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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Os pintores de Skagen

Parte do grupo de pintores de Skagen, fotografia de Fritz Stoltenberg
Em minhas buscas pessoais sobre a pintura, boas surpresas vão me chegando de tempos em tempos. Desta vez vieram novamente dos gelados países escandinavos, Noruega, Dinamarca e Suécia. É bom lembrar que a Suécia é a terra do grande pintor Anders Zorn, e a Noruega é onde vive e pinta o grande Odd Nerdrum, de quem já falei aqui em outros textos.

Pintura de Christian Krohg
Mas o assunto do dia é um grupo de pintores que se reuniam todos os verões entre as décadas de 1870 e 1900, para pintar, conversar e se divertir na casa da família de Anna Brondum (ou Ana Ancher, sobre a qual já falei aqui) em Skagen, localizada numa pontinha do extremo-norte da Dinamarca, em frente ao Mar do Norte. Este grupo ficou conhecido como a Colônia de Skagen e sua pintura me atrai bastante a atenção, pelo estilo solto, dinâmico.

Skagen era um bom destino no verão, pois a localização à beira-mar e a luminosidade da estação atraíam esses artistas para pintar ao vento, ao ar livre, como o fizeram os pintores da chamada Escola de Barbizon francesa.

Os pintores escandinavos, insatisfeitos com a rígidas regras tanto da Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes como da Real Academia Sueca de Artes, começaram a mudar seu estilo de pintura, depois de conhecerem alguns dos trabalhos dos pintores franceses que também tinham rompido com sua própria Academia.

Neste grupo estavam: Anna Ancher e Michael Ancher, Peder Severin Kroyer, Holger Drachmann, Karl Madsen, Laurits Tuxen, Marie Kroyer, Carl Locher, Viggo Johansen e Thorvald Niss da Dinamarca; Oscar Björck e Johan Krouthen da Suécia; e Christian Krohg e Eilif Peterssen da Noruega. Nomes totalmente desconhecidos pela maioria de nós que temos acesso apenas aos mesmos conhecidos pintores europeus.

"Autorretrato com Martha", Johansen Viggo
Skagen era também onde se localizava a maior comunidade de pescadores da Dinamarca e eles foram o tema mais comum para os pintores. As longas praias foram também bastante exploradas nas pinturas de paisagens, em especial por Peder Severin Kroyer, um dos mais conhecidos pintores de Skagen. A luminosidade da região o inspirou a fazer grandes telas em que mar e céu parecem se fundir opticamente, como poderão ver nas imagens que ilustram este texto.

Cada um desses pintores tinha seu próprio estilo individual, e não havia uma exigência para aderirem a uma abordagem ou expressão de grupo. Mas obviamente seu interesse comum era pintar a paisagem com seus pescadores, assim como pintavam retratos uns dos outros, suas reuniões, suas celebrações e seus jogos de cartas. Era um grupo de amigos, além de tudo.

Pintores de Skagen,
por Peder Severin Kroyer
Anna Brondum foi a única mulher integrante do grupo de Skagen que se tornou artista, em uma época em que as mulheres não podiam estudar na Academia da Dinamarca. Hoje, o Museu de Skagen, fundado na casa da sua família que era também o local de reunião desses artistas, abriga muitas de suas obras de arte, cerca de 1800 peças no total. Michael Ancher casou-se com Anna, que assumiu seu sobrenome.

O primeiro desses artistas a pintar em Skagen foi Martinus Rorbye (1803–1848), uma das figuras centrais daquele período rico da pintura dinamarquesa. Sua primeira viagem para lá foi em 1833, mas se repetiu até o final de sua vida em 1848. 

Na segunda metade do século XIX, as academias citadas acima se recusavam a mudar suas regras, insistindo que seus alunos continuassem pintando temas de história e do Neoclassicismo. 

Michael Ancher, Karl Madsen e Viggo Johansen que, no início da década de 1870,  estudavam na Real Academia Dinamarquesa, em Copenhague, começaram a se rebelar e se afastar da escola. Madsen, que já havia visitado Skagen em 1871, convidou Ancher para se juntar a ele em 1874, para pintar os pescadores locais. Ancher se tornou amigo da família Brondum, que tinha uma loja com um bar, que logo se tornou também uma hospedaria. No ano seguinte, ele retornou a Skagen com Madsen e Viggo Johansen, que já estavam fortemente influenciados pelo impressionismo francês, mas ao estilo mais realista dos pintores de Barbizon.

Entre 1876 e 1877, vários outros artistas se juntaram a eles no verão, hospedando-se todos na casa dos Brondums, onde Michael Ancher já frequentava, por causa de sua paixão por Anna, com quem se casou em 1880. 

Pintura de Anna Ancher
Anna Ancher demonstrou muito interesse em pintar, depois que esses artistas começaram a ficar na pousada de sua família, onde deixavam suas pinturas secando em seus quartos. Enquanto eles saíam para suas jornadas, ela os estudou detalhadamente. Em 1875 passou a frequentar o ateliê de Vilhelm Kyhn em Copenhague. Mais tarde, Christian Krohg lhe ensinou a arte de pintar pessoas em sua vida cotidiana e fazer pleno uso das cores. Krohg veio pela primeira vez a Skagen no verão de 1878, encorajado por Georg Brandes, que ele conheceu em Berlim e trouxe consigo muito dos novos estilos de pintar que ele havia conhecido na França e Alemanha, influenciando os outros membros do grupo. Seus encontros com a população local também exerceram forte influência em seu próprio trabalho.

Peder Severin Kroyer, que teve contatos próximos com vários artistas impressionistas em Paris, imediatamente se tornou uma espécie de líder do grupo de artistas. Em 1883, ele criou a "Academia da Noite", um grupo que se reunia para pintar e discutir o trabalho um do outro, muitas vezes aproveitando o champanhe. Em 1884, o pintor alemão Fritz Stoltenberg fotografou os artistas que comemoravam no jardim dos Anchers, logo depois que o casal se mudou para sua nova casa. Uma dessas fotos em particular inspirou Kroyer a pintar “Hip, Hip, Hurra!”, que levou quatro anos para completar.

