quinta-feira, 21 de maio de 2015

Entre os mestres e suas pinturas

Frente do Museu do Prado
É claro que quando temos a oportunidade de ver tanta pintura de alta qualidade, tantos bons mestres juntos, de Rembrandt a Rubens e de Velázquez a Ribera, nascem dentro da gente muitos sentimentos, e um deles é de esperança: se nossa história humana foi permeada de eventos de grandeza em todos os sentidos, é porque trazemos latente em nossas almas essa capacidade imensa de expressão, que permanece viva porque faz parte de nós. E não, o mundo não está perdido!

"O gênio da pintura", obra de um pintor
espanhol do século XVI
Hoje no Museu do Prado, enquanto caminhava entre as centenas de pessoas que também foram para lá, de origens diversas (japoneses, franceses, chineses, alemães, brasileiros, espanhois), fiquei pensando: como é impressionante o poder da arte, que faz com que pessoas as mais diversas, de formações culturais tão diferentes, se unam em frente a um mesmo quadro abismados, curiosos, calados, contemplativos. "As Meninas" de Velázquez atrai multidões todos os dias. De crianças a adolescentes, de jovens a adultos e idosos, esta tela imensa (no tamanho e na grandeza) parece recolher dentro de si todos esses personagens. O quadro parece tomar 3 dimensões, e de repente somos parte daquela cena em torno da Infanta Margarida. O olhar do artista parece convidar a todos nós: entrem e se tornem parte da minha pintura junto com as donzelas, uma delas feia, do anão, do cachorro, de outros serviçais da corte de Felipe IV.

Homenagem a Velázquez
nos jardins do Museu do Prado
Em volta deste quadro, muitos outros. Nas salas diversas do museu, muitos quadros de Ticiano, Rubens, José Ribera, El Greco, Goya. Ahhhh Goya! Suas pinturas negras atingem o fundo da minha alma! O que são aquelas figuras escuras, feias, monstruosas algumas, inquietantes todas, que nos observam em cenas tão chocantes? O assassinato do 3 de maio, outro quadro grande de Goya, atrai nosso olhar para o rosto assustado, quase em pânico, do rapaz que vai ser fuzilado. De repente projetei neste rosto o rosto do meu sobrinho Rondineli que foi assassinado, não no dia 3 de maio, mas no dia 4 de maio deste ano! Ouvi seu grito quando o ladrão de celular atirou! E depois o silêncio... Da morte. Isto é Goya.

E El Greco de novo estava ali, muitos quadros dele. Havia um rapaz fazendo uma cópia em óleo da tela "O cavalheiro com a mão no peito". Estava lá com seu cavalete e sua palheta, que fiquei observando: branco de Titanio, amarelos de cádmio, vermelhos, terras, azuis e preto. Já tinha trabalhado bastante, se aproximava do final. Boa cópia. Atrás dele, estava me olhando um dos quadros de El Greco que eu acho de uma ternura incrível, o "Cavalheiro idoso". Que nos olha com olhar complacente, como se aguardasse que a gente falasse alguma coisa. Mas eu não queria falar nada. Hoje tive dificuldades para me manter andando nestes salões imensos, porque a gripe voltou com força. Se falasse ia tossir, incomodar o artista copista que tava tão concentrado na pintura.

Homenagem a Goya,
nos jardins do Museu do Prado
Sempre acontece que quando passo muito tempo olhando para estas preciosidades pictóricas, de repente um troço qualquer vai crescendo dentro de mim, e parece que eu cresço junto e nem vou cabendo mais de tanta vontade de correr e pintar! Hoje observei muito os negros de Velázquez e de Goya e de Greco. Mas também observei o trabalho com as carnações feitas por pintores como Rubens, por exemplo. Por outros também. Assim como os drapeados das roupas que se fazem apenas mudando o valor das cores. Vi um autorretrato de Anton Raphael Mengs, pintor alemão, que me impressionou muito o seu trabalho com contrastes quase extremos de temperatura. Numa camada anterior, um avermelhado que foi sobreposto com camadas frias de cinzas e verdes criando um efeito maravilhoso. Parecia vivo! Fiquei com vontade de experimentar isso.

