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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Exposição de Caravaggio no Masp

Caravaggio: São Francisco meditando
Foi aberta hoje, 2 de agosto, ao público a exposição “Caravaggio e seus seguidores”, no Masp, em São Paulo. Antes das onze horas, umas quarenta pessoas em fila aguardavam a abertura da maior exposição do mestre do Barroco na América do Sul. A mostra passou antes por Belo Horizonte, Minas Gerais, na Casa Fiat de Cultura e recebeu um público de cerca de 80 mil pessoas. A expectativa é que em São Paulo, o público atingido seja bem maior, pela importância desse evento.
O curador brasileiro da exposição, Fábio Magalhães, explicou que essas sete obras do pintor italiano representam 10% de sua produção, que chegou a umas 70 pinturas. Mas uma boa parte delas estão em igrejas italianas, enquanto outras pertencem a acervo de museus que não as emprestam.

As obras de Caravaggio expostas no Masp são:
São Jerônimo escrevendo / São Francisco em meditação / Medusa Murtola / Retrato do Cardeal / São João Batista alimentando o cordeiro / São Januário degolado / Cópia de São Francisco em Meditação - autor desconhecido - séc. XVII / Cópia de Os Trapaceiros - autor desconhecido - meados do séc. XVII.

Artemisia Gentileschi: Madalena desmaiada
Entre os antigos seguidores do mestre, estão presentes nessa exposição:
Artemisia Gentileschi (1593-1653): tela “Madalena desmaiada”
Bartolomeo Cavarozzi (1587-1625): tela “Virgem com o menino”
Giovanni Baglione (c.1566-1643): tela “Ecce homo”, 1606, óleo sobre tela, 163 x 116 cm, Galleria Borghese, Roma
Giovanni Battista Caracciolo (1578-1635):tela “Lot e as filhas”
Hendrick van Somer (1615-1684/85): “São Jerônimo”
José de Ribera (1591-1652): tela “São Tiago Maior”
Leonello Spada (1576-1622): tela “Coroação de espinhos”
Mattia Preti (1613-1699): tela “Negação de Pedro”
Orazio Borgianni (1574-1616): tela “Autorretrato”, 1614-15, óleo sobre tela, 55 x 39 cm, Galleria Nazionale d’Arte Antica di Palazzo Barberini, Roma
Giovanni Baglione: "Ecce homo"
Orazio Gentileschi (1563-1639): “Maria Madalena”, séc. XVII, óleo sobre tela, 82,3 x 68,5 cm, Coleção privada
Orazio Riminaldi (1593-1630): tela “Sacrifício de Isaac”
Simon Vouet (1590-1649): tela “Herodíades com a cabeça do Batista”
Tommaso Salini (1575-1625): tela “Interior de cozinha (o macaco e o gato)”
Valentin de Boulogne (1591-1632): “Santa Família com São João Batista”

Não são somente estes os pintores considerados “caravaggistas”. Caravaggio deixou seguidores em diversos países. São eles, os italianos: Bartolomeu Manfredi, Carlo Saraceni, Cecco del Caravaggio, Carlo Selitto, Giovanni Serondine, Massimo Stanzione, Bernardo Cavallino, Cesare Fracazano, Mario Minniti, Giuseppe Vermiglio; os franceses:  Georges de La Tour, Nicolas Tournier, Louis le Nain e Antoine Le Nain, além de Simon Vouet e Valentin de Boulogne, presentes nesta exposição. E mais os espanhois, além de Ribera: Francisco de Zurbarán, Bartolomeu Esteban Murillo, Francisco Ribalta, Juan Bautista Maíno e Diego Velázquez.
Mas também influenciou diversos outros pintores flamengos e holandeses, como Rembrandt, Vermeer, Rubens, Franz Hals, Van Dyck, entre outros.

A exposição segue até o dia 30 de setembro, depois seguindo para Buenos Aires, na Argentina. O evento faz parte do “Ano da Itália no Brasil”.

MASP
Avenida Paulista, 1578 - metrô Trianon
De terça a domingo: 11h às 18h
Terças-feiras: Entrada grátis
Quintas-feiras: aberto até às 20h
Entrada: R$ 15,00




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POSTS SOBRE CARAVAGGIO E OS CARAVAGGESCOS:

José de Ribera, caravaggesco

terça-feira, 31 de julho de 2012

Caravaggio e seus seguidores


São Jerônimo escrevendo, 1605-06, Galeria Borghese, Roma


O Museu de Arte de São Paulo – MASP – inaugura a partir desta quarta-feira, dia 1 de agosto, a exposição “Caravaggio e seus seguidores”. Serão 7 pinturas do mestre do Barroco e mais 14 de alguns de seus seguidores, os chamados pintores caravaggescos. Esta mostra já passou por Belo Horizonte, na Casa Fiat de Cultura.
Segundo o portal do MASP, a mostra será dividida em três grupos, que passam por diversas fases da vida do pintor italiano: os trabalhos consagrados e conhecidos, as novas descobertas, e obras que ainda não se garante que foram pintadas por ele. De qualquer maneira, é a maior mostra em solo brasileiro da obra deste grande pintor que segundo um de seus principais estudiosos e responsável por divulgá-lo no Ocidente, Roberto Longhi, tinha uma “verdadeira obsessão” por pintar a realidade.
A primeira vez que quadros de Caravaggio chegaram ao Brasil, foi em 1954, na comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo, e vieram três pinturas: “Sacrifício de Isaac”, “Ceia em Emaús” e “David com a cabeça de Golias”. Em 1998, vieram duas outras telas, também para o MASP: “Narciso” e “Os Trapaceiros”.
Desta vez serão sete, o que já é uma boa mostra da capacidade pictórica deste que foi um dos grandes revolucionários da pintura ocidental, influenciando gerações de pintores de todos os cantos do mundo. Gigantes do tipo de Rembrandt, Vermeer, Velázquez, Van Dyck, José Ribera, Gustave Courbet, só para citar alguns, não fariam o que fizeram sem Caravaggio. Não existem mais de 70 obras de Caravaggio no mundo e elas estão espalhadas em pequenas quantidades por diversos museus importantes, mas se concentram basicamente na Itália.
Segundo os organizadores desta exposição, foram dois anos de negociação com museus italianos para que as obras fossem liberadas. Entre elas, “São Jerônimo que escreve”, da Galeria Borghese de Roma; “São Francisco em meditação”, do Palazzo Barberini também de Roma; e a “Medusa Murtola”, de colecionador privado. Em Belo Horizonte só foram mostradas seis pinturas dele, porque a sétima, “São João Batista alimentando o cordeiro” somente chegou ao Brasil no mês de julho.
Entre os caravaggescos, estarão: José RiberaArtemísia Gentileschi, Orazio Gentileschi, Simon Vouet, entre outros. Até o final desta semana, estarei publicando aqui neste blog um estudo que estou fazendo sobre o livro de Roberto Longhi, Caravaggio, da editora Cosac Naify, abordando mais especialmente a atração que o mestre tinha a respeito de se manter fiel à realidade. Caravaggio foi também por isso um dos grandes inspiradores dos pintores realistas que lhe seguiram os passos.
No prefácio do livro, apresentado por Lorenzo Mammi, ele explica que Roberto Longhi produziu textos e organizou exposições com a finalidade de tornar Caravaggio conhecido no Ocidente. Mas antes, a literatura voltada para o estudo das artes já havia reconhecido nele “uma inegável eficácia e uma extraordinária habilidade na reprodução do real”. Em Caravaggio, como mostra Longhi – e falarei aqui – a luz é o guia de sua pintura, como se nada existisse a não ser o que “o raio luminoso desvela”, como observa Mammi.
Retrato de Caravaggio, por Ottavio Leoni, 1621
Caravaggio teve uma vida muito atribulada. Perdeu os pais quando ainda era criança, e passou a maior parte da sua vida em Roma. Ele teve um irmão, que se tornou padre e homem de letras, com quem Caravaggio quase não conviveu. Um dia, quando o pintor já era famoso em Roma e arredores, Battista, seu irmão, resolveu procurá-lo. E Roberto Longhi pergunta: “Quem poderá explicar por que, naquele certo dia, afirmando ser sozinho no mundo, ele negou, cara a cara, reconhecer o irmão padre, “homem de letras e bons costumes” que dizia ter vindo de tão longe para revê-lo?” Porque antes, desconhecido e na miséria, Caravaggio nunca recebera a visita do irmão.

Entre os 20 e os 30 anos de idade, Caravaggio atravessava, “por assim dizer, Roma inteira”. Brincava com seu cão preto, estudava seus quadros, jogava pela, frequentava as prostitutas, ia às tabernas onde tinha amigos “de todas as raças e extrações”, se embriagava de vinho e partia para as ruas em gritaria, lançando palavrões para a polícia, se envolvendo em brigas com seus rivais, jogando pedras na janela da senhoria. Os frequentadores das tabernas também eram os comerciantes de quadros, estudantes, livreiros, artistas, como o arquiteto Onorio Longhi, amigo íntimo de Caravaggio. Assim como Orazio Gentileschi, presente nesta exposição do MASP, que mais tarde muda-se para Londres e deixa a barba pontuda à la Van Dyck. Nas tabernas também iam os pintores franceses e flamengos que vinham a Roma estudar. 

Ou seja, o pintor Caravaggio era um homem inquieto, desassossegado. Mas que foi capaz, sozinho, de resistir a um período em que todos deveriam se submeter aos gostos da época, inclusive pictóricos. Por isso ele foi além, foi gênio e revolucionou a arte da pintura.

A curadoria da exposição é de Fábio Magalhães, museólogo; Giorgio Leone, do Patrimônio Histórico do Polo de Museus de Roma; e Rosela Vodret, do mesmo órgão italiano.

Saiba mais aqui.

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CARAVAGGIO E SEUS SEGUIDORES
De 2 de agosto a 30 de setembro de 2012
MASP: Avenida Paulista, 1.578
Aberto de terça a domingo, das 11h às 18h
Às quintas-feiras, das 11 h às 20h
Entrada: R$ 15,00 – GRÁTIS ÀS TERÇAS-FEIRAS
São João Batista alimentando o cordeiro
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segunda-feira, 9 de julho de 2012

O bóson de Higgs e a Arte pictórica: faça-se a Luz!

No princípio, uma singularidade criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo. Uma explosão inicial detonou a luz! E a luz foi feita. E tudo foi criado a partir de então.


No último dia 4 de julho, noite memorável, uma notícia se espalhou pelos quatro cantos do mundo. E nem foi por causa da Libertadores. Nem foi por causa do lançamento do meu livro, evento muito importante. Mas foi porque a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) anunciou, em Genebra, a comprovação da existência de uma partícula, o chamado Bóson de Higgs, fundamental para que se possa entender a estrutura básica da matéria.