Em 1890, a chegada da ferrovia em Skagen não apenas levou à expansão da vila, mas também atraiu um número considerável de turistas, atrapalhando as reuniões regulares de verão dos artistas, já que eles não podiam mais encontrar acomodações ou locais adequados para suas reuniões. No entanto, alguns deles compraram casas em Skagen: Kroyer em 1894, Laurits Tuxen em 1901 e Holger Drachmann em 1903.

Retrato de Marie, por Peder Severin Kroyer
Anna e Michael Ancher, Kroyer e Tuxen continuaram a pintar em Skagen até o começo do século 20. De vez em quando recebiam visitas dos outros amigos que moravam fora. Drachmann e Kroyer morreram entre 1908 e 1909, e com isso os encontros chegaram ao fim. 

Mesmo assim, outros artistas mais jovens continuaram a ir a Skagen para pintar, como Jorgen Aabye, Tupsy e Gad Frederik Clement, Ella Heide, Ludvig Karsten, Frederik Lange e Johannes Wilhjelm, alguns dos quais se estabeleceram na área até a década de 1930. 

Todos esses pintores foram atraídos pela comunidade de Skagen, suas paisagens marítimas e sua cultura, tudo muito distante dos efeitos da industrialização da vida nas cidades grandes. Todos reconheciam a luz especial que havia em Skagen, e, segundo alguns relatos, os efeitos da areia no ar. Seus estilos de pintura evoluíram da abordagem neoclássica formal da Real Academia para abraçar as tendências européias em evolução no Realismo e Impressionismo, incluindo a abordagem plein air adotada pela Escola de Barbizon. 

"Anna Ancher e Marie Kroyer passeando na praia no fim da tarde",
por Peder Severin Kroyer
Os atraía especialmente a oportunidade de pintar ao ar livre, concentrando-se nas atividades dos pescadores locais e suas modestas cabanas. Na ausência de regras dentro da colônia, os pintores desenvolveram livremente seus estilos individuais. 

Os artistas muitas vezes pagavam aos pescadores para atuar como modelos, complementando seus rendimentos modestos. As obras de Kroyer também incluíam cenas de passeios na praia, noites românticas ao luar e retratos de sua esposa Marie. Com o passar do tempo, Kroyer pintou cada vez mais obras que descreviam a atmosfera especial daquela hora em que a noite se fundia com o mar. Laurits Tuxen pintava as flores em seu jardim e Anna Ancher, por outro lado, concentrava-se nos interiores da sua casa.

Hoje, em pleno funcionamento, o Museu de Skagen - fundado em 1928 na casa da família Brondum - guarda uma grande quantidade de pinturas desse período e onde se pode ver de perto essas obras-primas.

Mais um lugar para eu conhecer, um dia.

Local onde funciona o Museu de Skagen

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Pós-impressionismo: o triunfo da cor

"Mulher de perfil", Aristide Maillol
Os museus parisienses d’Orsay e de l’Orangerie cederam, para exposição nas dependências do Centro Cultural do Banco do Brasil, 75 obras de 32 artistas que teriam buscado um novo caminho na sua pintura, no final do século XIX e começo do século XX.

O título de “pós-impressionismo” foi dado pelo crítico inglês Roger Fry, porque teria identificado uma nova “linguagem estética” baseada no uso intenso da cor. Na verdade é um título genérico para agrupar diversas tendências estéticas que surgiam naquele período. Neste grupo de 32 artistas estão nomes que são identificados também o Impressionismo, como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne, Seurat e Matisse, mais conhecidos do público em geral.

"A italiana", Van Gogh
Sobre a curadoria desta exposição, assim como seus patrocinadores estão: Pablo Jimenez Burillo (da Fundação Mapfre), Guy Cogeval (diretor do Museu d’Orsay e de l’Orangerie) e Isabelle Cahn (conservadora do Museu d’Orsay e especialista em arte da segunda metade do século XIX), e uma parceria com o Musée d’Orsay e a Fundación Mapfre. No Brasil, a mostra conta com apoio do ex-MinC, por meio da lei de incentivo à Cultura, e patrocínio do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre, BB DTVM e Banco do Brasil. Ou seja, apoio de empresas ligadas ao mercado financeiro.

A exposição foi dividida em quatro níveis: 1 - “A ciência da cor”, que apresenta obras inspiradas nos estudos do químico Michel-Eugène Chevreul, que fez estudos sobre a teoria das cores e inspirou a pintura “pontilhista” (feitas com pequenas pinceladas de cores primárias justapostas); 2 - “Núcleo misterioso do pensamento”, que inclui obras de Paul Gaguin e Émile Bernard, onde as cores são de caráter mais simbólico, e podem ser vistos desenhos nos contornos e silhuetas, refletindo também o mundo interior do artista; 3 - “Os Nabis”, uma espécie de ideologia de um grupo de artistas que defendia que a origem da arte é espiritual e a cor transmite estados de espírito; 4 - “A cor em liberdade”, que mostra obras que se inspiram desde a região da Provence francesa à natureza tropical.

Esta exposição oferece ao público brasileiro a oportunidade de ver de perto alguns dos nomes mais conhecidos da arte francesa do século XIX como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Matisse, Cézanne. Mas também estão lá pintores como Georges Seurat, Paul Signac, Pierre Bonnard, Édouard Vuillard, André Derain, Charles Angrand, Georges Lemmen e Félix Vallotton.

"Fritillaires", Van Gogh
Esta exposição mostra como a cor se converteu em “um caminho” que se iniciou com o Impressionismo e continuou até à chamada pintura de vanguarda, caminho este que também desaguou nos diversos “ismos” em que foram enquadrados movimentos estéticos do século XX. Com o surgimento e desenvolvimento da fotografia no século XIX, os pintores se sentiram mais “livres” para fazer suas próprias pesquisas particulares. Até então, uma das grandes funções da pintura era retratar figuras importantes das classes dominantes, mas também pessoas das relações pessoais dos artistas, ou mesmo daqueles que tinham condições de encomendar um retrato a um pintor. Com a máquina fotográfica, esta função transferiu-se para o estúdio dos fotógrafos. Mesmo assim geniais retratistas, como John Singer Sargent, continuaram pintando grandes retratos.

