Mostrando postagens com marcador pintura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador pintura. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Processo criativo

Estou em meio a um processo de trabalho criativo que se intensificou neste começo de ano, e a tendência é aumentar nos próximos meses. No momento certo, direi do que se trata. Por enquanto, vou organizando meu tempo entre o trabalho formal e este trabalho intenso no ateliê em casa. Das horas que me sobram para pintar - poucas por dia, por causa do trabalho formal - faço com elas uma espécie de interferência no tempo: se são 4 ou 5 horas por dia, elas serão usadas até à medula, com isso exercitando meu poder de foco e minha disciplina. E esticando o "tempo" ao máximo.

Meu mergulho agora é nesse outro mundo - o da criação - e não posso sair dele por nada deste mundo. Para ele, levei os livros que preciso ler e escolhi o primeiro do ano para reler, "O Estrangeiro", de Albert Camus, livro que me permite continuar mergulhada, porque ele em si é um grande mergulho na crueza da vida. Na sequência, e na mesma direção, vou reler pela undécima vez "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Estes são duros livros, que escancaram coisas da alma na nossa cara, e por isso me permitem não me perder, não perder de vista meu trabalho, meu foco. E vou lendo, na calma, "Brasil, uma biografia", de Lilia Schwarcz, para manter meu umbigo conectado às profundezas do meu Brasil.

O processo criativo é muito exigente, seja para nós como artistas seja como pessoas. Ele exige que se abra a alma, que se a rasgue também. Exige uma dedicação que jamais pudemos ter sobre algo ou alguém: "Este trabalho deve ser sua prioridade absoluta"; como um amante ciumento e autoritário, ele ocupa nossas mentes, nossos pensamentos, as batidas do nosso coração... Somente desse jeito o mundo - e a vida - vão mostrando seus sinais: imagens, cores, sons, luzes, palavras, sombras, texturas, símbolos, sonhos que antes pareciam não fazer muito sentido, agora adquirem um sentido novo. Aproveitável ou não. Mas no navegar desse imenso mar, qualquer onda ou pequena marola, ou uma montanha de água, faz sentido. E por isso é preciso estar atenta para não perder nenhum insight. Por isso, é bom anotar imediatamente o que for pensando, imaginando, sonhando, vendo, intuindo...

No cavalete, vou pintando a ideia, burilando-a, esculpindo-a, amadurecendo-a… Às vezes o trabalho rende num frenesi intenso, e a satisfação que isso dá não tem nada que possa descrever! Outros dias, o modo é mais lento, mais duro, mais nebuloso. As cores parecem brigar com você, até mesmo o pincel. A cadeira, a mesinha de apoio, a terebentina... Os olhos choram, vem desespero... Mas não se pode parar...

Como disse Picasso, quando a inspiração chegar, quero que ela me encontre trabalhando!

Porque processo criativo - como bem disse Fayga Ostrower - é sobretudo TRABALHO! Que envolve: pintar, errar, acertar, tentar, recomeçar; envolve também escrever, ou conversar consigo mesma, ou com alguém, para colocar em palavras coisas que não é muito do reino das palavras... Esse processo envolve desenhar bastante, fazer croquis, estudos diversos, para ir experimentando se esta ideia funciona, SE ela é viável e COMO é viável…

Pode até mesmo exigir movimentos, como viagens a algum lugar onde se possa ter uma visão melhor daquela ideia. Pode significar mais encontros, mais conversas de botequim com seu melhor amigo... Mas para mim o momento agora é de isolamento, do claustro necessário para o êxtase do encontro com a Musa, que só se deixa ver aos que trabalham intensamente... As possibilidades são TODAS; tenho que levar em conta TODAS!

É um processo onde algo toma vida dentro de nós e vai tomando forma fora de nós, simultaneamente. É o mais próximo que sinto também de uma embriaguez...

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Van Gogh, com amor

O quarto, Vincent Van Gogh, óleo sobre tela, 1888
Eu era muito pequena quando vi, pela primeira vez, a imagem deste quadro acima, "O quarto", de Van Gogh. Ele ilustrava uma revista que meu pai assinava e, assim que pude, recortei-o e colei numa parede do meu quarto. Alguns anos se passaram enquanto eu, todos os dias, enquanto crescia, o contemplava diretamente da minha cama, antes de apagar a luz e dormir. Naquela época não sabia nada sobre pintores, pinturas, mundos longínquos... Mas eu já desenhava, e era imenso o prazer de saber que eu conseguia reproduzir o que via.

