segunda-feira, 4 de junho de 2012

Um Modigliani inquieto

Modigliani: O pequeno camponês, 1918
O Museu de Arte de São Paulo – MASP – está apresentando uma exposição bastante reduzida sobre a obra do pintor italiano Amedeo Modigliani, intitulada "Modigliani: Imagens de uma Vida". São apenas 11 pinturas do artista, mais algumas de outros seus contemporâneos e alguns desenhos. Fui ao MASP com a intenção de ver de perto a arte de Modigliani, mas infelizmente não saí satisfeita.

A exposição vinha sendo preparada há dois anos. Passou primeiro pela China, vindo depois ao Brasil. Os moradores do Rio de Janeiro tiveram mais sorte, pois a mesma exposição foi apresentada lá no Museu Nacional de Belas Artes, com 166 peças. Depois foi para Vitória, ES, com 150 obras e depois da exibição no Masp, seguirá para o Museu Oscar Niemeyer em Curitiba.


Os organizadores da exposição aqui em São Paulo apontam a falta de espaço, no MASP, para que viessem mais obras. Nós, moradores desta cidade, que costumamos frequentar eventos artísticos,sabemos que ainda falta espaços culturais aqui para grandes mostras de artes, ou mesmo para grandes espetáculos musicais ou teatrais. Os poucos espaços que temos – quase restritos ao MASP, Pinacoteca, MAM e MAC – estão ficando cada vez mais exíguos num momento em que vemos que o Brasil tem sido cada vez mais um polo de atração para grandes mostras de artes.



Saí, portanto, decepcionada da exposição, que preencheu as lacunas com muitos textos e fotos impressas de obras originais, numa intenção de traçar uma linha do tempo da obra de Amedeo Modigliani. Resolvi complementar minha visita ao MASP, subindo até o segundo andar e ver de novo as obras do acervo, onde constam também duas pinturas desse artista italiano.A exposição que vi aqui no MASP dá apenas uma pálida ideia de quem foi esse artista.