Naquele mesmo século XIX, o pintor francês Gustave Courbet inaugurou uma exposição, em 1855, que denominou: “Du Réalisme”, iniciando um movimento que defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, como observa o historiador brasileiro Carlos Cavalcanti. “O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”. O movimento Impressionista derivou diretamente do Realismo, na visão de diversos autores, indluindo o próprio Cavalcante. Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa, abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

"Colheita em campo de trigo",
Émile Bernard
O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu também se organizar contra as regras da Academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. Entre eles estavam, além de Courbet e Manet: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e a artista Berthe Morissot.

Estes artistas em exposição aqui no Brasil, no CCBB, derivam desta movimentação estética, e até mesmo ideológica, que ocorreu em Paris pós-Revolução Francesa e pós-Revolução Industrial. As artes plásticas do século XX se ramificaram em dezenas de “ismos”, alguns com curta duração e alguns submetidos às diversas conjunturas políticas daquele século. Foram momentos de intensa efervescência criativa, quando eventos muito importantes na história da arte se deram; mas ao mesmo tempo se criou um distanciamento da realidade, que já não era a grande referência, mas sim os mundos interiores dos sujeitos individuais. O desenho se “desconstruiu”, a Luz perdeu lugar para a Cor, o estudo intenso do artista perdeu lugar para a “expressão pessoal” sem critério.

A mostra ficará em cartaz em São Paulo até o dia 7 de julho, e segue depois para o CCBB-Rio de Janeiro onde poderá ser vista de 20 de julho a 17 de outubro.

"A casa", Léo Gausson
"Mulheres de Taiti", Gauguin
"A praia de Heist", Georges Lemmen

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Impressão, sol nascendo

Impressão, sol nascente, Claude Monet, 1972
O Museu Marmottan-Monet de Paris, França, está festejando seus 80 anos expondo uma tela das mais importantes de sua coleção, a obra do pintor Claude Monet, intitulada “Impressão, sol nascente”. Realizada em uma manhã de 1872, ela é considerada uma espécie de “Gioconda” do Impressionismo.


Já faz quase 70 anos que o Museu Marmottan-Monet guarda cuidadosamente esta obra emblemática do Impressionismo, uma pequena tela de 50 x 65 cm que nem mesmo foi emprestada ao museu do Grand Palais para uma retrospectiva magistral que aconteceu em 2010. O Marmottan é um museu de caráter especial, uma vez que é ligado à Academia de Belas Artes e dirigido por um de seus membros, Patrick de Carolis, desde o ano passado (2013). Este museu possui uma especial coleção impressionista, assim como objetos e telas da época napoleônica, obras da Idade Média e do Renascimento, reunidos por diversos de seus doadores que pertenciam às famílias Marmottan, Monet, Wildestein, Morisot, Bellio…


Este quadro em destaque, o “Impressão, sol nascente” deve sua notoriedade às contingências históricas que lhe fizeram preciosa ao longo do tempo, assim como o mistério que envolve sua concepção e sua recepção, pois durante uns 50 anos era considerada com sarcasmo. Exposta pela primeira vez em 1874 no estúdio de Nadar, fotógrafo francês, na famosa primeira exposição “impressionista”, essa obra foi a que inspirou, num crítico de arte do jornal satírico “Le Charivari”, o qualificativo pejorativo de pintura “impressionista”. Louis Leroy, o jornalista, teria dito: “Impressão, eu estava seguro disso. Eu também disse isso a mim mesmo, pois fiquei impressionado, deve haver impressão. (...) Qualquer papel pintado em estado embrionário vale ainda mais do que esta marinha!” Com essa crítica, os artistas do grupo de Monet rapidamente tomaram a si o termo e se autodenominaram “impressionistas”.


A tela foi vendida no mesmo ano em que foi exposta para o colecionador Ernest Hoschedé, e revendida quatro anos depois, valendo quatro vezes menos. Adquirida por Georges de Bellio, ela foi doada em 1940, por sua filha, ao Museu Marmottan. Um ano antes, esse quadro e mais uma dezena de outros da coleção Bellio foi enviada secretamente ao castelo de Chambord, junto com outras obras do Louvre. Era tempo da II Guerra e o nazismo era um perigo em todos os aspectos da vida. Era necessário proteger essas obras. “Impressão, sol se pondo” ficou guardada nesse castelo durante seis anos, e foi enviada ao museu no fim de 1945. Com tanta história, essa tela acabou se tornando um mito. No dizer do crítico Roger Marx, “Impressão, sol nascendo” era "a esfera de fogo que vai para cima ou para baixo em um mar de névoa", e torna-se também, para os historiadores de arte, uma testemunha concreta do nascimento do Impressionismo.


A famosa cena, uma marinha ao alvorecer, foi pintada à beira do Havre, uma vila portuária situada a noroeste da França. William Turner, Eugène Boudin, Johan Barthold Jongkind, Gustave Courbet e o próprio Claude Monet pintaram essa visão matinal com tons crepusculares. “O sol sob a névoa e os mastros dos navios apontando para o alto”, é assim que Monet descreve esta tela 25 anos após sua execução. Os reflexos de um sol gordo, a sensação vaporosa, a luz pulverizada, o contraste entre verdes,cinzas e laranjas, a atmosfera ambivalente do limbo… dão a esta tela o valor de um símbolo de um período, o do Impressionismo, mas que já anuncia o Simbolismo.
Estudos de topografia, de astronomia e dos movimentos das marés e boletins meteorológicos da época, dão, segundo o professor de física e astronomia da Universidade do Texas, Donald W. Olson, a precisa data e hora em que Monet pintou este quadro: 13 de novembro de 1872, em torno de 07:35. Uma grande precisão para uma tela que não é nenhum pouco precisa...

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Tate Britain expõe William Turner

William Turner - The Blue Rigi, 1842 - Aquarela - 29,7 x 45 cm
Joseph Mallord William Turner, um dos nomes mais reverenciados da pintura inglesa do século XIX, está sendo homenageado com mais uma exposição de suas pinturas, no museu Tate Britain de Londres, entre 10 de setembro e 25 de janeiro de 2015.