Essa partícula subatômica foi detectada dentro do Large Hadron Collider (LHC), o super-acelerador de partículas do CERN com 27 km de extensão, que fica na fronteira entre a Suíça e a França. E o bóson de Higgs foi fotografado pela maior câmera fotográfica do mundo. Sabemos que um dos objetivos desse grande acelerador de partículas subatômicas é o de recriar as condições que formaram o universo, a partir do modelo do Big Bang. O “Big Bang” é uma teoria científica que fala que o universo nasceu a partir da explosão de um ponto infinitesimal que se expandiu e criou o Espaço, o Tempo e a Massa existente no universo. E a nós, aos animais e às estrelas! Isso há 14/15 bilhões de anos atrás.


O bóson de Higgs foi confirmado com uma certeza de 99,99%, segundo relatório dos cientistas do CERN. Ela está associada a um 'campo' com o qual as outras partículas interagem (prótons, nêutrons, elétrons, quarks...), ganhando matéria. A interação entre as partículas subatômicas geram massa, e a massa, matéria. Mas há as que não interagem com o campo de Higgs, e essas não possuem massa. Estão destinadas a movimentar-se para sempre na velocidade da luz e são chamadas de Fótons, a unidade básica da luz.

O físico nuclear Peter Higgs
Peter Higgs, um tímido e calmo senhor de 83 anos, esperou quase 50 anos para ver sua tese comprovada, e apenas disse: “É agradável ter razão de vez em quando”. Ele é um físico escocês, atualmente professor emérito da Universidade de Edimburgo. Em 1964, Higgs previu teoricamente a existência do bóson que levaria seu nome, a também chamada “partícula de Deus”. Sua intuição dizia que deveria haver um campo de forças parecido com uma espécie de cola onde as partículas estariam imersas e em interação.


Essa tese deu início a uma verdadeira escola científica, unindo inúmeros físicos que apostavam na ideia de Peter Higgs. Todo um edifício teórico sobre a forma como as partículas criam massa e gera nosso universo visível surgiu a partir daí. Já está se dizendo que essa é uma das descobertas científicas mais importantes dos últimos 40 anos.


A descoberta do bóson de Higgs foi comemorada como a coroação de décadas de estudo de milhares de físicos e matemáticos que focaram seus esforços e suas vidas para entender de onde vem tudo o que existe, uma das grandes questões teóricas que o homem tenta resolver e que movem a ciência há séculos.


A longa espera terminou nesta quarta-feira, dia 4 de julho.

Retrato feito por Franz Hals
Mas o que tudo isso tem a ver com Arte? O que a descoberta de um físico nuclear escocês pode gerar de reflexões sobre a arte pictórica? E que lições podemos tirar daí?


Começando pela última pergunta. Durante 58 anos um homem levou sua vida de professor universitário e pesquisador, insistindo numa teoria. Sua intuição dizia que ele poderia estar certo, o que acabou sendo confirmado. Peter Higgs, como físico de altas energias, sabe que a nossa noção de tempo, o tempo linear, do cotidiano, é pobre. Num universo de 14 bilhões de anos, onde distâncias intergalácticas são medidas em anos-luz, 48 anos são nada. Quase nada também no movimento da história, mesmo que muito para uma vida humana.


Para a vida humana do sujeito que está agindo na superficialidade pragmática do dia a dia, 48 anos de estudo, de espera por algo, é quase insuportável. Mas há os Peter Higgs da vida, aqueles que pacientemente constroem tijolo por tijolo a sua obra. Debruçado sobre seus estudos, esses sujeitos não pensam em si enquanto egos a serem colocados acima de tudo, mas enquanto se esquecem de si e mergulham sobre seus suportes técnicos (ou suas teorias) vão simultaneamente se moldando na modelagem de seu objeto de estudo. Construir um edifício teórico não acontece do dia para a noite. Assim como desenhar e pintar não são dons milagrosos, mas frutos de anos e anos de dedicação, de esforço teórico e prático.

Alegoria da pintura, de Jan Vermeer
Mas o modo de vida deste tempo atual não suporta grandes esperas, e repudia aquilo que não seja instantâneo. Por isso, de vez em quando é necessário que nos calemos diante de um evento como este: a descoberta de uma partícula que gera a massa do universo e que nos remete às grandiosidades que muitas vezes esquecemos...


Diante da descoberta do bóson de Higgs, dá vontade de fazer eco ao que ele disse no dia 4 de julho: “É agradável ter razão de vez em quando”.


Vermeer demorava muito para pintar uma tela. Ele trabalhava lentamente e com muita meticulosidade, enquanto combinava cores de forma inimitável, perseguindo o movimento da luz que vai gerando as sombras, os espaços, a materialidade. Suas bordas não tinham borda. Elas se derramavam pictoricamente fazendo com que todos os objetos e figuras de seus quadros interagissem como o fazem as partículas subatômicas no Campo de Higgs. Com Vermeer, nada estaria mais separado. Quando fiz uma cópia do “Moça com brinco de pérola” em 2011, para mim foi uma descoberta maravilhosa: não há bordas duras em Vermeer, elas são suaves, quase nem existem, há interação pura entre elementos e cores do quadro.

Autorretrato, de Rembrandt
Rembrandt foi outro pintor holandês obcecado pelo entendimento de como a luz se derrama nas coisas, criando as sombras. Também ele pintava, não as coisas que seriam vistas por qualquer ser humano comum, mas pintava as relações entre as coisas, com a perfeita consciência de que a luz cria massas densas, matéria, que ele executava a partir de pinceladas pastosas, em camadas de massas com valores medidos pelos movimentos da luz. E nada de linhas. Massas. “Quando Rembrandt pinta um nu sobre um fundo escuro, a luminosidade do corpo parece emanar naturalmente do escuro do espaço”, diz Heinrich Wöllflin em Conceitos fundamentais de história da arte.


