Estudo em óleo para a tela "Os comedores de batata", 1885, Vincent Van Gogh |
Van Gogh com 13 anos |
Diversos eventos em várias cidades europeias lembraram a data de sua morte. A pequena cidade Auvers-sur-Oise onde ele morreu e encontra-se enterrado ao lado do irmão Theo, fez uma pequena retrospectiva histórica da presença de Vincent por lá. A igreja pintada por ele, o Albergue Ravoux que ainda existe, onde ele morou e onde seu quarto se encontra ainda intacto. Dois designers de animação também homenagearam Van Gogh dando vida a várias de suas pinturas, como o italiano Luca Agnani e o artista grego Petros Vrellis, que animou a pintura - uma da mais famosas do artista holandês - “A noite estrelada” (Veja o vídeo abaixo).
E a galeria Eykyn Maclean de Londres, de 26 de setembro a 29 de novembro próximos, apresenta uma exposição intitulada “Van Gogh em Paris”, sobre os anos de 1886 a 1888, quando o artista vivia e trabalhava na capital francesa.
Fachada atual do Albergue Ravoux, onde ele viveu em Auvers-sur-Oise |
Os dois anos que Van Gogh passou em Paris representam uma parte importante de sua prolífica carreira. Este período foi marcado por uma transição no estilo artístico do pintor, que se distancia então de uma predominância de coloração escura em suas obras, dando mais luminosidade e expressão a seu trabalho. A mostra inclui trabalhos raramente expostos, onde a maior parte provém de coleções privadas. Estas obras são acompanhadas de outras de seus contemporâneos, como Monet, Pissarro, Toulouse-Lautrec e Gauguin. Essa galeria londrina é uma galeria privada, com espaços de exposição em Londres e New York. É especializada em obras de altíssima qualidade do movimento impressionista, tanto os da época dos princípios desse movimento, quanto os dos artistas contemporâneos.
Sorrow, 1882, Van Gogh |
Sua obra é plena de um realismo que pode se chamar de impressionista e neo-impressionista, e foi ele quem antecipou outros movimentos pictóricos do final do século XIX e começo do XX, como o Fauvismo e o Expressionismo.
Abaixo destaco alguns trechos de suas cartas (são só 4 exemplos escolhidos entre inúmeros outros), onde ele relata sua vida diária desenhando e pintando. Para mim é importante fazer esse destaque sobre Van Gogh, pois nos dias atuais predomina o pensamento de que o artista não precisa mais de técnica e nem “perder tempo” praticando sua arte, desenhando. Mas a história e os mestres estão aí para mostrar que um artista não se constrói de uma hora para outra, nem nasce feito, como um “privilegiado” de Deus. TODOS - sem exceção - trabalharam horas e horas, dias, meses e anos a fio em seu ofício, deixando ao mundo o resultado de seu intenso trabalho: a obra de arte. Hoje, diante delas, em algum sentido, somos profundamente impressionados.
Exemplo 1:
“Bruxelas, 1 de novembro de 1872, Boulevard du Midi.
Andei desenhando estes últimos dias uma coisa que me custou muito trabalho, porém me sinto feliz por tê-la feito; desenhei à pena um esqueleto de uma dimensão grande, em cinco folhas de papel Ingres.
1 folha: a cabeça, esqueleto e músculos.
1 folha: tronco, esqueleto.
1 folha: palma da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: dorso da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: pélvis e pernas, esqueleto.
Fiz esse trabalho a partir de um manual de John: Esboços anatômicos para uso dos artistas. Nesta obra há uma quantidade grande de desenhos das mãos, dos pés, etc, que me parecem muito claros e eficazes.
Agora vou terminar completamente o desenho dos músculos, especialmente do tronco e das pernas, que irão formar, com os desenhos já executados, um corpo humano completo; na sequência, o corpo visto pelas costas e de lado.
Vês, pois, que prossigo com certa energia; mas essas coisas não são tão fáceis e exigem tempo e sobretudo muita paciência.
Esboço para "Marguerite Gachet ao piano", Van Gogh |
Vou tentar, na escola veterinária, conseguir umas reproduções de anatomia, por exemplo, do cavalo, da vaca e do carneiro, e desenhá-las como fiz com a anatomia do corpo humano. Existem leis para a proporção, para luz e sombra, para perspectiva, que devemos conhecer para poder desenhar; se não possuímos este conhecimento, estaremos sempre numa “luta estéril” e não conseguiremos “parir”. É por isso que acredito ter procedido bem quando tive a ideia de desenhar a anatomia e quero me esforçar para, neste inverno, adquirir um bom repertório de anatomia; não posso esperar mais, pois, do contrário, o prejuízo seria maior se eu perdesse meu tempo. Acredito que esta também seja sua maneira de ver. O desenho é uma luta dura e árdua. (...)”
