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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Aleksandr Ródtchenko na Pinacoteca de São Paulo

A Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Instituto Moreira Salles inauguraram neste fim de semana (19/02/2011) em São Paulo, uma exposição com cerca de 300 obras do fotógrafo russo Aleksandr Ródtchenko.

Aleksandr Mikhaïlovitch Ródtchenko nasceu em 3 de dezembro de 1891 em São Petersburgo. Filho de pai cenógrafo e decorador de um pequeno teatro e de uma mãe lavadeira, ele é um dos grandes artistas daquela que ficou conhecida como a Vanguarda Russa do começo do século XX, junto com outros nomes célebres como Maliévitch, Kandinsky, Wladimir Tatlin e o próprio poeta Mayakovsky, seu amigo pessoal.
Entre 1910 e 1914 Ródtchenko freqüenta a Escola de Belas Artes na pequena cidade de Kazan, a 720 km de Moscou, onde conhece sua futura esposa, a artista plástica Várvara Stepanova. Ao concluir seus estudos, se instala em Moscou e em 1915 começa a trabalhar em suas primeiras composições geométricas em preto e branco. Conhece o artista Vladimir Tatlin e outros artistas da época. Em 1917 ele funda, junto com outros artistas, o Sindicato dos Artistas Pintores, ditos “de esquerda”. Ródtchenko também fará parte de diversas entidades soviéticas e, como a maior parte dos artistas da Vanguarda Russa, ensinará nas escolas de arte criadas pela Revolução de 1917.
Em 1921 ele participa de diversas exposições de pintura, mas logo em seguida, ao assinar o manifesto construtivista ele abandona a pintura e parte para a produção de objetos. O Construtivismo nasce como uma nova corrente artística com o sentido de fazer experiências concretas a partir da vida real. De 1922 em diante, ele desenha numerosos cartazes de propaganda política, de filmes ou mesmo publicitários, influenciado pelas idéias do Construtivismo. A ideia dos construtivistas era tornarem-se artistas-engenheiros, plenamente atuantes na revolução socialista que estava em curso na União Soviética. Para ele havia uma necessidade absoluta de ligar o processo criativo à produção e organização prática da vida.
Em 1923 começa a colaborar com diversas editoras, realizando ilustrações e mesmo capas de revistas, como a da revista futurista LEF, que depois se chamou Novi LEF, que era dirigida por Vladimir Maïakovski. A partir de 1924, se consagra inteiramente à Fotografia, onde ele realiza seus experimentos pictóricos. Em 1925 ele monta o pavilhão soviético numa exposição internacional das Artes e da Indústria modernas em Paris. Ródtchenko também trabalha para o cinema e o teatro, criando móveis e objetos de decoração.
Em 1933, foi encarregado de ir fotografar a construção de um canal que liga o mar Branco ao Báltico, inaugurado por Stalin, para uma revista soviética. Em 1939 Ródtchenko e sua esposa Stepanova produziram juntos diversos álbuns de fotografias, como Quinze Anos de Cinema Soviético, Aviação Soviética e Dez Anos do Uzbequistão. Durante a II Guerra Mundial, o casal se afasta de Moscou, se refugiando na vila de Perm, aos pés dos Montes Urais, na companhia de outros artistas. Lá ele trabalha em cartazes com o tema da guerra. Após esse período, ele continua publicando seus álbuns fotográficos, agora fazendo experimentos com fotos coloridas, sempre tendo como tema a União Soviética. Ródtchenko morreu em Moscou em 3 de dezembro de 1956.
Aclamado internacionalmente por suas qualidades como pintor, escultor e desenhista de cartazes, Ródtchenko deixou sua marca também como grande inovador nas artes gráficas, com suas famosas fotomontagens, além de suas reportagens fotográficas. Mas é como fotógrafo que ele se torna uma das maiores referências mundiais. Nesta exposição que chega à Pinacoteca de São Paulo, podem ser vistas obras como Corrida de cavalos (1935), Campeões de Moscou (1938), Coluna da Sociedade Esportiva Dinamo, 1932 (1935), Crise (1923), Autocaricatura (1922), A Primeira Cavalaria (1935), Barcos (1926), Degraus (1929), Banho (1929), Varvara Stepânova (1937) e Retrato da mãe (1924), além dos famosos retratos do poeta Vladimir Maiakóvski, seu amigo pessoal.
Retrato da mãe do artista

