrada gratuita

quarta-feira, 7 de março de 2012

Diego Rivera: Murais para o Museu de Arte Moderna

O levante, mural de Diego Rivera, em exposição pela segunda vez no MoMA
Pinturas murais de Diego Rivera retornam a Nova Iorque depois de 80 anos: desde o dia 13 de novembro de 2011 até 14 de maio de 2012, o Museu de Arte Moderna, o MoMA, apresenta a exposição do pintor e muralista mexicano com o tema "Murais para o Museu de Arte Moderna".


Diego Rivera
Em dezembro de 1931, esses murais foram expostos pela primeira vez. Naquela época, o MoMA montou uma grande exposição dessas obras de Diego Rivera, que atraiu um grande público durante as cinco semanas da mostra. O artista, que era comunista, defendia a resistência contra a conquista espanhola e a Revolução Mexicana  (1910-1917). Seus murais são obras de forte conteúdo social e inspirou inúmeros artistas ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos.


Rivera já gozava de grande prestígio internacional e era a figura mais conhecida do muralismo mexicano, um movimento de arte pública que surgiu nos anos vinte, no final da Revolução mexicana. Mas os murais, gigantescos, não podiam ser transportados para uma exposição em Nova Iorque. Para resolver esse problema, o Museu levou Rivera àquela cidade seis semanas antes da inauguração da exposição. Lá, foi improvisado um ateliê numa das galerias que estava vazia. Rivera criou, então, cinco “murais portáteis” que comemoravam episódios da  história do México, e que ocuparam um lugar de destaque no Museu.


Depois da inauguração da mostra, Rivera fez mais três murais inspirados na cidade de Nova Iorque na época da Grande Depressão. Essa mostra que repete a de 1931,  revela o papel fundamental de Diego Rivera nos debates acerca da influência social e política da arte mural durante o período da crise econômica causada pelo crash de 1929.


Zapata, líder camponês
Daqueles cinco murais sobre a história mexicana se destacam "Zapata Líder Camponês", onde que o líder revolucionário com um cavalo branco guia os camponeses, enquanto um latifundiário jaz morto ao chão. Um outro é o "Guerreiro Índio", um asteca vestido de jaguar crava uma faca no pescoço de um conquistador espanhol.


E das pinturas sobre Nova Iorque durante a crise de 1929, o quadro "Eletricidade" (abaixo) representa trabalhadores dentro de uma usina, em pleno esforço de manter a cidade funcionando. "Furadeira Pneumática" e "Fundos Congelados" mostram o processo de industrialização na América.


A exposição inclui desenhos, esboços e material de arquivos relacionados com a passagem de Rivera em Nova York entre 1931 e 1932. A mostra fica aberta à visitação pública até o dia 14 de maio próximo.


O pintor Diego Rivera


Diego Rivera nasceu em 8 de dezembro de 1886, em Guanajuato, México. Passou para a história da pintura por executar obras de alto conteúdo social em edificios públicos, os famosos murais mexicanos. Ele criou esses murais em diversos pontos do centro histórico da Cidade do México e em outras ciudades mexicanas, como Cuernavaca e Acapulco. Mas também fez murais em São Francisco na Califórnia, em Detroit e Nova Iorque, nos Estados Unidos.


Rivera e sua esposa, a pintora Frida Kahlo, 1932
Em sua certidão de batismo ele foi registrado com o nome enorme de Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez.


Com apenas 10 anos de idade, começou a ter aulas de desenho na Academia de São Carlos, na capital mexicana. Em 1905, recebeu uma bolsa para estudar na Espanha, onde fez estudos sobre a obra de Francisco Goya, El Greco e Pieter Brueghel. Passou a frequentar o atelier do pintor espanhol Eduardo Chicharro, em Madri.


