sexta-feira, 28 de maio de 2010

Por falar em Grécia...


Nas últimas semanas, a Grécia voltou a ser assunto e a chamar a atenção do mundo. Manifestações de trabalhadores tomaram conta do país, contra a política econômica do governo de George Papandreou, e o FMI. Por trás das câmeras da mídia sedenta de más notícias, divisamos o azul profundo daquele país cercado de mar, de história e de Arte.

Então falemos de Arte.

Há mais de 2.700 anos atrás, na ilha de Creta, entre Atenas e o norte da África, começou a ser desenvolvida uma arte tão refinada e bela, que causou profunda impressão na corte do faraó do Egito e influenciou todo o continente grego. Até então, a arte que se produzia no mundo antigo concentrava-se no Egito, nos oásis dos grandes desertos, onde o sol queima de forma implacável. Os artistas – escultores e pintores – aprendiam as regras de sua arte desde muito cedo. As estátuas sentadas deviam ter as mãos pousadas sobre os joelhos; o corpo dos homens era pintado com um tom de cor mais escuro que o das mulheres; o rosto estava sempre de perfil, mas o olho é visto de frente, assim como o tronco. Ninguém queria e fazia nada diferente disso, e por milhares de anos essas regras foram repetidas.

Mais ao norte, no meio do imenso mar, os cretenses, que não estavam submetidos à vontade do faraó, desenvolveram sua arte de forma mais independente. Nessa ilha, como em outras, habitavam marinheiros aventureiros, que percorriam aqueles mares de canto a canto, trazendo para seus reis piratas a riqueza conquistada em outras plagas. Esses reis, ricos e poderosos, enviavam emissários ao Egito e, com eles, sua arte que impressionou o país dos faraós. Mas quase nada restou da beleza que se produziu naqueles tempos. Mais ou menos por volta do ano 1.000 a.C., tribos bárbaras que vinham da Europa combateram e derrotaram os antigos cretenses. Edward Grombrich, autor do célebre livro “História da Arte”, diz que “somente nas canções que narram essas batalhas sobrevive algo do esplendor e da beleza da arte” que era produzida em meio ao azul profundo dos mares gregos.

Mas a influência já tinha se espalhado, e a arte grega evoluiu, ao longo de sua história, de forma tão densa que simplesmente tem sido, por milhares de anos, a referência e a inspiração para toda a arte que se produziu no ocidente desde então. Por volta do ano 600 a.C., os arquitetos gregos que até então faziam suas construções em madeira, começaram a fazer uso da pedra para erguer seus templos. Mas eles não se satisfaziam em simplesmente erguer pilares quadrados. Eles modelavam cada coluna, e o resultado ainda hoje é visto na Acrópole, cujas colunas dóricas, que se afunilam em direção ao topo, dão uma visão de leveza ao conjunto gigantesco do Partenon.

Mas a grande diferença da arte grega está em outro lugar. Os primeiros artistas ainda pintavam as figuras humanas seguindo algo da regra egípcia antiga. Mas os gregos descobriram o escorço, que é a representação em perspectiva da figura humana, ou de qualquer objeto, pois até então, desenhos e pinturas eram bidimensionais. Foi nesse tempo que o povo grego começou a contestar as antigas tradições e as estórias sobre os deuses. Foi o início da ciência, como forma de observação da natureza do mundo e das coisas, sem preconceitos religiosos.

Os artistas de então trabalhavam para viver, em suas oficinas de escultura e pintura, fazendo seu trabalho com as mãos. Passavam os dias, diz Gombrich, labutando em suas forjas, sujos de fuligem, suados, como os operários das pedreiras e canteiros de obras. Por isso eram tidos como seres de categoria inferior. Mas tinham vida ativa na política de suas cidades, pois a Grécia vivia uma democracia onde até mesmo os humildes trabalhadores tinham direito à participação. No mais alto nível da democracia ateniense, foi onde as artes atingiram seu apogeu. Nessa época, o grande escultor Fídias se destaca com suas estátuas esculpidas no mais refinado mármore, plenas de suavidade e beleza. Já estava longe a crença de que demônios horríveis habitavam nas estátuas, e Fídias esculpia seguindo o modelo humano. Sócrates, o grande filósofo ateniense, que também se aventurara como escultor, dizia que se devia também incluir nas artes pictóricas e escultóricas a representação da vida interior do ser humano, ou seja, que ele não fosse representado na forma antiga, fria e vazia. Desta vez, se incluíam os sentimentos humanos.