Segundo Olga Svíblova, “em 1924, a fotografia foi invadida por Ródtchenko com o slogan ‘Nosso dever é experimentar’ firmado no centro de sua estética. O resultado dessa invasão foi uma mudança fundamental nas ideias sobre a natureza da fotografia e o papel do fotógrafo”. Ródtchenko aliou a experimentação formal à sua preocupação em documentar a vida política e social da União Soviética.
De uma forma original, ele mudou a perspectiva da fotografia, movendo suas lentes para outra direção, especialmente descobrindo novos pontos de vista, novos ângulos, novo enquadramento. Ródtchenko descobriu ângulos inéditos na fotografia: de baixo para cima ou de cima para baixo, criando os famosos “ângulos de Ródtchenko” como pode ser visto em Pioneiro (1930), Escada de incêndio (1925) e Reunião para uma manifestação (1928).
Essa exposição que se inaugura em São Paulo já foi apresentada em Londres, Berlim, Amsterdã e Rio de Janeiro. Com curadoria de Olga Svíblova, diretora da Casa de Fotografia de Moscou, a mostra recebeu o título de “Aleksandr Ródtchenko: a revolução na fotografia”. Nela, podem ser vistas também as séries de fotomontagens feitas para capas de revistas como Novi LEF, citada acima,  e a Dal ochi Pionier, assim como cartazes e anúncios.
Local: Pinacoteca do Estado de São Paulo
Endereço: Praça da Luz, 2 São Paulo, SP 
Telefone: (11) 3324-1000

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Os Itinerantes

Tempo de colheita, Grigoriy Myasoyedov, óleo sobre tela, 1887
Em 1863, um grupo de quatorze alunos decidiu deixar a Academia Imperial de Belas-Artes de São Petersburgo. Eles consideravam as regras da Academia restritivas e os professores conservadores. Também não concordavam com a separação rigorosa entre alunos com mais talento e os com menos, nem com a competição que era muito incentivada pela direção e professores. Eles defendiam que a arte deveria ser levada ao povo e deveria refletir a sociedade russa e não os padrões acadêmicos de então.

Retrato de Fyodor Dostoyevsky,
Vasily Perov, óleo sobre tela, 1872
Esses princípios da Academia ainda se regiam pelas convenções do academismo neoclássico, em grande parte inspirado pela arte italiana, assim como pela academia francesa. Para a Academia de São Petersburgo, além disso, a "grande pintura" era a histórica, gênero mais prestigiado, com temas geralmente retirados da Bíblia, da mitologia greco-romana e dos grandes eventos da história antiga. Somente se mantendo dentro destes limites é que os alunos podiam concorrer à medalha de ouro na competição anual, que dava direito a uma bolsa de estudos no exterior. Outros temas, como a paisagem e natureza-morta eram considerados menores e impróprios para o artista educado lá.

Por exemplo, dois artistas - Mikhail Shibanov e Nikolai Argunov - já haviam tentado pintar outras temáticas, como cenas com camponeses e as vilas do interior, mas encontraram a oposição de professores e da direção da Academia. Em 1840 outro artista, Pavel Fedotov, realizou estudos satíricos sobre a vida burguesa, obtendo mais sucesso que seus colegas e obrigando a Academia a fazer algumas concessões. Algumas obras nesse gênero foram premiadas, o que incentivou outros alunos a se dedicar a uma pintura do cotidiano, mas com avanços mínimos.

Mas em 1861, Vladimir Stasov levantou sua voz em defesa de mais liberdade na Academia. Ele era um influente crítico de arte e não apenas apoiou as inovações que começaram a surgir como criticou diretamente o conservadorismo dos acadêmicos. Também passou a defender que a pintura se voltasse para a realidade nacional e para temas populares.

Pintura de Ivan Kramskoi
Em 1863, veio a gota d’água que faltava para o rompimento definitivo com a Academia. Treze artistas foram selecionados para concorrer à medalha de ouro, conforme as regras do concurso. Anualmente, os jurados sempre determinavam qual seria o tema sobre o qual os artistas deveriam trabalhar. Naquele ano, diferentemente dos anteriores, os jurados resolveram deixar flexível a escolha do tema por parte dos estudantes, mas que levassem em conta seus próprios sentimentos. Vendo que os jurados alargavam seus critérios, os treze artistas solicitaram que fosse dada liberdade completa de escolha do tema. Pedido rejeitado, os jurados resolveram reagir de forma contrária e voltaram às regras antigas do concurso, com tema único, como sempre acontecera. O assunto escolhido foi: "A festa de Odin no Valhala". Revoltados, os pintores, liderados por Ivan Kramskoi, abandonaram a competição e a Academia, formando a Associação dos Artistas Livres.

Mas eles não estavam apenas se insubordinando. Sua rebeldia era também reflexo de suas convicções de que o artista deveria poder escolher seus assuntos de acordo com suas preferências e sua visão de mundo, sem ter de prestar contas disso a instâncias superiores.

