terça-feira, 26 de abril de 2011

Rio de Janeiro em abril

Saí de férias e vim pro Rio de Janeiro, três dias. Intenção: visitar museus e exposições. Vim junto com uma chuva imensa que alagou a Tijuca, o Maracanã e o Estácio. O Estácio sempre me faz lembrar da voz de um dos meus cantores preferidos, Luiz Melodia: "Se alguém quer matar-me de amor, que me mate no Estácio, bem no compasso, bem junto ao paço..."

Estou aqui, no Rio. De janeiro, mas em abril.

Estou aqui nas redondezas dos Arcos da Lapa, e fui visitar a minha velha escola de pintura, a Sociedade Brasileira de Belas Artes, na rua do Lavradio. Cá está o prédio, como era antes, lindo:

Aqui foi minha primeira escola de pintura, nos idos de 1980. Não lembro o nome do meu professor, mas lembro das aulas, de mim subindo uma escada de madeira, com a maleta de tintas e pincéis na mão. E muita esperança na alma! Hoje, 31 anos depois, estou de volta. 

Converso com a diretora, Therezinha Hillal, que me disse que já estava lá, há 31 anos. Ela continua aqui, 31 anos depois! E eu? Tantas voltas dei pelo mundo! Mas de tão redondo, o mundo me trouxe de volta à SBBA. Therezinha - com th mesmo, como insistiu a secretária - me convidou a expor aqui, "quando eu quiser". Aqui tem salões permanentes, que fazem premiações, dão títulos. Uma coisa a se pensar... No fim de semana, 40 artistas ligados à SBBA estão indo expor suas pinturas em Roma, Itália. Com a curadoria de Therezinha.

Saí de lá, olhando, pensando, nas voltas que a vida dá... Fui pro Museu Nacional de Belas Artes, bem no coração da Cinelândia, aonde também fica o Teatro Municipal lindíssimo, recém-restaurado, e a Biblioteca Nacional, um dos prédios que nos levam de volta aos tempos do Rio-capital-do-Brasil e até do Rio capital da monarquia de Dom João VI... Prédios lindos, verdadeiras jóias.

Todo o setor do Museu Nacional de Belas Artes dedicado aos artistas do século XIX foi todo reformado e reinaugurado há poucas semanas. Este foi um dos motivos principais que me trouxeram ao Rio, pois um amigo me informou a respeito e me disse que eu deveria vir ver de perto. Vim.

E vi tantos artistas brasileiros, estrangeiros-brasileiros, gente pintando o Brasil e a nossa gente.