Depois do almoço e de uma pequena siesta à moda espanhola, por causa da gripe, sai pra ir ver uma lojinha que tem numa rua transversal à que estou. Chama-se Calle de Peres Galdos e uma placa já tinha me chamado a atenção antes: Belas Artes. Um senhor me recebeu muito simpático e já foi me dizendo que aquelas marcas de tinta que eu estava olhando eram artesanais, feitas por sua família. Tudo tinha começado com seu pai, e a loja já tem uns 70 anos. Muitos artistas passaram por aqui, ele me disse. Até Antonio López. Dois pigmentos me chamaram a atenção: Tierra de Sevilla e Tierra de Cassel, que nunca vi para vender no Brasil mas sei que muitos pintores usaram. Mira este tierra, me disse o senhor. E pegou com o dedo um pouco do Tierra de Sevilla e completou: o vermelho inglês passa muito longe da beleza disso aqui! É muito bom para pintar a cor da pele, junto com verde terra. E com o Azul Cerúleo nosso dá uns tons belíssimos. Pronto, me convenci. Comprei. Nem eram caros, um tubo de 90 ml saiu por 9 euros, os de 60 ml por 6 euros. Comprei o Tierra de Sevilla e mais outros quatro. Ele me deu de presente um "rojo inglês". Agradeci. "Vale!" como dizem por aqui todo o tempo.

Para casa experimentar um pouco de tudo isso aí.

Museu do Prado
Museu do Prado

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Foi bom ver El Greco

Estaçãozinha de trem de Toledo
A viagem de Madrid a Toledo se faz de trem, a partir da estação Atocha. Dura meia hora. Primeira capital espanhola, Toledo fica entre muralhas, no alto de uma elevação. Já a tinha visitado em 2001, mas voltei hoje para ver o museu de El Greco.

O museu fica em uma casa grande, com um jardim interno bem cuidado. Neste lugar o pintor Domenikus Teotokopoulos, seu nome, viveu até sua morte em1614.

El Greco, como muitos artistas em todos as épocas, foi buscar sua formação artística em outro país. Foi para a Itália e aprendeu o jeito italiano de pintar. Mudou-se para Toledo, mudou seu jeito de pintar, com o tempo. Suas pinceladas inicialmente imitavam os italianos, mas aos poucos ele foi criando seu próprio jeito de usar as cores, os pincéis, os empastos, as imprimações, as camadas de tinta. Sua figuras tornaram-se esguias, compridas. Sua pintura antecipou o expressionismo, ente outras coisas.

Vou pesquisar mais sobre El Greco quando voltar pra casa. Ele foi a boa surpresa do dia.

Parte muito antiga da casa do Museu El Greco
Lembrei-me da conversa com Juan ontem na Plaza Santana, enquanto o vento gelado fustigava minha garganta, que já estava sensível com a gripe que peguei em São Paulo. Mas a conversa com Juan girava em torno do mundo de hoje. Ele é professor de História da Arte, além de formado em Arqueologia. Falávamos do Brasil, da América Latina, da Europa, da África. Juan disse: o velho mundo, a Europa, está em crise e nunca mais vai ser o que representou antes para o mundo. A Europa já era! O mundo ficou muito pequeno e tudo está muito igual em todos os lugares, os costumes, as vidas das pessoas, as velhas práticas políticas. Temos que romper com as velhas estruturas, mas com práticas e formas novas. Em todos os sentidos, inclusive na arte.

Falei, concordando com muita coisa do que ele falou, observando que hoje para o artista não há mais um centro inspirador e formador, como foi Paris até o começo do século XX, como foi a Itália durante séculos, como foram até mesmo países como a Holanda, que nos deu Rembrandt, Vermeer, Hals e tantos outros. Hoje parece que o centro está em qualquer lugar ou em lugar nenhum!

Tudo isso, desde a idéia de mudar o mundo até o caminho pictórico que eu deva seguir, eu ou qualquer outro, gera medo na maioria das pessoas. É boa a segurança de voltar pra casa, de ver nossos filhos crescerem, nossas vidas prosperarem, saber que amanhã e depois de amanhã e sempre estaremos voltando para casa. Somos tão conservadores em tantos sentidos da vida! Tudo o que não queremos é uma boa novidade que revire nossas vidas de ponta-cabeça! Preferimos caminhar por lugares seguros, conhecidos, já traçados anteriormente...

Vista de Toledo de dentro da casa de El Greco
Juan lembrou uma frase de um amigo dele: o revolucionário é aquele que tem um pé fincado no passado, na tradição, e outro pé no futuro que ele prega. Mas a situação é complicada, porque o passado já passou, fez seu papel; o futuro nem existe ainda. Então é um equilíbrio "de loucos"!