Biografia



Amedeo Modigliani
Amedeo Modigliani nasceu no dia 12 de julho de 1884, em Livorno, na Itália. Era o mais novo de quatro filhos de Flaminio e Eugénie Modigliani. Sua família, mesmo sendo de origem burguesa judaica, estava em situação muito precária, quando ele nasceu. Uma crise econômica na Itália alcançou a empresa da família Modigliani, que faliu. Sua mãe, para ajudar no sustento dos filhos, teve que dar aulas particulares e fazer traduções de textos.
Com 14 anos de Idade, Amedeo Modigliani é acometido de febre tifoide. Sua saúde foi frágil a vida toda. Nesse período, ele abandona cada vez mais a escola e se interessa pelo desenho. Se inscreveu na Academia de Arte de Livorno e teve lições de pintura com Guglielmo Michelli. Seu irmão mais velho Emanuele foi mandado para a prisão por causa de suas atividades políticas. Mais tarde ele virá a ser uma das principais lideranças do Partido Socialista Italiano.
Em 1900, Amedeo adquire uma tuberculose que faz com que ele passe o inverno em Nápoles, Capri e Roma. Em 1902, se inscreveu na Scuola Libera di Nudo de Florença. Nessa cidade, visita os museus e as igrejas com a finalidade de estudar a arte do Renascimento. No ano seguinte vai com seu amigo Oscar Ghiglia para Veneza e se matricula no Istituto di Belle Arti di Venezia e participa de aulas de modelo vivo. E mais uma vez, em museus e igrejas, faz estudos intensos sobre as obras dos antigos mestres.
Em 1906, Modigliani se muda para Paris, se instalando num pequeno apartamento no bairro de Montmartre, onde moravam inúmeros outros artistas. Lá começou a frequentar as aulas de modelo-vivo da Académie Colarossi. Vive uma vida boêmia, embriagando-se todas as noites, fumando haxixe, frequentando os cabarés de Paris. Sua pobreza era extrema, e ele mal tinha o que comer. Muitas vezes só podia pagar para comer e beber, desenhando retratos de clientes nos bares de Montmartre e Montparnasse.
Modigliani
Um médico jovem, Paul Alexandre, junta-se com o irmão e alugam uma casa para apoiar jovens artistas, entre eles Amedeo Modigliani. Compraram dele quadros e desenhos e conseguiram umas encomendas de retratos. No Salão de Outono de 1907, o pintor já participa com algumas obras. Foi a uma retrospectiva da obra de Paul Cézanne, que o deixou bastante impressionado.
Aqueles eram tempos de mudanças profundas nas artes plásticas. Desde o realismo de Gustave Courbet, que trouxe novidades revolucionárias ao velho classicismo francês, dando inspiração a movimentos como o dos Impressionistas, pintores e escultores faziam novos e muitos experimentos artísticos. Paris era o celeiro maior da pintura moderna no mundo. O pintor francês Toulouse-Lautrec frequentava os cabarés parisienses pintando as cenas que observava, deixando uma marca muito própria na pintura. Por outro lado, na Alemanha, Edvard Munch, um pintor norueguês, dava os primeiros toques para o surgimento do movimento expressionista alemão.
Modigliani vive em meio a essas mudanças. Trabalha com afinco em suas pesquisas na pintura, assim como é um ativo frequentador da vida boêmia de Paris, mesmo com uma saúde muito frágil. Muda de casa várias vezes e frequenta diariamente o cabaré “Le Lapin Agile”, de Montmartre, aonde iam também seus colegas de profissão, como Pablo Picasso, Juan Gris, Van Dongen, entre outros, e os escritores André Salmon e Guillaume Apollinaire.
Ele também era amigo de artistas como Marc Chagall, Chaïm Soutine, Blaise Cendrars e Diego Rivera, mais tarde.
Modigliani: Jovem mulher de olhos azuis
No bairro de Montparnasse, também em Paris, conhecido local de moradia e estudo de artistas de vanguarda, conviviam artistas, intelectuais, boêmios e aqueles que pregavam a vida em comunidade.
Modigliani era também um conquistador.
Sua primeira grande paixão foi por uma lavadeira loira, chamada Maud, que posou para ele como modelo. Mas outras moças passaram pela vida dele: Gilberte, Elvire, Lola... Em 1910, vagando pelas ruas, Modigliani encontra no Quartier Latin com a poetisa russa Anna Achmatova, com quem ele mantém um relacionamento turbulento, que durou dois anos. Em 1914, outra mulher entra na vida de Amedeo: Beatrice Hastings. Com ela, ele viveu uma paixão violenta, agressiva, permeada de brigas, em meio ao álcool ao haxixe. Mesmo assim, Beatrice tenta impor a ele um ritmo mais contínuo de trabalho.
Ao mesmo tempo ele mantém uma relação com Simone Thiroux, que fica grávida e tem um filho dele. Mas foi 1916 que ele conheceu Jeanne Hébuterne, que tinha 19 anos e estudava na Académie Colarossi. Ele vai morar com ela na Rue de La Grande Chaumière, onde fica a famosa academia de arte.
No dia 24 de janeiro de 1920, morreu Amedeo Modigliani, no Charité de Paris, com 35 anos de idade. Estava tuberculoso, pobre e enfraquecido por uma vida inteira de dedicação à arte. Ele tinha se convertido no artista sofredor de Paris, um pintor que não poupava nem sua saúde frágil na criação de suas obras. Sua companheira Jeanne, grávida de 8 meses, não suportou a perda do amado e atirou-se do quinto andar do prédio onde moravam, no dia seguinte.
Modigliani deixou uma grande. Suas figuras alongadas são sua marca pessoal e seu modo de mostrar ao mundo a sua forma individual de ver pessoas e coisas. Pescoços longos, verticalizados, sustentam rostos um tanto entristecidos, olhares opacos. As cores são chapadas, as pinceladas lineares. Fez parte de um momento onde o artista como ser humano buscava experimentar novas formas de ver e de pintar o mundo. Aquilo era tudo novo, mas tudo parte de um momento histórico específico. A humanidade vivia os preparativos de duas guerras sanguinárias e mudanças revolucionavam vários países do mundo, como a Rússia. O indivíduo buscava seu lugar em meio aos redemoinhos incansáveis e contsantes do espírito daquela época.
Modigliani: Nu em vermelho, 1917
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Serviço:
MODIGLIANI - IMAGENS DE UMA VIDA
MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Avenida Paulista, 1578 São Paulo
De 3ªs a domingos e feriados, das 11h às 18h. Às 5ªs: das 11h às 20h. 
Ingressos: R$ 15,00 (Estudantes, professores e aposentados: meia-entrada)Às 3ªs feiras: acesso gratuito a todos