Caravaggio queria criar uma nova relação entre o espaço, as coisas e as figuras. Sua obsessão era a realidade. Como afirma Roberto Longhi, para ele “uma pedra não é menos importante do que um santo, porque não é menos real.” Na configuração dos santos e das pedras, prótons, nêutrons e elétrons interagem entre si e com o Bóson de Higgs, que lhes dão massa. Os mesmos componentes químicos que fazem um santo, fazem uma pedra. E a mesma luz que atravessa a mão estendida de Jesus se espraia nos rostos dos pecadores publicanos em seu quadro “O chamamento de Mateus”. Caravaggio queria representar os volumes que via em termos de planos de luz, com o furor de quem queria “alcançar o real”, como diz Longhi.

Detalhe: autorretrato em
As Meninas, de Velázquez
Franz Hals, com seu pincel inquieto, fazia com que suas obras exigissem a distância espacial para serem assimiladas, pois quando olhadas muito de perto, viam-se manchas, massas em correspondência, movimentos de cores e de valores que inebriavam a vista, como partículas de cores em interação eletromagnética se fundindo para configurar formas e figuras. Nada pode ser visto isoladamente, tudo está em relação, manchas, massas, cores, valores. Assim como ele, Van Dyck; assim como Van Dyck, Rembrandt; assim como Rembrandt, Velázquez.


Em Velázquez, cabelos, vestimentas, figuras, não são cabelos, vestimentas, figuras; são substâncias, são fenômenos luminosos, pictóricos. As massas claras e escuras se interpenetram. A ênfase, diz Wöllflin, está na luz. “Todos os contornos são imprecisos, as superfícies se furtam à tangibilidade e a luz flui livremente, como a correnteza que rompeu o dique”. Como a explosão cósmica inicial, que gerou o espaço, o tempo, a estrela, o planeta, o homem, o gato, a formiga, o pintor, a tela, o cavalete. Massas de matéria navegam imersas na escuridão do cosmos, alcançadas pela luz que desvenda a matéria, e o mundo, e tudo o que existe. Que existe por causa do bóson de Higgs.


Na arte pictórica, o universo está em interação permanente. Tudo interage com tudo todo o tempo. Nada está separado de nada. A harmonia do conjunto é gestada a partir desse aparente caos que confunde as mentes apressadas que olharem as telas de Franz Hals de perto.


Quando o artista norte-americano David Leffel (1931) viu as obras de Rembrandt pela primeira vez, ficou tão impressionado que resolveu dirigir seus estudos para os efeitos da luz sobre a realidade observada. E passou a ensinar que um pintor não pinta coisas, pinta a luz nas coisas. O artista pictórico não vê o mundo em detalhes separados, mas vê massas, planos, dimensões. Ele não pensa, quando vê um rosto humano, em termos de “olhos”, “nariz”, “boca”. Vê jogos de luz e sombra e massas em movimento. Em interação. É exatamente esse jogo das massas, no movimento entre a luz e a sombra, que vai dando materialidade ao quadro. Como as partículas vão se enchendo de Massa através da interação com o bóson de Higgs. E vão criando o mundo e tudo o que existe.


“É agradável ter razão de vez em quando”. Viva Higgs!

realismo
Detalhe de autorretrato, de David Leffel 

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Murillo, o pintor realista de Sevilha

Murillo: A sagrada família do passarinho, 1645-1650
O Museu do Prado de Madri tem apresentado uma programação rica em grandes exposições. Neste momento, além da mostra “O jovem Rafael” (leia aqui), o Museu traz a exposição intitulada “Murillo e Justino de Neve. A arte da amizade” que apresenta um conjunto de dezessete obras da fase mais tardia do artista. Esses quadros pertencem a coleções de museus de Londres, Paris, Houston, Madrid e Sevilha, entre outras cidades.

O Museu do Prado de Madri reúne um acervo de pintura dos mais importantes da Europa, mais especialmente de pintores espanhóis cujos nomes simbolizam o que há de melhor na pintura universal, como Diego Velásquez, Francisco Goya, José Ribera e Murillo entre outros. Sem esquecer que Salvador Dali e Pablo Picasso também eram espanhóis.



Murillo: Autorretrato, 1670, óleo sobre tela
O conjunto dos quadros, segundo o portal do Museu, são “um excelente testemunho de alguns dos projetos artísticos mais importantes que aconteceram em Sevilha naquele período, que coloca o espectador dentro do coração do Barroco sevilhano e sua fusão entre arte, religiosidade e cultura”.

Além de obras que pertenceram a Justino de Neve, um cônego da igreja de Sevilha, Murillo também fez pinturas para a igreja de Santa Maria La Blanca, para a catedral e para o Hospital dos Veneráveis Sacerdotes.

Justino de Neve, além de amigo de Murillo, foi seu mecenas em algumas das pinturas mais importantes, como por exemplo as da Fundação de Santa Maria Maior, três dos quais foram restaurados para esta exposição. Também estão lá na mostra a Alegoria da primavera (A florista), e O verão, entre outras.

Justino de Neve adquiriu em sua vida pelo menos 18 quadros de Murillo, entre os quais seu retrato, executado pelo pintor. Inspirado em artistas italianos e em Van Dyck, Murillo retratou Justino de Neve com elegância e grandeza.