Entre 1908 e 1916 ele residiu em muitos lugares: México, Equador, Bolívia, Argentina, Espanha e França. Em Paris, teve contato com intelectuais e artistas em Montparnasse, tradicional bairro de artistas parisiense, entre eles Alfonso Reyes Ochoa e Pablo Picasso. Com esses contatos, ele se aproximou das novas correntes estéticas europeias, como o Cubismo. Mas se deixou influenciar também pela obra de Paul Cézanne, pintando telas com cores vivas, bem diferente de outros pintores mexicanos que também se tornaram muralistas.


Em 1920, com o apoio do embaixador mexicano na França, Alberto J. Pani, Diego Rivera viajou para a Itália, onde fez estudos da arte do Renascimento. De volta a seu país, em seguida, juntou-se aos muralistas mexicanos José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros e Rufino Tamayo, assim como o artista francês Jean Charlot.
Eletricidade, em exposição no MoMA, inspirado na cidade de Nova Iorque na crise de 1929
Em janeiro de 1922 começou a pintar seu primeiro mural, no Anfiteatro Simon Bolivar da Escola Preparatória Nacional. Sua pintura começa a se converter num fator importante de influência do Movimento Muralista Mexicano e Latino-Americano. No mesmo ano, casou-se com Guadalupe Marin, também conhecida como "Gata Marín". Ela era de origem indígena mexicana, de pele morena, cabelos negros e fartos e os olhos verdes. Com ela, Rivera teve duas filhas.


Em setembro de 1922 começou a pintar o afresco da Secretaria de Educação Pública e foi co-fundador da União de Pintores, Escultores e Artistas Gráficos Revolucionários. Ainda em 1922 se filia ao Partido Comunista Mexicano, cujas ideias marcariam grande parte da vida e da obra de Diego Rivera. Vê-se a influência de suas ideias comunistas em sua pintura a partir de então. Passou em seguida a pintar os murais do Palácio Cortés em Cuernavaca e na Escola Nacional de Agricultura, de Chapingo. No Palácio Nacional da Cidade do México pintou, de 1929 a 1935, uma série de murais onde fazia uma narrativa da história mexicana desde os tempos dos aztecas até o século XX.


Fundos congelados, Nova Iorque no
tempo da crise de 1929, retratada por Rivera
Em 1927, Rivera foi convidado para os festejos dos 10 anos da Revolução de Outubro da União Soviética. Em 1929, casou-se pela terceira vez, com a pintora Frida Kahlo. Em 1930 foi convidado a ir aos Estados Unidos para a realização de diversas obras que tinham sido encomendadas. Sua temática comunista causou graves desentendimentos com as autoridades norte-americanas, assim como com a imprensa daquele país. Nos EUA, ele pintou na Escola de Arte de São Francisco e no Instituto de Artes de Detroit. Até que em 1933, o industrial John D. Dockefeller Jr o contratou para pintar um mural na parede de entrada do edificio RCA em Nova Iorque. Esse edificio fazia parte de um conjunto de prédios denominados Rockefeller Center. Ficava localizado na Quinta Avenida, um dos lugares mais famosos e emblemáticos do capitalismo norte-americano.


Mas Diego Rivera, mesmo assim, desenhou o mural intitulado “O homem controlador do universo”, onde aparecia um retrato de Vladimir Lenin, líder da revolução comunista da Rússia. Mas quando Rivera estava para terminar seu trabalho, a reação de críticos da imprensa gerou uma tal controvérsia que levou o próprio Rockefeller a encarar aquele mural como um insulto pessoal. Mandou cobrir o mural, para depois mandar destruí-lo.


Mas Rivera, de volta ao México em 1934, pintou o mesmo mural no terceiro piso do Palácio de Belas Artes do México.


Esboço para o mural "Liberação do peão"
Em 1946, pintou uma de suas obras mais importantes, “Sonho de uma tarde dominical na Alameda Central”, no recém construído Hotel del Prado da Cidade do México. Passa a integrar a Comissão de Pintura Mural do Instituto Nacional de Belas Artes, junto com os pintores José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros.