terça-feira, 22 de maio de 2012

Exposição de Caravaggio em Minas Gerais


Caravaggio: São Jerônimo escrevendo

A Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte inaugurou neste 22 de maio de 2012 uma das maiores exposições dos últimos anos: 8 obras do Mestre Michelangelo Merisi da Caravaggio  (1571-1610), o grande mestre da pintura barroca italiana, além de obras de pintores "caravaggistas".
Entre os antigos seguidores do mestre, estão presentes nessa exposição: Artemisia Gentileschi (1593-1653), Bartolomeo Cavarozzi (1587-1625), Giovanni Baglione (c.1566-1643), Giovanni Battista Caracciolo (1578-1635), Hendrick van Somer (1615-1684/85), José de Ribera (1591-1652), Leonello Spada (1576-1622), Mattia Preti (1613-1699), Orazio Borgianni (1574-1616), Orazio Gentileschi (1563-1639), Orazio Riminaldi (1593-1630), Simon Vouet (1590-1649), Tommaso Salini (1575-1625) e Valentin de Boulogne (1591-1632).
Essas pinturas deverão ser exibidas também no MASP, em São Paulo, entre julho e setembro de 2012, como parte da programação do Ano da Itália no Brasil. Depois da temporada brasileira, a exposição segue para a Argentina. A exposição tem o apoio da Direzione Generale Dei Musei Statali Italiani. A curadoria é coordenada por Rossella Vodret.
Biografia
Caravaggio: São Francisco
recebe os estigmas
 
Michelangelo Merisi nasceu no povoado de Caravaggio, na lombardia italiana, em 29/09/1571. Seus pais, Fermo Merisi e Lucia Oratori, morreram cedo e o menino, com apenas 12 anos, foi enviado para estudar no atelier de Simoni Peterzano. Passou quatro anos vivendo e estudando no atelier desse mestre. Com ele, aprendeu o tratamento das cores segundo o método de Ticiano  (1488-1576) e o naturalismo da escola pictórica lombarda.

Depois da temporada de estudo, Caravaggio partiu para Veneza para ver de perto as obras de Ticiano, e estudar a técnica do sfumato de Leonardo da Vinci (1452-1519). A atitude artística do jovem pintor já era de rebeldia contra os convencionalismos de sua época. Caravaggio também era atraído por brigões, beberrões e vagabundos, freqüentando prostíbulos, jogos e se envolvendo em todo tipo de confusão. Era um homem agoniado, inquieto.

Mas seu destino era Roma, devido à demanda da igreja católica que transformava a cidade num canteiro de obras, com o objetivo de ser o centro da cristandade e do mundo civilizado. Artistas de toda a Europa afluíam à cidade, pintando, discutindo sobre pintura, estudando os mestres.