Murillo: retrato de Dom Justino de Neve,
óleo sobre tela
Quando estive em Paris, em 2011, pude ver de perto “O pequeno mendigo” de Murillo, justamente quando um copista do Museu do Louvre pintava uma cópia dele. Murillo possuía especial sensibilidade para pintar crianças, e nessa mostra atual em Madri, pode-se apreciar seu “São João menino com um cordeiro”, que também tinha pertencido a Justino de Neve.

Há também um autorretrato de Murillo e, segundo o texto que apresenta a exposição, é “junto ao de Velázquez em ‘As Meninas’, um dos mais sofisticados e influentes retratos de artistas da Espanha do século XVII.”

Breve biografia

Bartolomé Esteban Murillo nasceu em Sevilha (Espanha) em 1617 e faleceu a 3 de abril de 1682. Foi um pintor barroco espanhol, figurando ao lado de outros grandes mestres: Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer e Zurbarán.

Com uma característica realista, Murillo estava imerso dentro da fase plena do Barroco, mas alguns críticos dizem que ele poderia já ser um prenúncio do futuro estilo rococó, praticado pelo francês Fragonard, muito mais tarde.

Figura central da escola de pintura de Sevilha, Murillo teve muitos discípulos e seguidores de seu estilo, levando sua influência até o século XVIII. Ele foi também o pintor espanhol melhor conhecido e mais apreciado fora de seu país, no mesmo período.

Murillo: Pequeno camponês sorrindo
no parapeito, óleo sobre tela
Murillo foi o mais novo filho de uma família de 14 irmãos. Seu pai, Gaspar Esteban, era um próspero barbeiro, que também era cirurgião, dono de alguns imóveis que foram fontes de rendas para Murillo após a morte do pai. Sua mãe, María Pérez Murillo, era de uma família de ourives e de pintores. Bartolomé acabou adotando o sobrenome da mãe em seu nome. Seus pais morreram quando ele tinha pouco mais de nove anos de idade. Sua irmã mais velha, Ana, foi quem cuidou dele desde então.

As notícias sobre seus primeiros anos de vida e sua formação como pintor são escassas. Mas admite-se que ele tivesse passado pelo ateliê do pintor Juan del Castillo, parente de sua mãe. A influência de Castillo pode ser notada na expressão amigável dos rostos das pinturas de Murillo de sua primeira fase, que era também uma característica de seu mestre.


Em 1645 ele pintou treze quadros para o Convento de São Francisco, em Sevilha, onde se poderia notar, agora, uma influência de Van Dyck, Ticiano e Rubens. O sucesso desta encomenda foi tal que logo vieram outras.

No mesmo ano, Murillo se casou com Beatriz Cabrera y Villalobos, com quem teve nove filhos. Na peste de 1649, que assolou a cidade de Sevilha, quatro de seus filhos morreram. Mas mesmo com a peste, ele continuou a receber encomendas.

Murillo: O pequeno São João,
óleo sobre tela
Em 1658, Murillo foi para Madrid, onde conheceu os pintores Diego Velázquez, Francisco de Zurbarán e Alonso Cano. Nessa época, diversos bons pintores moravam em Madrid. Lá também ele conheceu a pintura flamenga e veneziana.

Mas alguns meses depois, voltou para sua terra natal. Seu reconhecimento aumentava, assim como as encomendas, lhe permitindo ter uma vida tranqüila com sua família. Contribuíam para isso as propriedades deixadas por seus pais como herança.

Em 1663 Beatriz morreu em mais um parto.

A partir de 1665, sua produtividade foi ainda maior, pois as encomendas não só continuavam como aumentavam. Assim como sua fama, fazendo de Murillo um pintor conhecido em todo o seu país. O rei Carlos II convidou Murillo a estabelecer-se em Madrid.

Em 1681 recebeu como encomenda pintar os retábulos da igreja do Convento de Santa Catalina de Cádiz. Foi aí, enquanto trabalhava, que sofreu uma grave queda, resultando em sua morte, alguns meses mais tarde, já em 1682. Seu funeral foi pleno de honrarias, e ele foi enterrado como uma pessoa muito admirada por seu povo, como também aconteceu com o pintor italiano Rafael, ao qual nos referimos anteriormente neste blog (leia aqui).

Murillo, assim como os mestres do barroco Caravaggio, Velázquez e Rembrandt, entre outros, davam um tom realista a suas pinturas. Em seus quadros, as figuras são inspiradas em modelos reais, em pessoas comuns. E em estilo pictórico, modelo inaugurado por Rafael Sanzio (1483-1520), enquanto pintava a Stanza d’Eliodoro, como ressalta Heinrich Wöllflin em Conceitos Fundamentais de História da Arte. Na sequência, ao final do século XVI, surge Caravaggio, o grande mestre do Barroco, pintor também realista, fascinado pelos efeitos da luz, que ele pintou como ninguém. E inspirou tantos outros mestres após ele, como os espanhóis Velázquez, Zurbaran, Ribera e Murillo.