Em 1870, esta organização - já ampliada com a presença de outros artistas - foi denominada “Sociedade de Exposições Itinerantes de Obras de Artistas Russos” (Peredvizhniki) - ou simplesmente “Os Itinerantes”. Eles queriam dar às pessoas das províncias a chance de seguir de perto as conquistas da arte russa e ensinar as pessoas a apreciar a arte. A sociedade manteve-se independente de apoio oficial, mas recebeu incentivos da parte de industriais, como Pavel Tretyakov, um grande colecionador de obras de arte, que incentivou exposições dos trabalhos desses artistas e deu-lhes importante suporte material.

Os objetivos do grupo eram: educar o povo possibilitando que entrasse em contato com a nova arte russa, formar um novo gosto e conceito de arte, e formar um novo mercado para essa arte nova.

É bom lembrar que, em Paris, Gustave Courbet se revoltou contra a Academia Francesa e inaugurou sua exposição individual intitulada "Realismo"; que Anders Zorn, pintor realista sueco, já causava admiração por onde passava; que Mariano Fortuny, na Espanha, já implementava os conceitos realistas em sua pintura; que Giovanni Boldini, na Itália, se juntara aos Macchiaioli e era um dos líderes deste grupo; que Adolph Menzel também rompera com as regras da academia alemã e se voltava ao realismo; que John Singer Sargent, um dos maiores gênios realistas do século XIX, já encantava e intrigava a todos com sua grande qualidade técnica... Que o Realismo abria espaços amplos para as vanguardas europeias do século XX... E que exercia grande influência sobre os artistas russos, em especial Courbet, Zorn e Fortuny...

As lavadeiras, Abram Archipow,
óleo sobre tela,1901
A primeira exposição pública de "Os Itinerantes" aconteceu em 1871 na própria Academia, com grande repercussão. Foi bem recebida até mesmo por críticos contrários, como Mikhail Saltykov-Shchedrin, sensibilizado com a ideia de que esta mostra deveria não só ser apresentada em São Petersburgo e Moscou mas também deveria percorrer outras cidades do interior. Foi a primeira vez que uma exposição de arte pode ser vista por um público mais amplo, pois até então a maioria das pessoas somente conheciam as novidades da pintura vendo reproduções em jornais, catálogos e gravuras. Esta exposição também foi um sucesso comercial; a própria família imperial adquiriu muitas obras. O colecionador Pavel Tretyakov, que já apoiava o grupo, adquiriu muitas obras.

“Os Itinerantes” foram influenciados pelas ideias de intelectuais como Vissarion Belinsky e Nikolai Chernyshevsky, críticos literários que defendiam idéias liberais. Belinsky dizia que a literatura e a arte deveriam ter responsabilidade social e moral. Como a maioria dos eslavófilos - movimento que defendia a tradição e a cultura russa - Chernyshevsky apoiou ardentemente a emancipação dos servos realizada em 1861. Na época, haviam 20 milhões de pessoas vivendo como servos. Para ele, a servidão, a censura da imprensa e a pena de morte eram influências ocidentais. Ele mesmo tinha sido censurado em seus escritos, por causa de seu ativismo político. Chernyshevsky era considerado um socialista utópico. Escreveu bastante sobre o papel da arte, o que influenciou os artistas Itinerantes.

“Os Itinerantes” retrataram aspectos multifacetados da vida social, muitas vezes criticando as injustiças. Pintavam  não apenas os temas da pobreza, mas também a beleza do estilo de vida do povo; não só seu sofrimento, mas também a força de seus personagens. “Os Itinerantes” condenavam o poder aristocrático e o governo autocrático em sua arte humanista. Retrataram os movimentos de emancipação, a vida social-urbana e, mais tarde, usaram a arte histórica para retratar as pessoas comuns. Tiveram seu apogeu entre 1870 e 1880.

Em seu período de formação (1870-1890), “Os Itinerantes” desenvolveram um ponto de vista amplo para suas pinturas, com imagens realistas, mais naturais. Em contraste com a paleta escura tradicional de seus tempos de estudante da Academia, escolheram uma paleta mais leve, com uma maneira mais livre em sua técnica. “Os Itinerantes” eram a sociedade que unia os artistas mais talentosos do país, que incluía artistas da Ucrânia, Letônia e Armênia.