Nessa cidade, foi morar na casa do monsenhor Pandolfo Puzzi. Era o que lhe restava, pois vivia na penúria. O padre lhe dava pousada e comida, que era pouca, o que fez Caravaggio lhe apelidar de “monsenhor salada”. Enquanto isso, perambulava pela cidade, percorrendo ateliês em busca de trabalho. Necessitado, pintava até três quadros por dia, que vendia muito barato, para sobreviver.
Segundo o biógrafo Gilles Lambert, Caravaggio alternava com seus amigos “sessões de trabalho, de festas e de diversões no submundo”. Era amigo de vagabundos, miseráveis, homossexuais e prostitutas, muitos dos quais posaram para ele em seu atelier. Nesses marginalizados, o artista via o desespero da luta cotidiana pela sobrevivência em um ambiente dominado pela miséria, em plena Roma a cidade dos papas e cardeais cercados de riqueza e opulência.

No começo, Caravaggio se recusou a pintar quadros com temas religiosos. Mas logo, aconselhado por colegas, viu que essa era uma forma de sobreviver e pintou “São Francisco recebendo os estigmas”, de 1595, considerada a pioneira e a que melhor expressa a estética da arte barroca. Os quadros, em geral, eram encomendados por ricos burgueses que com eles presenteavam as igrejas.
Em maio de 1606, em meio a uma briga de jogo, Caravaggio matou um colega. Condenado à morte, fugiu para Nápoles, depois indo para a ilha de Malta. De lá, fugiu para a Sicília, após agredir um cavaleiro da Ordem de Malta. Cansado, doente, ansioso pelo indulto que o permitiria voltar a Roma para continuar seu trabalho, foi detido no Porto Ercole, por engano, e levado à fortaleza da cidade. Lambert diz que ele foi visto, já livre da prisão, “atarantado, faminto, enfermo, extenuado em busca de um barco” que o levasse de volta a Roma. Estava infectado por feridas e com febre. E assim morreu no dia 18 de julho de 1610.
Mas a grandeza de Caravaggio se impôs com o tempo, e mostrou nele um pintor original. O aspecto mais notável de sua obra é o tratamento do claro-escuro. Consiste em projetar a luz sobre as figuras com um contraste intenso e brusco com as sombras, o que marca o início de uma das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica primordial de seu estilo é o realismo enfático como reação ao idealismo renascentista. Ao invés de pintar figuras, mesmo as religiosas, com ar solene ou suave, conforme os ditames da igreja, ele as trata com um realismo quase insolente, usando como modelos, o povo das ruas.

Um bom exemplo, entre inúmeros outros, é o quadro O Enterro da Virgem. A figura de Maria foi inspirada no cadáver de uma prostituta afogada no rio Tibre e com o ventre inchado. Maria Madalena foi retratada muitas vezes a partir do modelo de uma jovem amante do pintor, assim como seus vários “João Batista” teve como modelo um rapaz amante de Caravaggio, que era bissexual.
Caravaggio: São João Batista
As personagens principais dos quadros de Caravaggio estão sempre localizados na obscuridade: um cômodo sombrio, um exterior noturno ou simplesmente um fundo escuro. Uma luz poderosa que provém de um ponto da parte superior da tela envolve os personagens à maneira de um projetor de luz sobre uma cena de teatro. O coração da cena é especialmente iluminado e os contrastes produzidos por essa maneira de pintar conferem uma atmosfera dramática ao quadro.

Edward Gombrich, em seu livro História da Arte, diz que Caravaggio queria a verdade, acima de tudo. Por isso não tinha respeito pela beleza idealizada de seu tempo. No quadro São Tomé, os três apóstolos parecem trabalhadores comuns, com os rostos curtidos pelo tempo, testas enrugadas. Ele queria copiar a natureza, fosse ela bela ou feia e fez todo o possível para que as figuras dos textos bíblicos parecessem reais.

Sem Caravaggio não haveria – como diz o crítico de arte Roberto Longhi – “Ribera, Vermeer, La Tour, Rembrandt. E Delacroix, Courbet e Manet teriam pintado de outra maneira”. Poucos artistas têm fascinado a posteridade de artistas e encorajado a ousadia criativa como ele o fez.