Vincent Van Gogh era um pintor muito estudioso, como se pode ver no livro "Cartas a Theo". Observava os raios de luz incidindo sobre o mundo e transferia-os para suas telas, do seu jeito poético de pintar. Era um apaixonado pelas cores e seus efeitos, no mundo e em seus quadros. 

Sua vida não foi uma vida fácil. Quem assistiu ao recente filme "Com amor, Van Gogh", sai do cinema sentindo um pouco da tristeza de sua vida. Eu mesma não sabia o que fazer quando saí do cinema. O filme, esteticamente é lindo, feito por 100 pintores, na Polônia, usando a mesma técnica de Van Gogh. Foram 6 anos de trabalho intenso dessa equipe de pintores.

Quem quiser saber um pouco mais sobre o pintor holandês, CLIQUE AQUI. 

terça-feira, 26 de abril de 2016

Pintar de imaginação?

John Singer Sargent pintando uma de suas obras, com as modelos posando à sua frente
Há algum tempo atrás, dois amigos em dois momentos diferentes me fizeram a mesma pergunta: os artistas pintam seus quadros "de imaginação" ou eles usam modelos/referências?

Isto parece ser uma questão clara para os pintores, mas é uma espécie de "lenda urbana" para os que não o são. A "culpa" disso pertence aos pintores modernistas, estrangeiros e brasileiros, que começaram a "criar/inventar" seus próprios modelos.

A resposta é muito simples: - Não! Nenhum grande mestre pintou de "imaginação", em especial as figuras humanas de seus quadros. Um dos meus amigos se disse "decepcionado": - Não? perguntou-me para confirmar. - Não! reforcei eu.

Clotilde Sorolla, esposa de Joaquín Sorola,
serviu de modelo para diversas telas do marido
Mas é assim que são as coisas. Há inúmeras idealizações causadas por profundo desconhecimento da maioria das pessoas sobre as artes plásticas...

A não ser que o pintor siga uma linha mais modernista - de cubista a expressionista, abstrato ou conceitual, quando aí sim, o artista se vê "livre" para criar suas próprias figuras, como fez Picasso, por exemplo - os pintores figurativos, desde os primórdios da pintura na Idade Média, lá pelos séculos XIV-XV, vêm utilizando a Natureza como modelo para seus quadros. Ou seja, a Natureza (com N maiúsculo mesmo, porque mais ampla) vem sendo o modelo de todos os pintores figurativos que se baseiam naquilo que vêem em seu mundo, o real.

Durante muito tempo, na história da Arte, os temas principais que aparecem na pintura foram temas de cunho religioso, para os quais se usava e abusava da "imaginação"... O poder da igreja impunha que, para catequizar os homens e mulheres em sua maioria analfabetos, as imagens eram uma boa forma de ensinar as lições contidas na Bíblia, por serem de fácil compreensão a todos. Era preciso fazer propaganda de sua filosofia, de sua visão de mundo, de seus santos e regras de vida.

Os pintores têm sido usados para isto há muitos e muitos séculos. Muito antes mesmo da Idade Média, pintores eram contratados para criar cenas bíblicas, terrestres ou celestes, assim como dar uma "cara" a seus santos, anjos, profetas. Pode ser que na época alguns tivessem se inspirado em modelos reais (na Alta Idade Média), mas a maioria "criava" os rostos sagrados de Maria, de Jesus, dos santos e mesmo de Deus. Podemos ver, por exemplo, nos ícones da igreja ortodoxa russa, como havia um certo padrão para os rostos de santos e de figuras sagradas. Não precisavam se basear em pessoais reais. Aliás, não DEVIAM se inspirar em pessoas reais!

"A costureira", de Diego Velázquez,
para cuja pintura serviu de mod
elo,
sua própria esposa
Só que quando o ser humano foi colocado no centro das atenções, em especial no período que conhecemos como Renascimento, por exemplo, pintores como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Ticiano, Rafael e tantos outros - só para ficar na Itália - começaram a se apaixonar pela anatomia do corpo humano e a pintar figuras humanas cada vez mais reais. Lembre-se, por exemplo, do grande Caravaggio que usava como modelos, para seus quadros de santos, pessoas bem concretas das ruelas e becos de Roma, seus amigos vagabundos e prostitutas...

Alguém pode conceber a "Gioconda" de Da Vinci como uma criação de sua imaginação? Claro que não! Da Vinci usava modelos bem concretos, de carne e osso, em seu ateliê. Aliás, ele tinha um modelo preferido, um de seus alunos. Assim como é impossível que alguém possa concluir que o grande "David" de Michelangelo tenha surgido de sua cabeça somente, sem que nenhum ser humano tenha posado para que ele pudesse tão bem esculpir a anatomia masculina em sua grande escultura!

