As pinturas de Mikhail Vrubel foram umas das maiores inspirações para os artistas da vanguarda. Vrubel, artista talentoso e trágico, conseguiu transmitir sua complexa vida interior através de seu trabalho incomum.
"Demônio derrotado", Mikhail Vrubel, 1902, Galeria Tretyakov |
Mikhail Vrubel, 1898 |
Ele começou a frequentar aulas de desenho e pintura com 8 anos de idade, em Saratov, inicialmente. Em Odessa, concluiu sua educação escolar e depois entrou na Universidade de São Petersburgo, como aluno do curso de Direito. Paralelamente, frequentava aulas na Academia de Belas-Artes onde se tornou amigo de Valentin Serov, mais de dez anos mais velho.
Assim como seu pai, após se formar em Direito foi servir ao exército, mas trabalhando na administração da marinha. Mas era insuportável para ele a rotina diária de trabalho na marinha. Largou tudo e entrou para a Academia. Logo seus mestres perceberam seu estilo pessoal e interpretação original de temas clássicos. Assim como Ilya Repin e Vassily Surikov, estudou com o mestre Chistyakov, grande desenhista e admirador do pintor italiano Mariano Fortuni.
O método de ensino de Chistyakov, dentro da Academia e sendo ele mesmo um artista acadêmico, era o de dar liberdade individual para cada aluno. Segundo Camilla Gray, enquanto Repin seguia um caminho mais realista, Mikhail Vrubel mantinha seu estilo próprio, muitas vezes discordando dos pontos de vista dos colegas que consideravam a arte como uma forma de retratar a vida real:
Autorretrato, 1885 |
Gray também diz que Vrubel passou a estudar a teoria estética do filósofo alemão Kant, ele que era um leitor ávido dos livros clássicos, que lia em latim, língua que ele dominava, coisa rara na Rússia.
Em 1884, foi para Kiev, a convite do professor Andrian Prakhov, para trabalhar na restauração de ícones e de afrescos antigos e criar novas composições para a igreja de São Cirilo, que havia sido construída no século XII. Por causa desse trabalho, passou um ano e meio na cidade italiana de Veneza estudando a arte dos pintores medievais, onde descobriu a cor dos pintores venezianos e se impressionou muito com elas. Na volta a Kiev, usou estes conhecimentos para criar quatro ícones para a igreja.
Ícone de Nossa Senhora, Mikhail Vrubel, igreja de São Cirilo, Kiev |
Andrian Prakhov também o convidou para criar pinturas para a catedral de São Vladimir, construída em 1882. Prakhov reuniu uma equipe de pintores, incluindo Vrubel. Este dedicou bastante tempo fazendo esboços e estudos para as pinturas de parede, como “Ressurreição”, “Lamento” e “Anjo com a vela”. Mas seus esboços não foram aprovados pela comissão da igreja, que consideraram suas obras muito incomuns e sem correspondência com os cânones ortodoxos. Dizem alguns especialistas que, se as pinturas de Vrubel tivessem sido aprovadas, a catedral teria um aspecto muito diferente, “mais místico”, “mais cósmico”.
Seus biógrafos contam que ele foi demitido da equipe do professor Prakhov porque tinha se apaixonado pela esposa deste (conta-se que ele usou ela, Emilia, como modelo para pintar o ícone de Nossa Senhora na igreja de Kiev). Foi imediatamente substituído por outro grande pintor, Victor Vasnetsov. Mas entristecido, Vrubel pediu a Prakhov que pelo menos o deixasse fazer os trabalhos mais simples; então apenas alguns ornamentos dessa catedral foram pintados por ele. E seu nome nem mesmo aparece na lista daqueles que trabalharam na pintura da catedral…
"Anjo com a vela", Mikhail Vrubel, esboço para a catedral de São Vladimir, 1887 |
Em 1885 foi para Odessa, mas não encontrava quem lhe encomendasse nada e passava grande necessidade. Seus problemas mentais começaram a se intensificar, o que também interferiu para ser rejeitado na equipe principal de pintores. Esses sintomas se agravavam em diversos períodos e ele, que era profundo admirador da imagem de Jesus Cristo, passou a ter uma espécie de atração e obsessão, que foi crescendo ao longo de sua vida, pela imagem do Demônio. Satanás foi o tema dominante em numerosas de suas obras.
Em seu período de Kiev, também pintou um autorretrato, “O conto oriental” e “Retrato de uma menina contra um tapete persa”, entre outras obras. Nestas pinturas, vê-se como ele era hábil com cores saturadas e com motivos florais. Seu modo de trabalhar era de forma muito concentrada. a Pintura era sua vida, mesmo em tempos de grande carência de recursos.
Em 1889 se mudou para Moscou.