- Vi telas de Manuel Dias Brasiliense e de Manuel da Cunha;
- vi os retratos de August Müller, um alemão que veio para o Brasil e morreu aqui no Rio em 1883;
- vi um marinheiro carvoeiro, pintado por José Correia de Lima, nascido em 1814, que morreu com apenas 43 anos;
- vi Manoel Joaquim Corte Real e Felix Émile Taunay;
- vi uma paisagem pernambucana do meu conterrâneo Telles Júnior, que nasceu em Recife em 1851;
- vi a "Primeira missa no Brasil" de Vitor Meireles, vi muitos Vitor Meireles, esse pintor nascido em Florianópolis, SC, em 1832, um artista de alto nível em sua época, que contou um pouco da história do nosso país e da nossa gente. Esse quadro foi pintado em Paris entre 1859 e 1860 e é a primeira obra brasileira a participar do Salón de Paris, o que ocorreu em 1861;
- vi a imensa tela de Vítor Meireles "Batalha dos Guararapes", de quase 5 metros de altura por mais de 9 metros de largura;
- vi a linda tela de Pedro Weingarten, gaúcho nascido em 1853, intitulada "Chegou tarde!";
- vi uma velhinha preta linda, perfeitamente retratada pelo pincel de Modesto Brocos, um espanhol que veio para o Rio e aqui viveu até sua morte em 1936. Nesse quadro, a velhinha faz uma bênção a um bebê sentado no colo de uma mulata. O quadro se intitula "Redenção de Cã";
- vi diversas telas à óleo de Pedro Américo, o pintor paraibano, de Areia, nascido em 1843, que fez muitos retratos do Brasil de sua história, de sua gente. Pedro Américo é o autor da maior pintura de cavalete da história da Arte brasileira, que foi pintada em Florença, Itália: "Batalha do Avaí", uma tela gigante, de 6 metros por 11 metros. Sentei para apreciar a obra. A meu lado, três pessoas, de uma mesma família, um casal e uma senhora. Pessoas simples. Fiquei prestando atenção a seus comentários: a senhora mais velha confirmou o que disse o rapaz: "parece um filme inteiro". A tela conta uma história muito longa, dá para ficar muito tempo observando os inúmeros personagens das várias cenas da tela...
- vi Almeida Júnior, este ituano nascido em 1850, formado na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, acadêmica, clássica. Almeida Júnior, o eterno caipira paulista foi para Paris. Lá conheceu a obra realista de Gustave Courbet e voltou querendo pintar o homem brasileiro. Pintou "O Caipira mascando fumo", os "Caipiras negaceando" e "O derrubador brasileiro", entre tantos outros. Telas grandes deste pintor estão expostas aqui no MNBA do Rio;
O descanso da modelo, de Almeida Júnior, 1882, pintada em Paris
- vi que há uma sala destinada à "Pintura de Gênero", a "petit genre", que são pinturas feitas a partir de cenas do cotidiano das pessoas. Esse tema surgiu na França do século XVIII, mas já era praticado na Holanda do século XVII. Aqui no Museu, há algumas cenas do cotidiano da vida dos brasileiros, cenas realistas, pintadas por artistas como Belmiro de Almeida (1858-1935, mineiro), Francisco Aurélio de Figueiredo (paraibano, 1854-1916), Rafael Frederico (1865-1934, RJ), Rodolfo Amoedo (bahiano, 1857-1941), Eliseu Visconti (italiano, 1866, que morreu no Rio em 1944), o próprio Almeida Júnior, além de Oscar Pereira da Silva, Félix Bernardelli, Presciliano Silva e Henrique Bernardelli;
- vi esse Henrique Bernardelli, um chileno que veio para o Brasil e aqui viveu até sua morte em 1936, cujas pinturas são de alta qualidade. Elee dominava não só a pintura à óleo, mas também o pastel e a aquarela; é dele a pintura em pastel "Modelo em repouso", assim como a aquarela intitulada "Proletário";
- vi Rodolfo Amoedo, bahiano nascido em 1857, que veio para o Rio de Janeiro e aqui viveu até 1941, ano de sua morte;
- vi mulheres artistas brasileiras: Georgina de Albuquerque (1885-1962), Angelina Agostini (1888-1973), Djanira (1914-1994), Sônia Ebling (1926-2006), Maria Leontina (1917-1984), Zélia Salgado (1904-), Ione Saldanha (1921-);
- vi Portinari, Di Cavalcanti, Tomás Santa Rosa, Alberto Guignard, Quirino Campofiorito, Milton Dacosta, Lasar Segall;
- vi Iberê Camargo, Roberto Burle Marx, Frank Schaeffer, Carlos Scliar, Fulvio Penacchi, Clóvis Graciano;
- vi Yoshiya Takaoka, Jorge Mori, Manabu Mabe;
- vi Francisco Rebolo, Firmino Saldanha, Aldo Bonadei, Rubem Valentim;
- vi Alfredo Volpi e Arcângelo Ianelli (pai do meu amigo pintor Rubens Ianelli);
- vi Siron Franco, João Câmara, Glauco Rodrigues, Rubens Guerchman...

Vi tudo isso, mas nem foi tudo. Ainda tenho que voltar ao Museu Nacional de Belas Artes amanhã, pra ver o que faltou.