Em 1950 ilustrou o livro “Canto Geral” do poeta chileno Pablo Neruda e ganhou o Prêmio Nacional de Ciências e Artes do México.


Nos anos seguintes, trabalhou sem cessar, em diversos murais, até sua morte, em 24 de novembro de 1957, em Santo Ângelo, Cidade do México. Morreu em sua casa, que era ao mesmo tempo seu atelier. Lá atualmente funciona o Museu Casa-Estúdio Diego Rivera e Frida Kahlo.
Liberação do peão

sábado, 3 de março de 2012

Uma mulher em três nomes



Estudo, Tereza Costa Rêgo, acrílico sobre madeira, 2,2 x 1,6 m


Tereza Costa Rêgo, artista plástica pernambucana com riquíssima experiência nas artes e na vida política, pertence a uma geração de pintores brasileiros que marcam nossa história da arte com as cores da nossa cultura. 


Neste primeiro de março, passei três horas agradabilíssimas ao lado de Tereza, conversando sobre pintura e sobre a vida. Dona de uma energia contagiante, o tempo parece não ter tocado no rosto lindo dessa senhora de 82 anos de idade. Que me confessou ser três em uma: Terezinha, Joana, Tereza.


Tereza, em seu atelier
O estado de Pernambuco tem gerado artistas, ao longo da história, que vêm marcando a arte brasileira. Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro, por exemplo, foram dois pintores pernambucanos que tiveram uma ativa participação na Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922 e que ajudaram a levar os ventos modernistas das artes para o Nordeste brasileiro.


Tereza Costa Rêgo, que era filha de uma tradicional família da aristocracia rural pernambucana, cresceu em meio ao mundo do glamour modernista do Recife, que incluía artistas como Teles Júnior, Francisco Brennand, os irmãos de Vicente do Rego Monteiro, Joaquim e Fedra, Lula Cardoso Ayres, Reynaldo Fonseca, Hélio Feijó, Wellington Virgulino e Abelardo da Hora. Todos eles seus amigos. Todos romperam com os padrões acadêmicos e adotaram estéticas pessoais que tinham mais a ver com a identidade cultural nordestina, com o imaginário pernambucano, com a luz e as cores do Brasil. Mesmo Reynaldo Fonseca, que segue os mestres holandeses como Van Eyck, guarda a sua veia brasileira. Mesmo Tereza, que se diz influenciada pela arte do pintor espanhol Francisco Goya, escancara uma alma pernambucana.


No texto escrito para o livro “Tereza Costa Rêgo”, publicado em 2009 em Recife, o pintor Raul Córdula explica que “Recife é uma cidade onde a prática da pintura remonta à chegada dos artistas europeus trazidos por Maurício de Nassau, no século XVII, durante a invasão holandesa, e que ainda influenciam nos dias atuais, a modalidade da arte pictórica em Pernambuco.”


Os marinheiros pedem e vão, acrílico
sobre madeira, 1,62 x 2,2 m
Nas décadas de 40 e 50, os artistas pernambucanos renovaram as artes plásticas no nordeste, dando-se mais liberdade expressiva. Havia diversos grupos em atividade naquele Estado, como o Atelier Coletivo do Recife, a Sociedade de Arte Moderna, o Movimento de Cultura Popular e um grupo de artistas ligados ao Movimento da Ribeira, que incluía Adão Pinheiro, José Barbosa, Maria Carmen, Anchises Azevedo, entre outros. A cidade eleita para abrigar esses novos movimentos nas artes plásticas pernambucanas, desde aquela época, foi e continua sendo Olinda, a cidade que acolhe hoje uma grande concentração de ateliês de artistas.