Diego Velázquez usou como seus primeiros modelos de pintura sua própria família, pais e esposa. Depois que foi para a Corte do rei Felipe IV, além dos membros da família real, que pintou, Velázquez também retratou os trabalhadores que, como ele, serviam ao rei, desde bobos da Corte às damas de companhia...

Rembrandt e Vermeer, lá nos Países Baixos, pintavam suas figuras a partir de muitos e muitos estudos de observação com modelos bem vivos. A "Moça com brinco de pérola" foi pintada a partir de uma modelo bem real e feminina. Disse-se que era uma das empregadas de sua casa.

Meus amigos, a profissão de modelo que posa para artistas é tão antiga quanto a pintura figurativa!

Não tenho eu, pobre de mim, a menor capacidade de inventar uma outra maneira de pintar realisticamente o que vejo sem ver! Se nem mesmo os velhos mestres, os grandes pintores do mundo, pensaram que podiam ser capazes disso...! Os exemplos que eu poderia dar aqui fariam parte de uma lista enorme, além destes que citei acima.

Mas vamos lembrar de mais alguns:

Gustave Courbet, Renoir, Édouard Manet, Francisco Goya, John Singer Sargent, Jean Dominique Ingres, Van Gogh, Edgar Degas, Eugène Delacroix, El Greco, José Ribera, Zurbarán, Joaquin Sorolla, Rubens, William Turner, Frans Hals, William Bouguereau, Camille Corot, Hans Holbein, Paul Gauguin, Van Dyck, Francisco de Zurbarán, Ilya Repin, Rodin... a lista é imensa dos artistas figurativos e TODOS eles usavam a Natureza (o que inclui tudo o que pode ser visto e pintado, de animais a seres humanos) como modelo para suas obras.

Decepcionei mais alguém?

"Titus", filho de Rembrandt, que posou para ele
diversas vezes
Não seria conveniente raciocinar que se eu me considero uma pintora figurativa, de caráter mais realista, não seria uma incoerência eu me ligar a pintores mais modernos e que se desligaram da realidade para "inventar" minhas próprias figuras?

Por trás do uso de modelos bem concretos para que eu possa me expressar artisticamente, há toda uma linda filosofia de trabalho que diz, em resumo, o seguinte: a inesgotabilidade do Real é o que causa em mim a grande paixão de me expressar artisticamente ao observar modelos bem concretos (sejam humanos ou não). Que eu seja capaz de desenhar e de pintar, e através dessa minha relação com eles e com meu mundo eu tenha a capacidade de produzir meus quadros, isto é algo verdadeiramente extraordinário!

Há uma história que aconteceu com Claude Monet, por exemplo. Eu estive em Paris, há alguns anos atrás, e puder ver uma exposição de várias pinturas que ele fez da mesma igreja, a catedral de Rouen, em vários momentos do dia, porque ele queria captar a luz dos vários momentos do dia! Então ele usou a mesma igreja como modelo para várias telas, pois seu interesse estava na luz e nos efeitos que esta produz no mundo.

Não é incrível que eu possa me inspirar num modelo (vamos dizer que num mesmo modelo) e a partir dele - do Real - eu possa criar quadros diferentes, com temas diferentes, com luzes e cores diferentes? Por que teria mais valor criar minhas figuras de "imaginação"?

Minha opção de vida como pintora, até agora pelo menos, é de usar a realidade como referência! A realidade é de uma riqueza inesgotável! Há artistas que abriram mão dela, que preferem pintar "de imaginação". Conheço muitos deles, vários dos quais são brasileiros e estão fazendo seus trabalhos hoje. São muito bons no que fazem, vários deles. Pintam seus mundos internos, suas visualizações pessoais, colorem seus quadros a seu modo, pintam suas figuras com "liberdade" de invenção...

Mas a minha "liberdade" de invenção garanto que é tão ampla quanto a deles (senão mais!), mesmo que pareça que eu esteja "presa" à figura real... Porque eu não "copio" o que vejo, eu interpreto.
Ocorre que a realidade do mundo à nossa volta é movimento, é impermanência, é inesgotabilidade...

Menino posando para o artista inglês Lucien Freud

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Artistas negros na Pinacoteca

"Bandeira do Divino", Firmino Monteiro (Rio de Janeiro, 1855-1888),
óleo sobre tela, 1884, 89 x 146 cm - acervo da Pinacoteca
 
A Pinacoteca do Estado de São Paulo irá inaugurar amanhã, 12 de dezembro, a exposição “Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca”. Este evento faz parte da comemoração dos 110 anos da instituição e com isso traz ao público importantes obras assinadas por artistas brasileiros afrodescendentes, valorizando o legado deixado por eles.


