segunda-feira, 8 de abril de 2013

Diário de Madrid VII

Sala interna do Museu do Prado
O Museu do Prado estava logo ali, muito perto da Plaza Santa Ana. Mesmo sendo domingo não tinha mais fila, porque cheguei às 15h e o museu fecha às 19h. Fui mais tarde de propósito, para não entrar junto com a multidão de turistas. Como voltarei mais vezes, vou com mais calma.

Logo na entrada, o Museu do Prado já se escancara de uma forma impressionante: Tiziano, Tiziano e mais Tiziano! O grande pintor italiano que segundo Heinrich Wölfflin deu as primeiras pinceladas sem linha (isto é mais difícil de explicar, mas quem tiver interesse em saber mais, em outro post está mais claro (clique aqui). E logo em seguida, Rubens, Peter Paul Rubens, uma sala só para ele. E Veronese, Tintoretto, Bassano, Caravaggio, Annibale Carracci, Orazio Gentileschi, muitos italianos. E muitos holandeses, flamengos, franceses e especialmente espanhois.

O Museu do Prado possui o maior acervo de obras de arte espanhola do mundo, com uma coleção que vem desde o século XII. O edifício foi projetado em 1785 por ordem do rei Carlos III para abrigar o Gabinete de Ciências Naturais. Mas outro rei, Fernando VII, incentivado por sua esposa Maria Isabel de Bragança, resolveu destiná-lo a ser mesmo um museu que abrigaria a rica coleção dos reis espanhois.

O Prado foi aberto ao público pela primeira vez em 1819 e em seu primeiro catálogo, havia uma lista com 311 pinturas mas, diz a página informativa do Museu, que na verdade havia um total de 1510 obras que procediam das famílias reais daqui. Esta coleção atual começou a se formar no século XVI, sob a administração do rei Carlos V e enriquecida sucessivamente pelos reis que lhe seguiram depois. Então esta coleção atual teve como berço as coleções reais. O escritor espanhol Ortega y Gasset, numa biografia de Velázquez que estou lendo no Brasil, afirma que Diego Velázquez viajou algumas vezes à Itália, por ordem do rei, para adquirir as mais belas obras da pintura que encontrasse. E o Prado guarda, então, verdadeiros tesouros da arte.

Após ver algumas salas com os pintores italianos, vi que precisava ir direto a dois espanhois e aproveitar as duas horas até o Museu fechar. Vou fazendo assim: organizo minhas idas ao Prado para ver por partes mesmo e não tudo de uma vez. Então fui ver Diego Velázquez em primeiro lugar.

Há uma sala que concentra as obras deste pintor espanhol, mas em muitas outras ele se encontra presente. Esta sala principal é onde fica, em lugar de destaque, seu quadro mais conhecido: "As Meninas". Mas como é mais famoso, atrai as maiores atenções. Fui vendo devagar os outros quadros. A gente não tem muita ideia  de como pinta um artista a não ser quando estamos diante do original. Velázquez é muito mais impressionante do que eu podia imaginar! Seu modo de pintar solto, sem desenhar a forma e os detalhes das coisas está muito implícito no quadro As Meninas. Há nele uma simplicidade impressionante e por isso Joaquín Sorolla estudou tanto Velázquez. Os detalhes das roupas, os pinceis na mão do pintor do quadro, o cachorro deitado no chão, o menino que pisa em cima dele... pinceladas soltas, sem se prender aos detalhes. Mas quando se olha de longe tudo salta aos nossos olhos, tudo se encaixa. Fiquei fazendo esse movimento de me aproximar e me distanciar do quadro, estudando cada pedaço dele.

O quadro é muito grande. E mais da metade da parte superior é uma parede escura de pé direito alto, de onde se vêem vultos de pinturas que se atribuem a Rubens. Ortega y Gasset diz que Rubens ficou 8 meses aqui em Madrid e conheceu Velázquez. Ao fundo há a porta aberta com um homem saindo - ou entrando - no compartimento. Aquilo brilha de forma impressionante! Por algum motivo Velázquez faz nossos olhos irem na direção do pequeno homem no fundo, numa porta aberta. E o grande cavalete do pintor à esquerda também parece querer dizer algo sobre a pequenez da Infanta, da realeza, cujos perfis apenas se vêem em vultos num espelho do fundo.