Mas na década de 1960, a vida de Terezinha (seu nome de batismo) deu uma guinada. A menina rica deixou para trás a vida nos salões da elite pernambucana, para acompanhar o grande amor da sua vida, o também pernambucano Diógenes de Arruda Câmara, dirigente do Partido Comunista do Brasil. Ela mesma resume a decisão que tomou nesse período:


“Fui educada para ser a boneca que enfeita o piano da sala de visitas. Acontece que um dia eu saltei do piano e fui embora!”


Veio com Diógenes Arruda inicialmente para São Paulo, onde ela se formou em História pela USP. Mas a vida clandestina e as perseguições da Ditadura Militar, fizeram com que o casal fosse embora do Brasil. Diógenes tinha sido preso e torturado em 1968. Após sua soltura, eles foram para o Chile, em 1972, mas acabaram tendo que fugir de Santiago também, após o golpe militar de Augusto Pinochet.


Verão, acrílica sobre madeira, 2,2 x 0,8 m, 2003
Teresa e Diógenes viveram muitos anos exilados entre Paris e Lisboa, passando também por Tirana (Albânia) e Pequim (China). No exílio, ela foi obrigada a uma vida de artista também clandestina: nesses anos assinava suas pinturas com o pseudônimo de Joana (nome de uma de suas netas, a jornalista Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho). Mas não podia participar de exposições de arte. Mesmo na Europa, os comunistas estavam sempre sob observação de espiões internacionais, e lá também precisavam usar nomes frios. Por isso, Terezinha ficou sendo Joana.


Em 1979, a luta do povo brasileiro pela Anistia trouxe de volta os exilados políticos, como João Amazonas e Edíria Carneiro (também artista plástica), e Diógenes Arruda e Tereza Costa Rêgo. Eles voltaram, em outubro de 1979, para seu país, sua família, seus amigos, seu povo. Muitas homenagens foram feitas aos exilados que voltavam, por parte dos que aqui ficaram. Havia tanta alegria em estar de volta para casa, em ver de volta amigos como João Amazonas, que o coração de Diógenes Arruda não resistiu: teve um enfarte, logo depois. Diz Raul Córdula, no livro sobre Tereza: “Ele avistou a terra prometida, mas não pôde ocupá-la”.


Para ela, foi uma perda incomensurável, que ela expressou no quadro “A partida”. Nele, uma mulher em dor profunda, se debruça sobre o corpo do marido morto. Mais uma vez, ela teve que se refazer, retomar seu caminho sob outros parâmetros, desta vez sem seu grande companheiro.


A partida, acrílica e colagem sobre madeira, 2,20 x 0,8 m, 1981
Joana se transformou em Tereza.


Voltou à sua terra com o coração partido, mas cheio das experiências que viveu mundo a fora, onde ajudou a escrever a história de um mundo em mudança e que apontava para a justiça social e a liberdade. Se estabeleceu em Olinda, onde organizou sua casa e seu atelier, onde mora até hoje. De volta ao trabalho, começou a reconstruir sua carreira de artista plástica, se engajando novamente entre os artistas pernambucanos, participando de exposições, eventos, atividades culturais. Hoje ela é a diretora do Museu do Mamulengo, que pertence à Prefeitura de Olinda.


Em 1981 fez sua primeira exposição, no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco. Hoje esse museu separa uma sala para exposições temporárias e tem como título “Galeria Tereza Costa Rêgo”.


Em 2008 recebeu o título de Cidadã Olindense, da Câmara Municipal de Olinda, quando declarou sobre si mesma: “Pode não parecer, queridos companheiros, mas eu sou uma mulher muito velha... uma mulher que viveu muitas vidas... uma mulher Terezinha... uma mulher Joana e uma mulher Tereza”.


Interiores, acrílica sobre eucatex,
1,0 x 1,5 m, 1999
Em 9 de novembro de 2011, no Teatro Santa Isabel, em Recife, Tereza Costa Rêgo recebeu o prêmio Honra do Mérito Cultural na categoria artista plástica, das mãos da ministra da Cultura Ana de Hollanda, do governador de Pernambuco, Eduardo Campos e do prefeito de Recife, João da Costa. Esse prêmio é a maior honraria do governo federal concedida aos artistas brasileiros e que, em 2011, homenageou a escritora e jornalista Patrícia Galvão – a Pagu.