Ao lado disso, a Pinacoteca pretende mostrar uma parte de sua contribuição artística para a historiografia da arte brasileira introduzida na gestão de Emanoel Araújo (1992 - 2002), primeiro diretor negro da Pinacoteca do Estado. Por isso apresenta parte do núcleo de artistas afrodescendentes da Instituição, acrescida de novas aquisições.

São 106 obras entre pinturas, gravuras, desenhos, esculturas e instalações que traçam perfis diferentes da produção artística de afrodescendentes no Brasil do século XVIII até hoje. As obras estão divididas em três conjuntos e dispostas de acordo com a familiaridade dos temas ou territórios: Matrizes Ocidentais, Matrizes Africanas e Matrizes Contemporâneas.

Entre as obras na exposição, se destaca o "Autorretrato" de Arthur Timótheo da Costa, feito em 1908 e doado em 1956. Demorou 51 anos, após a inauguração da Pinacoteca, para que esta instituição adquirisse a primeira obra de um artista negro! As razões são óbvias, pois o racismo, que ainda persiste no Brasil, era ainda pior...

Além deste, Mestre Valentim, Antonio Bandeira, Rubem Valentim, Jaime Lauriano e Rosana Paulino também estão entre os artistas que compõem a mostra. Além das obras do acervo, a Pinacoteca também traz obras dos novos artistas negros contemporâneos.

A exposição ficará aberta ao público até 17 de abril de 2016 no quarto andar da Estação Pinacoteca.

Pinacoteca do Estado de São Paulo - Estação Pinacoteca
Largo General Osório, 66
De terça a domingo das 10 às 17h30
Ingressos a R$6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia)

"Autorretrato", Arthur Timótheo da Costa (Rio, 1882–1923),
óleo sobre tela, 1908, 41 x 33 cm, Acervo da Pinacoteca 
"Natureza-morta", Estêvão Silva (RJ, 1845-1891),
óleo sobre tela, 1888, 37 x 48,5 cm, Acervo da Pinacoteca
"Vista da cidade de Itú", Miguelzinho Dutra (Itu, SP, 1810-1875),
aquarela e nanquim sobre papel, 
1851, 49,2 x 74,5 cm, Acervo da Pinacoteca
Sem título, Miguelzinho Dutra (Itu, SP, 1810-1875) tinta ferrogálica sobre papel,
20,3 x 16,6 cm, Acervo da Pinacoteca
Sem título, da série "Para tampar o sol de seus olhos", Paulo Nazareth,
(Ba, 1977-),fotografia,  impressão digital sobre papel de algodão, 
2010,
69 x 180 cm, Acervo da Pinacoteca
"Antes que eu me esqueça", Flávio Cerqueira, 2013, escultura pintada
com tinta eletrostática sobre bronze, espelho e madeira

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Ateliê Contraponto reúne obras de seis artistas na exposição "Infância"

"Irmãs", Alexandre Greghi, óleo sobre tela
O Brazilian Art e o Ateliê e Galeria Contraponto apresentam a exposição de pinturas intitulada “Infância”, com trabalhos de seis artistas: Alexandre Greghi, Gerson Guerreiro, Marinez Lins, Miguel Arturo, Luciano Trajano e Dyego Costa.
A exposição fica em cartaz de 6 a 20 de novembro de 2015 e poderá ser visitada de terça a sábado, das 14h às 20h.
Os seis artistas participam com pinturas onde apresentam suas visões sobre o tema da infância, sobre as brincadeiras e sobre o imaginário do universo infantil, que evocam em nós, adultos, sentimentos e lembranças diversos.
A infância, o começo da vida, o começo de tudo. O mundo se abre como possibilidades ainda mal vislumbradas, mas vividas em seu aspecto lúdico, fantasioso, imaginativo, criativo. Ser criança é ter a irresponsabilidade inocente, a ingenuidade dos atos, mas também a curiosidade sobre cada aspecto novo da vida. São tantas e tão profundas as perguntas que as crianças fazem! Por que o sol brilha? Alguém mora na lua? Aonde eu estava antes de nascer? Perguntas que fazem os adultos se esforçarem para dar uma resposta inteligente a questões que de tão óbvias, já deixaram de nos incomodar quando crescemos.
O público pode ver esta exposição no Ateliê Contraponto, de 6 a 20 de novembro de 2015.
SERVIÇO:
Inauguração da exposição Infância, de pinturas sobre tela.
Entrada Livre
Ateliê Contraponto 
Travessa Dona Paula, 111Higienópolis - São Paulo(11) 3938-5058
Estação Paulista (Metrô - Linha 4 Amarela)
Ver no mapa
  • Visitas de 6 a 20/11
    • TerçasQuartasQuintasSextas e Sábados das 14:00 às 20:00
      "Peão", Dyego Costa, óleo sobre tela

quinta-feira, 9 de julho de 2015

A eterna novidade do mundo

"Pequena rua", Jan Vermeer, 1657
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…”


Fernando Pessoa é nítido como um girassol, neste poema… Por isso, me agarro a ele para alguma reflexão sobre a percepção humana.