Quando Turner tinha 60 anos de idade, em abril de 1835, visitou a Dinamarca, a Alemanha e a Holanda. No ano seguinte, foi para a França e Suiça, e em seguida Alemanha de novo, mais a Bélgica e a Itália. Sempre foi um incansável viajante e explorava a Europa como explorava suas pinturas: sozinho, fisicamente fragilizado e desenhando sempre. A esta altura de sua vida já não se preocupava mais com a venda de sues quadros, pois estava cercado de marchands que faziam isso por ele. Sem mais se preocupar com sua sobrevivência, Turner, já com 70 anos, se permitia experimentar, exercitar sua pintura, deixando obras inacabadas, mas sem jamais parar de se aprofundar em suas pesquisas como pintor. 

Ao mesmo tempo, o pintor sofria pesadas críticas, principalmente porque morava junto com Sophia Booth, sem ter se casado. A sociedade inglesa, conservadora demais, não aceitava os excessos de liberdade do artista, em sua vida e em sua obra, e por isso ele sempre era motivo de escândalo para os ingleses. Assim, numa pintura como “Sol poente sobre um lago”, um sol brando se reduz a uma espécie de bola esmagada, como uma goma de mascar, enquanto que “Praia de Brighton”, que abre a exposição do Tate reduz a paisagem marinha a quatro retângulos e uma área plana de cores batidas anunciam o “Impressão: nascer do sol” de Claude Monet, trinta anos mais tarde.

Obviamente em 1843 ainda não havia surgido a pintura abstrata. O próprio termo não significava nada e era impensável para um pintor da geração de William Turner. Ele se fixava sempre no mundo a seu redor, assim como nas pesquisas em sua pintura. Pintou desde mitos greco-romanos até as cerimônias religiosas de Veneza, os fenômenos naturais e as paisagens de seu país, como se fizesse tudo explodir em luz e cores.

Mesmo em idade avançada, Willian Turner continua desenhando com minúcia desde cenas bíblicas a paisagens. Já usava óculos de grau para poder enxergar melhor e desenhar, mas a imprecisão da vista já cansada leva-o a experimentar ainda mais a luz e a cor em seus quadros, feitos a óleo ou em aquarela. Romântico puro, ele coloca seus sentimentos pessoais sobre o mundo real. E pinta. 

Até sua morte, em 1851, Turner buscou a luz, e a descobriu muitas vezes.

Algumas das obras que estão expostas no Tate Britain:

William Turner - Ancient Rome; Agrippina Landing with the Ashes of Germanicus, 1839
- óleo sobre tela, 91,4 x 121,9 cm

William Turner - Goldau, with the Lake of Zug in the Distance - estudo feito por volta de 1842-3, caneta, aquarela, lápis - 22,8 x 29 cm

William Turner - Fishermen on the Lagoon, Moonlight, 1840 - aquarela, 19 x 28 cm

William Turner - Returning from the Ball (St Martha), 1846 - óleo sobre tela, 61 x 92,4 cm

William Turner - The Visit to the Tomb, 1850  óleo sobre tela, 91,4 x 121,9 cm


William Turner - Peace, Burial at Sea, 1842 - óleo sobre tela, 87 x 86 cm

segunda-feira, 21 de julho de 2014

À maneira de Degas - I

Para comemorar os 180 anos do nascimento de Edgar Degas, um dos grandes artistas franceses do século XIX, contemporâneo dos pintores impressionistas, trago aqui um resumo do que sobre ele disse o poeta Paul Valéry em seu livro “Degas dança desenho”, publicado em 1938. Edgar Degas - registrado como Hilaire Germain Edgar de Gas - foi um pintor, desenhista, gravador e escultor francês, nascido em Paris em 19 de julho de 1834.


"Autorretrato com jaqueta verde", Degas, 1855
Valéry, logo no início do livro, explica que não pretende escrever exatamente uma biografia de Degas, pois “o que me importa em um homem não são os acidentes, nem seu nascimento, nem seus amores, nem suas tristezas, nem quase nada do que é observável pode me servir”. Assim como também não pretendo, com este resumo, dirigir meu olhar para esses detalhes de sua vida pessoal, coisa que já foi feita antes aqui neste blog e que pode ser lido aqui.

Meu recorte é coerente com meu pensamento sobre arte. Pincei do texto de Paul Valéry aquilo que pode reforçar a minha visão sobre o pintor e sua obra, no sentido de que ela pode ficar mais compreensível com esses adendos retirados do texto do poeta francês. O recorte também vem do prazer que sinto em saber que Edgar Degas caminhava no mesmo sulco daqueles que se inspiravam no caminho dos grandes mestres.

Degas, o pintor, era absolutamente voltado para seu ofício, que era praticamente o único objeto “de seus pensamentos”. Valéry mostra, em diversos momentos, como nessa sua atitude de profundo devotamento ao caráter mais “científico” do fazer artístico, ele se tornara indócil às críticas, às teorias e aos modismos e superficialidades que já se faziam presentes em seu tempo. Não tinha a menor vontade de agradar a quem quer que fosse. Conhecia muita gente, mas faltava-lhe paciência para contatos sociais, pois era “grande polemista e argumentador terrível, particularmente excitável sobre assuntos de política e de desenho”. Chegava mesmo a ser conhecido como uma pessoa “intratável”, apesar de ter lá seus momentos “encantadores”.


Desenho de Edgar Degas
Seu ateliê, quando Valéry o conheceu, era um cômodo comprido, cheio de janelas de vidro em um dos lados, vidros sujos de poeira, que a luz externa atravessava. O ambiente era um amontoado de coisas úteis a um pintor: cavaletes com desenhos a carvão, uma bailarina de cera, uma mesinha estreita repleta de caixas, frascos, lápis, pedaços de giz pastel e todo tipo de “coisas sem nome que sempre podem servir”. Observando aquela “bagunça” abençoada, Paul Valéry reflete:

“Ocorre-me por vezes de achar que o trabalho do artista é um tipo muito antigo de trabalho; o próprio artista é uma sobrevivência, um operário ou artesão de uma espécie em vias de extinção, que fabrica fechado em seu quarto, usa procedimentos muito pessoais e muito empíricos, vive na desordem e na intimidade de suas ferramentas, vê o que quer e não o que o cerca, usa potes quebrados, sucata doméstica, objetos condenados…”


Pintura de Degas
E mais à frente:

“Até aqui, o acaso ainda não foi eliminado dos atos; o mistério, dos procedimentos; a embriaguez, dos horários; mas não garanto nada.” Em relação ao que viria a ser o futuro, quando essa ideia de artista-artesão foi se tornando uma raridade...