Numa rua de Moscou, Vasily Polenov,
óleo sobre tela, 1878
Entre os temas de “Os Itinerantes”, estava a pintura de paisagem, que floresceu nos anos 1870 e 1880. “Os Itinerantes” pintavam paisagens próximas; alguns entre eles, como Polenov, usava a técnica de plein-air (pintura ao ar livre). Dois pintores, Ivan Shishkin e Isaak Levitan, pintaram apenas paisagens da Rússia. Shishkin - outro paisagista - é considerado o "cantor da floresta" russa, mas as paisagens de Isaac Levitan são mais famosas e expressam seus intensos sentimentos de artista. Os pintores paisagistas russos desejavam explorar a beleza de seu próprio país e incentivar as pessoas comuns a amar e a preservar seus lugares. Levitan disse uma vez: "Só imagino tal graça em nossa terra russa, esses rios transbordantes que trazem tudo de volta à vida. Não há um país mais bonito do que a Rússia! Só pode haver paisagistas na Rússia". “Os Itinerantes” deram este caráter nacional para as paisagens, inclusive permitindo que pessoas de outras nações pudessem conhecer como era a paisagem russa. Estas paisagens são a concretização simbólica da nacionalidade russa. Após “Os Itinerantes”, a paisagem russa ganhou importância como uma espécie de ícone nacional.

Ao longo dos anos, a quantidade de pessoas que viam as exposições de “Os Itinerantes” cresceu muito na população do interior da Rússia. Mas não só, pois elas atraíram também a atenção dos mais acostumados a frequentar exposições, assim como da elite urbana. Fotógrafos criaram as primeiras reproduções das pinturas de “Os Itinerantes”, ajudando a popularizar as obras, que poderiam ser compradas. Revistas, como a Niva, também publicavam artigos ilustrados sobre as exposições.

A origem de seus membros era variada; alguns eram camponeses, outros da burguesia urbana, e havia até nobres, mas todos se moviam com o objetivo comum de mostrar a vida em seu país. Associavam assim um estilo basicamente realista, de qual foram os principais divulgadores, com uma base ideológica de fortes traços românticos, idealistas e nacionalistas.

Velho camponês, Vasily Perov,
óleo sobre tela, 1870
Encaravam seu trabalho como uma missão sagrada. Vladimir Stasov, um dos mais ardentes incentivadores do grupo, disse que "os artistas que desejavam se unir para reformar sua sociedade não o estavam fazendo com o propósito de criar belas pinturas e estátuas com a finalidade única de ganhar dinheiro. Estavam tentando criar um alimento para as mentes e os sentimentos do povo".

Com o sucesso do grupo, que em pouco tempo aglutinou a maioria dos melhores talentos da pintura russa de sua época, a academia já não podia mais ignorá-los, e não só sua influência estética se fez sentir no meio acadêmico, mas também diversos deles foram contratados como professores, como Ilya Repin.

Muitos deles haviam ingressado no grupo porque acreditavam que a arte precisava alcançar um público mais vasto, e que deveria servir como uma força para o avanço social e o combate às injustiças e preconceitos. Mas quando seus ideais foram abraçados pela academia, começou a perder a vitalidade contestadora dos primeiros anos e as pesquisas mais arrojadas começaram a ser banidas pelo próprio grupo, que fora, em sua origem, uma vanguarda rejeitada pela oficialidade. O ciclo se repetia. Então diversos membros deixaram o grupo para prosseguir de forma individual, com mais liberdade. Com o passar dos anos, a arte dos Itinerantes já não espelhava os novos tempos e as mudanças na sociedade, e seu realismo de cunho social foi suplantado pelo decorativismo art nouveau do grupo Mundo da Arte e pelas vanguardas abstratas do modernismo.

Mesmo assim sua proposta original voltou a ser prestigiada quando o governo revolucionário assumiu o poder e estabeleceu as diretrizes para a formação do Realismo Socialista, do qual os Itinerantes foram um precursor, e onde diversos de seus representantes encontraram espaço para continuar em atividade. O Realismo Socialista resgatou as ideias iniciais de “Os Itinerantes”, quando estes artistas estavam convencidos de seu papel social como artistas em um país onde tudo estava em processo de transformação. Da arte à política.

“Os Itinerantes”, ao longo dos anos, produziram mais de 3.500 pinturas que foram vistas por mais de um milhão de pessoas em um grande número de cidades. O grupo durou até 1923, quando muitos de seus membros passaram a integrar a Associação de Artistas da Rússia Revolucionária (AKhRR, sigla em russo).