El Greco foi completamente revolucionário! Ribera também, Velázquez idem, assim como Goya. Poderiam ter seguido no caminho seguro aprendido com os italianos e aquela sua pintura de decoração de palácios e igrejas. Tudo muito lindo, como num conto de fadas. Rafael então... Queria trazer a beleza do céu para a terra!

Mas que fizeram estes pintores espanhóis? Abandonaram o caminho seguro, criaram seu próprio caminho. Sofreram muitas críticas em seu tempo, claro! Mas hoje quando os vemos aqui nas igrejas de Toledo e no Museu do Prado, dá uma vontade muito grande de agradecer a eles: obrigada por não terem trilhado caminhos velhos! Obrigado por terem mostrado novas formas de expressão! Lembrei agora de uma história que li num autor espanhol que contava que Velazquez teria dito que preferia seguir outro caminho do que ficar em segundo lugar se tentasse imitar Rafael!

Mas, deixemos estas reflexões para outro momento. Sigamos na viagem.

Sinagoga sefaradita
Após sair do museu, fui numa antiga sinagoga, que tem séculos de história e tem a ver com parte da história dos moradores de Toledo: parte cristãos, parte muçulmanos, parte judeus. Todos convivendo em harmonia. Mas esta Sinagoga não é uma casa de oraçãoqualquer. Os judeus sefardis - segundo me informou Juan, que habitaram esta região da Espanha, além da Andaluzia, eram pessoas de nível intelectual muito avançado, diferentemente dos judeus do norte da Europa, que eram de origem camponesa e mais obedientes aos dogmas da ortodoxia hebraica.

Os judeus sefarditas da Espanha conviviam bem com cristão e muçulmanos. Os sefarditas, como tinham uma sólida formação intelectual, foram grandes pensadores, gramáticos, matemáticos, geógrafos, literatos, poetas, filósofos. Esta é a origem de Spinoza, por exemplo.

Nada a ver com os judeus que estão no poder no Estado de Israel, mais ortodoxos, fanáticos, que vivem o sonho da Jerusalém celeste onde não cabem, por exemplo, os palestinos. Mesmo os judeus sefarditas sofrem preconceito por parte dos judeus ortodoxos. Um jovem porto-riquenho, judeu por parte de mãe, amigo de Juan, passou por isso.

Pátio da sinagoga
A sinagoga sefardita em Toledo tem uma energia boa, tranqüila. Em seu pátio interno, onde tem nove lápides sepulcrais, está escrito em hebraico e traduzido para o espanhol:

"Son tumbas viejas, de tiempos antiguos, en las que unos hombres duermen el sueño eterno. No hay en su interior ni ódio ni envidia, ni tampoco amor o enemistad de vecinos. Al verlas mi mente no es capaz de distinguir entre esclavos y señores." - assinado Moisés ibn Ezras, daqueles séculos atrás.

Também entrei na Catedral de Toledo. Aqui, como em muitos lugares de influência cristã, se pode ver de perto obras de arte feitos por grandes artistas. Aqui nesta catedral, imensa, gótica, suntuosa, vi pinturas destas pessoas aqui:

Uma pintura de El Greco
Ticiano
Van Dick
Velazquez
El Greco
Goya
Rafael
Mengs
Caravaggio
Antiveduto Grammatica
Luís de Morales
Bernardo Strozzi
Luís Tristan
Giovanni Bellini
Jacobo Bassano

Este é só um dos exemplos do poder imenso da igreja que fazia com que os melhores artistas de várias épocas trabalhassem para ela. Depois deste dia intenso, as idéias fervilham na mente. Mas o corpo pede descanso.

Catedral de Toledo
Dentro da catedral

Dentro da catedral
Toledo






O rio Tejo, em Toledo

terça-feira, 19 de maio de 2015

Os retratos

Palácio Real de Madrid
Hoje, ao contrário de ontem, fez friozinho o dia todo. Venta muito em Madrid e hoje as correntes de vento não pararam.

De manhã, fui direto ao Palácio Real, que fica na parte mais antiga da cidade. Em seus princípios, Madrid ia de lá até a Puerta del Sol, que fica perto. Antes tinha mesmo uma porta que abria para dentro da cidade rodeada de uma muralha. Era lá que o sol se punha todos os dias, depois de ter nascido do lado do palácio, começo de tudo. O mundo era menor, ainda mais para o rei que se escondia nesse canto.