Além do profundo estudo de Anatomia. Livres das superstições e caminhando lado a lado com a ciência que então se desenvolvia (teorias sobre a matéria, a matemática, a medicina, etc) os artistas se puseram a explorar a anatomia dos ossos e músculos da figura humana, uma vez que conhecer a forma das coisas era de muita importância para eles. Já se faziam estudos com modelo vivo, e não mais de memória, como era feito no Egito. Além disso, os retratados já não eram quase-deuses, mas pessoas comuns também começaram a ter seus próprios retratos. Escavações feitas na cidade de Olímpia, por exemplo, descobriram inúmeros pedestais sem suas estátuas, que como a maioria era feita de bronze, tudo deve ter sido derretido quando começou a faltar bronze na Idade Média.

Outra grande descoberta do artista grego foi o movimento. Olhando-se para a estátua “Discóbolo” (cerca de 450 a.C) do escultor ateniense Míron, percebe-se o estudo minucioso que ele fez não só da anatomia, mas desta em função do movimento. No final do século V a.C, os artistas gregos já eram mestres, e a arte tinha tomado um tal desenvolvimento que um número crescente de pessoas começou a se interessar por obras de artes. Os gregos discutiam arte, como liam poemas e iam ao teatro. Praxíteles, maior artista desse período, tinha aperfeiçoado de tal modo o seu estudo de anatomia que suas estátuas mostram músculos e ossos sob a pele macia. As estátuas desse período demonstravam como o artista grego tinha atingido a perfeição escultórica baseado no conhecimento adquirido por longos estudos. A arte caminhando junto com a ciência.

Uns dois séculos depois, mais uma novidade. Além da perfeição atingida com a figura humana, os artistas se aventuraram desta vez em retratar guerras, possivelmente inspirando-se em cenas do teatro para obter fortes efeitos no espectador, com cenas de violência, de sofrimento, de agonia. A arte já tinha perdido seus antigos laços com a religião e a magia. A preocupação do artista agora era se desenvolver, vencendo todas as dificuldades de representação. Sabe-se que os mestres mais famosos da arte grega eram pintores, e não escultores. Mas quase nada sobrou da pintura dessa época, a não ser por registros que chegaram até nós, e que testemunham também que os pintores representavam cenas da vida cotidiana, de peças teatrais, de ofícios da época. Na cidade de Pompéia, por exemplo, lá na Itália, que foi sepultada pelas cinzas do monte Vesúvio em 70 d.C, foram descobertos vestígios de que praticamente todas as casas tinham pinturas, colunatas, esculturas e quadros emoldurados.

Também quase nada sobrou das maravilhosas esculturas gregas, a não ser pelas cópias em mármore feitas por artistas romanos, que dão uma ideia do que era a riqueza cultural daquele povo. Quando o cristianismo começou a se alastrar, era ordenado que se destruíssem todas as estátuas e figuras que se encontrassem pela frente, nas guerras de conquista e de pilhagem. Era sagrado dever destruir figuras dos “deuses pagãos”, e as esculturas que podemos ver hoje em alguns museus do mundo são simples reprodução das originais, que foram todas destruídas.

Mas... isso me faz terminar este texto com uma pergunta: não é uma espécie de repetição de ataque à arte figurativa, a atitude tomada pelo sistema de arte contemporâneo que endeusa a abstração conceitual, e deplora a figuração? Não seriam esses os novos modos fundamentalistas?

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