No fim de sua vida, Degas ficou cego. Vivia num apartamento cuidado por uma velha empregada e se alimentava de comidas quase sem tempero, pois temia as obstruções intestinais. Seu quarto dava a impressão, conta Valéry, de que o pintor não ligava para mais nada na vida, com móveis velhos, uma escova de dente ressecada em um copo. Degas idoso vestia calças largas, sempre abertas na frente, calçava chinelos. “Ei-lo velhote nervoso - conta o poeta - quase sempre sombrio, por vezes sinistro e tristemente distraído, com recargas repentinas de furor ou de espírito, impulsos ou impaciências infantis, caprichos…” E cego.

Edgar Degas participou do movimento “naturalista” que influenciou a cultura francesa do seu tempo. Era do círculo de escritores como Émile Zola, Edmond de Goncourt, Louis Edmond Duranty e Théodore Duret. Do seu lado, era um desenhista incansável, insistente, exigente consigo mesmo. Adorava o trabalho tanto de Jean Dominique Ingres como o de Eugène Delacroix. Explorava com seus olhos atentos e seus lápis precisos o “espetáculo da vida moderna”. O fervilhar de interesses que tomava conta da Paris daqueles tempos era acompanhado de perto por ele.


Desenho de Degas
Um outro poeta, Stéphane Mallarmé, fazia parte do círculo de relações de Degas. Os dois eram absurdamente diferentes: enquanto Mallarmé era uma personalidade doce, afetuosa, educada, Degas era deliberadamente duro, direto, bruto. Mas falava de Mallarmé de forma amável.

Quanto a Ingres, Degas não admitia críticas a seu trabalho, pois era para ele um gênio. Vivia repetindo frases que ouvira de Ingres:

- “O desenho não se encontra fora do traço, está dentro dele…”
- “Deve-se perseguir o modelado como uma mosca que corre sobre uma folha de papel.”
- “Os músculos são meus amigos, mas esqueci seus nomes.”
- “Faça linhas… Muitas linhas, ora de memória, ora de observação da natureza”.


Mais de Valéry sobre o desenho:

“Há uma imensa diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando-a.

“Ou melhor, são duas coisas muito diferentes que vemos. Até mesmo o objeto mais familiar a nossos olhos torna-se completamente diferente se procurarmos desenhá-lo: percebemos que o ignorávamos, que nunca o tínhamos visto realmente. (...)

“(...) Não posso tornar precisa minha percepção de uma coisa sem desenhá-la virtualmente”.


Estudo de uma bailarina
A pintura de paisagem jamais seduziu Edgar Degas. “As raras que fez executou em seu ateliê e totalmente de memória”, diz Paul Valéry. Era o tempo em que os pintores impressionistas haviam abandonado seus ateliês e iam para o campo para pintar as paisagens e registrar a influência da luz do sol em diversos horários do dia, em diversas estações do ano. Como o fez Monet, Manet e tantos outros. Degas não; seu modo de vida e de ver a vida e a arte não combinavam com essas aventuras impressionistas ao ar livre.

Valéry, em diversos momentos em seu livro, explicita sua opinião sobre a pintura, que convergia para as opiniões de Degas. Para eles, “sensibilidade” e “técnica” possuem uma relação íntima e recíproca, uma não podendo abrir mão da outra. Elogia o modo tradicional de lidar com o ofício de artista-artesão: era preciso conhecer TUDO, todas as estruturas do trabalho. E criticava: quanto menos se estuda profundamente a parte técnica da pintura e do desenho, menos invenção e criação, pois isso significa “o abandono da ação do espírito na pintura em favor do divertimento instantâneo do olho.” Já no tempo de Degas e Valéry artistas se afastavam do esforço da boa execução de uma obra. Qualquer esforço para uma pintura simples os “exaure”, denuncia Valéry... 

Nada mais contemporâneo!


(continua num próximo post)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte II

Círculo Cromático com a divisão feita por Isaac Newton, com 7 cores
As descobertas de Isaac Newton sobre a Luz e, em especial, seu Círculo Cromático de sete cores tiveram um impacto grande sobre a época dele, e influiu na fabricação artesanal de pigmentos não somente para a pintura artística, mas também para o tingimento de tecidos.

Mas em 1807, o físico inglês Thomas Young (1773-1829) observou que não é necessário juntar todas as 7 cores do espectro de Newton para conseguir a luz branca. Apenas 3 eram necessárias. Ele descobre as 3 cores primárias da Luz - VERDE - VERMELHO - AZUL - enquanto estudava os receptores sensoriais do olho humano. Ele achava que no olho os receptores capazes de criar qualquer tipo de cor eram de apenas 3 tipos: verde, vermelho e azul. Foi preciso muito tempo depois para que esta hipótese fosse confirmada em experimentações no olho humano, que mostraram 3 tipos de cones na retina: um sensível ao verde, outro ao vermelho, outro ao azul. Young previu que os diferentes comprimentos de ondas da luz tinham uma ação direta na sensibilidade dos cones.

Mas com o avanço da pesquisa científica, não só na área da Física da Luz mas principalmente da Biologia do corpo humano, a intuição de Young foi confirmada. Existe no olho humano 3 tipos de cones, cada um receptivo a três comprimentos de ondas de luz referentes às cores Verde, Vermelho e Azul.