Abaixo, algumas das obras representativas de "Os Itinerantes":

Os rebocadores do Volga, Ilya Repin, óleo sobre tela, 1870-73

Procissão religiosa na província de Kursk, Ilya Repin, óleo sobre tela, 1880–83

Resposta dos cossacos de Zaporozhian, Ilya Repin, óleo sobre tela, 1880-91
Vigília, Arkhip Kuindzhi, óleo sobre tela, 1905-1908
Sessão do Tsar Michael I com a Duma Boyarda, Andrei Ryabushkin, óleo sobre tela, 1893
Procissão de Páscoa, Illarion Pryanishnikov, óleo sobre tela, 1893
Campo de centeio, Ivan Shishkin, óleo sobre tela, 1878
Chuva na floresta, Ivan Shishkin, 1891
Sonhos, Vasily Polenov, óleo sobre tela, 1895
Retrato de Isaac Levitan, Valentin Serov, óleo sobre tela, 1893
Ponte na floresta, Rafail Levitsky, óleo sobre tela, 1895-96
Pobres recolhendo carvão, Nikolay Kasatkin, óleo sobre tela, 1894
Retrato de Vladimir Solovyov, Nikolai Yaroshenko, óleo sobre tela, 1892
Os cegos, Nikolai Yaroshenko, óleo sobre tela, 1879
Consertando a estrada, Konstantin Savitsky, óleo sobre tela, 1874
Cristo no deserto, Ivan Kramskoi, óleo sobre tela, 1872
Retrato de uma desconhecida, Ivan Kramskoi, óleo sobre tela, 1883

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Os demônios que assustavam Vrubel


As pinturas de Mikhail Vrubel foram umas das maiores inspirações para os artistas da vanguarda. Vrubel, artista talentoso e trágico, conseguiu transmitir sua complexa vida interior através de seu trabalho incomum.

"Demônio derrotado", Mikhail Vrubel, 1902, Galeria Tretyakov
Mikhail Aleksandrovich Vrubel nasceu em 17 de março de 1856, em Omsk, província da Sibéria. Seu pai serviu no exército e participou da guerra da Crimeia, se tornando depois advogado militar. Devido ao trabalho paterno, a família teve que mudar de residência várias vezes, vivendo em Omsk, Astrakan, São Petersburgo e Odessa.

Mikhail Vrubel, 1898
Vrubel teve mais três irmãos. Sua mãe, Anna Basargin, morreu de tuberculose quando ele tinha apenas 3 anos de idade. Ele mesmo tinha a saúde frágil e somente começou a andar no mesmo ano da morte da mãe. Já adulto, Mikhail lembrava dela doente deitada na cama, que ele expressou em vários desenhos onde incluía crianças, cavalos e outras figuras da sua imaginação.

Ele começou a frequentar aulas de desenho e pintura com 8 anos de idade, em Saratov, inicialmente. Em Odessa, concluiu sua educação escolar e depois entrou na Universidade de São Petersburgo, como aluno do curso de Direito. Paralelamente, frequentava aulas na Academia de Belas-Artes onde se tornou amigo de Valentin Serov, mais de dez anos mais velho.

Assim como seu pai, após se formar em Direito foi servir ao exército, mas trabalhando na administração da marinha. Mas era insuportável para ele a rotina diária de trabalho na marinha. Largou tudo e entrou para a Academia. Logo seus mestres perceberam seu estilo pessoal e interpretação original de temas clássicos. Assim como Ilya Repin e Vassily Surikov, estudou com o mestre Chistyakov, grande desenhista e admirador do pintor italiano Mariano Fortuni.

O método de ensino de Chistyakov, dentro da Academia e sendo ele mesmo um artista acadêmico, era o de dar liberdade individual para cada aluno. Segundo Camilla Gray, enquanto Repin seguia um caminho mais realista, Mikhail Vrubel mantinha seu estilo próprio, muitas vezes discordando dos pontos de vista dos colegas que consideravam a arte como uma forma de retratar a vida real:

Autorretrato, 1885
O artista não deveria tornar-se escravo do público: ele próprio é o melhor juiz dos seus trabalhos, cujo significado lhe cumpre respeitar e não rebaixar a um truque publicitário… Roubar aquele encantamento que diferencia uma abordagem espiritual de uma obra de arte daquela com que se olha uma página impressa aberta, pode atrofiar a capacidade de encantamento: e isso é privar o homem da melhor parte da sua vida…”

Gray também diz que Vrubel passou a estudar a teoria estética do filósofo alemão Kant, ele que era um leitor ávido dos livros clássicos, que lia em latim, língua que ele dominava, coisa rara na Rússia.

Em 1884, foi para Kiev, a convite do professor Andrian Prakhov, para trabalhar na restauração de ícones e de afrescos antigos e criar novas composições para a igreja de São Cirilo, que havia sido construída no século XII. Por causa desse trabalho, passou um ano e meio na cidade italiana de Veneza estudando a arte dos pintores medievais, onde descobriu a cor dos pintores venezianos e se impressionou muito com elas. Na volta a Kiev, usou estes conhecimentos para criar quatro ícones para a igreja.