Exemplo 2:
“Bruxelas, janeiro de 1881
Meu caro Theo,
Quase todos os dias tenho algum modelo; um velho contínuo, algum operário, um moleque que eu faço posar. Domingo que vem, talvez eu tenha um ou dois soldados que virão posar. E como agora não estou mais de mau humor, faço de você, e de todo mundo em geral, uma ideia completamente diferente e melhor. Também voltei a desenhar uma paisagem, uma chameca, o que não fazia à muito tempo.
Gosto muito de paisagens, mas gosto dez vezes mais daqueles estudos de costumes, às vezes de uma verdade assustadora, como os de Gavarni, Henri Monnier, Daumier, de Lemud, Henri Pille; Th. Schuler, Ed. Morin, G. Doré (por exemplo, em sua “Londres”), A. Lançon, De Groux, Félicien Rops, etc etc... os desenharam magistralmente.
Agora, sem pretender de forma alguma chegar tão alto quanto eles, continuando contudo a desenhar estes tipos de operários, etc, espero chegar a ser mais ou menos capaz de trabalhar na ilustração de jornais e livros. Principalmente quando estiver em condições de pagar mais modelos, inclusive modelos mulheres, farei ainda mais progressos, sinto-o e sei disso.
E chegarei, provavelmente, também a conseguir fazer alguns retratos. Mas sob a condição de trabalhar muito; sequer um dia sem uma linha, como dizia Gavarni.
Exemplo 3:
Paris, verão de 1987
(...)
Meu querido Théo:
Estou cheio de trabalho, já que as árvores estão florindo e eu queria fazer um pomar da Provença cheio de uma alegria monstruosa. Escrever-te com a mente descansada apresenta sérias dificuldades: ontem te escrevi cartas que em seguida destruí.
Esboço para a tela "Quarto de dormir", Van Gogh |
E encontrei uma coisa graciosa como não se encontra todos os dias.
É a ponte levadiça com um pequeno carro amarelo e um grupo de lavadeiras; um estudo onde a terra é um alaranjado vivo, a grama muito verde, o céu e a água azuis.
Falta-lhe apenas um quadro explicitamente calculado em azul royal e dourado, esse modelo com a bandeja azul e a haste exterior dourada; mas, se necessário, o quadro poderia estar em pelúcia azul; mas vale pintá-lo. Posso te assegurar que o que eu estou fazendo aqui é superior ao da campina de Asnières na última primavera
Estou de novo em pleno trabalho, com pomares sempre florescendo. O ar daqui definitivamente me faz bem; eu desejaria que pudesses respirá-lo a plenos pulmões; um de seus efeitos é muito engraçado: aqui um único copo de conhaque me deixa tonto; assim como eu não posso recorrer a estimulantes para fazer circular meu sangue, pelo menos, minha constituição física não vai de desgastar.
Somente que, desde que estou aqui, tenho o estômago terrivelmente enfraquecido; enfim, isso é um assunto que me pede muita paciência. Este ano espero fazer reais progressos, dos quais sinto uma grande necessidade.
Tenho um novo pomar que está tão bom quanto os damascos rosados e os pêssegos com seu rosa muito pálido.
Entrada para o quarto onde ele viveu, no albergue Ravoux, ainda preservado |
Atualmente trabalho com umas ameixas de um branco-amarelado com mil ramas negras.
Gasto muito com telas e cores, mas mesmo assim espero não estar perdendo dinheiro.
Também ontem eu vi uma tourada, onde cinco homens atormentavam o boi com bandeiras e fitas; um toureiro esmagou um testículo ao saltar a barreira. Era um homem loiro com olhos cinzentos, e com muito sangue frio; disse que ainda tinha um longo tempo. Ele estava vestido de azul celeste e dourado, exatamente como o cavalheiro de nosso Monticelli, que tem três figuras em um bosque. As areias são muito bonitas quando há sol e as multidões.
O mês vai ser difícil para você e para mim, mas seria a nosso favor se você consegue fazer todos os pomares em flor que pode. Agora me sinto muito bem para trabalhar, e me parece que que faltam uns dez sobre o mesmo tema.
Já sabes que sou muito inconstante em meu trabalho e que esta fúria de pintar pomares não durará muito. Além de tudo, virão possivelmente as areias. E tenho que desenhar muito, porque eu gostaria de fazer desenhos no estilo dos japoneses. Não posso fazer outra coisa a não ser bater no ferro enquanto ainda está quente...