Temos cinco sentidos, cinco portas abertas para percebermos o mundo, e isto aprendemos nos primeiros tempos da escola infantil: audição, paladar, olfato, tato e visão. Ouvimos música. Saboreamos uma comida. Cheiramos. Tateamos alguma maciez que passa agradável por nossos dedos. Olhamos, no museu, uma bela pintura.

Olhamos? Sim. E não.

Pescador no mar, William Turner, 1796
Segundo pesquisas científicas recentes e nem tanto assim, pois Charles Darwin já havia estudado o assunto, a visão humana foi um dos últimos sentidos a se desenvolver em nossos ancestrais. Em nosso desenvolvimento humano, diz a medicina que a visão humana só está completa aos cinco anos de idade de uma criança. Ao mesmo tempo, sabemos que o olho humano é um sistema óptico complexo. Ele acabou se sobrepondo aos outros quatro sentidos de percepção, e usamos a visão para completar todas as informações que nos vêm dos outros modos de sentir o mundo.

Mas nas Artes Visuais muito mais é transportado à mente humana pelo olho do que a simples imagem ou sensação de cor.

Harold Speed, um pintor inglês que viveu até 1957, em seu livro “Oil painting, techniques and materials”, que estou lendo, diz que os primeiros desenhos que surgiram na civilização humana foram feitos a partir não da visão que tinha um objeto, por exemplo uma ânfora, mas a partir do tato, da mão que passeou pela forma do objeto e verificou seus limites. O sentido do TATO foi o que orientou a arte durante séculos, até o Renascimento e provavelmente até muito depois dele. O desenho localiza as coisas no espaço, concebido como traçados de linhas. As linhas impunham o limite às coisas, que se encontravam separadas entre si. Nas composições primitivas, diz Speed, a descrição dos objetos era feita em contornos de linhas, uma ideia do limite que todos os objetos sólidos têm. E isso é resultado do sentido do tato, segundo ele.

Pintura de James A. Whistler
Foi preciso a humanidade evoluir durante muito tempo para chegar até os estudos de Leonardo da Vinci sobre a relação entre a Luz e a Escuridão. As grandes escolas de pintura dos séculos XVI, XVII e XVIII desenvolveram a ideia da solidez dos objetos no espaço não mais através de linhas, mas através da relação entre luz e sombras, dando a ideia de volume, profundidade, terceira dimensão às coisas pintadas. Da Vinci desenvolveu sua ideia de sfumato, esfumaçando mesmo as massas de cores em sua relação luz-sombra. Mas… até o século XVIII - aponta Harold Speed - todas as escolas de pintura se voltavam para o conceito de pintar o objeto localizando-o no espaço! Mas isso não seria óbvio?


Para o pintor, só o movimento Impressionista é que trouxe, pela primeira vez, a novidade de se enfatizar mais a Cor do que a Forma dos objetos e do mundo em geral. O Impressionismo, que se desenvolveu junto com o Realismo do final do século XVIII e do século XIX, começou a tratar os objetos, as cores, as composições, as luzes e sombras como um TODO único! Não houve um grande pintor depois disso que não foi influenciado por esta novidade dos pintores impressionistas, diz Harold Speed.


Pintura de Burton Silverman
E também acabou por influenciar, ou mesmo direcionar, a chamada “arte moderna” do começo do século XX, com tudo o que trouxe de bom e com tudo o que trouxe de muito ruim. Claro que artistas mais radicais levaram algumas dessas obras a quebrar com toda a tradição e, como muitos movimentos de rompimento, negaram qualquer relação de sua obra com a arte do passado. Mas, como também observa o pintor inglês, que viu pessoalmente alguns desses trabalhos, “eles têm tanta relação com a arte como a banda local do Exército da Salvação”...

Mas não falemos disso agora, porque estamos falando de visão (mas falando de visão, o retorno ao uso de linhas da “arte moderna” não seria um meio de expressão tão antigo quanto os hieróglifos egípcios? Penso nas linhas das pinturas de Picasso, por exemplo).

