quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Vivências em ateliês de Paris

A tela original é de Jan Vermeer "Moça com brinco de pérola"
- esta é uma cópia que está sendo pintada por mim - terceiro dia de ttrabalho
Depois de 5 dias, ela está ficando assim...
Duas atividades em especial, marcam esta minha estada de quinze dias aqui em Paris. Em primeiro lugar, pintando uma cópia do "Moça com brinco de pérola" de Jan Vermeer sob a orientação de uma pintora copista do Louvre. Em segundo lugar, fazer aulas de desenho com modelo vivo na Academia de la Grande Chaumière, aqui em Montparnasse, bairro de Paris.

Há alguns meses atrás soube, em São Paulo, do Atelier de Alejandra Astorquiza em Paris, copista do Museu do Louvre. A especialidade dela é copiar grandes obras dos grandes mestres, muitas vezes em frente às próprias obras no Louvre. Como faço parte de um Atelier em São Paulo que também usa como referência as obras dos mestres da pintura, considerei que podia ser muito boa a experiência de fazer um estágio intensivo de uma semana, junto com Alejandra, e aprender diretamente dela um pouco da sua técnica de copista.

Depois de três dias inteiros, e 24 horas de trabalho intenso, minha "Moça com brinco de pérola" começa a me olhar, com seu olhar enigmático. Ainda há muito o que trabalhar no rosto dela, no olhar dela e especialmente na boca dela. Alejandra me disse que esse quadro, junto com a Monalisa de Da Vinci, trazem rostos com os sorrisos mais enigmáticos e difíceis de copiar. Ou seja, minha tarefa não é nenhum pouco fácil. Ainda tenho dois dias inteiros de trabalho, que vou concentrar no rosto dela. Todo o restante que ficar faltando, farei sozinha em meu atelier em São Paulo.


Sala centenária do atelier de la Grande Chaumière
para onde se dirigem artistas e estudantes de arte desde o começo do século XX
Mas também fui à "Grande Chaumiére".

Este atelier fica dentro de um prédio secular aqui do bairro legendário de Montparnasse, e abriga a Academia de la Grande Chaumière, uma das mais antigas de Paris, fundada em 1909.  Lá acontecem cursos livres de desenho, pintura e escultura e está aberta a qualquer um que queira vir treinar aqui. Por estes bancos e estes apoios de madeira em volta da cena principal onde posam modelos, artistas célebres ou não, sentaram e continuam sentando para praticar uma das maneiras mais antigas de estudo de pintura: modelo vivo, nus ou em representação de personagem. Os artistas fazem seus croquis com grafite, carvão, pastel, óleo, acrílica, aquarela...

Fernand Léger (1881-1955) passou por aqui, assim como André Lhote (1885-1962), Emile Antoine Bourdelle (1861-1929), todos professores, ensinando novos artistas. Alberto Giacometti (1901-1966), o grande escultor, aprendeu aqui diretamente com Bourdelle.

Esta Académie de la Grande Chaumière já atraiu artistas de muitos países, de diversas gerações, nestes cem anos, e praticantes das técnicas mais diversas. Porque a Grande Chaumière é uma academia livre, qualquer um pode desenvolver a técnica que quiser. É assim, desde que foi criada em 1901. Alexander Calder (1898-1976), norte-americano; Amedeo Modigliani (1884-1920), italiano; Joán Miró (1893-1983), pintor espanhol, todos sentaram nestes mesmos bancos que vi ao meu redor.

Também alguns artistas brasileiros vieram desenhar aqui, como Lasar Segall, Quirino Campofiorito, Antonio Bandeira, Vieira da Silva e outros.

Ontem, desenhando e pintando junto comigo, tinha umas 40 pessoas, dispostas em semi-círculo em volta de uma modelo francesa, muito simpática, que posou nua. A primeira sessão foi de 45 minutos. Pausa de uns quinze minutos para um lanche servido pela administração da escola: chás diversos, espetinhos com legumes e embutidos, pães, vinho, suco... Depois mais quatro sessões de 25 minutos cada, com pequeno intervalo de 5 minutos, quando a modelo aproveitava para descansar.

Fiquei observando as pessoas, enquanto tomava meu chá, tentando adivinhar o que faziam, se eram pintores, ilustradores ou escultores, se tinham atelier, se eram conhecidos... As madeiras onde apoiamos nossas pranchas de trabalho são as mesmas há mais de cem anos. De tão usadas já estão meio roliças. Os bancos, alguns cobertos com couro, são os mesmos bancos rústicos usados há mais de cem anos, dezenas deles de várias alturas, dependendo da posição que se toma em relação ao lugar onde está a modelo.

Ela fica na frente, numa espécie de altar onde ela é a deusa. Ou o deus, no caso dos modelos homens. Em torno desses modelos, centenas de artistas se juntaram aqui, estudando cada detalhe da anatomia de seus corpos, a direção do jato de luz lançado sobre os modelos, as projeções das sombras, os valores dessas diversas gradações entre luz e sombra... Desenhando, repetimos em nossas pranchas as formas do que vemos.

É muito bom poder viver isso pessoalmente! É muito boa essa experiência de conviver com tantos desconhecidos, de várias idades, que falam uma língua diferente da minha (e talvez outras), mas que nos unimos na mesma e universal linguagem da Arte, na qual todos nós nos compreendemos uns aos outros. Neste espaço de la Grande Chaumière, junto com essas pessoas, lembrei de uma frase de origem africana da qual gosto muito e que explica o que penso também sobre fazer Arte:

"Se você quer ir rápido, vá sozinho. Se você quiser ir longe, vá com outros!"

Ontem desenhei em meu caderno, além do corpo da modelo, toda a minha própria ventura de estar aqui...


A modelo, enquanto se preparava. Em primeiro plano, meu material de desenho. Logo atrás, a madeira que apoia o material do artista, já tão gasta de tanto uso

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Meia noite em Paris


Neste domingo tive um encontro inusitado, mas bastante satisfatório. Estava passeando entre os corredores de um lugar arborizado, quando resolvi aproveitar a oportunidade das presenças importantes ao meu redor e convocar certas pessoas para uma importante reunião.

Camille Corot, auto-retrato
O primeiro que chamei foi Camille Corot e ele me ajudou a chamar todos os outros: Jacques Louis David, Georges Seurat, Jean-Auguste Dominique Ingres e Eugène Delacroix. Marx Ernst estava ali por perto, mas como não tenho interesse nas ideias dele, deixei de fora. Estávamos todos no cemitério Père Lachaise, com mais dezenas de outras figuras importantes da história francesa.

O encontro foi no Jardim do Crematório, um lugar tranquilo, cheio de flores coloridas bem arrumadas nos canteiros. Achei que era um bom lugar para esse encontro, um lugar fértil, adubado com as cinzas de milhares que já foram incinerados neste forno, cuja chaminé escura paira poderosa ao lado da abóboda do prédio.

Ingres, auto-retrato
Tive muito trabalho, no começo, para acalmar a verdadeira balbúrdia que se instalou entre meus convidados. Ingres queria partir para cima de Delacroix, macambúzio, no seu canto, enquanto Corot queria entender porque David nunca teve coragem de abandonar o atelier e ir pintar ao ar livre, ao que David respondeu que preferia as sombras projetadas dentro de um quarto fechado do que a luz chapada do sol nos campos. "Para isso você bem podia ter sido Barroco, mas faltava arrojo e você preferiu ser o queridinho dos salões!" Deixamos os dois e encontramos Pissarro que, por sua vez, tentava convencer Modigliani de que as figuras não precisavam ser tão esguias assim, nem tão chapadas. Modigliani berrava e gesticulava em italiano, sem ouvir uma palavra do pintor francês.