Mas vi também e me impressionei muito com o quadro "A forja de vulcano", que já tinha visto uma tela antes de mesmo título que foi pintada pelo italiano Jacopo Bassano. Também é uma grande pintura de Velázquez, onde dá para ver que ele usou empasto especialmente no ferro ardente nas mãos do forjador e nos brilhos da roupa do anjo.

Antes de ir até às salas de Francisco Goya, dei uma olhada nas pinturas de José Ribera, o espanhol que foi morar na Itália. A pintura dele é muito intensa, com grandes sombras, pintura que lembra Caravaggio.

Mas cheguei em Goya, em suas pinturas, que estão espalhadas em várias salas, numa ala do Museu dedicada a ele. Lembrei-me de Tereza Costa Rêgo, pintora brasileira de Olinda que me disse que Goya é sempre sua grande referência de trabalho.

Depois de ver todas as salas, fui ver suas pinturas conhecidas como "Pinturas Negras". São denominadas assim porque ele usou muitos tons escuros para pintá-las. Foram feitas diretamente sobre as paredes de sua casa, nos arredores de Madrid. Depois foram transplantadas para telas especiais, restauradas e colocadas no Museu. Fiquei todo o resto do tempo que me sobrava nesta sala impressionante.

Resolvi desenhar. Essa coisa de ficar vendo esses grandes pintores vai dando na gente uma necessidade de aproveitar o momento e registrar em desenho. Peguei detalhes dos quadros, pés, expressões, mãos, rostos. Peguei meu caderno de desenho e um lápis-carvão e fiquei estudando e desenhando. Infelizmente não posso postá-los aqui agora porque não tenho scanner e as fotos da câmera ficam tremidas. Prefiro fazer isso depois, em São Paulo.

Algumas pessoas vieram ver o que eu fazia. Duas senhoras espanholas conversaram comigo: queriam saber que lápis eu estava usando, de onde eu era, o que eu fazia. Quando disse que era "brasileña", elas sorriram e me disseram que foram num evento em Alcalá de Henares, cidade de Miguel de Cervantes, onde o brasileiro Ziraldo ganhou um prêmio como caricaturista equivalente ao Prêmio Cervantes da literatura. Elas elogiaram meu trabalho, se despediram e eu voltei ao meu desenho. As expressões das figuras nas pinturas negras são dramáticas, pesadas, assim como as pinceladas que Goya deu sobre elas. Nesta fase de sua vida, parece que ele já não estava nem aí para as opiniões alheias sobre sua forma de ver e pensar o mundo e sobre sua forma de pintar. Ele expressava o medo, a angústia, o sofrimento das pessoas diante dos acontecimentos do mundo que tocam a alma de qualquer pessoa mais sensível.

Tentei captar essas expressões.

Uma família se aproximou de mim, porque uma menina queria ver o que eu desenhava. Mostrei a ela. Uma menininha menor ainda também ficou na ponta dos pés para ver. Eu me abaixei e mostrei a ela: te gusta? Ela riu e olhou para mim com cara de espanto. A mãe lhe mostrou no quadro a figura que eu estava fazendo. Ela olhou de novo para mim com espanto. Se despediram e sairam. Eu agradeci os elogios. Dois segundos depois a menininha pequena veio até mim e falou sorrindo: "Tu dibujas mui bien!"

A opinião dela será levada em conta o resto da minha vida! Porque há momentos em que uma angústia nos domina, a dúvida toma conta, e muitas vezes um olhar de fora nos reequilibra e nos traz de volta ao centro, ao foco. Desenhei ainda mais segura após a opinião da pequena espanhola.

domingo, 7 de abril de 2013

Diário de Madrid VI

Uma das figuras engraçadas na Puerta del Sol, assustando as pessoas

Domingo de sol, vamos para a rua. Eu e todo mundo desta cidade, onde parece que todo mundo gosta de sair, de passear, de ver gente, de ficar junto. Fui para a Feira de Rastros, uma feira de coisas antigas, usadas e boas. Parece que esta feira existe desde a Idade Média na mesma Plaza del Cascorro, estendendo-se pela Calle de la Ribera de Curtidores, onde ficavam antigamente os matadouros, açougues e curtumes da cidade.

Estava totalmente lotado de gente daqui e de fora. Muita bugiganga pra vender, mas também muita coisa excelente, em especial móveis de design antigo, de madeira muito boa e muito baratos! Pena não poder levar ao Brasil. Em São Paulo esses móveis antigos são caríssimos. 