Muitas vezes na vida tenho me perguntado por que a maioria das pessoas é incapaz de distinguir uma boa de uma má pintura? Por que o comum das pessoas - hoje em dia em especial - se ligam mais no colorido do que na forma? Ou se se ligam na forma, por que sempre estão fazendo comparações com a fotografia? Se um pintor realiza bem um trabalho, o melhor elogio que recebe é “tão bom que parece uma foto”. Por que a grande parte das pessoas não percebem e apreciam as qualidades artísticas reais do trabalho, aqueles mais sutis e refinados, como composição, ritmo e equilíbrio dos valores (dos tons das cores)?

É um problema com a visão? Não enxergamos direito?

Até certo ponto, sim!

Aquarela de Burton Silverman
Na história das cores, sabemos que a cor Azul só entrou na palheta dos artistas depois do século XIII! Antes, só preto, branco, amarelo e vermelho fazia parte do mundo das cores vistas. Verde e azul eram constantemente confundidos na mente humana. Assim como não distinguíamos as relações entre luz e sombra, não tínhamos a percepção da imensa escala de cores que hoje podemos alcançar.

E há ainda um outro fator, que tem mais a ver com a nossa cultura ocidental. O racionalismo desenvolvido ao longo dos últimos séculos, aquele que continuava incentivando o artista a localizar os objetos no seu espaço, é o mesmo que não leva em consideração os aspectos espirituais da arte, tentando trazer sempre todo o conhecimento, inclusive o artístico, para a “luz dura e fria da percepção” puramente “intelectual”, como observa Harold Speed. Que diz também: “Grandes obras de arte ainda permanecem fora do mundo do intelecto puro”.
Mas a pintura, uma atividade humana altamente qualificada, possui uma linguagem universal, capaz de expressar muito mais coisas do que possa imaginar a nossa vão filosofia…

Que hoje mais do que nunca habita o reino da superficialidade...

Pintura de Joaquín Sorolla
Vemos mais a Forma das coisas do que suas cores. Mas vemos também as Cores. E por que não vemos além? Por que não vemos as diferenças de Tom, de Valor?

As pessoas vão ao museu ver belas pinturas, mas não enxergam, por exemplo, as relações entre luz e sombra que afetam as cores locais, levando um objeto amarelo a ter uma variação que pode chegar até o branco ou até o verde, caso seja o caso… Claro, não somos educados para isto. Não aprendemos a ver. Apenas a olhar. Ver e olhar são coisas muito diferentes, quase antônimas, diria eu…

Se em nossas escolas infantis e médias, se em nossas universidades, se em nossas famílias, se em nossas vidas atuais fôssemos educados a enxergar além da casca das aparências das coisas…. Bom, aí o mundo também já seria um outro! Pois se perde grande parte da graça do mundo com essa visão imperfeita…

Repito incansavelmente aos meus alunos de desenho a frase de Beth Edwards, uma artista norte-americana: aprender a desenhar é aprender a ver! Por isso, quando andarmos por aí, como o poeta, pelas estradas, olhando para a direita e para a esquerda, olhemos para o mundo com o olhar prescrutador… Você vai ficar pasmo com o que vai ver da "eterna novidade do mundo"!


Pintura de William Turner
Pintura de William Turner

sábado, 13 de junho de 2015

400 mil acessos!

Este Blog - que só fala de Arte! - acabou de alcançar a marca dos 400 mil acessos em 5 anos de existência!

Agradecemos a todos os nossos leitores, de todos os lugares do mundo, que vêm acompanhando os textos e artigos publicados neste blog, que tem o único objetivo de ajudar a expandir o conhecimento das pessoas sobre as artes plásticas. E ajudar a tornar o mundo mais belo...

Pessoas dos mais inimagináveis recantos da terra vêm acessando este blog: de Moçambique à Alemanha, do Vietnã à Sumatra, de Nova Zelândia ao Peru, passando por Portugal, Estados Unidos, França, Reino Unido, Argentina, Chile, México, Espanha, Itália... 

São inúmeras as cidades, pequenas e grandes, do Brasil e de mais de cinquenta países, que vem acessando este blog! Com a facilidade da tradução online que a internet permite, o que escrevo por aqui tem alguma repercussão em algum ser humano localizado nos cantos mais diversos do planeta - como Novgorod, na Rússia ou Mossoró, Rio Grande do Norte - que esteja fazendo alguma pesquisa sobre arte.

Tudo isso e todo o apoio que venho recebendo, de conhecidos e desconhecidos, são motivos de sobra para que eu continue publicando neste blog as minhas pesquisas pessoais, as minhas questões e reflexões sobre o assunto, o meu contato com este imenso e maravilhoso mundo da arte!