Georges Seurat tentava estudar os pequenos pontos luminosos que atravessavam as folhas das árvores, dizendo a Corot que ele não precisava ter sido tão literal assim, que bastava olhar para a luz, como ela se comportava em pequenos pontos, mas Seurat, indignado, gritou com ele que esse negócio de pontilhismo é para quem não sabe nem a sombra de como se usa um pincel!

Delacroix, auto-retrato
Enquanto Ingres se inflamava cada vez mais com Delacroix, David também se achou no direito de cobrar deste uma posição política mais definida. "Como assim?", perguntou Delacroix. "Você não viu que eu pintei a maior obra prima da Revolução, A Liberdade guiando o povo?" - Sim, respondeu David, mas eu falo de ação, camarada, de ação! Ao que Delacroix respondeu: você foi tão bonapartista quanto eu! Voilà!

Bom, como vi que a coisa estava cada vez mais fora de controle, dei um berro muito alto, usando da minha autoridade de idealizadora da reunião:

- ARRÊTEZ-VOUS, S'IL VOUS PLAÎT!!! Parem já!

Assustados com meu grito feminino quase histérico, eles me olharam. Continuei:

- Chamei vocês aqui porque tenho coisas importantes a discutir, então esqueçam suas desavenças e gostos pessoais. Esta aqui é uma reunião de trabalho!

Pissarro, auto-retrato
Ingres resmungou, David que já estava mais animado por uma briga, parou estático. Os outros ficaram ali, me olhando; Pissarro com um sorriso debochado. Não liguei.

De longe, à esquerda, ouvia-se a voz de Edith Piaf cantando "Je ne regrette rien", enquanto no lado oposto, mais ao fundo, Mozart solfejava uma sinfonia... O corvo preto que tinha pousado no jardim à nossa frente, levantou vôo, pousou num galho e deu um grito. Os communards (combatentes da Comuna de Paris), aglomerados no canto direito, próximo ao muro, faziam alguma algazarra, enquanto se ouvia a Marselhesa. Também dava para se ouvir berros violentos que vinham do lado onde estava Balzac. Ele gritava à queima roupa no ouvido de Marcel Proust: - Vai conhecer a vida lá fora, irmão! Você não sabe de nada! Rien de rien!

David, auto-retrato
Paul Éluard, abraçado a Apollinaire, cambaleava, bêbado, recitando um poema.

Voltei aos meus amigos e falei:

- É o seguinte, amigos! Estamos vivendo tempos sórdidos, tempos estranhos. Eu sei que o tempo em que cada um de vocês viveram não era lá grande coisa, mas mesmo com as desavenças que havia entre os seus pares não chegava nem aos pés do isolamento em que uma grande parte dos artistas vive hoje.

David, para você ter uma ideia, desde que o conterrâneo de vocês, Marcel Duchamp, decretou que tudo é arte ("- que você tá falando?" berrou ele) Isso que você ouviu. Duchamp, que nunca ia a museu algum e que dizia que detestava pintura, acreditem, é hoje a musa principal que inspira a nova academia: a que cria dezenas de alunos que não precisam aprender a desenhar, mas vão aprendendo que uma boa ideia vale mais do que mil palavras! (- "Não estou entendendo nada", resmunga Ingres).  Pois é, amigo, nem você, nem eu, nem ninguém. E para eles quanto menos gente entender melhor. ( - "Mas como não se aprende a desenhar se o desenho é a base de tudo?", insistiu Ingres) Simplesmente porque hoje em dia se você tiver uma formação conceitual dessa academia aí, não precisa mais desenhar. Desenhar o que? Desenhar pra que, se não é preciso criar nada daí? Hoje, artista e designer é tudo a mesma coisa. Se duvidarem de mim, podemos ir agora ao Museu George Pompidou e ver as salas separadas para apresentar a arte dos anos atuais: cadeiras, móveis, enfeites, badulaques de todo tipo, penduricalhos espalhados, mais parece um grande parque de diversões! E na tal da FIAC, então? (- "Que diabo é FIAC?", perguntou Pissarro) A tal da Feira Internacional de Arte Contemporânea. Vocês vão e lá e verão: penduricalhos, badulaques, trastes, trecos pendurados... É isso, hoje a arte é para ser divertida, tocada, brincada, manipulada, ultrapassada... (- "Principalmente ultrapassada", disse Seurat) Voilà, Seurat, isso mesmo!

Túmulo de Ingres, no Père Lachaise
Agora, não para por aí não. Os quadros que vocês fizeram e que nem venderam tanto enquanto vocês estavam vivos, hoje em dia não valem nada, quase nada perto de um tubarão envidraçado ou uma caveira de diamantes! (-"Que conversa é essa?" perguntou Delacroix. "Uma pintura de um tubarão e de uma caveira, o que isso tem de valor?") Não, meu caro Delacroix. Muito pior do que você pensa: o cara pegou um tubarão morto, jogou dentro de litros de formol, fechou num aquário de vidro e vendeu por milhões de dólares! (Os pobres coitados pintores me olhavam abismados) Porque hoje sabe quem manda no que se chama de arte contemporânea? O mercado. No tempo de vocês a igreja, a nobreza ou o Estado eram grandes compradores de arte. Hoje os grandes compradores são uns caras que ganham bilhões na Bolsa de Valores e, se compram alguma pintura de valor, é para ela ficar bem guardada esperando que valorize mais... Corot, ainda bem que seu amigo Gustave Courbet não está aqui hoje. Ele ia querer fazer outra revolução!

Mas meus amigos foram murchando, se movimentando lentos, cabisbaixos. Olharam para mim com pena. Corot ainda me perguntou se valia mesmo a pena ser pintora hoje. Vale, mesmo que seja por mim, respondi. Mas eles foram voltando quietos cada um pro seu canto. Minha reunião acabou sem ter acabado.

Gritei para eles:

- Mas há os que ainda resistem!

Delacroix fez um gesto amigo com as mãos. Ingres me desejou "bonnes chances, allez-y!", boa sorte, vá em frente.

Fui embora pra Bastilha.

Praça da Bastilha, Paris

domingo, 23 de outubro de 2011

Museu de l’Orangerie: de Monet a Sorolla

Parisienses no Jardim des Tuileries, se aquecendo ao sol


A tarde estava clara, céu azul e brilhante deste outono gelado. Nessa época do ano, o dia termina por volta das oito da noite, mas logo começa o horário de inverno e vai estender um pouco mais a luz sobre a cidade. As pessoas ficam lagarteando em cadeiras de ferro verdes espalhadas pelas Tuileries, buscando se aquecer ao sol, enquanto descansam. Ao fundo, à esquerda, lá longe, a Torre Eiffel desponta. Muitas pombas convivem aqui com as pessoas e patos nadam nas águas das fontes desse jardim imenso. Pessoas de todas as cores e línguas se cruzam.