Ícone de Nossa Senhora, Mikhail Vrubel,
igreja de São Cirilo, Kiev 
Vrubel sabia que essa “co-autoria” com os mestres do século XII era completamente inédita entre os artistas do século XIX. Foi só depois de 1880 que alguns historiadores começaram uma pesquisa da tradição da pintura de ícones, assim como de traços da cultura antiga da Rússia. Mas essa pesquisa, que começou no campo arqueológico, acabou resgatando, em alguns artistas, a ligação com sua tradição cultural. Vrubel, de acordo com o estudioso N.A. Dmitriev, “se sentia cúmplice desses antigos mestres e seu fervoroso trabalho, e tentou ser digno deles”.

Andrian Prakhov também o convidou para criar pinturas para a catedral de São Vladimir, construída em 1882. Prakhov reuniu uma equipe de pintores, incluindo Vrubel. Este dedicou bastante tempo fazendo esboços e estudos para as pinturas de parede, como “Ressurreição”, “Lamento” e “Anjo com a vela”. Mas seus esboços não foram aprovados pela comissão da igreja, que consideraram suas obras muito incomuns e sem correspondência com os cânones ortodoxos. Dizem alguns especialistas que, se as pinturas de Vrubel tivessem sido aprovadas, a catedral teria um aspecto muito diferente, “mais místico”, “mais cósmico”.

Seus biógrafos contam que ele foi demitido da equipe do professor Prakhov porque tinha se apaixonado pela esposa deste (conta-se que ele usou ela, Emilia, como modelo para pintar o ícone de Nossa Senhora na igreja de Kiev). Foi imediatamente substituído por outro grande pintor, Victor Vasnetsov. Mas entristecido, Vrubel pediu a Prakhov que pelo menos o deixasse fazer os trabalhos mais simples; então apenas alguns ornamentos dessa catedral foram pintados por ele. E seu nome nem mesmo aparece na lista daqueles que trabalharam na pintura da catedral…

"Anjo com a vela", Mikhail Vrubel,
esboço para a catedral de
São Vladimir, 1887
 
Após estas experiências, Vrubel descobriu a diferença da pintura bizantina em relação à arte em três dimensões. Sobre a pintura bizantina, ele observou: “Toda a sua essência reside no arranjo ornamental da forma que enfatiza a platitude da parede”. E isso feito em linhas, de forma bidimensional, observava.

Em 1885 foi para Odessa, mas não encontrava quem lhe encomendasse nada e passava grande necessidade. Seus problemas mentais começaram a se intensificar, o que também interferiu para ser rejeitado na equipe principal de pintores. Esses sintomas se agravavam em diversos períodos e ele, que era profundo admirador da imagem de Jesus Cristo, passou a ter uma espécie de atração e obsessão, que foi crescendo ao longo de sua vida, pela imagem do Demônio. Satanás foi o tema dominante em numerosas de suas obras.

Em seu período de Kiev, também pintou um autorretrato, “O conto oriental” e “Retrato de uma menina contra um tapete persa”, entre outras obras. Nestas pinturas, vê-se como ele era hábil com cores saturadas e com motivos florais. Seu modo de trabalhar era de forma muito concentrada. a Pintura era sua vida, mesmo em tempos de grande carência de recursos.

Em 1889 se mudou para Moscou.

Em 1890, seu amigo Valentin Serov o apresentou a Savva Mamontov, na mansão de Abramtsevo, coisa que significou uma “virada na vida artística de Vrubel”. Criou vários cenários para o teatro de Mamontov, como o pano de fundo “Noite na Itália”. Em 1890 passou a fazer esculturas em cerâmica sobre temas da mitologia russa e eslava. Ele passou a ser o chefe da oficina de cerâmica de Abramtsevo. Mamontov o convidou para acompanhá-lo em uma turnée pela Europa, passando por Roma, Florença, Veneza, Milão e Paris. Nesta viagem, Vrubel pintou algumas aquarelas, técnica que dominava muito bem e que usou para fazer inclusive retratos.

Em 1896, Mikhail Vrubel se casou com a cantora de ópera Nadezhda Zabela. A beleza de sua esposa lhe inspirou uma série de obras, e seu rosto pode ser reconhecido em obras como “Hansel e Gretel” (1896), “Princesa Volkhova” (1898) e “A princesa e o cisne” de 1900.