Nas portas do Palácio Real
O palácio real é enorme, como todo palácio deve ser. Parece que conta com cerca de 2.800 quartos. Nada mal... Mas seu luxo não chega aos pés de Versalles, claro. Mesmo assim, dá pra ver que todo o luxo e grandeza das aristocracias francesas também foram vividos em terras espanholas, cujos reis e rainhas casaram-se ao gosto da política com soberanos de países europeus, incluindo a França.

Fui ver a exposição "El Retrato en las coleciones reales", que acontece dentro do Palácio. São pinturas e esculturas feitas por artistas desde o século XIV até 2014, representando reis, rainhas e suas famílias. Artistas como José Ribera, Diego Velazquez, Francisco Goya, Joaquim Sorolla e o pintor vivo Antonio López foram contratados para retratar reis e rainhas. Além de muitos outros, conhecidos e desconhecidos, espanhóis e estrangeiros. Após uma longa série de retratos que cobrem do século XV até o XIX, salta aos olhos, de forma confortável e inovadora, o retrato de Alphonso XIII pintado por Joaquin Sorolla em 1907. Pura luminosidade! Como gosto da luz deste pintor! Infelizmente não estou conseguindo colocar imagens aqui no blog pelo meu tablet... Mas colocarei quando chegar de volta em casa, em junho.

O último retrato foi o que fez Antonio López, numa encomenda que durou 20 anos pra ficar pronta. Este retrato da família real atual, do rei Juan Carlos e a rainha Sofia acompanhados de seus três filhos, pintados em tamanho natural, difere de todos os outros. Não há suntuosidade, nem luxo, nem mesmo brilho. Nem o brilho do sol do quadro de Sorolla. Parecem cinco pessoas de uma família rica qualquer, bem vestida e de forma sóbria. O ambiente não é no palácio ou em algum lugar que pareça nobre. Mais parece a oficina do artista, que é também escultor. Há uma réstea de luz no canto superior esquerdo, projetada na parede atrás da família. Mas nem brilha, apenas se reflete de forma suave. Em todos os lugares da tela, as marcas do trabalho do pintor. Nacos de coisas que se grudaram na tinta, os riscos dos lápis que serviram de rascunhos, números que Antonio López usou para marcar alguma coisa, suas pinceladas cuidadosas e outras nem tanto. Pictóricas. Tudo em volta dos reis lembra simplicidade e austeridade, mas que são as do pintor. Antonio López mede muito, calcula muito parece um matemático em sua precisão no desenho. Mas na pintura é mais intuitivo, trabalhando mais com camadas de formas (shapes) sobrepostas. O resultado é bom de ver. E não é hiperrealismo, como alguns surgirem que seja a pintura de López. Nada de hiperrealismo, nada a ver! Somente muito à distância poderia parecer, mas de perto, as pinceladas são claras, se mostram.

Rua central de Madrid
Andei um pouco pelo pátio do palácio, observei. Muitos turistas falando muitas línguas estavam por todo lado. De lá, entrei na Catedral de Madrid, ao lado do palácio. Poder temporal e poder espiritual, juntos, definindo como devem ser as coisas na terra. Fui em direção à igreja de São Francisco, onde tem uma pintura de Goya. Mas estava fechada. Era hora da siesta... Até os padres são filhos de Deus...

Almocei e fui encontrar Juan Argelina, um amigo que conheci aqui em 2013. Ele é professor de História da Arte em uma escola pública de Madrid. Dá aulas para adolescentes do ensino médio. Conversamos por mais de três horas, num café na Plaza de Sant'Ana. Conversa boa, boa, boa! Ele conhece tudo sobre Madrid, sobre a Espanha, desde política até arte. Está feliz com o surgimento do partido-movimento Podemos, liderado por Pablo Iglesias, um jovem de 36 anos, idealista, que quer fazer política de forma totalmente nova e de acordo com o mundo atual. Mas falamos muito de arte também. E ouvi muitos dos causos que Juan contou.

Mas a conversa com Juan fica para o próximo post. Aqui já são 22h e preciso dormir. Amanhã acordo cedo e pego o trem para Toledo. El Greco me aguarda.
Um dos lugares mais antigos da cidade de Madrid