Portinari: autorretrato, desenho de 1957 |
Eu vi os olhos azuis de Portinari.
Eu vi pessoalmente.
Eu vi através da cadeia biológica que replicou os olhos azuis que viam um mundo para ser pintado em outros olhos azuis que veem um mundo para ser construído. De olhos de pintor a olhos de engenheiro. Azuis. Os de João Candido Portinari.
Por isso eu vi além dos olhos de João. Lá naqueles dois painéis gigantes, um coração imenso havia pintado para o mundo ver que o mundo há de ser bom, deve ser bom para todos. Sim à Paz. Guerra, não! Guerra é morte, é sofrimento, é angústia, é separação, é humilhação, é fome, é sede, é divisão, é ódio, é execração, é capitalismo. O rubro coração daquele homem imenso deixou lá nas Nações Unidas esse grito que ecoa para quem alma tiver: o mundo há de ser bom, há de ser justo, há de ser humano, há de ser de todos. Um dia com certeza.
As crianças e João Candido Portinari |
Abraçar João, apertar sua mão, posar para fotos a seu lado, era contentar uma vontade de chegar mais perto daquele pintor que disse que a pintura tem que falar ao coração. Que disse que a pintura que não fala ao coração não é arte. Que disse que só o coração entende a arte, que só o coração nos poderá tornar melhores. Será por isso que hoje tantas crianças corriam em volta de João Candido, como se tivessem pulado das telas pintadas por Portinari, crianças coloridas descendo de suas poses, aos montes, correndo para abraçar seu filho?
O pai, Portinari, também não tinha falado que não conhecia nenhuma grande arte que não fosse íntima do povo? Não é por isso que chorava aquela menininha negra, entre o painel “Guerra” e o João a seu lado, sem conseguir definir se a emoção era maior porque entendia a dor daquelas mães do quadro com seus filhos mortos, ou por estar sendo abraçada pelo filho do homem que pintou a dor daquelas mães com seus filhos mortos?
João Candido e eu |
João Candido Portinari é para não esquecer também. Filho de peixe... A alma mansa, o sorriso fácil, a fala boa, o coração grande, o abraço imenso onde cabem todos os abraços de todas as crianças ou de todos aqueles que têm boa vontade... E que agradeceu àqueles comunistas que lhe haviam feito lembrar-se dos tempos bons para seu pai.
Para contar como foi que eu conheci João Candido Portinari, não dava para não ser com meu coração... O resto eu deixo que Carlos Drummond finalize, pois meu coração tem seus silêncios:
A MÃO
Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domícilio do homem.
Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.
Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.
(Carlos Drummond de Andrade)
Detalhe do painel "Paz" de Candido Portinari |
Ê, Mazé!!! Como sempre, respirando arte e nos passando, por meio de seu blog. Mui parabéns, amiga, pelo escrito. Beijos. Sirlene Barbosa
ResponderExcluirGrande Mazé, amigona. Continue sempre respirando arte e trazendo um pouco das suas belas visões para nós. Saudades do nossos papos! Beijos.
ResponderExcluirSou aluna de Escola de Artes. Gostaria de obter seu email para ajuda numa pesquisa bibliográfica sobre Arte Realista.AGUARDO RESPOSTA.
ResponderExcluirOBRIGADA