Murillo: Alegoria da Primavera (A Florista), Óleo sobre tela, 1665-1670

terça-feira, 22 de maio de 2012

Exposição de Caravaggio em Minas Gerais


Caravaggio: São Jerônimo escrevendo

A Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte inaugurou neste 22 de maio de 2012 uma das maiores exposições dos últimos anos: 8 obras do Mestre Michelangelo Merisi da Caravaggio  (1571-1610), o grande mestre da pintura barroca italiana, além de obras de pintores "caravaggistas".
Entre os antigos seguidores do mestre, estão presentes nessa exposição: Artemisia Gentileschi (1593-1653), Bartolomeo Cavarozzi (1587-1625), Giovanni Baglione (c.1566-1643), Giovanni Battista Caracciolo (1578-1635), Hendrick van Somer (1615-1684/85), José de Ribera (1591-1652), Leonello Spada (1576-1622), Mattia Preti (1613-1699), Orazio Borgianni (1574-1616), Orazio Gentileschi (1563-1639), Orazio Riminaldi (1593-1630), Simon Vouet (1590-1649), Tommaso Salini (1575-1625) e Valentin de Boulogne (1591-1632).
Essas pinturas deverão ser exibidas também no MASP, em São Paulo, entre julho e setembro de 2012, como parte da programação do Ano da Itália no Brasil. Depois da temporada brasileira, a exposição segue para a Argentina. A exposição tem o apoio da Direzione Generale Dei Musei Statali Italiani. A curadoria é coordenada por Rossella Vodret.
Biografia
Caravaggio: São Francisco
recebe os estigmas
 
Michelangelo Merisi nasceu no povoado de Caravaggio, na lombardia italiana, em 29/09/1571. Seus pais, Fermo Merisi e Lucia Oratori, morreram cedo e o menino, com apenas 12 anos, foi enviado para estudar no atelier de Simoni Peterzano. Passou quatro anos vivendo e estudando no atelier desse mestre. Com ele, aprendeu o tratamento das cores segundo o método de Ticiano  (1488-1576) e o naturalismo da escola pictórica lombarda.

Depois da temporada de estudo, Caravaggio partiu para Veneza para ver de perto as obras de Ticiano, e estudar a técnica do sfumato de Leonardo da Vinci (1452-1519). A atitude artística do jovem pintor já era de rebeldia contra os convencionalismos de sua época. Caravaggio também era atraído por brigões, beberrões e vagabundos, freqüentando prostíbulos, jogos e se envolvendo em todo tipo de confusão. Era um homem agoniado, inquieto.

Mas seu destino era Roma, devido à demanda da igreja católica que transformava a cidade num canteiro de obras, com o objetivo de ser o centro da cristandade e do mundo civilizado. Artistas de toda a Europa afluíam à cidade, pintando, discutindo sobre pintura, estudando os mestres.

Nessa cidade, foi morar na casa do monsenhor Pandolfo Puzzi. Era o que lhe restava, pois vivia na penúria. O padre lhe dava pousada e comida, que era pouca, o que fez Caravaggio lhe apelidar de “monsenhor salada”. Enquanto isso, perambulava pela cidade, percorrendo ateliês em busca de trabalho. Necessitado, pintava até três quadros por dia, que vendia muito barato, para sobreviver.
Segundo o biógrafo Gilles Lambert, Caravaggio alternava com seus amigos “sessões de trabalho, de festas e de diversões no submundo”. Era amigo de vagabundos, miseráveis, homossexuais e prostitutas, muitos dos quais posaram para ele em seu atelier. Nesses marginalizados, o artista via o desespero da luta cotidiana pela sobrevivência em um ambiente dominado pela miséria, em plena Roma a cidade dos papas e cardeais cercados de riqueza e opulência.

No começo, Caravaggio se recusou a pintar quadros com temas religiosos. Mas logo, aconselhado por colegas, viu que essa era uma forma de sobreviver e pintou “São Francisco recebendo os estigmas”, de 1595, considerada a pioneira e a que melhor expressa a estética da arte barroca. Os quadros, em geral, eram encomendados por ricos burgueses que com eles presenteavam as igrejas.
Em maio de 1606, em meio a uma briga de jogo, Caravaggio matou um colega. Condenado à morte, fugiu para Nápoles, depois indo para a ilha de Malta. De lá, fugiu para a Sicília, após agredir um cavaleiro da Ordem de Malta. Cansado, doente, ansioso pelo indulto que o permitiria voltar a Roma para continuar seu trabalho, foi detido no Porto Ercole, por engano, e levado à fortaleza da cidade. Lambert diz que ele foi visto, já livre da prisão, “atarantado, faminto, enfermo, extenuado em busca de um barco” que o levasse de volta a Roma. Estava infectado por feridas e com febre. E assim morreu no dia 18 de julho de 1610.
Mas a grandeza de Caravaggio se impôs com o tempo, e mostrou nele um pintor original. O aspecto mais notável de sua obra é o tratamento do claro-escuro. Consiste em projetar a luz sobre as figuras com um contraste intenso e brusco com as sombras, o que marca o início de uma das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica primordial de seu estilo é o realismo enfático como reação ao idealismo renascentista. Ao invés de pintar figuras, mesmo as religiosas, com ar solene ou suave, conforme os ditames da igreja, ele as trata com um realismo quase insolente, usando como modelos, o povo das ruas.

Um bom exemplo, entre inúmeros outros, é o quadro O Enterro da Virgem. A figura de Maria foi inspirada no cadáver de uma prostituta afogada no rio Tibre e com o ventre inchado. Maria Madalena foi retratada muitas vezes a partir do modelo de uma jovem amante do pintor, assim como seus vários “João Batista” teve como modelo um rapaz amante de Caravaggio, que era bissexual.
Caravaggio: São João Batista
As personagens principais dos quadros de Caravaggio estão sempre localizados na obscuridade: um cômodo sombrio, um exterior noturno ou simplesmente um fundo escuro. Uma luz poderosa que provém de um ponto da parte superior da tela envolve os personagens à maneira de um projetor de luz sobre uma cena de teatro. O coração da cena é especialmente iluminado e os contrastes produzidos por essa maneira de pintar conferem uma atmosfera dramática ao quadro.