Fayga Ostrower
Saí de lá, avistei na Cinelândia, em frente ao tradicional bar "Amarelinho", uma feira de livros. Garimpando, garimpando, achei um livro de Fayga Ostrower, uma artista plástica brasileira, nascida na Polônia em 1920. O livro é o "Universos da Arte", de 1983. O livro foi escrito com base em um curso sobre Arte que ela deu para um grupo de 25 operários da Encadernadora Primor, do Rio. Logo na introdução ela faz um agradecimento a esses "alunos" tão especiais:

"... agradeço aos operários. Além de sua confiança, recebi deles algo que para mim é do maior valor: demonstraram-me, por sua atenção crescente, em palavras e comportamento, que a arte continua sendo uma necessidade para os homens, caminho essencial de conhecimento e realização de vida. No final de uma das aulas ouvi a seguinte observação de um operário: "A senhora sabe, eu tenho um tio, a quem conto todas as suas aulas. O tio já está velho, não enxerga mais. Mas quando era jovem, ele gostava de coisas bonitas. Ele me disse: 'Luís, o que essa moça fala não é só para você. É para que você o diga a seu filho'."

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Trabalho inútil? - Uma defesa da repetição

Sísifo, de Tiziano, pintura de 1549
Nestes dias, minhas tarefas como membro de um atelier de arte realista têm-me suscitado reflexões e angústias. Há uma luta que travo com o que desenho, luta livre entre eu e a forma que teima em me dominar. E eu que teimo em dominá-la. Nessa dialética, olho para o mundo à minha volta. E quando olho, acho que devo voltar ao meu desenho.

Viver atualmente, especialmente nas grandes metrópoles, é submeter-se a padrões de vida estonteantes. A velocidade da máquina desse sistema formado pela tecnologia e pela informação, parece impor às pessoas a necessidade de uma rapidez de mesma intensidade. Transformando os indivíduos em frenéticas partículas mantenedoras do sistema maior, o capitalismo contemporâneo.

Com isso, temos uma sociedade ansiosa, pautada pelo efêmero, que parece repudiar o que é lento, sistemático, metódico. Num tempo em que a superficialidade predomina e onde reina a estética pessoal que incentiva o individualismo, há ainda, mesmo assim, os que resistem.

Falo agora de Arte.

A chamada Arte Contemporânea é, assim como o sistema todo atual, efêmera, passageira. Criar, hoje, é  ter uma ideia instantânea; seu produto é um objeto construído em instantes, para uma observação apenas superficial. O “produto” desse ato criador não necessariamente precisa ser mais do que um simples arrazoado escrito ou transformado em vídeo. Ou qualquer coisa.

Há ainda, mesmo assim, os que resistem.

Desenhar – um ato que não se pratica mais no sistema de arte atual – é um trabalho lento, moroso, doloroso até. Dura talvez meses, talvez anos, talvez uma vida inteira. O artista fica lá, arqueado sobre uma folha de papel, ou sobre uma tela, repetindo movimentos, extraindo formas, linhas, massas, numa árdua tarefa de buscar a perfeição que faz o Mestre. Coisa mais “fora de moda”, para o sistema acima, não pode ter...

Lembro de uma entrevista com meu amigo, o artista Rubens Ianelli que recorreu a um dito do pintor Van Gogh onde este comparou o ato de desenhar ao trabalho de abrir um buraco numa chapa de ferro, usando-se apenas uma lima... Porque é isso, porque há um poder intrínseco à repetição... Como diz o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, Poesia (num sentido amplo) é repetição. Acrescento: Música é repetição, Pintura é repetição...

Penso no mito grego de Sísifo, o que desafiou os deuses. Por sua afronta, foi condenado a, por toda a eternidade, empurrar uma pedra montanha acima, até o topo. Chegando perto do topo, a pedra rolava para baixo e ele tinha que recomeçar tudo. A vida do artista se assemelha muito ao trabalho de Sísifo. Aparentemente inútil, aparentemente uma condenação. Albert Camus, escritor franco-argelino disse certa vez que Sísifo é a imagem daquele que vive sua vida ao máximo e que mesmo que outros não vejam sentido no que faz, ele continua executando sua tarefa diária. E compara esse mito com a vida dos trabalhadores: "O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas é trágico quando em apenas nos raros momentos ele se torna consciente", diz ele. Mas diz também, e tão bem, o poeta Vinícius de Moraes em Operário em Construção: “O operário faz a coisa e a coisa faz o operário”... Nessa aparente falta de sentido de seu trabalho, oculta-se a genialidade.

