Estação Iglesia do metrô, com uma reprodução de pintura de Joaquín Sorolla |
O Museu Sorolla amanheceu me chamando. A ideia inicial era ir ao Prado, mas peguei o metrô em direção a Chamarti, estação Iglesia.
Antes entrei em um café, dos muitos que têm por aqui, e tomei um grande copo de café com leite e uma "media luna". No Brasil seria um pingado e um croissant. Os cafés de Madrid são variados em tempo e espaço. Aguns existem há décadas como o Café Gijón, que existe desde o começo do século XX. Ni verão, as cadeiras ocupam as calçadas, mas como ainda está muito frio eles se resumem ao espaço interno, quentinho, como em todos os lugares fechados, comuns em toda a Europa.
O frio hoje estava cortante. Fazia 10 graus me pleno meio dia! Esqueci minhas luvas no hotel e protegi minhas mãos nos bolsos do sobretudo. As mãos dóem neste gelo. E em Madrid venta muito.
A casa onde se localiza o Museu Sorolla é a casa onde ele viveu e trabalhava desde 1909, quando a comprou. É enorme! Uma bela casa e, segundo as informações que fui lendo enquanto o visitava, Joaquin Sorolla teve muita satisfação em comprá-la. Era resultado de seu trabalho. Realizava o sonho de instalar sua família, esposa e três filhos pequenos, num lugar confortável. Ele era bastante apegado a eles e sua ideia também era ter seu local de trabalho perto de sua família.
Um dos cômodos do Museu é onde estava seu ateliê. Uma sala bem ampla, com pé direito bastante alto e uma claraboia retangular no teto que lhe fornecia a luz natural necessária para trabalhar dentro de casa, quando o inverno - e o frio - chegavam. As paredes eram cheias de pinturas suas, alguns objetos adquiridos em lugares diferentes enfeitavam o lugar. Ele trabalhava simultaneamente em vários quadros e o tamanho do ateliê lhe permitia ter vários cavaletes.
Todos - todos! - os quadros de Joaquín Sorolla que eu somente conhecia de fotos estavamm lá, à minha frente, enchendo os meus olhos! Esses momentos são indizíveis! Nem sei como descrever direito o que sinto sempre que me encontro em frente a uma tela original de algum mestre. Me emociona. Me inquieta. Me silencia... Foi assim com muitos deles! Em Amsterdam, em Berlim, em Paris... até em São Paulo!
A entrada para o Museu Sorolla custa 3 euros. Em todas as salas da casa estão suas pinturas, e o Museu guarda o maior acervo de obras dele. Fui vendo os quadros, um por um, estudando.
Ateliê de Sorolla, hoje parte do Museu |
Nas inúmeras telas representando a praia, se vê que ele não ficava descrevendo nada em detalhes. Não desenhava as ondas, por exemplo. Aplicava camadas de empasto branco onde a luz era bem forte. Passava o pincel deixando verdairos nacos de tinta de valor alto (branco, branco-amarelo, branco-azul). Por isso suas telas brilham! Ele era fascinado pelo efeito da luz sobre as coisas.
Na segunda sala, tive que esperar um pouco. Havia uma senhora de meia idade com um grupo de uns 15 adolescentes e ela explicava os quadros de Sorolla para eles. Um por um. Parei para ouvir, se ela me permitia... Vi que fazia perguntas aos alunos, que respondiam um pouco tímidos. E ela continuava explicando. Se deteve bastante tempo nas telas "Após o banho" e "Clotilde na praia". Clotilde era a esposa de Sorolla. Fiquei pensando como é importante essa formação desde cedo na vida de um ser humano. Ensina-nos a ver o mundo com outros olhos. E a amar a pintura, os pintores, a arte. Enquanto a professora continuava falando, li sobre Sorolla em um dos paineis: "Seu deseo de captar la realidad tal qual la ve determina su manera de trabajar." O real é sua grande fonte de inspiração.
Alguns dos pinceis que Sorolla usava |
Fiquei bastante tempo na sala onde era seu ateliê. Fotografei os cavaletes (dois), os pinceis, a caixinha onde ele guardava as tintas. Ainda tem algumas bisnagas de tinta dentro, bem usadas, espremidas. Pelas mãos de Joaquín Sorolla! Os pinceis... fiquei um tempo observando os pinceis. São grossos, pelo grosso, talvez de orelha de porco? Parece... Nada de cerda fina, delicada. Tinta também dois "tentos", um pauzinho que usamos para ajudar a segurar a mão quando precisamos ser certeiros em alguma pincelada.
Passei para onde antes era uma antesala da casa. Nesse espaço estão suas pinturas feitas no jardim de sua casa. Sorolla cuidou detalhe por detalhe dos jardins. Desde os pequenos pedaços de cerâmica decorada que ele encomendou no Marrocos, até as plantas e as flores. Muitas delas viraram seus modelos e aparecem em seus quadros. Ali, li este poema de Juan Ramón Jiménez, "Mariposa de luz":
Mariposa de luz,
la belleza se va cuando yo llego
a su rosa.
Corro, ciego, traz ella...
la medio cojo aquí y allá...
Sólo queda en mi mano
la forma de su huida!
Ainda escreverei sobre essa experiência de contato com o real. Tão sutil, tão passageira quanto um segundo que passa e quase não se alcança, a não ser em alguns momentos de beleza... Mas isto é assunto para depois.
"Rosas blancas en el jardín de mi casa", Sorolla |
Saí para o jardim. Quando cheguei lá, vi uma moça bem jovem, esculpindo uma miniatura no jardim, usando como modelo as esculturas que lá estão. Sentei-me embaixo de um caramanchão, onde tinham umas cadeiras. Peguei meu caderno de desenho e fiquei ali umas duas horas desenhando uma escultura do jardim. Os visitantes passavam, alguns olhavam meio rápido. Os europeus são muito discretos quando se trata de invadir a privacidade alheia. Acho que gosto de me sentir assim, deixada em paz, de vez em quando. Mas um deles ficou atrás de mim e vi que me fotografou desenhando, a mim e ao modelo que eu usava, um par de esculturas.
O jardim de Joaquín Sorolla |
Fui caminhando pela Calle Santa Engracia em direção ao metrô Cuatro Caminos. Uma rua bem larga e bonita. Chamartí deve ser um bairro bom de se viver. Passei por um colégio, Divina Pastora, bem na hora da saída dos alunos. Crianças de mãos dadas com pais e mães cruzavam por mim todo o tempo. Entrei no metrô, fui direto para a Plaza de España.
E como este post está ficando grande demais, deixo o resto para contar na próxima entrada.
Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança, na Plaza de España |
Que bacana sua visita ao Museu Sorolla. Ainda não fui a ele. Deu muita vontade mesmo. Adoro casas de artistas, tento sempre ir... Que boa está sendo sua viagem! Curta bastante e continue nos contando tudo. Ah essa estátua de Quixote e Sancho, que demais...
ResponderExcluirBeijo
Susana