Museu de l'Orangerie
Como não dá para ter certeza quem é da terra e quem é turista, perguntei para um senhor de pele muito negra, que estava com um crachá da prefeitura, trabalhando na manutenção do Jardim: para que lado fica a entrada de l'Orangerie? Ele me apontou a direção, muito simpático, mas falando num francês super carregado de sua língua árabe-africana cujo “r” é impossível reproduzir. Vi alguns cabelos brancos despontando em sua cabeça, pensei o quanto já devia ter trabalhado nessa vida. E veio parar em Paris, para viver essa vida proletária, em busca da sobrevivência. Agradeci a ele e segui para lá, enquanto o rosto marcado e bonito desse homem passava pela minha mente, em massas que iam do azul ao laranja, do marron escuro ao verde; vontade de pintar seu rosto.
O Museu de l’Orangerie fica localizado no Jardim des Tuileries, à direita de quem está olhando para o Louvre e sua pirâmide de vidro. O Museu tem esse nome por ter sido construído sobre um antigo laranjal. Foi construído em 1852 pelo arquiteto Firmin Bourgeoais e concluído por seu sucessor Ludovico Viscontias. Era antes a plantação de laranjas do Jardin des Tuilleries. 
Uma das grandes "Nympheas" de Monet
Na entrada, como sempre acontece nos museus maiores daqui, fila para comprar o bilhete. Mas como eu estava com meu ticket para quatro dias, entrei direto.
Logo no piso superior, um anúncio de que ali estavam expostas as famosas Nympheas de Claude Monet, o grande pintor impressionista que postou seu cavalete ao sol de Giverny e pintou aqueles jardins cheios de plantas aquáticas. São telas gigantescas, dispostas em paredes arredondadas. Para ver a tela inteira, há que se tomar uma distância. Mas eu também gosto de ver o pincel do artista, então fiquei examinando seu trabalho com as cores. Aquilo que os pintores, a partir de Tiziano, tinham descoberto – rompido com o limite da linha – os impressionistas alcançaram o máximo da aplicação de pinceladas em massas grandes, sem linha. As Nympheas, bem de perto, chegam a ser abstratas. Mas quando se distancia, vemos que toques de tinta configuram flores, folhas e paisagens.
São duas salas grandes, ocupadas por essas pinturas de Monet.
As meninas, de Renoir
Desci a escada e fui para outra ala do museu. Lá estão os impressionistas, mas também outros pintores, com obras do final do século XIX e começo do XX: André Derain, Auguste Renoir, Paul Cézanne, Gauguin, Alfredo Sisley, mais Monet, Matisse, Modigliani, Rousseau... Mas o pintor que eu não conhecia e que me chamou a atenção foi André Derain. Fiquei com vontade de ler mais sobre ele, de saber mais sobre sua vida.
Derain, pelo que li nas descrições do Museu de l’Orangerie, tinha sido um pintor fauvista, depois cubista, até que um dia entrou no Museu do Louvre e algo mudou dentro dele. Estava escrito lá na parede do l’Orangerie o que ele teria dito: "Mes idées ont été entierement effarées quando j’ai vu au Louvre les impressionistes expos és au côté de Rembrandt, de Rubens, de Velazquez, de Watteau, de Poussin, de Raphael... (...) Um Le Nain tout gris démolissait les Monet” (minhas ideias foram inteiramente abaladas, quando eu vi, no Louvre, os impressionistas expostos ao lado de Rembrandt, de Rubens, de Velazquez, de Watteau, de Poussin, de Raphael. (...) Um quadro de Le Nain (os irmãos Le Nain, que viveram em Paris por volta de 1630) todo cinza demoliu os quadros de Monet). Nesse momento, Derain se convenceu da superioridade dos mestres antigos e, continua o texto do Museu: “Derain renovou a cadeia, o que é mais difícil do que rompê-la”! Fui ver imediatamente as pinturas de André Derain de depois desse dia: realmente ele mudou a maneira de pintar, voltou à pintura pictórica e profunda; sem ser acadêmico; mesmo mantendo um viés bem atual. Gostei deste André Derain!
Arlequim e Pierrot, de André Derain
Saí da sala de Derain e fui ver os espanhois, com avidez. Os espanhóis são bons há 500 anos! Logo na entrada da primeira sala, um texto explicava que a Espanha, no século XIX havia estancado numa sociedade fechada e sombria. O país passava por uma crise muito forte e, enquanto o resto do mundo se iluminava com as ideias da Revolução Francesa, aquele país permanecia envolto em si mesmo. Os pintores de então resgataram seus mestres de antigamente, Vélazquez, Goya, El Greco. E produziam telas densas, cujas cores fortes impressionam logo de cara!
Anotei os nomes, para futuras pesquisas: Modest Urgell, Ignacio Camarolench, Santiago Rusiñol y Prats, Ignacio Zuloaga, Julio Romero de Torres, Dario de Regoyos y Valdés, Nicolau Raurich, Hermen Anglada-Camarasa, Joaquim Mi i Trinxel, José Gutierres Solana e o grande (que eu já conheço um pouco) Joaquin Sorolla!
Telas de Pablo Picasso
Solana, Rusiñol e Zuloaga que, em primeiro momento eram pintores de paisagens, resolveram mudar totalmente para pintar cenas de rua, essas pessoas que perambulam por aí, vagabundos, bêbados, esfomeados, banidos.
Vários deles tinham vindo para Paris e se encontravam em ateliês e studios que eles dividiam entre si em Montmartre. Picasso foi um deles. Pintavam a realidade que viam nas ruas desse bairro parisiense. Mas com sua visão espanhola, característica, formada dentro do estilo de mestres do passado, mas especialmente de Francisco Goya, o que dá para ver pela insistência no uso das cores fortes. Por Paris também passaram Joan Miró e Salvador Dali. O Dali que está aqui é ainda o Dali pré-surrealista.
Joaquin Sorolla
Terminei minha visita parando muito tempo em frente a uma tela grande de Joaquin Sorolla. Me lembrando de todas as conversas que temos lá no Atelier Takiguthi, em São Paulo, vendo como Sorolla resolvia o problema das grandes massas aos pequenos toques. Ele é muito mais impressionante de perto! Tudo o que já tinha visto dele era dos livros. Mas aqui, frente a essa tela, sim, dá para ver que ele de fato dominava seu trabalho. Como todos os mestres, Joaquin Sorolla gastara dias, meses e anos em estudo minucioso do mundo da pintura e sabia exatamente onde colocar cada pincelada, com o valor preciso, no jeito correto. Trouxe, em pensamento, alguns colegas e amigos do Atelier, para olharem comigo aquele quadro: Alexandre, Cleir, Luis, Luciane, Sérgio, Marcelo, Marie, Jorie, Misael... e Maurício. Nesse encontro virtual provocado pela minha vontade de ter com quem comentar essa tela, “chegamos” a um só desejo: chegaremos lá, Sorolla! Para isso, vamos continuar ralando muito!
Joaquin Sorolla

sábado, 22 de outubro de 2011

No atelier de Delacroix

Uma das últimas palhetas de Eugene Délacroix, exposta no museu
Ontem de manhã peguei o metrô aqui na Place de la Nation, em Paris, e fui em direção a Saint-Germain de Près. Meu destino era a casa onde viveu o pintor francês Eugène Delacroix, onde hoje funciona o Museu Delacroix, sustentado e organizado pela Associação dos Amigos de Eugène Delacroix.


A Rua de Furstemberg, onde fica o Museu, é uma dessas ruas tranquilas, estreitas, quase sem movimento, aqui em Paris. No meio da rua há uma espécie de mini-praça, com árvores à volta, cujas folhas estão ressecadas e caindo, por causa do outono, e do frio que já começa a queimar as folhas verdes. Essas fotos, que ilustram o texto, foram tiradas por mim ontem, nessa visita.