Vermelho, Verde, Azul:
as cores que nossos olhos captam através
dos cones S, M e L
Os cones são pequenas células presentes no fundo do olho. São cerca de 7 milhões de células que nos servem para a visão diurna e para diferenciar as cores do mundo à nossa volta. Eles são menores em tamanho do que os bastonetes, que existem em cerca de 120 milhões em nossos olhos e são muito sensíveis à luz. Os bastonetes nos permitem enxergar em lugares com pouca luz, pois são 100 vezes mais sensíveis à luminosidade do que os cones. Eles não são sensíveis às cores, mas às gradações de Cinza e seria por isso que em lugares escuros conseguimos identificar a forma das coisas, e não suas cores.

Mesmo sendo menos sensíveis à luz, os cones distinguem as diferentes cores. Mas precisam da luz para distinguir uma cor da outra. Seriam, como dissemos, de três tipos: os cones “L”, sensíveis ao Vermelho (580 nm); os “M”, sensíveis ao Verde (545 nm); os S, sensíveis ao Azul (440 nm). 

O pigmento Azul absorve sobretudo os raios visíveis de ondas de comprimento mais curto, enquanto o Verde e o Vermelho, seriam ondas médias e longas em comprimento. O símbolo “nm” significa Nanômetro, que é uma sub-unidade do metro e tem sido usado para medir os diversos comprimentos de ondas do espectro da Luz. Abaixo um modelo de espectro da luz visível ao olho humano.

Sínteses aditiva e Subtrativa


Síntese Aditiva - a mistura das
3 cores primárias cria cores mais claras
A Síntese Aditiva é quando juntamos 3 cores para formar uma nova cor. Mas isso em relação à Cor-Luz (para usar a distinção feita por Israel Pedrosa em seu livro “Da Cor à Cor inexistente”). Se juntamos a luz de 3 projetores com as 3 cores primárias (Vermelho, Azul e Verde) teremos como resultado a cor branca, pois uma das regras dessa forma de cor é que quando misturamos uma cor-luz primária com outra isso dará como resultado uma cor mais clara. 

A Síntese Aditiva é o que faz funcionar os spots e projetores coloridos do teatro, por exemplo, assim como monitores de computador, televisores, scanners, etc. São as nossas conhecidas cores industriais do padrão RGB (Red, Green e Blue). 

Na Síntese Subtrativa, que nos interessa mais, aos pintores, ocorre o inverso. Israel Pedrosa chama às cores físicas de Cor-Pigmento, para distingui-las da Cor-Luz. Aqui a fonte de luz é o branco da superfície da tela, ou do papel. O Branco é o Valor mais alto da escala cromática baseada na Síntese Subtrativa. Cada pincelada de pigmento colorido que damos sobre a tela branca vai SUBTRAIR dele uma certa quantidade de luminosidade. Daí o “Subtrativa” do nome. Aqui a sobreposição de pigmento Azul em cima do pigmento Amarelo vai criar uma nova cor, o Verde, como já sabemos desde as aulas de educação artística mais básicas da nossa escola primária.


Síntese Subtrativa - a mistura das 3 cores
primárias cria cores mais escuras
Notamos que além de subtrair ao Branco da tela ou do papel sua luminosidade quando damos uma pincelada azul, por exemplo, no momento em que damos uma pincelada amarela também subtraímos ao azul um pouco da sua luminosidade. Então o Verde - resultado da mistura - seria uma Cor de valor ainda mais baixo que o Azul, ou mesmo que o Amarelo. Ao contrário da Síntese Aditiva, aqui se misturamos as 3 cores primárias teremos como resultado uma cor quase negra.

As três cores primárias na Síntese Subtrativa são Vermelho, Azul e Amarelo.

Nos dois casos, a mistura em diferentes proporções entre as cores primárias geram todas as outras cores visíveis.

Ainda fazendo um paralelo com a indústria das cores, aqui temos a nossa palheta CMY (Cyan, Magenta e Yellow) que na indústria gráfica recebeu uma quarta letrinha, o K (de preto). Então CMYK. 
A Síntese Subtrativa atinge todas as misturas de pigmentos coloridos usados na pintura artística, na tintura de tecidos, na impressão em geral.

Mas o resultado de tantos estudos sobre as cores tem dado origem a uma infinidade de textos, de pesquisas e experimentações de toda ordem. 

As cores primárias na Pintura

Desde o Renascimento os pintores são familiarizados com essa divisão formada pelas Cores Primárias e pela Cores Secundárias. As primárias, lembrando, são: Azul, Amarelo e Vermelho; as 3 cores secundárias são Laranja, Violeta e Verde. Abaixo um modelo do círculo cromático baseado nas cores primárias. Pode-se ver suas complementares: o Verde do Vermelho; o Laranja do Azul e o Violeta do Amarelo.


Círculo Cromático com as 3 cores primárias e as 3 secundárias

A partir da simples mistura entre as 3 cores primárias, é possível se criar qualquer outra cor. Fala-se da palheta, restrita quase às primárias, usada por Leonardo da Vinci (1452-1519), mas ainda hoje alguns pintores mais metódicos escolhem continuar pintando a partir das primárias mais o Branco e o Preto. 

Eu mesma passei por esta experiência num curso intensivo de pintura no Atelier Decinti Villalón em Madrid, Espanha, em 2013. Lá, usei o Preto de Marfim, o Branco de Titanium, mais o Amarelo de Cadmium médio, o Vermelho de Cadmium e o Azul Ultramar junto com o Cerúleo. Ou seja, a ideia é baseada numa palheta de cores primárias, mas rigorosamente eu teria que ter usado as primárias puras. 

Aqui uma pausa para explicar que quando compramos um tudo de tinta a óleo numa loja especializada, se observamos o tubo podemos encontrar códigos que devem ser muito levados em conta pelos artistas. Esses códigos seguem um padrão internacional de mistura de pigmentos e são formados por 2 letras seguidas de 1 ou 2 números. Por exemplo: 

PW = Pigmento Branco
PO = Pimento Laranja
PB = Pigmento Azul
PBr = Pigmento Marron
PV = Pigmento Violeta
PY = Pigmento Amarelo
PR = Pigmento Vermelho
PG = Pigmento Verde
PBk = Pigmento Preto

Por exemplo, o PW1 é o Branco de Prata, PW4 é o Branco de Zinco e assim sucessivamente. Esses números correspondem aos elementos químicos que compõem aquela cor particular.

