quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Processo criativo

Estou em meio a um processo de trabalho criativo que se intensificou neste começo de ano, e a tendência é aumentar nos próximos meses. No momento certo, direi do que se trata. Por enquanto, vou organizando meu tempo entre o trabalho formal e este trabalho intenso no ateliê em casa. Das horas que me sobram para pintar - poucas por dia, por causa do trabalho formal - faço com elas uma espécie de interferência no tempo: se são 4 ou 5 horas por dia, elas serão usadas até à medula, com isso exercitando meu poder de foco e minha disciplina. E esticando o "tempo" ao máximo.

Meu mergulho agora é nesse outro mundo - o da criação - e não posso sair dele por nada deste mundo. Para ele, levei os livros que preciso ler e escolhi o primeiro do ano para reler, "O Estrangeiro", de Albert Camus, livro que me permite continuar mergulhada, porque ele em si é um grande mergulho na crueza da vida. Na sequência, e na mesma direção, vou reler pela undécima vez "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Estes são duros livros, que escancaram coisas da alma na nossa cara, e por isso me permitem não me perder, não perder de vista meu trabalho, meu foco. E vou lendo, na calma, "Brasil, uma biografia", de Lilia Schwarcz, para manter meu umbigo conectado às profundezas do meu Brasil.

O processo criativo é muito exigente, seja para nós como artistas seja como pessoas. Ele exige que se abra a alma, que se a rasgue também. Exige uma dedicação que jamais pudemos ter sobre algo ou alguém: "Este trabalho deve ser sua prioridade absoluta"; como um amante ciumento e autoritário, ele ocupa nossas mentes, nossos pensamentos, as batidas do nosso coração... Somente desse jeito o mundo - e a vida - vão mostrando seus sinais: imagens, cores, sons, luzes, palavras, sombras, texturas, símbolos, sonhos que antes pareciam não fazer muito sentido, agora adquirem um sentido novo. Aproveitável ou não. Mas no navegar desse imenso mar, qualquer onda ou pequena marola, ou uma montanha de água, faz sentido. E por isso é preciso estar atenta para não perder nenhum insight. Por isso, é bom anotar imediatamente o que for pensando, imaginando, sonhando, vendo, intuindo...

No cavalete, vou pintando a ideia, burilando-a, esculpindo-a, amadurecendo-a… Às vezes o trabalho rende num frenesi intenso, e a satisfação que isso dá não tem nada que possa descrever! Outros dias, o modo é mais lento, mais duro, mais nebuloso. As cores parecem brigar com você, até mesmo o pincel. A cadeira, a mesinha de apoio, a terebentina... Os olhos choram, vem desespero... Mas não se pode parar...

Como disse Picasso, quando a inspiração chegar, quero que ela me encontre trabalhando!

Porque processo criativo - como bem disse Fayga Ostrower - é sobretudo TRABALHO! Que envolve: pintar, errar, acertar, tentar, recomeçar; envolve também escrever, ou conversar consigo mesma, ou com alguém, para colocar em palavras coisas que não é muito do reino das palavras... Esse processo envolve desenhar bastante, fazer croquis, estudos diversos, para ir experimentando se esta ideia funciona, SE ela é viável e COMO é viável…

Pode até mesmo exigir movimentos, como viagens a algum lugar onde se possa ter uma visão melhor daquela ideia. Pode significar mais encontros, mais conversas de botequim com seu melhor amigo... Mas para mim o momento agora é de isolamento, do claustro necessário para o êxtase do encontro com a Musa, que só se deixa ver aos que trabalham intensamente... As possibilidades são TODAS; tenho que levar em conta TODAS!

É um processo onde algo toma vida dentro de nós e vai tomando forma fora de nós, simultaneamente. É o mais próximo que sinto também de uma embriaguez...