A presidenta Dilma Rousseff, que de última hora se viu impedida de entregar o prêmio pessoalmente, enviou mensagem, lida pela atriz Denise Fraga, na qual destacou a importância da homenagem a Pagu, como um reconhecimento da inteligência e bravura da mulher brasileira e ressaltou que os agraciados com o prêmio de 2011 são “exemplos da vibrante e apaixonante mistura de sotaques e saberes que compõe o mosaico da cultura brasileira”.


Tereza Costa Rêgo estava entre outros homenageados, ao lado de Glênio Bianchetti, Adriana Varejão e Vik Muniz (artistas plásticos), além de Luiz Melodia, Jair Rodrigues, Hector Babenco, Beth Carvalho, Xico Dias, Antônio Nóbrega, Antônio Pitanga, o dramaturgo João das Neves, os escritores Afonso Borges e Lygia Bojunga, a atriz Ítala Nandi, o artesão Espedito Seleiro, o pedreiro Evandro dos Santos, e a antropóloga Claudett Ribeiro.


Tereza comentou, em nossa conversa: “Foi uma pena a Dilma não ter ido. Eu ia perguntar a ela se se lembrava de Diógenes Arruda, pois eles foram contemporâneos na luta contra a ditadura...”


Mas logo ela muda de assunto e diz que está pintando um grande painel de dez metros de largura por dois e meio de altura, onde conta a história das Mulheres de Tejucupapo. E me explica, enquanto me mostrava as fotos de seu trabalho: em 1646, as mulheres de um povoado chamado Tejucupapo tiveram que enfrentar sozinhas o ataque de 600 holandeses que tinham ido até aquele lugar para se apossar de produtos como milho e mandioca, pois precisavam desesperadamente diminuir a escassez de comida daqueles tempos, quando a fome assolava a cidade de Recife. Sem os maridos, que estavam nas guerras contra os invasores, elas tiveram que reagir. Puseram água pra ferver em seus tachos e panelas de barro, jogaram pimenta dentro e com esse molho partiram para cima dos soldados holandeses, acertando seus olhos com a mistura. Os desesperados homens eram depois atacados com qualquer coisa que servisse de arma e o resultado foi que mais de 300 cadáveres ficaram espalhados pelo vilarejo. Depois da batalha, no dia 24 de abril de 1646 as valentes mulheres pernambucanas impediram que invasores holandeses atacassem seus paióis de milho e mandioca e passaram para a história como heroínas e guerreiras.


É essa alma pernambucanamente feminina que encontramos em tantos quadros de Tereza! Eles refletem o imaginário popular, os símbolos, as cores, a alma do nosso povo. Com algum tratamento que considero um tanto quanto Barroco... O escritor Ariano Suassuna identificou também essa característica da pintura de Tereza quando disse em 1996: “O painel de Tereza Costa Rêgo, inclusive por uma forma central meio circular e de palco, fazia com que seu quadro entrasse naquela linguagem barroca e brasileira(...)”.
Na pintura dela podemos encontrar alguns desses elementos tão ricos da arte barroca, mas que ela dá uma leitura brasileira: contrastes fortes, dramaticidade, exuberância, sensualidade de curvas, um gosto pela espiritualidade popular, pelo realismo e algum toque de opulência, como podemos encontrar até mesmo nas pinturas da série “Bordel”, onde as prostitutas de Olinda e Recife aparecem rica e lindamente pintadas.


A imagem feminina é quase constante na pintura de Tereza. São mulheres em geral nuas, sem nenhuma preocupação pudica em ocultar suas carnes, seu sexo, até seu desejo. Muitas delas estão deitadas de costas, muitas delas transmitindo uma sensação de extrema tranqüilidade, como se elas ali estivessem descansando após momentos de prazer com o ser amado...