Edward Gombrich, em seu livro História da Arte, diz que Caravaggio queria a verdade, acima de tudo. Por isso não tinha respeito pela beleza idealizada de seu tempo. No quadro São Tomé, os três apóstolos parecem trabalhadores comuns, com os rostos curtidos pelo tempo, testas enrugadas. Ele queria copiar a natureza, fosse ela bela ou feia e fez todo o possível para que as figuras dos textos bíblicos parecessem reais.

Sem Caravaggio não haveria – como diz o crítico de arte Roberto Longhi – “Ribera, Vermeer, La Tour, Rembrandt. E Delacroix, Courbet e Manet teriam pintado de outra maneira”. Poucos artistas têm fascinado a posteridade de artistas e encorajado a ousadia criativa como ele o fez.


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Serviço:
CARAVAGGIO E SEUS SEGUIDORES
De 22 de maio a 15 de julho na Casa Fiat de Cultura
Terças a sextas: 10h às 21h
Sábados, domingos e feriados: 14h às 21h
ENTRADA E TRANSPORTE GRATUITOS
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Para saber e conhecer mais sobre Caravaggio veja estes

POSTS SOBRE CARAVAGGIO E OS CARAVAGGESCOS:

José de Ribera, caravaggesco

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Artemisia Gentileschi, caravaggesca


Artemisia Gentileschi: Giaele e Sisara, 1620 - Museu de Belas Artes de Budapeste, Hungria

A Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte, Minas Gerais, informou que a exposição “Caravaggio e os Caravaggescos” estreia no dia 15 de maio próximo, naquele centro cultural. A data para a inauguração da exposição em São Paulo, no MASP, está prevista para 25 de julho. Esta exposição, segundo foi informado, trará sete pinturas de Caravaggio e cerca de 40 pinturas de artistas caravaggescos (seus seguidores). Entre eles, uma mulher: Artemisia Gentileschi.

Artemisia Gentileschi: Auto-retrato em
Alegoria da Pintura, 1638-39 - Coleção Real,
Palácio de Windsor, Inglaterra
Artemisia Lomi Gentileschi é uma pintora do período Barroco italiano, uma das únicas mulheres artistas conhecidas desse período. Ela teria nascido em Roma no dia 8 de julho de 1593 e falecido em Nápoles, com sessenta anos de idade. Ela era seguidora da escola de Caravaggio (1571-1610), por isso considerada caravaggesca.

Artemisia era a filha mais velha do pintor toscano Orazio Gentileschi, ele mesmo um caravaggesco. No atelier de seu pai, Artemisia foi se destacando dos irmãos pelo talento para a pintura, e tinha facilidade especialmente em misturar a palheta de cores de uma forma que dava brilho às pinturas. Desde cedo, ela aprendeu a desenhar sob a orientação paterna, demonstrando um talento precoce que foi bastante estimulado pelo ambiente artístico que girava em torno de sua casa, frequentada por outros artistas, amigos e colegas de seu pai. 

Em Roma havia uma grande concentração de artistas e Artemisia cresceu em um bairro habitado por muitos deles, além de artesãos. A cidade de Roma vivia em plena efervescência cultural e a igreja católica atraía muitos artistas para lá, vindos de todos os lugares. Então para ela, seu ambiente natural era a arte. Caravaggio trabalhava na Basílica de Santa Maria do Povo e em outras igrejas trabalhavam artistas como Guido Reni e Domenichino, além dos irmãos Carracci que pintavam seus afrescos na Galeria Farnese. 

Seu pai, Orazio, já pintava segundo o estilo de Caravaggio, com quem tinha mantido contatos. Nada mais natural que a jovem Artemisia recebesse também as influências do mestre do Barroco. Provavelmente ela teria conhecido pessoalmente Caravaggio, pois este costumava ir pedir emprestado as ferramentas de trabalho de Orazio. 


Artemisia Gentileschi: A conversão de Madalena,
óleo sobre tela, cerca de 1616 - Coleção do Pallazo Pitti,
Florença, Itália
Mas a maior influência dela foi mesmo a pintura de seu pai, com quem ela aprendeu desde a mais tenra infância. Naquele período em que a discriminação contra as mulheres era imensa, somente foi possível a Artemisia a aprendizagem e a prática das belas artes, por causa do apoio do seu próprio pai. Naquela época, e por muitos séculos, as mulheres não tinham acesso a muitos ramos da atividade econômica e social. Seu papel era basicamente de procriadoras e trabalhadoras domésticas. O trabalho feminino não era reconhecido como tal, mesmo quando tinha que sustentar sua própria família.

Por isso, quando estudamos a história da arte, uma curiosidade, no mínimo estranha, salta aos nossos olhos: por que tantos homens se destacaram nas artes (em todos os ramos) enquanto encontramos raríssimas mulheres em destaque? As razões são sempre essas: às mulheres sempre era impedido o acesso às atividades mais amplas da vida humana, e a elas era restrito o papel menor da sociedade. Vale lembrar que, até muito recentemente, o preconceito contra a educação das mulheres era tanto, que impedia até mesmo que estudantes de arte do sexo feminino participassem de sessões de estudos de modelo vivo (a artista Edíria Carneiro, na década de 1930, participava de sessões de modelo vivo aqui no Brasil, ocultando seus desenhos de nus das vistas da família).