Cavalete onde trabalhou Eugene Délacroix
Uma moça me atendeu ao final da escada de entrada. Muito simpática, me indicou a direção por onde começa a exposição. Nem são muitos quadros dele, porque os mais importantes estão espalhados por vários museus. No Museu do Louvre está um dos seus mais conhecidos: "A Liberdade guiando o povo às barricadas", que eu já tinha visto na véspera.


No Museu Delacroix estão alguns desenhos seus, várias litogravuras, pasteis, pinturas suas e de artistas amigos, mas principalmente estão lá alguns objetos que pertenceram a Delacroix, principalmente seus material de trabalho: cavalete, mesinha onde ele guardava tintas e pincéis, uma de suas últimas palhetas, móveis diversos, e lembranças das muitas viagens que ele fez ao Marrocos.


Desci até seu atelier, no fundo do terreno, uma espécie de edícula, como conhecemos no Brasil. A janela maior dá para um jardim, com bancos diversos, sob algumas árvores. O atelier é dividido em dois compartimentos, uma salinha de entrada com uma lareira, e a sala maior, onde ele trabalhava.


Delacroix dependeu muito do mecenato oficial para viver como pintor. Mas somente na velhice ele foi reconhecido pelos que representavam oficialmente a pintura. Só em 1855, pode expor em um dos principais eventos de exposição da época, a Exposição Universal de Paris. Em 1857, foi eleito para ser membro do Instituto da França (uma instituição acadêmica francesa), com a peremptória oposição do pintor neoclássico Ingres, seu adversário de sempre. Mas mesmo sendo eleito, a academia não lhe permitiu exercer o posto de professor de Belas Artes que ele esperava.


Auto-retrato de 1837
Mas essas oposições, incluindo a de Ingres, tinha razão de ser, porque Délacroix soube ir além de sua formação clássica em nome de renovar a pintura que era feita no período, quando predominava o estilo Neoclássico, cujo representante maior, e mais genial, é mesmo Jean-Dominique Ingres.


Delacroix morreu de turbeculose no dia 13 de agosto de 1863, nesta mesma casa da rua de Furstemberg, que visitei ontem. Depois que ele morreu, diversos artistas organizaram emocionantes homenagens a ele, especialmente o pintor Gustave Courbet. Delacroix é considerado um pintor dentro do estilo do Romantismo, e um dos seus principais símbolos.


Delacroix teve uma governanta, Jenny de Guillon, uma senhora que cuidou dele e de sua casa de 1835 até a morte do artista. Ela era mais do que uma servente, era uma pessoa muito próxima a ele, a quem ele considerava uma pessoa de um coração extremamente dedicado e aberto. Fez dela uma pintura a óleo e deixou para Jenny quase tudo o que possuía, incluindo móveis e objetos pessoais. Muitos desses objetos foram conservados intactos e podem ser vistos hoje no Museu Delacroix.


Sob a coordenação de um artista, o Museu dispõe de workshops semanais, na terça-feira, quando fecha para visitação pública. Essas oficinas são destinadas a adultos ou para estudantes em fase escolar. São feitas dentro da sala principal do atelier de Delacroix, em meio às suas obras. Como a sala não é muito grande, as turmas são limitadas a 20 pessoas. Lá, artistas e estudantes, podem estudar e copiar as obras do mestre, seja desenhando, seja pintando.


Vista do atelier de Delacroix, a partir do jardim de sua casa

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

As multidões do Louvre

Teto de uma das salas do interior do Louvre, ontem à tarde
Comecei a visita ao Louvre observando três afrescos do pintor italiano Botticelli, feitos mais ou menos por volta de 1483. E ao lado, mais afrescos de mais italianos importantes na história da nossa pintura ocidental: Bernardino Luini, Fra Angélico e Giotto. Também havia um ainda mais antigo, de Cimabue, de 1272.


Na sequência, fui para a sala das pinturas italianas do tempo de Philippo Lippi, Ucello, Alonso Baldovinetti. Lá estava também uma pintura de Botticelli, o "Retrato de um homem jovem".


Detalhe de uma tela de Veronese. O azul salta aos
olhos, assim como os detalhes em dourado
As pessoas passavam em grupos grandes e pequenos, algumas paravam para olhar esta sala. Como era o primeiro andar, e como no primeiro andar fica a sala 6 onde se encontra a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, muita gente vem para ver essa obra em primeiro lugar. Não entrei nessa onda, fui observando a pintura antiga, antes e durante o Renascimento. Vi diversas obras de Rafael di Samzio, de Signorelli,de Perugino, de Antonello de Messina, cujo Cristo foi pintado com característica bastante realista, rosto marcado, expressivo, que parecia ter sido inspirado em um homem comum. Mas depois de ver dezenas de obras desse período, chama a atenção que a pintura era basicamente de temas religiosos; com o Renascimento eram pinturas com temas cristãos, mas também com temas da mitologia greco-romana, assim como retratos de pessoas ligadas ao "poder", terrestre ou celeste. Somente nos países mais ao Norte da Europa, e principalmente após a Reforma Protestante, a pintura se voltava mais para outros temas: retratos, paisagens, naturezas mortas... Lá o poder da Igreja tinha diminuído, ela que determinava as regras de tudo, inclusive da arte.


Mas é belo de ver os azuis conseguidos nas pinturas italianas! Azuis que emocionam até hoje, como o azul de uma tela de Veronese, no vestido de uma mulher. Olhando bem de perto, dá para ver que ele resolveu os detalhes da jóia dourada pendurada sobre o vestido, com pequenos toques do pincel.


Cheguei na sala 6, cheia de gente. Mas nem tanto assim, porque estamos no outono. Nos períodos de férias mais intensos, isso aqui fica completamente cheio. A "Gioconda", de Da Vinci, fica lá no centro da sala, numa parede só dela, protegida por um imenso vidro. O quadro mede 77 por 53 cm, nem é grande, mas é famoso, e milhões de pessoas já passaram por aqui para ver esta obra de Leonardo da Vinci. Impressiona ver de perto. As cores se mantém vivas, frescas. com o brilho que o pintor italiano queria dar a ela. O sorriso dela sorriu para mim também. E para um grupo de crianças entre 5 e 7 anos, que chegaram na sala, guiadas por sua professora, que as levou até a frente do grupo de pessoas.
Crianças francesas admirando a Mona Lisa
Retrato de homem com luva,
de Tiziano
Mais à frente, parei diante de Tiziano, que representa a glória de Veneza, um dos maiores retratistas da época e que inspirou tantos artistas depois, graças à sua habilidade em destacar os traços fisionômicos de suas figuras humanas. Foi ele um dos primeiros que libertou a pintura dos limites da linha e da forma e deu todo o poder à cor, às massas de cor. Isso é muito surpreendente e faz de Tiziano um dos mestres corajosos que criaram novos paradigmas. E, claro, vi duas ou três pinturas de Caravaggio, outro que provocou uma nova ruptura paradigmática na pintura, não só na técnica, mas na temática. Foi o grande inspirador dos holandeses, dos franceses, da arte Realista de Courbet, de tantos outros.