"Hamlet e Ofélia", Mikhail Vrubel, 1884
Com muito gosto pela leitura, Mikhail Vrubel fez várias interpretações gráficas de obras de Shakespeare, Lermontov e Pushkin. Evidentemente, se sentia atraído pelas imagens dramáticas como Hamlet e Ofélia, e obviamente pelo “Demon”.

Seu estado emocional era sempre instável. Sofria alterações de humor, se irritava facilmente, suas reações emotivas eram dramáticas. Em 1901, sua saúde mental foi piorando e, avaliado pelos médicos, estes concluíram que ele era “incurável”. Mesmo assim não parava de pintar e em 1902 terminou seu quadro “Demônio derrotado”. Conta-se que ele era obcecado com esta pintura e até mesmo quando ela estava exposta num Salão em São Petersburgo, ele ainda fazia alterações na imagem, indo vê-la até “40 vezes num único dia”.

Mais os problemas mentais se intensificavam mais essa pintura assombrava-o. Ele dizia: “é espírito que une em si as aparências masculina e feminina, um espírito quase maligno quando sofre e é magoado, mas também um ser poderoso e nobre”.

Em 1903, Vrubel sofreu um grande golpe, do qual jamais se recuperou: a morte de seu filho. A partir de então passava ainda mais tempo internado em clínicas de saúde mental. Por causa de uma sífilis foi perdendo a visão e seu último trabalho, um retrato de Valery Bryusov, foi pintado quando ele praticamente não enxergava mais nada… Viveu seus últimos quatro anos de vida cego. Imagine-se a tragédia que significa se tornar cego para um pintor!...

"Retrato do meu filho", Mikhail Vrubel
Mikhail Vrubel faleceu em 1910 após ter deliberadamente ficado muitas horas do lado de fora da clínica onde estava internado, exposto ao frio do inverno russo. O resultado foi uma profunda pneumonia que o matou. Seus biógrafos chegam mesmo a falar que foi “praticamente um suicídio”.

As pinturas de Mikhail Vrubel foram umas das maiores inspirações para os artistas da vanguarda “durante os vinte anos seguintes”. Diz Camilla Gray: “Embora não tivesse formulado nenhum vocabulário pictórico novo e não houvesse fundado nenhuma escola, tornou possível as experimentações das ousadas décadas seguintes”. Vrubel, artista talentoso e trágico, conseguiu transmitir sua complexa vida interior através de seu trabalho incomum.

Sua obra mostra também um aspecto do mistério presente na arte russa, desde os primórdios. Tendo uma tradição de pinturas de ícones, voltadas a retratar o mundo espiritual, a Rússia - pode-se dizer - apresenta a maior variedade estilística que qualquer país possa ter tido, passando pela pintura acadêmica, pela realista, pela simbólica, pela pintura abstrata de Vassily Kandinsky e Kasimir Malevich, chegando à Vanguarda russa com seus inumeráveis “ismos” e até ao Realismo Socialista…

Mantendo o meu foco atual de pesquisa na arte russa, quanto mais me aprofundo neste estudo mais me surpreendo com a imensa capacidade criativa desse povo que, em 1917, abriu uma perspectiva tão nova e tão grande para os povos do mundo inteiro, mudando a história ocidental desde então.

A arte russa, dentro da arte mundial - em especial da Ocidental - ainda não recebeu o destaque que merece na História da Arte e seus livros, seus textos, seus estudos. Uma boa parte disso deve-se ao fato da Revolução de Outubro ter feito tremer as bases do establishment capitalista que, temeroso de tão alta influência, preferiu fazer verdadeiras campanhas que embotassem as mentes em relação à cultura russa. Mas este pequeno esforço que tenho feito durante esta minha pesquisa, disponibilizando-a neste Blog, talvez ajude a trazer alguma luz aos que se interessem pelo tema…

Aguardem, pois vem muito mais pela frente.


"Demônio sentado", Mikhail Vrubel, 1890, Galeria Tretyakov
"A manhã", Mikhail Vrubel, 1897, Museu Estatal Russo
"Lamento", Mikhail Vrubel, 1887, esboço em aquarela para a igreja de Kiev
"O vôo do demônio", Mikhail Vrubel, aquarela, 1891
"Lilás", Mikhail Vrubel, 1900, Galeria Tretyakov
"Ezrael, Serafim de 6 asas", Mikhail Vrubel, 1904, Museu Estatal Russo
"A ostra e a pérola", Mikhail Vrubel, 1904, Galeria Tretyakov
Retrato de Mikhail Vrubel, por seu amigo Valentin Serov

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A poesia solar de Maiakovski

Nesta última quarta-feira, 7 de novembro, na Livraria Arlequim, centro do Rio, foi lançado o livro “Vladimir Ilitch Lenin”, poema de Vladimir Maiakovski, com a presença de cerca de quarenta pessoas, entre intelectuais, artistas e amantes da literatura do poeta russo.
Paço Imperial, Rio de Janeiro

A Livraria Arlequim ocupa uma sala do famoso Paço Imperial, uma construção do final do século XVII, mais exatamente 1699. O prédio por onde passou a comitiva de Dom João VI, quando de sua vinda de Portugal para o Brasil, hoje recebe diversas exposições temporárias de artes visuais, além de ter a sua própria exposição permanente.