Aqui em Madrid daria para se montar uma linda casa com algumas dessas peças, sem gastar muito. Eu li em algum lugar que aqui neste bairro também ficava a Fábrica de Tabacos, cujas operárias eram muito batalhadoras pelos seus direitos.


Desci em direção à Puerta de Toledo, uma espécie de Arco do Triunfo, como é comum por estas terras europeias. Na mesma rua, veio vindo em minha direção uma procissão: na frente um grande banner com um ícone de Jesus e atrás dele jovens e velhos, cantando hinos religiosos. Parece que esse tipo de evento toma uma dimensão diferente em lugares como este. De repente me vi como se estivesse na Idade Média e um dos quadros do Goya tinha se transformado em uma Animação... Mas durou um segundo; logo me vi de volta ao século XXI...

Passei novamente pela Puerta del Sol, em direção ao restaurante Miau na Plaza Santa Ana. Assim que cheguei na Plaza, ouvi música. Aqui tem música em todo lugar (e acho que já falei isso antes). Só que, além dos instrumentos, ouvi vozes, muitas vozes cantando juntas. 

Cheguei perto, era um círculo grande de pessoas em volta de dois violinistas que tocavam enquanto todos cantavam. Que lindo isso! Fui cantar com eles! Os músicos tinham distribuído as letras das músicas para as pessoas.

Madrid é uma cidade humana, apesar de tudo. Caminhando por aqui são muitos os momentos em que algo acontece: alguém tocando, alguém cantando, dançando, fazendo performances variadas, alguém desenhando. Povo nas ruas; ruas ocupadas por gente. Lembrei-me de São Paulo, tão difícil, tão caótica para essas manifestações. Kassab, ex-prefeito, chegou a proibir os artistas de rua! Mas o tempo de Kassab acabou e hoje está acontecendo o Festival Baixo-Centro e o Minhocão deve estar lotado de gente, como aqui. Há esperança... E minha filha, Gabriela, está por lá.

Mas voltemos à Plaza Santa Ana. Quando a música acabou, um dos violinistas falou alguma coisa e começou a declamar um poema. Não tive dúvidas: neste momento chamei meu amigo poeta Jeosafá Gonçalves para cá. Falei-lhe: - Vamos cantar juntos con estas personas nesta tierra de tus abuelos, Jeosafá? Nos portamos ao lado de uma senhora que tinha as letras das músicas nas mãos, enquanto ouvíamos a poesia. O músico anunciou a próxima música e todos pegaram seus papeis: "No nos moverán"! Olhei para o Jeosafá: - Mundo estranho, cheio de surpresas! E cantamos todos juntos uma música cuja melodia saiu do fundo de algum lugar qualquer da minha memória porque eu a conhecia! Sei lá de onde! Mas de noite, na internet, descobri porque eu conhecia esta música: claro, é uma música que Joan Báez cantava! Era uma espécie de hino norte-americano de resistência. 

"No, no, no nos moveran! no, no nos moverán!
No, no, no nos moveran! no, no nos moverán!
como un árbol firme junto al rio
no nos moverán.

Unidos en la lucha, no nos moverán
unidos en la lucha, no nos moverán
como un árbol firme junto al rio
no nos moverán!"

- Caraca, Jeosafá, qué es eso?
- Es la vida, Mazé, es la vida!

E fui para o meu almoço.

Diário de Madrid V



O sábado amanheceu ensolarado. Finalmente o sol apareceu! O cèu está muito azul, mas o frio è congelante. A gente se encolhe ao caminhar pelas ruas, enfiando o nariz embaixo do cachecol...

Mesmo assim as ruas estao cheias de gente. Muitos turistas descendo a Gran Via em direçao ao Paseo del Prado, e parecia uma procissao de gente descendo na mesma direçao. Varios grupos, casais, pessoas sozinhas.
Fui para o Museu Thyssen-Bornemizsa, que guarda uma das maiores coleçoes particulares de obras de arte. São da familia de Heinrich (1875-1947) e Hans Heinrich Thyssen-Bornemizsa (1921-2002). O Museu foi inaugurado em 1992 e uma grande parte de seu acervo foi adquirido pela Estado. Há obras do sèculo XIII até da década de 1940. Uma riquìssima coleçao de obras de arte que irei ver logo.