Obrigada a todos/as pelo acesso e confiança no meu trabalho!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Os retratos

Palácio Real de Madrid
Hoje, ao contrário de ontem, fez friozinho o dia todo. Venta muito em Madrid e hoje as correntes de vento não pararam.

De manhã, fui direto ao Palácio Real, que fica na parte mais antiga da cidade. Em seus princípios, Madrid ia de lá até a Puerta del Sol, que fica perto. Antes tinha mesmo uma porta que abria para dentro da cidade rodeada de uma muralha. Era lá que o sol se punha todos os dias, depois de ter nascido do lado do palácio, começo de tudo. O mundo era menor, ainda mais para o rei que se escondia nesse canto.

Nas portas do Palácio Real
O palácio real é enorme, como todo palácio deve ser. Parece que conta com cerca de 2.800 quartos. Nada mal... Mas seu luxo não chega aos pés de Versalles, claro. Mesmo assim, dá pra ver que todo o luxo e grandeza das aristocracias francesas também foram vividos em terras espanholas, cujos reis e rainhas casaram-se ao gosto da política com soberanos de países europeus, incluindo a França.

Fui ver a exposição "El Retrato en las coleciones reales", que acontece dentro do Palácio. São pinturas e esculturas feitas por artistas desde o século XIV até 2014, representando reis, rainhas e suas famílias. Artistas como José Ribera, Diego Velazquez, Francisco Goya, Joaquim Sorolla e o pintor vivo Antonio López foram contratados para retratar reis e rainhas. Além de muitos outros, conhecidos e desconhecidos, espanhóis e estrangeiros. Após uma longa série de retratos que cobrem do século XV até o XIX, salta aos olhos, de forma confortável e inovadora, o retrato de Alphonso XIII pintado por Joaquin Sorolla em 1907. Pura luminosidade! Como gosto da luz deste pintor! Infelizmente não estou conseguindo colocar imagens aqui no blog pelo meu tablet... Mas colocarei quando chegar de volta em casa, em junho.

O último retrato foi o que fez Antonio López, numa encomenda que durou 20 anos pra ficar pronta. Este retrato da família real atual, do rei Juan Carlos e a rainha Sofia acompanhados de seus três filhos, pintados em tamanho natural, difere de todos os outros. Não há suntuosidade, nem luxo, nem mesmo brilho. Nem o brilho do sol do quadro de Sorolla. Parecem cinco pessoas de uma família rica qualquer, bem vestida e de forma sóbria. O ambiente não é no palácio ou em algum lugar que pareça nobre. Mais parece a oficina do artista, que é também escultor. Há uma réstea de luz no canto superior esquerdo, projetada na parede atrás da família. Mas nem brilha, apenas se reflete de forma suave. Em todos os lugares da tela, as marcas do trabalho do pintor. Nacos de coisas que se grudaram na tinta, os riscos dos lápis que serviram de rascunhos, números que Antonio López usou para marcar alguma coisa, suas pinceladas cuidadosas e outras nem tanto. Pictóricas. Tudo em volta dos reis lembra simplicidade e austeridade, mas que são as do pintor. Antonio López mede muito, calcula muito parece um matemático em sua precisão no desenho. Mas na pintura é mais intuitivo, trabalhando mais com camadas de formas (shapes) sobrepostas. O resultado é bom de ver. E não é hiperrealismo, como alguns surgirem que seja a pintura de López. Nada de hiperrealismo, nada a ver! Somente muito à distância poderia parecer, mas de perto, as pinceladas são claras, se mostram.

Rua central de Madrid
Andei um pouco pelo pátio do palácio, observei. Muitos turistas falando muitas línguas estavam por todo lado. De lá, entrei na Catedral de Madrid, ao lado do palácio. Poder temporal e poder espiritual, juntos, definindo como devem ser as coisas na terra. Fui em direção à igreja de São Francisco, onde tem uma pintura de Goya. Mas estava fechada. Era hora da siesta... Até os padres são filhos de Deus...

Almocei e fui encontrar Juan Argelina, um amigo que conheci aqui em 2013. Ele é professor de História da Arte em uma escola pública de Madrid. Dá aulas para adolescentes do ensino médio. Conversamos por mais de três horas, num café na Plaza de Sant'Ana. Conversa boa, boa, boa! Ele conhece tudo sobre Madrid, sobre a Espanha, desde política até arte. Está feliz com o surgimento do partido-movimento Podemos, liderado por Pablo Iglesias, um jovem de 36 anos, idealista, que quer fazer política de forma totalmente nova e de acordo com o mundo atual. Mas falamos muito de arte também. E ouvi muitos dos causos que Juan contou.