Dentro desse espaço, reuniram-se Zoia Prestes, Adalberto Monteiro, Alexei Bueno, Maria Prestes (viúva do líder comunista Luís Carlos Prestes), eu e umas quatro dezenas de pessoas para falar de poesia e de arte.

Adalberto, responsável pela edição do livro que saiu pela Editora Anita Garibaldi, com o apoio da Fundação Mauricio Grabois, fez uma apresentação do livro, ressaltando o fato de ser a primeira tradução em língua portuguesa do poema “Vladimir Ilitch Lenin” em sua totalidade. Disse ainda que esse poema ressoa, nos dias de hoje, as ideias futuristas de Maiakovski, um poeta que olhava para o porvir. Dedicando o poema ao líder da revolução russa de 1917, Lenin, Maiakovski “não endeusa, não faz culto à personalidade de Lenin, mas, pelo contrário, mostra um homem comum, ‘a pessoa mais terrestre’, que soube liderar um movimento que trouxe mudanças muito profundas, não só para a Rússia, mas para o mundo todo”, disse Adalberto Monteiro.
Zoia Prestes autografa o livro

Zoia Prestes, a responsável pela tradução direta do russo para a língua portuguesa, disse que essa tarefa dificílima de traduzir um poema de Maiakovski, apesar de complexa, trouxe-lhe também bastante satisfação pessoal, por causa de sua história com esse poeta. Ela viveu em Moscou entre 1970 e 1985, e em sua fase escolar participou de concursos de declamação de poesia e lembra que os livros de Maiakovski eram parte do currículo escolar da União Soviética. Em um desses concursos, ganhou como prêmio um exemplar desse poema em russo, que ela guarda até hoje. Na tradução do poema, Zoia Prestes diz que resolveu priorizar o significado das palavras, mantendo a mesma disposição formal escolhida pelo poeta russo, com versos escalonados. E completou dizendo que o fato de ter vivido tanto tempo na Rússia, onde recebeu educação escolar e superior, traz consigo esse amor à cultura russa e ao povo russo, o que também foi um importante componente no momento de traduzir este poema.

Lançamento no Rio de Janeiro
Alexei Bueno, poeta, editor e crítico literário, também expôs suas opiniões sobre o livro. Profundo conhecedor de poesia, disse que a de Maiakovski reflete a riqueza cultural do povo russo, que também gerou os gênios do cinema, Sergei Einseinstein, Andrei Tarkovski, entre outros. Os artistas russos, ressaltou Bueno, foram e são ainda referências para os artistas de hoje em todo o mundo. Ele elogiou a iniciativa da tradução desse poema em língua portuguesa e todo o esforço da equipe responsável pela execução dessa obra.

Mazé Leite, a artista responsável pelo projeto gráfico e pelas ilustrações, fez uma breve explanação sobre seu trabalho. Ressaltou que se inspirou nos artistas da vanguarda russa, citando alguns nomes como Natalia Gontcharova, Vladimir Tatlin, Kasimir Malievitch e Alexandr Rodtchenko. Explicou que a ideia para uma capa com tons quentes e vibrantes ela foi buscar na imagem do Sol, um tema bastante recorrente na obra de Maiakovski. Além do poema em si, disse ela, porque apesar de ter sido escrito para lamentar a morte de Lenin, o poema na verdade é uma ode à vida.
Vladimir Maiakovski,
fotografado por Alexandr
Rodtchenko

Após essas primeiras intervenções, outras pessoas presentes também participaram do bate-papo, como Maria Prestes, que contou diversas histórias dos tempos em que ela com o marido, Luis Carlos Prestes, e nove filhos, se mudaram para Moscou, fugindo da ditadura militar no Brasil. Maria Prestes é a mãe de Zoia.

A noite encerrou com um coquetel e muita conversa sobre poesia e sobre arte.

O livro “Vladimir Ilitch Lenin”, de Maiakovski, já teve seu primeiro lançamento em São Paulo. O próximo encontro em torno do poema será no dia 21 de novembro, no Centro Cultural Vergueiro, às 19h30, na Sala de Debates.