Mas resolvi ver antes a exposiçao "Impressionismo - pintura ao ar livre", uma exposiçao temporaria que reune obras do acervo de museus os mais variados, de diversos paises da Europa e dos EUA. Como sei que é muito dificil ver todas essas obras juntas, fui vê-la. De Camille Corot até Van Gogh, passando por Claude Monet, Sisley, Rousseau e Gustave Courbet, esta mostra apresenta pinturas que foram feitas a partir da influencia da Escola de Barbizon, formada por um grupo de pintores que resolveu ir para o campo, pintar ao ar livre, fora dos ateliês.

Trata-se entao de paisagens. A ideia era pintar os efeitos da luz solar sobre a natureza. Muitos deles fizeram experiencias, pintando a mesma cena em momentos diferentes do dia para captar as nunaces de luz que se modificam com a passagem do tempo. Um deles recomenda que se pinte em duas horas uma cena dessas, ou se for no por do sol, no máximo em meia hora...

Como a quantidade de pessoas querendo ver a exposiçao era muito grande, a organizaçao resolveu fazer a entrada por horários marcados. Mesmo assim era incomodo a disputa para ver os quadros. Havia oito de Gustave Courbet, entre paisagens rochosas, marìtimas, florestas e nuvens. Gosto muito deste pintor francës, um dos fundadores da Escola Realista. Mas la tambem estavam Joaquin Sorolla, Cézanne, Wiiliam Turner (que eu so tinha visto pessoalmente uma vez, no Louvre) e o alemao Adolf Menzel, pintor realista do qual vi uma bela exposiçao de suas pinturas em minha viagem a Berlim em 2010.

Deixei para ver o rico acervo do Thyssen depois, quando tiver menos gente. Fui em direçao ao Museu do Prado. Em frente ao predio, barracas onde pintores vendiam seus quadros, destes que encontramos na Praça da Republica em Sao Paulo, ou na pracinha atrás de Sacre-Coeur em Montmartre, Paris. Eles pintam o que os turistas gostam de comprar. Aqui, cenas locais com touradas, Dom Quixote, espanholas coloridas e suas castanholas. Também retratistas estavam lá oferecendo de desenhar os turistas por 10 euros.

Na igreja de São Jeronimo, ao lado, vi uma cena interessante: um grupo de pessoas vestidas para festa se acotovelava para serem fotografadas ao lado de... um casal de noivos! Os ombros dela estavam nus pois usava um vestido tomara-que-caia. Fiquei com pena dela, neste frio... Ela deve ter marcado a data de casamento e nem imaginava que no mës de abril estivesse tao frio em Madrid! Porque este frio nao é muito comum nesta época...


Segui meu caminho.

Passei em frente à estação Atocha, a estação central dos trens de Madrid. De Atocha saem todos os trens para qualquer região da Espanha e fora dela. Foi daqui que parti diversas vezes para conhecer outras cidades em minha primeira viagem para cá. Lembrei do atentado de uns 4 anos atrás, na Atocha, com muitos mortos. Hoje tem um monumento que os homenageia.

Passei na porta do Reina Sofia, o Museu de Arte Contemporânea. Como da primeira vez vim duas vezes conhecer seu acervo, desta vez vou priorizar os outros. Vi a parte nova do Museu inaugurada recentemente e bem moderna. Um bloco em vermelho, com uma forma um tanto orgânica. Vi também a escultura de Gaudí, que já tinha visto antes.

Caminhei em direção à Plaza de Lavapiés. Lavapiés era um antigo bairro judeu que foi ocupado por imigrantes de todas as partes do mundo. Caminhando pela rua, mesas com cadeiras nas calçadas em frente aos botecos, cheias de gente mais jovem. E muitas pessoas de todas as cores passando por mim. Vi muitos negros e muitos latinos. Mas pensei que com esta crise atual a Espanha não deve mais oferecer muito atrativo para os de fora que procuram por melhores condições de vida. E principalmente por trabalho, pois o desemprego aqui é muito grande, quase um terço da população trabalhadora.

Terminei meu dia encontrando um amigo brasileiro que está de passagem por Madrid e está viajando de mochila pela Europa por três meses. Fomos até o restaurante Miau na Plaza de Santa Ana jantar e tomar vinho. E o Leonardo me contou todas as aventuras deste primeiro mês de viagem, sozinho, descendo de Paris pela costa oeste, passando pela Galícia, depois Portugal, Andaluzia. Agora está indo para Barcelona. Seu objetivo é chegar a Istambul, na Turquia, em um mês e meio.