Mais à frente, encontro um artista com seu cavalete, em pleno Louvre, fazendo uma cópia de uma pintura. E mais grupos de crianças e adolescentes passeando pelas salas, parando, ouvindo as explicações de suas professoras. Exatamente em frente à "Barca da Medusa" do pintor francês Theodore Géricault, um dos representantes do Romantismo, um grupo de crianças está sentado ao chão, estudando o quadro. A professora interrogava os pequenos sobre a tela. E eles participavam, dando suas opiniões. Que rosto esse homens apresentam? perguntava ela. Um pequeno perto de mim levantou a mão e respondeu: "Ils sont malheureux" (estão infelizes). Mas um outro apontou um barco ao longe, sobre as ondas, que estava chegando para salvar aqueles homens desesperados, agarrados às taboas de seu barco que naufragou. Fiquei pensando, enquanto observava, nas crianças brasileiras que quase nenhum acesso tem aos poucos museus brasileiros, e com isso perdem ainda, em sua vida escolar, a oportunidade de pode apreciar  obras de arte e de ir criando gosto pelas artes desde pequenas...


Ainda outro grupo - o mesmo que encontrei vendo a Monalisa - sentou-se em frente à "Liberdade guiando o povo às barricadas", de Eugene Delacroix, umas das imagens que são ícones da Revolução francesa. Continuei, indo para a sala da França do Neoclassicismo: David (o que pintou "A morte de Marat"), Guerin, Girodet, Prud'hon e o grande mestre do neoclássico Jean-Dominique Ingres.


Um pintor copista do Louvre, pintando
"Pequeno mendigo" de José Ribera,
ontem à tarde, no Louvre
Fui até a ala dos pintores espanhois, pensando que iria encontra José Ribera, Velazquez, El Greco, Goya... Encontrei todos, parei diante de todos. Em frente ao quadro de Ribera, o "Pequeno mendigo", um outro artista copista do Louvre estava lá fazendo uma cópia, já bastante adiantada. Parei e fiquei vendo seu trabalho.


Na ala enorme separada para os pintores holandeses, encontrei quadros de Willem Key, Rubens, Anton van Dyck, Pieter de Hooch, Jan Lievens, além de outros. E, claro, Franz Hals (A cigana e o Palhaço com alaúde), "O Astrônomo" de Vermeer e muitos quadros, uma sala inteira, de Rembrandt.


Emociona ver de perto esses mestres... Fiquei a poucos centímetros de várias telas de Rembrandt, tentando ver como ele pintava, como ele resolvia problemas complexos como as variações das cores na luz e na sombra. Me emocionei ao enxergar a marca deixada pelo pincel de Rembrandt na tela, e que pode ser visto tantos séculos depois! Lembrei do que o estudioso de arte alemão Heinriche Wollfling falou: quando se encontra um artista como Rembrandt, você não perde ao ver o quadro muito de perto. Você ganha, porque você pode ver - pelas marcas do pincel - "o pensamento do artista". Isso diferencia a pintura linear e a pictórica. Na linear, você não vê os movimentos da tinta quando chega perto. Você vê detalhes da forma, não enxerga ali a mão do artista.


Parei em frente a um dos autoretratos de Rembrandt. Ele fez muitos autoretratos durante sua vida, observando a marca do tempo em seu rosto, as rugas que ia surgindo, as marcas de expressão. E como isso podia ser pintado cada vez com um nivel de dificuldade diferente, trazendo mais desafios ao pintor. Mas o olhar de Rembrandt é inconfundível; e ele está lá, olhando para mim enquanto eu olhava para ele. Olhar enigmático, olhar de artista, que vê o mundo de uma maneira que a imensa maioria não vê. Um olhar em profundidade, um olhar que capta qualquer réstea de luz na mais profunda sombra e que traz essa réstea de luz com sua mão vigorosa, para a tela que aguarda, em seu cavalete, o toque de seu pincel... Grande Rembrandt!


Saí de lá considerando que podia encerrar por hoje minha visita ao Louvre. Ainda faltava ver os pintores franceses do século XIX, mas deixei para outro dia, pois já estava há seis horas dentro do Museu! De passagem, vi algumas esculturas de Michelangelo, além de esculturas ainda mais antigas, preciosidades de várias origens.


Dentro do museu, o mundo se encontra. Ouve-se línguas de muitos lugares sendo faladas ali dentro, pessoas de culturas tão diversas, de europeus a chineses, japoneses, indianos, árabes, latinoamericanos... Multidões que se encontram no Louvre, multidões de pessoas que vêm à Paris para - além de conhecer a cidade - admirar a Arte dos que nos antecederam. Isso ninguém pode desconhecer: as Belas Artes ainda emocionam e mobilizam multidões! A Arte inspira e emociona!


A Barca da Medusa, de Theodore Géricault

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Eduard Munch: era o inferno, o que ele via?




O Museu George Pompidou de Paris apresenta de 21 de setembro de 2011 a 9 de janeiro de 2012 a exposição “Edward Munch: o olhar moderno”. Munch, pintor norueguês bastante conhecido principalmente pela sua obra “O Grito”, foi um pintor pré-expressionista. Fui ver pessoalmente esta exposição de um pintor que me interessa e me toca pessoalmente.


O Grito
Cheguei no Museu ao meio dia, não havia fila ainda. Mas muita gente já estava lá. Gente de muitos lugares diferentes, de cores diferentes, de línguas diferentes, se acotovelando dentro das salas do Museu para observar as pinturas desse intrigante pintor norueguês, cuja tela mais conhecida – O Grito – tem sido uma imagem tão recorrente nestes tempos pós-modernos.


Ele é considerado, como artista do século 19, ou pintor simbolista ou pré-expressionista. Era um artista recluso, uma alma que parecia atormentada. Edward Munch nasceu no dia 12 de dezembro de 1863. Era o segundo filho de um médico militar e teve quatro irmãos. Sua mãe, Laura Cathrine, morreu quando ele tinha só 5 anos de idade e foi sua irmã mais velha, Karen Bjolstald, quem lhe serviu de mãe. Quando cresceu, Munch entrou na faculdade de engenharia, que logo abandonou para se dedicar à pintura. Com apenas 18 anos, vende suas duas primeiras telas e aos 19 anos se junta a mais outros seis amigos e cria um atelier em Oslo.


Auto-retrato
Em 1885 ele vem a Paris, onde estuda as pinturas do Salon d’Automne e do Museu do Louvre. Fica bastante impressionado com o pintor francês Edouard Manet. Quando volta a Oslo, começa a pintar três telas muito importantes em sua carreira, duas das quais vi hoje no Pompidou: “Criança doente” e “Puberdade”. A primeira, quando foi exposta pela primeira vez em Oslo em 1886, causou indignação do público. Ele trazia uma novidade temática e estética que era demais para os olhos noruegueses acostumados a pinturas mais suaves.


Em 1889 ganha uma bolsa para estudar em Paris por três anos. Aqui, ele foi aluno, durante algum tempo, de Léon Bonnat. Seu pai morreu em novembro desse ano e ele resolve se instalar em Paris, na periferia, um lugar chamado Saint-Cloud. É dessa época a pintura “Noite”, onde ele parece expressar sua solidão e sua melancolia. Mas o que ele mais sentia prazer em Paris era em frequentar as rodas artísticas que por Paris se multiplicavam nessa época. Aliás, já era assim fazia tempo e isso também tinha atraído o pintor realista Gustave Courbet.


Criança doente
Volta a Oslo em 1892 mas recebe um convite para uma exposição em Berlim, que ele aceita. E se muda para lá. Começa a frequentar um círculo literário de Berlim, o “Schwarzer Ferkel” (Porco Negro), junto com artistas locais. Faz exposições em Dresden, Munich, Copenhagen e Berlim e é nessa época que ele começa a trabalhar na sua famosa tela “O Grito”.