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Serviço:
CARAVAGGIO E SEUS SEGUIDORES
De 22 de maio a 15 de julho na Casa Fiat de Cultura
Terças a sextas: 10h às 21h
Sábados, domingos e feriados: 14h às 21h
ENTRADA E TRANSPORTE GRATUITOS
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Para saber e conhecer mais sobre Caravaggio veja estes

POSTS SOBRE CARAVAGGIO E OS CARAVAGGESCOS:

José de Ribera, caravaggesco

domingo, 13 de maio de 2012

Berthe Morisot em retrospectiva

O Museu Marmottan Monet de Paris, França, organiza desde o dia 8 de março, e até o próximo 1º de julho, a primeira retrospectiva da obra da pintora Berthe Morisot (1841-1895) após mais de meio século. São 150 pinturas, pasteis, aquarelas, sanguíneas e carvões provenientes de outros museus e de coleções particulares do mundo inteiro, o que permite ter uma ideia ampla do que foi a carreira de uma das mais ilustres pintoras impressionistas.

A exposição de Berthe Morisot no Museu Marmottan Monet de Paris

A seleção das obras foi feita com o objetivo de acompanhar o percurso da artista desde o período de sua formação com o mestre Jean-Baptiste Camille Corot até sua última pintura. Segundo o texto de apresentação da exposição, no site do Museu Marmottan, as obras escolhidas mostram uma arte sutil e delicada, onde o tema geral é a celebração da mulher e da criança. Os retratos de moças no baile, ou fazendo a toalete, ou simplesmente em algum jardim dão testemunho da evolução de sua pintura como grande representante do Impressionismo. Mas há também pinturas de paisagens ou simplesmente composições decorativas, que a colocam lado a lado com dois de seus grandes contemporâneos: Monet e Renoir.
Quem foi Berthe Morisot
Retrato de Berthe Morisot,
por Edward Manet
Berthe nasceu em 14 de janeiro de 1841, na cidade de Bourges, onde seu pai era prefeito. De uma família de posses, ela recebeu uma educação burguesa: fez cursos de música, desenho e pintura, juntamente com sua irmã Edma. Eram sobrinhas do grande pintor rococó Jean-Honoré Fragonard (1732-1806).
Em 1852, a família muda-se para Paris e as irmãs vão estudar desenho e pintura. Berthe tinha 16 anos de idade. Depois passaram a copiar as obras dos mestres da pintura no Museu do Louvre, onde conheceram o pintor Fantin-Latour. Mais tarde, através dele, elas conheceram o pintor impressionista Edward Manet.
Em 1861, Berthe e Edma se tornaram alunas do pintor Camille Corot. Três anos depois, Berthe Morisot participou pela primeira vez como pintora do Salão de artes oficial, o primeiro de muitos. Ela expunha regularmente, ano a ano, sobretudo paisagens. Mas ela também expôs um retrato duplo de sua mãe lendo, e da irmã Edma sentada ao lado, já dentro da concepção artística de Manet, que Berthe considerava seu segundo professor.
Em 1863, Berthe começou a pintar ao ar livre em Pontoise, a noroeste de Paris. Lá conheceu os pintores Daubigny e Daumier. Depois fez algumas viagens pela Espanha e Inglaterra.
Menina lendo, 1888, coleção do Museu
de São Petersburgo, Rússia
Já influenciada pela nova geração de pintores que surgia, os futuros impressionistas e seus amigos, Berthe retirou a pintura onde retratava a mãe e a irmã do Salão de 1870. Em 1874, ela deixa de participar dos Salões oficiais para se juntar ao grupo de pintores independentes, que resolveram fazer sua própria exposição.