Neste sentido, as cores primárias exatamente teriam que ser o Amarelo de código PY3, PY74 separados ou juntos. O Vermelho seria o PR122 e o Azul seria o PB15 ou PB15+PB16. Complicado demais? Sim, porque é muito difícil encontrar esses cromas puros no mercado. Teríamos que pesquisar loja por loja. E como hoje em dia a indústria de pigmentos oferece uma gama imensa de possibilidades de cor, encontramos mais facilidade em criar palhetas cada vez com mais cores mais variadas e desorganizadas. Diz-se que os grandes mestres nunca tiveram uma palheta com mais de 12 cores. (Se alguém quiser ter mais informações sobre esse mundo rico dos pigmentos e de toda a química ligada à pintura, pode acessar o site da Cozinha da Pintura, do pintor e pesquisador Márcio Alessandri).

(Continua)


A indústria química oferece uma gama imensa de pigmentos que artistas
ainda compram para fabricar suas próprias tintas



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte I

"A última viagem do 'Temerário' a seu ancoradouro para ser destruído",
de William Turner, óleo sobre tela, 1839, 91 x 122 cm

Tudo o que vemos do mundo, vemos por causa de um único fenômeno físico: a Luz. A frequência de ondas do espectro eletromagnético numa determinada escala nos permite perceber o mundo e todas as coisas que fazem parte dele. Ao contrário disso, tudo seria a mais completa escuridão, o Nada mais intangível. Portanto a Luz cria a matéria, da qual somos parte, da qual temos consciência e com a qual percebemos tudo ao nosso redor. E o mundo se abre em cores para todos nós.


Sem Luz não existe Cor. Tudo o que podemos ver do mundo, é possível de ser visto por causa dessa relação estreita entre as cores e a Luz, uma relação de caráter tão profundo que ainda hoje nos esforçamos para compreender que as diferenças entre os azuis, os amarelos, os verdes e os vermelhos acontecem nessa sintonia direta com a Luz, com a proximidade a ela ou com o distanciamento dela. Um Azul mais próximo da Luz tem um VALOR mais alto, ou seja é um Azul como o Celeste. Por outro lado, o Azul mais distante da Luz, mais próximo da sombra mais profunda, tem seu VALOR mais baixo, como o Índigo, o Ultramar, os azuis profundos, escuros, quase negros.


Um quadrado azul pode ser visto porque há uma fonte luminosa que ilumina mais um de seus lados, e vai perdendo luminosidade em outros, gerando outros valores de azuis, até que em algum ponto de contato com a terra, a ausência de luz gere a sombra maior.


Isso tudo parece óbvio. Mas seu estudo é das coisas mais profundas que há no mundo! Como este é um dos temas do meu mais amplo interesse nos dias atuais, tenho lido e estudado bastante sobre o tema. O resultado dessa pesquisa, irei colocar aqui neste Blog, dividido em partes, para que não seja um texto longo e cansativo demais.


Em 1987 comprei, e li todo de uma vez, um livro muito importante sobre o assunto das cores, o “Da cor à cor inexistente” de Israel Pedrosa. Fiquei fascinada com minhas descobertas, através dele, de que as cores se comportam de forma diferente, de acordo com a vizinhança, com o contexto. Não só pelo contexto luminoso, da fonte luminosa, mas pelo contexto da matéria presente e em interação.


Aurora boreal no norte europeu
Em 1998, fiz um curso de Cosmologia com o astrônomo Amâncio Friaça, da USP. Acompanhei as aulas do professor durante quatro anos e boa parte delas se dedicaram ao estudo da Luz, trazendo as mais novas descobertas da ciência sobre o assunto, mas também os mais antigos textos e tratados sobre a Luz, que vem desde os antigos gregos, entre eles o principal, Aristóteles.


Mas Amâncio Friaça também nos apresentou estudiosos do século XIII, em especial Robert de Grosseteste, um monge franciscano que foi professor da Universidade de Oxford. Em sua obra “De Luce”, Grosseteste apresenta a Luz como a origem de todas as coisas: a luz visível, o calor, a matéria. Ele se interessou muito pelo estudo do arco-íris e estudou os raios solares diretos e indiretos, com o uso de espelhos e pequenas lentes. Estudou também o fenômeno da refração da luz através de um recipiente esférico cheio de água. Mas o monge franciscano foi mais longe e escreveu um tratado intitulado “De colore”. Foi ele um dos primeiros a distinguir o Branco do Preto, no sentido de Branco como “Luz Clara” e de Preto como “Luz Escura”. Além disso, para cada Cor - e ele falava de 7 cores fundamentais - Robert de Grosseteste observava uma relação direta com a luminosidade no sentido de haver um azul escuro e um azul mais claro. Mais uma vez: a isto se chama Valor.


Mas os estudos sobre a Luz e a Cor vêm de ainda mais longe: da Grécia antiga e seus grandes filósofos, os pais da filosofia ocidental. Entre eles Aristóteles, que influenciou o pensamento europeu durante toda a Idade Média. Ele falava sobre uma “qualidade sensível” como uma atividade da sensação: por exemplo, a vista enxerga a cor, o ouvido ouve o som… Ou seja, a sensação “afirma” a verdade sobre cada coisa: a visão não se engana sobre o Branco. O erro só começa a existir quando a inteligência afirma que tal ou qual objeto é branco. Porque ao conhecimento sensível - advindo dos sentidos - se junta o “conhecimento intelectual”, que vê além da forma do objeto, vê “com a mente”.


Em seus estudos sobre Claridade e Obscuridade, Aristóteles já assentava as bases para o estudo da Cor. Em sua época, as cores eram classificadas por sua luminosidade variante entre o Branco e o Preto. E esse pensamento foi dominante durante todo o período da Idade Média, influenciando profundamente os pintores, inclusive os da Renascença. Essa relação Claridade X Obscuridade era tema muito mais importante do que estudar as outras cores de forma particular, inclusive porque adquirir pigmentos de cores diversas era coisa muito difícil até o Renascimento. Ainda na Idade Média, conceitos como “Lux” e “Lumen” eram o centro do interesse dos estudiosos sobre a Luz. Se dizia que a Luz, em sua dupla natureza, se dividia em: LUMEN - a fonte luminosa de origem divina (a luz do Sol era um símbolo de Lumen); e LUX, a luz no sentido mais sensorial e perceptivo (como a luz emanada pela chama do fogo). Umberto Eco também escreveu sobre o tema no livro “Arte e Beleza na Estética Medieval”, do qual também falarei nesta série sobre as cores.