Esta exposição do Geroge Pompidou, mostra as ligações de Edward Munch também com a fotografia e com o cinema, que começava a dar os primeiros passos. Mostra como ele vai sozinho experimentando a fotografia, que dá para perceber em ousados auto-retratos. "Eu aprendi muito de fotografia, diz ele. Eu tenho uma caixa velha com a qual eu tirei fotos incontáveis de mim mesmo. Isso resulta, muitas vezes surpreendente. Um dia, quando ficar velho e não tenho mais nada melhor para fazer do que escrever minha autobiografia, então todos os meus auto-retratos aparecerão em campo aberto ", disse eçe numa entrevista a Hans Torsleff em 1930.


Trabalhadores na neve
A exposição quer mostrar que Munch foi “totalmente moderno". São 140 obras, incluindo pinturas, fotografias, estampas, obras sobre papel, filmes e uma das poucas esculturas do artista. É uma das maiores exposições de Eduard Munch que já aconteceram em Paris.


Edvard Munch não é apenas o pintor da angústia interior. Grande leitor da imprensa nacional e internacional, muito de seu trabalho baseia-se na existência humana, muitas vezes difícil. Muitas pinturas são inspiradas em cenas captadas nas ruas, em incidentes que ele ouviu relatados pela imprensa ou no rádio. Ele não examinava apenas o próprio rosto – como em muitos autorretratos se vê – mas era um observador dos sentimentos humanos mais densos, mais inquietantes, mais assustadores.


Como Rembrandt, ele observava os efeitos da passagem do tempo sobre seu corpo e seu rosto. Até que na velhice, já na década de 1930, foi acometido de uma doença nos olhos, que sangravam, causando a perda súbita da visão direita. Mesmo assim, ele desenha e pinta e faz anotações diárias sobre os efeitos da cegueira.
No Museu Pompidou há uma sala somente desta fase da cegueira de Munch, onde ele fazia desenhos e pintava com o que conseguia ver do mundo. Até que ficou completamente cego em 1936.


Puberdade
Em 1937, os nazistas consideraram 92 obras suas como “arte degenerada”. Em 1940 ele vê seu país, a Noruega, ser invadida pelas forças nazistas, com quem ele recusa qualquer contato.


Eduard Munch morreu em janeiro de 1944.


Pela inquietação que provoca em nós, que observamos suas obras, fica muito questionamento sobre esse homem angustiado que abriu espaço para outros artistas inquietos que vieram a seguir, especialmente na Alemanha, que se juntaram em movimentos de resistência e foram os criadores do Expressionismo. Uma dessas herdeiras de Edward Munch, lembre-se, é Käthe Kollwitz. Artistas que viveram naqueles horrorosos tempos de guerra, quando corpos humanos eram deixados em frangalhos, em carne viva.


Tempos difíceis, angustiantes, sufocantes, vividos pelo avô do meu amigo francês Henri – que me hospeda em sua casa. Um homem que viu esses corpos humanos despedaçados, um homem que não queria ter filhos para não fornecer mais carne humana para o massacre da guerra, o avô do Henri. Mas que escreveu outra história, baseada não na morte, mas na vida: ajudou a fundar o Partido Comunista da França.


Seria esse “ovo da serpente” daqueles tempos estranhos que Munch era capaz de ver e que o teria deixado cego na velhice?


Velando a morte.

Ma vie en rose...

Paris vista hoje de cima do Museu George Pompidou - 19out2011
Estou em Paris, desde ontem e por quinze dias, de onde estarei escrevendo, neste blog, minhas impressões, minhas experiências, minhas vivências nesta cidade que atrai desde sempre tanta gente, mas principalmente os artistas.


Para todo lado que se olha por aqui na Paris antiga, tudo cheira a Arte e a História. Cada paralelepípedo destas ruas, cada esquina - de Montmartre ao Quartier Latin - é testemunha de muita história dessa cultura tão rica e tão cara a nós, brasileiros, que devemos grande parte da nossa própria cultura ao povo francês; assim como tantos outros povos do mundo. Aqui aconteceu a Revolução Francesa, aqui aconteceu a Comuna de Paris. Aqui foi onde dezenas de pintores (além de outros artistas, obviamente) lançaram ao mundo suas cores e sua maneira de pintar. Aqui nasceu a Arte Realista de Gustave Courbet, aqui os fauvistas, os impressionistas, os cubistas... tantos "istas" passaram por aqui. Terra de Poussin, de Délacroix, de Jean Dominique Ingres, de Manet, de Renoir, de Toulouse-Lautrec... Terra de Baudelaire, de Zola, de Victor Hugo, de Gustave Flaubert, de Marcel Proust... Terra de Henri Matisse, Louis Aragon e André Fougeron. Terra escolhida por Picasso e Van Gogh. Terra metafórica de todos os que sonham com um mundo bom e bonito, para a imensa maioria... "Allons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé!"


Paris dos que sonham que um dia tudo vai ser bom para todos, o mundo vai ser de todos, tudo em comum... Ou, como bem lembrou meu amigo poeta Jeosafá Gonçalves, citando a música "La Boheme":


"Je vous parle d'un temps
que les moins de vingt ans
ne peuvent pas connaître
Montmartre en ce temps là
accrochait ses lilas
jusque sous nos fenêtres..."


Allons-y!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Franz Hals, Rembrandt, Vermeer: mestres holandeses em busca da Luz

Vista de Delft, Jan Vermeer, óleo sobre tela, 98,5×115,7cm, 1660-61



Sintéticos; estudo minucioso e sistemático; pinceladas enérgicas; marcas evidentes do pensamento pictórico; soberano virtuosismo da técnica; domínio pleno do pincel; violentos contrastes de claro-escuro; apaixonada busca do movimento da Luz – assim poderíamos sintetizar o que foram esses três grandes mestres barrocos da pintura holandesa: Hals, Rembrandt, Vermeer.

O estilo Barroco, iniciado ainda na Itália renascentista, se espalhou por diversos países, e era o “espelho dos acontecimentos sociais, políticos, científicos, culturais e religiosos que agitaram profundamente o mundo europeu”, como fala a introdução do livro Barroco, da Visual Encyclopedia of Art. Acrescenta que a corrente inaugurada por Caravaggio impôs-se como uma revolucionária forma naturalista de pintar, e ele – Caravaggio – teve uma profunda influência sobre a arte holandesa, especialmente sobre os três pintores nos quais nos debruçamos neste texto. Havia diversos pintores "caravaggescos" em Utrecht, Holanda, que teriam trazido o estilo do mestre Caravaggio para os Países Baixos.

Após a Reforma protestante, iniciada pelos idos do século XVI com a publicação das 95 teses de Martinho Lutero, que se rebelava contra a doutrina da igreja católica, a Europa foi dividida, e pequenos países mais ao norte, como a Holanda, sofreram os efeitos dessa divisão. A Bélgica permaneceu católica, mas a região dos Países Baixos, que estavam sob o domínio de governantes católicos espanhóis, resolveu se rebelar contra seus governantes e sua religião oficial, aderindo ao Protestantismo.


Franz Hals: Dois meninos cantando
1625, óleo sobre tela, 76x52cm
Essa tendência “protestante” e rebelde foi evidente entre os pintores dos Países Baixos, como atesta Gombrich em seu livro A História da Arte. Lá, antes da Reforma, os pintores eram forçados a pintar sob a censura de cunho religioso. Com a Reforma, a pintura de retratos se desenvolveu. Mercadores e burgueses queriam ser pintados e levar seus retratos à posteridade, assim como agrupamentos sociais diversos, que solicitavam retratos em grupo. Isso garantia trabalho e condições de vida melhores aos pintores.