No final da década de 1860, as raízes do Impressionismo já estavam lançadas. Mas antes disso uma corrente artística teve uma crescente importância no meio artístico francês, constituindo-se – como diz Peter H. Feist em O Impressionismo na França – em um “dos mais notáveis fenômenos da arte do século XIX”: o Realismo. Era fruto de fatores ligados ao desenvolvimento de concepções que davam uma nova leitura do mundo, inclusive dando sentido às opções políticas que tomaram artistas como Gustave Courbet. Os artistas e seus quadros eram – continua Feist – “como janelas que se debruçam sobre uma parte do mundo real”. Apesar de ser dotado de visão como qualquer ser humano, o pintor deveria treinar permanentemente seu olhar, treinar e refinar sua percepção do mundo. E assim, suas imagens representativas da natureza deveriam levar o observador comum a examinar a realidade de uma forma nova.
Autorretrato, coleção do Museu Marmottan Monet
Para esse grupo de jovens pintores ao qual se juntou Berthe Morisot, pintar era representar a realidade que o artista tinha vivenciado e presenciado. O centro de interesse era a realidade cotidiana, a vida prosaica, os prazeres da vida. A paisagem com mar e céu era agora mais luminosa. Os pintores impressionistas, com seus cavaletes ao ar livre, queriam pintar a mudança e o movimento do dia, com sua luz nova a cada momento. Davam a seus quadros uma claridade maior, uma invasão de luz e cor. Até as sombras eram coloridas.
A inauguração do Salão dos Independentes aconteceu no dia 15 de abril de 1874, quinze dias antes da abertura do salão oficial. Eram trinta os artistas desse salão, que incluíam, além de Berthe Morisot, Pierre-Auguste Renoir e Claude Monet. A crítica não recebeu bem essa nova forma de pintar, e um dos próprios críticos foi quem cunhou a expressão “impressionismo”.
Em 1874 Berthe se casou com Eugène Manet, irmão de Edward. Cinco anos depois nasceu sua filha, Julie. Ela já tinha 38 anos. Fez mais algumas viagens pela Itália, Bélgica e Holanda.
Entre 1881-1883, Berthe construiu uma casa em Paris, onde recebia a cada quinta-feira pintores e escritores: os pintores Degas, Caillebotte, Monet, Pissarro, Renoir e o crítico de arte Duret, entre outros. Suas qualidades tanto humanas quanto artísticas fizeram dela uma mulher muito respeitada no mundo intelectual e artístico francês, atraindo a amizade inclusive do poeta Stephane Mallarmé, que se tornou seu amigo e seu maior fã.
Retrato da mãe e da irmã, 1869-70, National Gallery
of Art, Washington, EUA 
Em 1892, Berthe fez sua primeira exposição individual, poucos meses depois da morte de seu marido. Como Camille Pissarro, Berthe Morisot foi dos únicos artistas que expuseram em todas as mostras impressionistas, com exceção de 1879, ano em que nasceu sua filha.
Assim como a pintora norte-americana Mary Cassat, Berthe Morisot pintou principalmente as mulheres, as crianças e as cenas familiares. Nunca deixou de pintar, a vida inteira, ao contrário de sua irmã também talentosa, Edma, que abandonou a pintura depois que se casou em 1869. Naquela sociedade dominada pelo sexo masculino, era muito difícil para as mulheres acharem um equilíbrio entre a vontade de aprender, a segurança em si próprias como artistas e a manutenção do matrimônio.
Em março de 1895, Berthe Morisot morreu de pneumonia, em Paris. Tinha 54 anos. Porém, deixou a seus amigos – Degas, Monet e Renoir – diversas obras prontas. Apesar de ter sido uma artista de trabalho bastante profícuo, o machismo da época inscreveu em seu atestado de óbito: “sem ocupação” e em seu jazigo a inscrição “Berthe Morisot viúva de Eugène Manet”.
No entanto, um ano depois de sua morte, uma grande homenagem lhe foi prestada: a galeria de Paul Durand-Ruel expôs 394 de suas pinturas, desenhos e aquarelas, com um prefácio escrito por Stephane Mallarmé.
Esta exposição do Museu Marmottan de Paris, portanto, recupera a memória dessa grande pintora impressionista francesa. E faz justiça à presença feminina nas artes plásticas, sempre tão negligenciada pelos salões e pela mídia. Berthe Morisot foi contemporânea de outras duas artistas de peso: Mary Cassat (1845-1926) e Eva Gonzalez (1849-1883).
Retrato de Madame Hubbard