(...)”
Exemplo 4:
“Nuenen, dezembro de 1883 - novembro de 1885
“Nos meus novos desenhos, começo as figuras pelo tronco e parece-me que elas adquirem assim maior amplitude e largura. No caso de não bastarem cinquenta, desenharei cem, e se isto ainda não for o suficiente, farei ainda mais, até chegar exatamente onde quero, ou seja, até que tudo fique redondo e que na forma não haja de modo algum nem começo nem fim, mas que se forme um conjunto harmonioso de vida.
Você sabe que é precisamente esta a questão que Gigoux trata em seu livro “Não começar pela linha, mas pelo meio”.
Muntz diz: o modelado é a virtude da arte, e o que ele mudou na frase de Ingres é que Ingres dizia: o desenho é a virtude da arte, acrescentando ‘eu gostaria de assinalar o contorno com um arame’. Herbert também tinha o que ele mesmo chamava de ‘consideração pela linha’.
Há outros ainda que pretendem que todos os dogmas são absurdos enquanto tais. Pena que isto também seja um dogma. É preciso pois limitarmo-nos a fazer aquilo que fazemos, e tentar tirar disso alguma coisa, procurar dar-lhe vida.
(...)
Eis o esboço de uma cabeça que acabo de fazer. Na minha última remessa de estudos, você recebeu a mesma, precisamente a maior delas, mas pintada de uma maneira lisa. Desta vez não estendi minha pincelada, e aliás a cor é totalmente outra. Eu ainda não havia conseguido uma cabeça a tal ponto pintada com terra, mas agora outras se seguirão”.
À esquerda, O Semeador, de Jean-François Millet, 1850 - - - À direita, O Semeador (após Millet), 1889, Van Gogh |
Vincent van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Zundert, Holanda. Tentou ser pastor protestante, como o pai. Chegou a ter como primeira missão pastoral ir para uma região belga de minas de carvão, como pastor dos mineiros e operários que viviam e trabalhavam por lá. Entre 1879 e 1880, Van Gogh viveu em meio a esses trabalhadores que tinham uma vida miserável. Mas logo se viu que Van Gogh não tinha a menor vocação para ser pastor.
Voltou para a casa dos pais, já com 27 anos de idade e dizia-se que ele não sabia fazer nada. Seus pais se inquietavam com aquele filho complicado, cheio de suscetibilidades, e emocionalmente instável.
No natal de 1881 ele teve uma violenta discussão sobre religião com seu pai, que o mandou embora de casa.
Túmulos dos irmãos Vincent e Theo, em Auvers-sur-Oise |
Foi então que seu irmão Theo, mais novo que ele, lhe dá seu apoio e se dispôs a ajudá-lo até o fim da vida. Theodore Van Gogh já estava em Paris, trabalhando, e envia-lhe uma mesada para que o irmão pudesse continuar seus estudos de pintura.
Em 1886 viajou para Antuérpia, matriculando-se na Academia de Arte da cidade. Mas não ficou nem trinta dias lá. Abandonou a escola e foi embora para Paris, indo morar com o irmão. Depois Van Gogh se mudou para Arles, interior da França, onde pretendia juntar os artistas em uma comunidade. Apenas Paul Gauguin se dispôs a segui-lo, em seguida abandonando-o porque com Vincent Van Gogh era muito difícil de conviver. As brigas eram muitas, e em uma delas Vincent cortou a própria orelha.
O temperamento dos dois irmãos era muito diferente e Theo sempre representou, para seu irmão angustiado, o protetor, o confidente, o amigo certo. Durante 10 anos, sem interrupção, Theo enviava a Vincent uma contribuição mensal, além de muitas vezes lhe enviar telas, pinceis e tintas. Sabemos que Van Gogh vendeu apenas uma tela enquanto esteve vivo. Atualmente, o mercado de arte avalia suas telas em milhões de dólares. Já em 1958, 68 anos depois da morte do artista, um leilão em Londres vendeu seu quadro “Jardim público em Arles” por 150 milhões de francos!
Vincent Van Gogh morreu no dia 29 de julho de 1890 em Auver-sur-Oise, na França, há exatos 123 anos atrás. Apenas seis meses depois, Theo também morreu e tinha deixado, como último pedido, uma recomendação de que o enterrassem junto a seu irmão Vincent, o que só aconteceu 24 anos depois, porque a família não possuía condições financeiras para levar o corpo de Theo até Auver-sur-Oise, na França.
VEJA ESTA ANIMAÇÃO FEITA PELO ARTISTA GREGO PETRUS VRELLIS:
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