Nessa Holanda livre, surgem estes mestres. Eles seguiram o caminho dado pela arte barroca, que teve uma rápida difusão por causa “da própria natureza dos estilos de arte, que sempre refletem ou traduzem as constantes transformações históricas e sociais por que estão passando as coletividades humanas”, na observação de Carlos Cavalcanti em seu livro Conheça os Estilos de Pintura.

As forças econômicas e sociais se desenvolviam na Holanda protestante. Esse país teve um crescimento grande do comércio, num momento em que a burguesia industrial e mercantil ascendia na Europa, tornava-se mais rica e poderosa, preparando-se para tomar o poder, o que aconteceu com as revoluções após o século XVIII. O Barroco, uma forma de arte onde o movimento predomina, era a representação do próprio dinamismo da sociedade que começava a surgir a partir da ascensão da burguesia.

Em meios às grandes mudanças que ocorriam desde o início do século XVII, vivem Frans Hals, Rembrandt  van Rijn e Johannes Vermeer.

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FRANZ HALS


Franz Hals: Palhaço com o alaúde, 1623-1624,
óleo sobre tela, 70x62cm Museu do Louvre, Paris


Ele nasceu por volta de 1580 e era da mesma geração de Rubens, o pintor belga. Seus pais tinham abandonado o sul da região, por terem aderido ao protestantismo, e foram parar na cidade holandesa de Haarlem. Gombrich diz que se sabe muito pouco sobre a vida de Halz, a não ser que teve uma existência precária, sempre endividado.

Mas sua pintura é leve e é livre. A burguesia rica de Haarlem, onde ele vivia, queria ser pintada, queria celebrar suas conquistas cívicas e militares. Frans Hals era o pintor perfeito para representar esse espírito da época, onde a vida parecia boa. Ele pintava homens e mulheres cheios de vida, sorridentes. Nada em sua pintura tem rigidez; muito pelo contrário, séculos antes do Impressionismo ele deu vigorosas pinceladas sintéticas que definiam o que precisava ser definido em uma pintura, como podemos observar claramente em suas telas.


Franz Hals: Grupo dos membros do Hospital Santa Elisabeth de Haarlem,
1641, óleo sobre tela, 153×252 cm



Mas Hals pintou muitos retratos de pessoas das mais diferentes classes sociais: burgueses ricos, mercadores, militares, comerciantes, advogados, funcionários públicos, músicos, cantores de rua, pescadores que “renderam muito pouco dinheiro a Hals e sua família”, como observa Gombrich… Mas Hals dava a esses rostos o tratamento do velho mestre Caravaggio, ou seja, eles eram realistas. Ele sabia como usar a Luz como um dos valores fundamentais para dar expressão às suas pinturas. Seus retratos apresentam pessoas vivas, humanas, em seus olhares cheios de vida e simpatia. Franz Hals teria se deixado influenciar pelos pintores caravaggescos de Utrecht, quando ainda era um estudante no atelier de Carel Van Mander.

Dá a impressão, ao ver algum de seus quadros, que a pessoa que vemos lá parece ser de alguma forma bem familiar a nós. Porque Frans Hals tinha essa capacidade de captar o momento expressivo, e eternizar aquilo, resolvendo em poucas pinceladas, que podem ser perfeitamente observadas.


Franz Hals: A cigana, 1628-30, 58x52cm, 
óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris
Heinrich Wölfflin, estudioso alemão, diz em seu livro Conceitos Fundamentas de História da Arte que esse tipo de pintura feita por Hals não pretende que o caminho do pincel pareça invisível, quando, com isso, perderíamos “o melhor” da tela. Não, essas pinceladas enérgicas e evidentes podem dar ao observador a possibilidade de acompanhar o “pensamento” pictórico do artista e com isso podemos medir o arrojo e a perfeição com que o artista dominava sua arte.

Era comum, entre os pintores da época, inclusive Rubens, compor a pose de seus retratados para dar-lhes dignidade. Mas Franz Hals não; ele colhia aquele momento em pinceladas audaciosas, pintando um cabelo despenteado, uma manga enrugada, um rosto marcado por uma expressão momentânea.

Na velhice, pobre, Frans Hals passou a receber uma pensão do Asilo Municipal de Velhos, cuja Junta foi pintada por ele. Morreu já bem velhinho, com mais de 80 anos de idade.

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REMBRANDT VAN RIJN


Rembrandt: Autorretrato, 1658


Nasceu em 1606, sete anos após dois outros grandes pintores: Van Dyck, holandês, e Velázquez, espanhol. Era natural de Leiden, cidade que abrigava uma universidade. Conta-se que ainda criança ele abandonou os estudos para começar seu aprendizado como pintor.

Com 25 anos mudou-se para Amsterdam, onde estudou com Pieter Lastman, considerado o maior pintor de cenas históricas da Holanda. Lastman tinha vivido uns anos na Itália e havia conhecido as obras de Caravaggio. Com esses conhecimentos, Rembrandt voltou para Leiden onde abriu um atelier. Começou a sequencia de autorretratos que ele fez. Conta-se que ele usava dois espelhos para isso, e contorcia o rosto, criando expressões que ele pintava, em seu estudo pessoal. 

Também se sabe que ele dava grande importância ao teatro, e estimulava seus alunos a frequentarem eventos teatrais, para que estudassem os movimentos e as expressões dos atores em cena. Também diz-se que ele era um homem de profundas reflexões e sempre questionava o papel do pintor no mundo.

Rembrandt: Filósofo em meditação,
óleo sobre tela, 1632
Quando voltou a morar em Amsterdam, construiu rapidamente uma nova vida: tornou-se pintor de retratos, casou com uma moça rica, comprou uma casa, virou colecionador de obras de arte. Mas sua esposa morreu e ele, endividado, viu sua casa ser tomada pelos credores, assim como sua coleção de quadros.

Rembrandt pintou muitos autorretratos durante a sua vida, mostrando um rosto de “um ser humano real”, como observa Gombrich em A História da Arte. Não há sinal de que fizesse pose, ou que demonstrasse alguma vaidade com o próprio retrato, mas – continua Gombrich – “apenas o olhar penetrante de um pintor que examina atentamente suas próprias feições, sempre disposto a aprender mais e mais sobre os segredos do rosto humano”. Ele considerava uma pintura acabada “quando seu objetivo tinha sido alcançado”.


Rembrandt: Homem do capacete de ouro,
Gemäldegalerie, Berlim
Gombrich ressalta que, no interesse profundo que Rembrandt possuía em apreender a alma humana, “como Shakespeare, ele era capaz, por assim dizer, de penetrar fundo na pele de todos os tipos de homens, e saber como se comportariam em qualquer situação”.

Ele era sobretudo humano. As figuras representadas por ele são pessoas reais, com sentimentos que podem ser adivinhados. Ele era capaz de ver o mundo cotidiano da forma extraordinária que só o olhar aguçado do pintor possui. Um mundo que ele traduzia em massas de valores, de cores. Era o que ele fazia, assim como a escola que vinha desde Caravaggio: buscava a Luz, da qual foi mestre na observação, obtendo resultados que o colocam entre os maiores do mundo. 