Mas há também os seres sagrados, as procissões, as igrejas, os santos e as casas e ruas de Olinda e Recife. E os animais. Ela mesmo reconhece: “sempre tem bichos nos meus quadros”.


Há gatos, cisnes, pombas brancas, tatus, rinoceronte, bois, bodes, carneiros, serpentes. São incrivelmente expressivos os painéis “O ovo da serpente ou Problemas da Terra” da série “Sete Luas de Sangue” e o “Apocalipse”. Este último é um gigantesco painel de 12 metros de largura por um e meio de altura, onde uma cobra gigante parece ter engolido um homem e uma mulher, e toda uma saga histórica acontece nas entranhas dessa serpente. Faz lembrar as histórias de cordel que povoa nosso imaginário pernambucano... Faz lembrar minhas noites de infância em Caruaru, com meu pai recitando cordéis que contavam estórias de princesas encantadas, de pavões misteriosos, de serpentes malvadas que engoliam pessoas...
Boi voador, acrílica sobre madeira, 4,4 x 1,6m, 1992
E por isso Tereza me lembra El Greco (1541-1614), o pintor espanhol de estilo também dramático e expressivo, que causou estranhamento entre seus contemporâneos, lá pelos idos de 1580.  Ele já pintava, naquela época, figuras tortuosas, alongadas, com uma coloração forte, dramática, usando figuras fantasmagóricas, que povoavam o imaginário desde o período medieval.


Mas isso é meu gosto, porque Tereza gosta mesmo é do pintor espanhol Francisco Goya, que também pintava figuras e seres que habitam do mundo real aos mundos imaginários da alma humana.


Criança, acrílica sobre madeira, 1,10 x 1m, 2009
As cenas dos bordéis de Recife e Olinda retratadas por ela, nos remetem ao pintor francês Toulouse-Lautrec, que também pintou os bordeis de Montmartre em Paris. Nessas conhecidas “Casas de Tolerância” onde os homens vão buscar o prazer perdido nos braços de mulheres sensuais, habitam seres de profunda sensibilidade, beleza e até certa ingenuidade. É o que podemos ver através das pinturas de Tereza, dessa série “Bordel”. Lá estão mulheres nuas, carnudas. Em cenas de sexo, ou simplesmente apreciadas por homens vestidos. Elas são belas e estão, em várias telas, em estado de reflexão, ou mesmo de espera... Ou descansam, simplesmente, após o prazer proporcionado a seus clientes... São lindas, as angélicas prostitutas de Tereza...


Ela trabalha em seu próprio atelier, em Olinda, num espaço dentro de sua própria casa. Ela me disse que gosta de trabalhar sem ninguém por perto, pois o momento da pintura para ela é um tempo de estar à vontade com ela mesma, completamente absorta pela sua arte. Alternando sua rotina diária de diretora do Museu do Mamulengo de Olinda com sua pintura, Tereza gosta de pintar em grandes superfícies. Usa tinta acrílica, em geral sobre madeira. “Eu nunca uso a cor azul”, me confessou, mostrando-me alguns tubos de tinta onde a predominância dos tons quentes confirmavam isso. Eu lhe perguntei o motivo. Ela respondeu simplesmente com um sorriso: “não sei...”


E me contou da emoção imensa que foi ver um de seus quadros reproduzido num painel gigantesco no carnaval de 2011, quando foi a homenageada de Pernambuco. O governador Eduardo Campos e sua esposa recepcionaram a homenageada do ano dos foliões pernambucanos, caracterizados como personagens de um quadro de Tereza. Ela completou: “Quando eu vi tudo aquilo, todo o meu trabalho de artista ali vivo à minha frente, e sendo homenageada pelo meu povo, a emoção foi enorme!