E o domínio técnico, que transforma simples mortais em gênios. A repetição cria o mestre. Cria também calos nas mãos, marcas no corpo e na alma. Assim como cria vícios, acomodamentos e dores. Porque há momentos em que o artista necessita se recriar, rolar de novo a pedra montanha acima. Recomeçar. Nunca mais do zero, pois a experiência anterior joga a seu favor.

Ainda bem que a vida não se resume à tensão masoquista pós-moderna. Há ainda o trabalho lento, metódico, de bordadeiras, de rendeiras, de artesãos, de poetas, de pescadores solitários lançando sua rede, de agricultores silenciosos lançando sementes ao solo. E de músicos. Há o trabalho diário do violonista, sentado horas e horas diante da partitura, violão abraçado ao peito, dedilhando acordes fáceis e complexos, num ritual sagrado de repetição em busca da perfeição, do domínio absoluto do instrumento, do seu violão que vai tocar aquela sonata que irá enlevar a alma dos que o irão ouvir...

Ou o trabalho solitário e silencioso do pintor em seu atelier, anos a fio debruçado sobre uma folha em branco, ou sobre uma tela, trabalhando o desenho, achando a proporção certa, dada pela observação dos movimentos da luz. Trabalho quieto de olhar para as coisas do mundo e ver na realidade o que a maioria não vê. E transformar o que vê no desenho ou na pintura perfeitos. Não uma mímese perfeita do real, mas a captação do momento pictórico tornado perfeito. Tornada perfeita a expressão dos movimentos da luz que incide sobre o mundo, em suas infinitas gradações que vão da sombra mais profunda à luminosidade mais incandescente...

Sim, é necessário empurrar a pedra morro acima, diariamente. Repetição é movimento e movimento é Vida.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Novos estudos com carvão e lápis-carvão

Nas duas últimas quintas-feiras, com sala cheia, assistimos A FALECIDA, longa de Leon Hirszman, adaptado da peça homônima de Nelson Rodrigues e conversamos sobre ele, aspectos técnicos, poéticos, estéticos, simbólicos, etc. É um filme de 1965, quando Leon Hirszman tinha apenas 27 anos de idade. Dirigiu atores desse filme como Paulo Gracindo, Fernanda Montenegro, Wanda Lacerda, Nelson Xavier, Hugo Carvana, Zé Kétti, José Wilker e outros menos conhecidos porém igualmente importantes para o cinema brasileiro.


Leon estreou com o curta PEDREIRA DE SÃO DIOGO, um dos episódios de CINCO VEZES FAVELA, de 1962, produzido pelo CPC da UNE, de que foi fundador, tendo iniciando sua saga de cineasta, como todos então, nos cineclubes da época. 

Nossos fóruns estão sendo gravados e editados pelo cineasta e cineclubista JOÃO Luís de BRITO Neto. Assim, estamos elaborando o memorial do nosso "Ciclo Antônio Gouveia Jr" de cinema e literatura. 

Inspirada no filme, fiz este desenho. A moça que tinha os dias contados se envolve com a ideia da própria morte. Aqui abaixo, ela olhando para ela, a morta-viva ou viva-morta, pois assim era a vida da personagem principal. Ela, que desejava ter o enterro mais chique do mundo para ter na morte o que a vida não lhe deu. No fim morreu como viveu, pobre mulher de subúrbio, casada com um malandro jogador de sinuca.


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Estudos do atelier:

Estudos feitos à carvão e lápis-carvão, com modelo vivo. A ideia é aperfeiçoar o uso da massa aberta e do Valor para dar a ideia de profundidade tridimensional. Observar a incidência da luz, os valores diversos das áreas de sombra. Desenho construído de fora para dentro com o uso do gestual. O modelo é o Tiago, aluno do atelier de Maurício Takiguthi, pintor realista de São Paulo, com quem estudo atualmente.

estudo n. 01
estudo n. 02
estudo n. 03
estudo n. 04
estudo n. 05
estudo n. 06