Os pintores do Renascimento foram formados dentro destas concepções sobre a Claridade. Lembre-se que na época, as pessoas de maior destaque e que mais representam o espírito daquele tempo, tinham grande formação Humanista, tendo estudado inclusive as chamadas Artes Liberais, que eram divididas em dois graus: o Trivium e o Quadrivium (este também foi tema nas aulas do professor Amâncio Friaça). Do Trivium faziam parte os estudos de Gramática, Dialética e Retórica; e do Quadrivium: Aritmética, Música, Geometria e Astronomia. Então esses pintores pintavam com a compreensão perfeita sobre o conceito de Valor. Ou seja: utilizavam as cores não como matizes determinados que deveriam ser aplicados a um objeto, mas as utilizavam em SUA RELAÇÃO com a Luz, de proximidade ou de distanciamento (Valor Alto para a proximidade, Valor Baixo para a distância). É importante que fique claro este conceito de Valor e sua relação com a Luz.


Dentro daquela forma inicial de pensar - relação Claridade X Obscuridade - somente duas cores eram fundamentais: o Branco e o Preto. A partir delas, as outras cores nada mais seriam do que misturas muito precisas entre as duas primárias. Claro que hoje, como pensamos, o Branco e o Preto nem são considerados, a rigor, cores; mas na antiguidade o Branco era um Amarelo extremamente brilhante e o Preto era o mais escuro dos Azuis. Abaixo, uma primeira classificação das cores, tendo como base o pensamento de Claridade e Obscuridade. Do lado esquerdo o Branco, denominado “Luz clara”; do lado direito, o Preto, a “Luz escura”. Entre elas, uma escala de 5 cores. Esta classificação já tem origem em Aristóteles e se distingue pela sua variação em termos de luminosidade.

À esquerda, o Branco, a "luz clara". À direita, o Preto, a "luz escura".

Esta escala de cores pode também ser comparada - e pode ter surgido desta observação - com a luz do dia: do ponto mais luminoso do sol, ao meio-dia, a luz vai se movimentando em direção à noite mais escura e a natureza vai assumindo essas colorações. Seria a ordem natural do movimento da luz no dia. Mais uma vez: o importante deste ponto de vista é que a noção de Claridade é mais importante do que a noção de diferença entre cores separadas.


No começo do século XIV, as teorias sobre a cor iam tomando corpo, com mais estudos que iam sendo feito, seja por artistas, por filósofos, por físicos. Os artistas, por causa de seu ofício, já tinham uma boa noção sobre a mistura das cores e logo se descobriu que todos os matizes poderiam ser obtidos a partir de 3 cores, 3 pigmentos primários: o Azul, o Amarelo e o Vermelho. Conta-se que Leonardo da Vinci usava uma palheta com as 3 cores primárias mais o Azul Índigo e o Verde.


As cores primárias para os pintores de hoje são as mesmas desde a Renascença e nosso círculo cromático, como o conhecemos, vem desse período. O Círculo Cromático básico para qualquer artista é formado pelas 3 cores primárias (Azul, Amarelo e Vermelho) e suas 3 cores secundárias (Laranja, Violeta e Verde).


As pesquisas de Newton


No século XVII, Isaac Newton (1643-1727) - físico, filósofo, matemático e astrônomo inglês - apresentou o primeiro círculo cromático baseado em seus estudos físicos da Luz. Observando a refração da luz branca ao atravessar um prisma de cristal ele viu sair do lado oposto raios coloridos como as cores do arco-íris. Ele demonstrou cientificamente que a luz branca, ao se decompor, se espalha em raios coloridos que, se forem novamente juntados, geram uma luz branca.


Isso foi uma grande revolução no pensamento da época. A partir daí, sabemos que as cores são elementos constitutivos da luz e uma diferença importante se estabeleceu: não mais classificamos as cores com critérios de Valor (Luminosidade) mas com critérios de Matiz (o nome da cor). Passamos a falar “Cor” como sinônimo de “Matiz”. E a tratar as cores de forma estanque, sem relação clara e direta com a Luz. Talvez fique mais fácil de compreender a diferença entre Cor e Matiz, para nós já tão viciados em confundir uma coisa com a outra, se buscamos estas palavras em outra língua. Vamos ao francês. Em francês, “Cor” é “Couleur”, que significa a impressão na retina da luz refletida pelos objetos. Já para “Matiz”, temos “Teinte”, que significa a nuance produzida pela mistura de pigmentos. Em inglês seria “Hue”, que tem a ver com a intensidade/saturação de uma determinada cor (color).


Isso parece pouco, mas trouxe grande influência nas artes e mais tarde os Impressionistas vão experimentar até o limite essas noções de relações entre os matizes. Podemos acrescentar que também influenciou as concepções a respeito da “cor local” de um objeto que sofre a influência não somente da relação Claridade x Obscuridade, mas também dos matizes do entorno do objeto. Vale ressaltar que o conceito Claridade x Obscuridade tem atravessado os tempos no mundo das Belas Artes - mesmo que perdesse importância durante alguns períodos - e hoje existe um movimento bastante interessante de retomada da pintura mais “valorista” - que tem relações com a Luz. Com a qual me identifico.


Voltando a Isaac Newton. Ele propôs uma classificação de cores sob a forma de um círculo cromático, com 7 cores: Violeta, Azul Índigo, Azul Celeste, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho. Ele escolheu as 7 cores para fazer uma comparação com as 7 notas da escala musical. Ele desejava que a harmonia, presente nas notas musicais, também estivesse presente na representação de seu círculo cromático. Mas sua intuição foi depois considerada uma escolha genial, pois permitiria todas as possibilidades de misturas de cores.

(Continua)


A palheta de cores do pintor francês Eugène Delacroix
Museu Delacroix - Paris - Foto: Mazé Leite - 2011