Com isso, do fundo de telas onde o marron escuro predomina, surge uma figura humana, iluminada, grandiosa, muitas vezes salpicada com o dourado da luz que inunda tudo o que precisa ser inundado. A dramaticidade de muitos de seus retratos, inclusive seus próprio autorretratos, é fornecida diretamente pela maestria com que ele dominava a gradação necessária da luz para trazer um rosto à vida, à observação.

Rembrandt, à “semelhança de Caravaggio, também atribuía à verdade e à franqueza um valor mais alto do que à harmonia e à beleza”. Ele, como outros pintores holandeses do século XVII, diz Gombrich, descobriram “a beleza pura do mundo visível”. Eles já não estavam mais subordinados a pintar temas grandiosos, ou figuras proeminentes. A liberdade que a religião protestante lhes dava abria para eles possibilidades infinitas, a partir da simples percepção do mundo real.

Rembrandt, mesmo velho e empobrecido, continuava buscando novas formas de expressão em sua pintura. Morreu em 1669. Gérard de Lairesse, outro pintor holandês do período disse de Rembrandt: “Ele era capaz de fazer tudo o que a arte e o pincel podem realizar”.


A noiva judia, Rembrandt, 1665-69, óleo sobre tela
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JAN VERMEER VAN DELFT


Moça com brinco de pérola, 1665,
Mauritshuis, Haia, Holanda
Ele nasceu em 1632 e quase nada se sabe de sua vida. Foi o segundo filho de Reynier Jansz, um comerciante de seda de Amsterdam. Depois que se casou, mudou-se para Delft, onde nasceu Vermeer. Lá, seu pai acabou trabalhando como negociante de arte e, com isso, mantinha relações com alguns pintores como Balthasar van der Ast, Pieter Steenwyck e Pieter Groenewegen. Eles podem ter sido a primeira influência recebida por Vermeer, que foi admitido como mestre na Guilda de São Lucas em 1653, uma espécie de organização de pintores, vidreiros e comerciantes de arte, além de outros profissionais artesãos. Sabe-se que para ser aceito nessa Guilda, a pessoa tinha que ter passado seis anos como aprendiz de algum artista reconhecido. Também fala-se que ele teria sido aluno de Carel Fabricius, um dos aprendizes de Rembrandt.

O Geógrafo, 1668-69
Vermeer casou-se em 1653 com Catharina Bolnes, cujos pais tinham uma boa situação financeira. Vermeer era calvinista e sua esposa católica. Por causa da rejeição da mãe dela ao casamento, fala-se que ele teria se convertido ao catolicismo e, em certo sentido, se rendido aos costumes da família de Catharina, com quem logo tiveram que ir morar. O casal teve 15 filhos, sendo que quatro morreram ainda bem novos.

Mas sabe-se muito pouco de sua vida e, olhando para suas pinturas o problema de saber quem era esse homem é ainda mais acentuado. Ele produziu muito pouco, em torno de 35 quadros, que ele pintava de forma lenta, metódica. Possuía uma incrível capacidade para sugerir formas e texturas, comunicando o máximo com o mínimo de pinceladas.

Sua metódica postura de estudioso mostrava a sua verdadeira paixão pelos efeitos provocados pela luz. “A característica mais notável de Vermeer é a qualidade da luz”, disse o crítico de arte francês do século XIX, Théophile Thoré.
Mas seu trabalho como pintor, nem de longe era suficiente para o sustento de sua grande família. Por isso, ele tinha uma segunda ocupação que parece ter sido a de negociante de arte, como seu pai, ganhando seu sustento vendendo os quadros dos outros mais do que os seus próprios. Mesmo assim ele sempre que precisava preencher algum formulário que lhe indagava sobre sua profissão, não titubeava e escrevia: “pintor”.


A carta de amor, 1669-70
A cada ano que passava, a situação de vida de Vermeer e sua família piorava. Tinha que recorrer frequentemente a empréstimos, o que aumentava mais suas dívidas. Em 1672 estourou a guerra entre a Holanda e a França, sendo que os soldados franceses avançavam em direção ao norte da Holanda. Os holandeses, para resistir à invasão francesa, romperam os diques, e extensas áreas de terra foram alagadas, incluindo uma parte de terra que pertencia à família de Catharina e que era uma fonte regular de renda para os Vermeer. Para piorar, ele não conseguia vender mais nenhum quadro. Anos depois sua esposa disse que por causa dessa guerra e das despesas grandes da família, eles se endividaram imensamente e com isso Jan Vermeer “caiu numa tal depressão e letargia que perdeu a saúde no espaço de um dia e meio e morreu”. Foi enterrado no dia 15 de dezembro de 1675, numa sepultura familiar, em Delft, cidade que ele nunca deixou.

Parece que, ainda em vida, Vermeer era muito conhecido pelos seus contemporâneos e apreciado como artista. Em 1696 houve um grande leilão que incluía quadros dele, cujos preços eram os mais altos de todos os outros artistas, o que demonstra sua popularidade como pintor.


Senhora escrevendo uma carta e sua criada, 1670
A pintura de Vermeer parece possuir uma certa intemporalidade. Sua forma de pintar é, por vezes, quase cristalina. Mas nessa quietude e luminosidade que invade espaços sombrios, podemos observar que ele se aproxima do “tenebrismo” de Caravaggio. Em sua época, a chamada pintura histórica, em voga, incluía os acontecimentos da Antiguidade Clássica, mas também os mitos e lendas de santos, e os temas bíblicos. Mas na segunda metade de 1650 ele voltou sua pintura para as cenas domésticas.

Nenhum dos quadros da fase de "pintura de gênero" representa uma cena muito importante, do ponto de vista temático. A maioria representa pessoas simples, dentro de suas casas, em geral solitárias, costurando, tocando algum instrumento, lendo cartas, estudando. Sua verdadeira obsessão era a Luz, que invadia os ambientes através de janelas abertas, muitas vezes janelas de vidro, como a dizer que ao abrir-se para o mundo, nada pode impedir que a luz tome conta e banhe tudo de cor. E com isso todos os objetos e figuras humanas compõem um conjunto inseparável.

Vermeer usava também cores brilhantes, assim como o azul intenso que aparece em diversas de suas obras. Nada se sabe sobre desenhos, estudos preparatórios. Mas sabe-se que ninguém no século XVII utilizou, como ele, de forma tão exuberante, o pigmento que era dos mais caros na época: o lápis-lázuli, o ultramarino natural. Mas também usava os terras e ocres de forma luminosa. Podemos dizer que Vermeer pintava com a luz, seu objeto de perseguição e de desejo era a luz. Ele tinha estudado textos de Leonardo da Vinci que diziam que um objeto sempre reflete a cor do objeto adjacente e por isso nenhum objeto é visto puramente em sua cor local. Ele foi também o grande mestre da composição, empregando divisões equilibradas das superfícies e tinha domínio perfeito da perspectiva. Para ele a geometria tinha um papel importante na composição.

Talvez por nunca ter saído de sua cidade natal, Delft, Vermeer se manteve desconhecido até o século XIX. O pintor realista francês Gustave Courbet foi exatamente buscar a fonte de sua inspiração na obra dos pintores holandeses, dos mestres que mostravam o mundo, mesmo em suas cenas cotidianas, com a riqueza do tratamento da síntese que absorviam do real. Um desses mestres descobertos por ele era Johannes Vermeer.
A arte da Pintura, 1665-1666, Jan Vermeer, óleo sobre tela, 120x100 cm,
Kunsthistoriches Museum, Viena, Áustria
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