Artemisia Gentileschi:
Suzana e os velhos, 1610
A primeira pintura atribuída a Artemisia, data de quando ela tinha apenas 17 anos de idade (Susana e os Velhos, 1610 ). Seu pai, Orazio Gentileschi, impressionado com a qualidade da pintura da filha e sabendo dos impedimentos que haviam para a educação das mulheres nas artes, resolveu escrever uma carta à Grã-Duquesa da Toscana Christina de Lorena, no dia 6 de julho 1612, intercedendo pela filha, pedindo que ela pudesse ser autorizada a aperfeiçoar sua educação artística. Orazio dizia, entre outras coisas, que Artemisia havia atingido a habilidade e maturidade de artistas experientes.

Mas uma tragédia se abate sobre a jovem artista: um dos amigos de seu pai, Agostino Tassi, o mestre da perspectiva, a quem ele teria pedido que ajudasse na formação dela, estuprou-a. No julgamento, não bastasse toda a humilhação que foi descarregada sobre ela, tanto pelo réu, quanto pelos julgadores, Artemisia ainda foi torturada para narrar a cena do estupro e contar a verdade.

Depois disso, era impossível para ela continuar em Roma. Humilhada pelas regras sociais e católicas que tratavam mulheres violentadas como se fossem prostitutas, Artemisia foi para Florença. Após a conclusão do julgamento, seu pai arranja-lhe um casamento de conveniência com Pierantonio Stiattesi, artista modesto de Florença, em cerimônia realizada no dia 29 de novembro de 1612.

Artemisia Gentileschi:
Suzana decapitando Holofernes,1620, 

Galleria degli Uffizi, Florença, Itália
Em Florença, ela teve quatro filhos. Prudenzia, a única filha que sobreviveu, acompanhou a mãe em seu retorno a Roma, tempos depois (1621). 

Lá em Florença, também uma cidade de efervescência das artes, ela pode se dedicar mais a seu aprendizado. E parte para sua pintura, dedicando-se a temas trágicos em que suas figuras femininas sempre aparecem como heroínas. Muitos dos que se dedicaram ao estudo de sua obra, entre eles o crítico italiano Roberto Longhi, atribuem ao estupro e esse processo humilhante que sofreu, os traços dramáticos que surgem em sua pintura, especialmente no quadro “Judith decapitando  Holofernes”. Suas pinturas exprimem frequentemente o ponto de vista feminino.

Seu alto nível pictórico foi logo reconhecido e ela foi a primeira mulher a entrar para a Academia de Artes de Florença. Artemísia logo se aproximou dos artistas mais respeitados da época, como Cristofano Allori. E soube batalhar para ganhar o favor e a proteção das pessoas influentes da época, começando com o grão-duque Cosimo de Medici, e mais especialmente, com a grã-duquesa-mãe Christina de Médici. Lembree-se que a Famiglia Medici de Florença foi muito importante para o desenvolvimento das artes, tornando-se patronos de vários grandes pintores e escultores italianos. Assim como de estudiosos como Galileu Galilei, que chegou a Florença em setembro de 1610, que Artemisia teria conhecido pessoalmente.

Mas Artemisia se separou do marido e voltou para Roma em 1621, lá estabelecendo-se de forma independente, cuidando sozinha de sua filha Prudenzia. Depois, mais tarde, ficou grávida e teve uma filha natural, provavelmente nascida em 1627. Artemisia tentou ensinar as filhas a pintar, mas sem muito êxito.

Artemisia provou ter o direito para viver como artista nessa Roma que era o local de atração e de passagem obrigatória para artistas de toda a Europa. Com sua exemplar determinação, e enfrentando todos os preconceitos da época, ela tornou-se membro da Academia dos Desiosi. Também inicia relações de amizade com Cassiano dal Pozzo, um colecionador de arte, humanista e mecenas.

Artemisia Gentileschi: Auto-retrato como Mártir, 1615,
coleção privada.
Mas apesar da sua reputação artística, de sua personalidade forte e de uma rede de boas relações, Artemisia sua estadia em Roma não lhe rendeu muitas encomendas. Por isso, entre 1627 e 1630, partiu para Veneza, com as duas filhas, em busca de melhores empregos, em Veneza. Em 1630 Artemisia foi para Nápoles, pensando que naquela próspera cidade, cheia de estaleiros e de entusiastas das artes plásticas, novas oportunidades de boas encomendas e de emprego se abririam. Foi com essa mesma intenção que também tinham vivido em Nápoles, diversos artistas, entre os quais Caravaggio, Annibale Carracci , Simon Vouet , o espanhol José de Ribera, entre outros.

Em Nápoles, casaram-se, com um bom dote, suas duas filhas. Ela tinha boas relações com o vice-rei Duque de Alacala, assim como com os principais artistas que lá viviam, especialmente com Massimo Stanzione, com quem ela teve uma imensa colaboração artística e desenvolveu uma amizade sólida. Naquela cidade, pela primeira vez ela foi convidada a pintar telas em uma catedral.

Em 1638, Artemisia foi encontrar seu pai em Londres, por um curto período. Orazio tornou-se pintor da corte de Carlos I, e a ele tinha sido confiada a decoração de um teto na Casa das Delícias, em Greenwich. Mas Orazio morreu repentinamente, na presença da filha, em 1639.

Artemisia voltou para Nápoles, onde morreu em 1653.

Artemisia Gentileschi: Judith e sua serva, 1612, Pallazo Pitti, Florença, Itália
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De 15 maio a 15 julho de 2012
Terça a sexta das 10 às 21hs | sábados, domingos e feriados das 14 às 21hs
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De 25 julho a 23 setembro de 2012
Terça a domingo das 11 às 18hs | quinta das 11 às 20hs
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José de Ribera, caravaggesco