Para completar, nessa rápida passagem por São Paulo, Tereza recebeu um convite da artista plástica paulistana Lucia Py para expor seu painel “Mulheres de Tejucupapo”, como convidada do Núcleo de Arte Contemporânea Latino-Americana. Cabe a nós ficar aguardando, então, que a arte de Tereza possa ser vista de perto por nós moradores desta desvairada Pauliceia...


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Um resumo da carreira artística da Tereza Costa Rêgo
Ela fez as seguintes exposições Individuais: 
- Pintura, Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, Olinda, 1981; Pintura, Galeria Carmita Brito, Recife, 1985; Pintura e Lançamento de Álbum de Gravuras, Palácio dos Governadores, Olinda, 1984; Pintura, Atelier do Artista, Olinda, 1985; "Olinda Gravuras", Vila do Conde, Portugal, 1985; Pintura e Álbum de Gravura, Oficina Guaianases de Gravura, Olinda, 1988; Pintura, Galeria Officina, Recife, 1988; Pintura, Atelier do Artista, 1990; Pintura, Recife-Olinda/Olinda-Recife, Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, Olinda, 1992; Gravura, Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, Olinda, 1992; Atelier do Artista, 40 Anos de Arte, Olinda, 1997; Museu de Arte Moderna, 7 Luas de Sangue, Recife, 2000; Espaço Cultural Correios, 7 Luas de Sangue, Rio de Janeiro, 2001; Museu de Arte P P, 7 luas de Sangue, São Paulo, 2002.


Leda e o cisne, acrílica sobre madeira, 1 x ,7 m, 1978
Mas também participou das seguintes exposições coletivas:
Coletiva de Artistas Brasileiros, Galeria Vila Rica, Recife, 1980; Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Museu do Estado de Pernambuco, Recife, 1981; Coletiva de Artistas Brasileiros, Galeria Vila Rica, Recife, 1981; Pintura e Poesia - Geração 65, Oficina 154 - Edições Piratas, Olinda, 1981; 1º Salão de Arte Erótica de Pernambuco, Vivencial Diversiones, Olinda, 1982; Coletiva de Artistas Brasileiros, Avivarte, Olinda, 1983; Exposição Mulher Dez Artistas Pernambucanas, Shopping Recife, 1984; As Novas Imagens do Nordeste Rio Design Center, Rio de Janeiro, 1984; Exposição Comemorativa dos 450 anos de Olinda, Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, Olinda, 1985; Artistas Olindenses, Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, Olinda, 1985; Mostra de Arte do Recife, Teatro Santa Isabel, Recife, 1985; Coletiva Guaianases, Oficina Guaianases de Gravura, Olinda, 1985, 1986, 1987 e 1988; Galeria Oficina, Recife, 1986, 1987 e 1988; Pintores Brasileiros, Portugal, 1987; Cor de Pernambuco, Ranulpho Galeria de Arte, São Paulo, 1989; O Gato Pintado, Ranulpho Galeria de Arte, São Paulo, 1989; O Gato na Pintura, Ranulpho Galeria de Arte, São Paulo, 1989; O Circo, Galeria Ranulpho, Recife, 1990; Fernando de Noronha, Eco 92, 3 Visões MAC; Viagem ao ano 2000, Passaporte Para O Futuro, São Paulo, 1994; A Batalha dos Guararapes, Museu do Estado, 1994; Arte Brasileira, Estúdio A, São Paulo, 1997


Das exposições coletiva internacionais, Tereza participou:
Exposição “Seis Pintores de Olinda”, Vila do Conde, Portugal, 1990; Cumplicidades, Lisboa, 1995; Olhar Sobre Os Trópicos, Lisboa, 1995; Arte Brasileira, UNESCO, Paris, 1995; Artistas Pernambucanos, Cuba, Santiago de Cuba, 1997; Artistas Pernambucanos, Portugal, 2003.
Mulher nua de costas, da série Bordel, acrílica sobre tela, 2,20 x 0,8 m, 2009