Mas a conversa com Juan fica para o próximo post. Aqui já são 22h e preciso dormir. Amanhã acordo cedo e pego o trem para Toledo. El Greco me aguarda.
Um dos lugares mais antigos da cidade de Madrid

terça-feira, 5 de maio de 2015

A técnica a serviço da arte

Instrumentos musicais, Evaristo Baschenis, século XVII, Itália
Reproduzo abaixo um trecho de um manual para violão, escrito pelo violonista uruguaio Abel Carlevaro. Mesmo sendo voltado para a música, o texto pode muito bem ser relacionado ao aprendizado da arte de uma forma geral. O original se encontra em espanhol que traduzi de forma livre. Os destaques são meus.

O texto:

"1. A técnica a serviço da arte

Um dos grandes problemas para se tocar um instrumento tem sido sempre a técnica. Esta não é um resultado puramente físico da ação dos dedos, senão que é uma atividade que obedece à vontade superior do cérebro: nunca pode ser um estado irreflexivo.

O velho violonista, Picasso, 1903
De um lado, há algo que é necessário aprender: o ofício. Por outro, deve sempre existir algo nosso, que ninguém nos pode ensinar. Ao intérprete são colocados dois problemas: o aspecto puramente mecânico de uma obra musical, e como esta obra deve ser expressada. Convém sempre começar pelo último. Desde o primeiro momento em que se se aproxima de uma obra de arte, deve-se tentar penetrar o mais possível dentro dela porque senão como vamos trabalhar uma obra sem saber o que temos que expressar? Não esquecer nunca isso, porque do contrário a arte se desnaturaliza. Se o ofício propriamente dito passa a ocupar o primeiro plano, a arte haverá perdido sua qualidade própria.

Em resumo: quem não possua uma grande técnica não poderá ser um bom intérprete. O que importa é o ponto de partida: se provém do espírito irá ao espírito; do contrário, será somente um produto de laboratório. A diferença básica entre o verdadeiro intérprete e o simples executante está em que este último se baseia no trabalho mecânico unicamente, fazendo ressaltar somente o malabarismo digital de que cuida como um dom precioso dando à técnica um valor em si, uma personalidade, uma autonomia que não lhe pertence. Orgulhoso de seu poder, crê conseguir com isto tudo o que pode lhe considerar um virtuoso. E essa técnica, produto de tantos sacrifícios, está a serviço do que? Qual é a razão que nos demonstre a verdade de tal hipertrofia? É um absurdo querer fazer música utilizando a técnica como única finalidade, sem pensar em nada mais, desumanizando a arte. Cuidado com este monstro! Depois de criado, é necessário superar suas forças para obrigá-lo a servir aos puros valores da arte. Senão, produzirá irremediavelmente o contrário.

O espírito e a matéria são duas forças que devem unir-se na criação da arte. Então a matéria se tornará um pouco espírito e o espírito poderá tomar formas concretas. A arte pertence ao domínio do espírito; a técnica é patrimônio da razão. Da união destes dois elementos nasce a manifestação artística, verdadeira simbiose criada pelo homem.

2. O simples deve ser resultante de um complexo inteligentemente combinado

A aquisição paulatina do mecanismo, da técnica em definitivo, deve estar ligada às etapas da evolução pelas quais se deve necessariamente passar, dentro de um determinado período de estudo.

Numa primeira etapa se estudam os diversos elementos de forma separada, como se em cada caso houvesse somente um ponto a dominar. Num estado de evolução mais adiantado, teremos que relacionar todos os elementos antes separados, para alcançar, então, a técnica correta, o verdadeiro mecanismo do ofício.

Cada movimento é derivado de outro e sua aquisição total resulta do complexo motor, sem cujo conhecimento e domínio é inútil pretender tirar melhor proveito. (...)

O domínio completo é consequência dos diversos domínios parciais e seu uso correto é fruto da seleção das diversas combinações. Isso quer dizer que a técnica deve responder a um trabalho plenamente consciente, descartando, com isso, outros conceitos vinculados a disposições ou atitudes naturais, ou, pior ainda, à casualidade.

A análise, com o auxílio de uma lógica concreta e definida no que respeita aos movimentos a empregar, não deve ser interpretada como uma reação contra as manifestações intuitivas. O emocional e o subjetivo toma vida íntegra, e assim deve ser, pois a análise servirá como firme plataforma para a livre emoção.

(...)"

Instrumentos musicais, Evaristo Baschenis, século XVII, Itália