Em 1890, seu amigo Valentin Serov o apresentou a Savva Mamontov, na mansão de Abramtsevo, coisa que significou uma “virada na vida artística de Vrubel”. Criou vários cenários para o teatro de Mamontov, como o pano de fundo “Noite na Itália”. Em 1890 passou a fazer esculturas em cerâmica sobre temas da mitologia russa e eslava. Ele passou a ser o chefe da oficina de cerâmica de Abramtsevo. Mamontov o convidou para acompanhá-lo em uma turnée pela Europa, passando por Roma, Florença, Veneza, Milão e Paris. Nesta viagem, Vrubel pintou algumas aquarelas, técnica que dominava muito bem e que usou para fazer inclusive retratos.
Em 1896, Mikhail Vrubel se casou com a cantora de ópera Nadezhda Zabela. A beleza de sua esposa lhe inspirou uma série de obras, e seu rosto pode ser reconhecido em obras como “Hansel e Gretel” (1896), “Princesa Volkhova” (1898) e “A princesa e o cisne” de 1900.
"Hamlet e Ofélia", Mikhail Vrubel, 1884 |
Seu estado emocional era sempre instável. Sofria alterações de humor, se irritava facilmente, suas reações emotivas eram dramáticas. Em 1901, sua saúde mental foi piorando e, avaliado pelos médicos, estes concluíram que ele era “incurável”. Mesmo assim não parava de pintar e em 1902 terminou seu quadro “Demônio derrotado”. Conta-se que ele era obcecado com esta pintura e até mesmo quando ela estava exposta num Salão em São Petersburgo, ele ainda fazia alterações na imagem, indo vê-la até “40 vezes num único dia”.
Mais os problemas mentais se intensificavam mais essa pintura assombrava-o. Ele dizia: “é espírito que une em si as aparências masculina e feminina, um espírito quase maligno quando sofre e é magoado, mas também um ser poderoso e nobre”.
Mais os problemas mentais se intensificavam mais essa pintura assombrava-o. Ele dizia: “é espírito que une em si as aparências masculina e feminina, um espírito quase maligno quando sofre e é magoado, mas também um ser poderoso e nobre”.
Em 1903, Vrubel sofreu um grande golpe, do qual jamais se recuperou: a morte de seu filho. A partir de então passava ainda mais tempo internado em clínicas de saúde mental. Por causa de uma sífilis foi perdendo a visão e seu último trabalho, um retrato de Valery Bryusov, foi pintado quando ele praticamente não enxergava mais nada… Viveu seus últimos quatro anos de vida cego. Imagine-se a tragédia que significa se tornar cego para um pintor!...
"Retrato do meu filho", Mikhail Vrubel |
As pinturas de Mikhail Vrubel foram umas das maiores inspirações para os artistas da vanguarda “durante os vinte anos seguintes”. Diz Camilla Gray: “Embora não tivesse formulado nenhum vocabulário pictórico novo e não houvesse fundado nenhuma escola, tornou possível as experimentações das ousadas décadas seguintes”. Vrubel, artista talentoso e trágico, conseguiu transmitir sua complexa vida interior através de seu trabalho incomum.
Sua obra mostra também um aspecto do mistério presente na arte russa, desde os primórdios. Tendo uma tradição de pinturas de ícones, voltadas a retratar o mundo espiritual, a Rússia - pode-se dizer - apresenta a maior variedade estilística que qualquer país possa ter tido, passando pela pintura acadêmica, pela realista, pela simbólica, pela pintura abstrata de Vassily Kandinsky e Kasimir Malevich, chegando à Vanguarda russa com seus inumeráveis “ismos” e até ao Realismo Socialista…
Mantendo o meu foco atual de pesquisa na arte russa, quanto mais me aprofundo neste estudo mais me surpreendo com a imensa capacidade criativa desse povo que, em 1917, abriu uma perspectiva tão nova e tão grande para os povos do mundo inteiro, mudando a história ocidental desde então.
A arte russa, dentro da arte mundial - em especial da Ocidental - ainda não recebeu o destaque que merece na História da Arte e seus livros, seus textos, seus estudos. Uma boa parte disso deve-se ao fato da Revolução de Outubro ter feito tremer as bases do establishment capitalista que, temeroso de tão alta influência, preferiu fazer verdadeiras campanhas que embotassem as mentes em relação à cultura russa. Mas este pequeno esforço que tenho feito durante esta minha pesquisa, disponibilizando-a neste Blog, talvez ajude a trazer alguma luz aos que se interessem pelo tema…
Aguardem, pois vem muito mais pela frente.
"Demônio sentado", Mikhail Vrubel, 1890, Galeria Tretyakov |
"A manhã", Mikhail Vrubel, 1897, Museu Estatal Russo |
"Lamento", Mikhail Vrubel, 1887, esboço em aquarela para a igreja de Kiev |
"O vôo do demônio", Mikhail Vrubel, aquarela, 1891 |
"Lilás", Mikhail Vrubel, 1900, Galeria Tretyakov |
"Ezrael, Serafim de 6 asas", Mikhail Vrubel, 1904, Museu Estatal Russo |
"A ostra e a pérola", Mikhail Vrubel, 1904, Galeria Tretyakov |
Retrato de Mikhail Vrubel, por seu amigo Valentin Serov |
Este seu texto é uma viagem no tempo, na geografia e nas imagens. Bravo, bravíssimo.
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