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terça-feira, 24 de abril de 2012

Os Faróis do tempo, de Baudelaire

O poeta Charles Baudelaire
             Charles Baudelaire foi um poeta francês nascido em Paris no dia 9 de abril de 1821. Deixou como obra principal a coletânea de poemas intitulada As Flores do Mal. Nascido dentro do romantismo, ele também passou pela poesia parnasiana e pelo simbolismo, mas é principalmente o cantor da modernidade. Amigo dos pintores mais importantes de seu tempo, ele aparece retratado nas telas de quase todos eles.
              Baudelaire, além de poeta e dos melhores críticos de arte de seu tempo, também desenhava e fez diversos autorretratos. Revelou-se um grande retratista dele mesmo, com seus desenhos na maioria traçados com caneta-tinteiro. Ele tinha mania de escrever comentários ao lado dos desenhos, do tipo: “Esse aqui é feito com elegância, mas bom para dar boas risadas... A pose é boa. Sempre com muitas hachuras. Obter o efeito de sombreamento com o mínimo de hachuras bem colocadas.”
Autorretrato, Baudelaire
                Mas ele adorava mesmo era a pintura e os pintores. Frequentava os ateliês dos diversos amigos que tinha em Paris, como Courbet, Fantin-Latour, Moureau e especialmente o de Eugène Delacroix. Gustave Courbet, em sua famosa e enorme tela “O atelier do artista” retrata diversos amigos, incluindo o poeta Charles Baudelaire, que aparece no canto direito do quadro, sobre uma mesa lendo um livro.
                Mas era Delacroix o seu pintor preferido e o considerava o mais sugestivo de todos os pintores. Quando Eugène Delacroix morreu, Baudelaire ficou inconsolável: “Eu não o verei jamais, jamais, jamais, a ele que eu tanto amei e que se dignou me amar e com quem tanto aprendi”. Delacroix tinha dado aulas de pintura a Baudelaire. Com pincel ou com caneta, ele fez mais do que autorretratos, mas foi com a pena que ele trabalho os melhores retratos do seu tempo, do pensamento do seu tempo, do seu modo de ver um mundo que mudava profundamente.


Folha de rosto do livro As Flores do Mal
rabiscada pelos censores da época
               Em seu livro As Flores do Mal, destacamos este poema, intitulado Os Faróis, onde ele pinça alguns dos grandes mestres pintores e os inclui em sua verve densa, dolorosa, profunda, como todos os poemas do seu maior livro.
                Esse livro foi publicado em junho de 1857 e é considerado uma das mais importantes obras da poesia moderna. Todo estudante de literatura que se preze, passa por Baudelaire. Ele inovou a poesia não somente com uma nova estética da Beleza, mas com uma visão sobre a realidade que vai muito além das aparências. Amigo de Victor Hugo e Gustave Flaubert, Baudelaire não perdoava seu tempo, nem poupava palavras e nem escolhia as formas mais bonitas para descrever o que quisesse sobre a realidade a mais trivial que fosse.
                Por isso As Flores do Mal foram acusadas de ir contra a moral pública e religiosa. O livro foi recolhido, sob acusação de obscenidade e seu autor e editor condenados a pagar uma multa. Para ser reeditado, seis poemas foram suprimidos do original, condição imposta pela justiça.
               No poema "Os Faróis", que faz parte de As Flores do Mal,  Rubens, Da Vinci, Rembrandt, Michelangelo, Goya, Watteau e Delacroix são apresentados como uns dos grandes faróis do mundo da pintura, dentro da escolha de Charles Baudelaire. São esses os faróis que brilham acima do tempo e que continuarão eternamente sendo objeto de admiração, de estudo e de inspiração para todos os artistas.


Ao poema:



Os Faróis

Rubens, rio do olvido, jardim da preguiça,
Divã de carne tenra onde amar é proibido,
Mas onde a vida aflui e eternamente viça,
Como o ar no céu e o mar dentro contido;

Da Vinci, espelho tão sombrio quão profundo,
Onde os anjos cândidos, sorrindo com carinho
Submersos em mistério, irradiam-se ao fundo
Dos gelos e pinhais que lhes selam o ninho;

Rembrandt, triste hospital repleto de lamentos,
Por um só crucifixo imenso decorado,
Onde a oração é um pranto em meio aos excrementos,
E por um sol de inverno súbito cruzado;

Michelangelo, espaço ambíguo em que vagueiam
Cristos e Hércules, e onde se erguem dos ossários
Fantasmas colossais que à tíbia luz se arqueiam
E cujos dedos hirtos rasgam seus sudários;

Impudências de fauno, iras de boxeador,
Tu que de graças aureolaste os desgraçados,
Coração orgulhoso, homem fraco e sem cor,
Puget, imperador soturno dos forçados;

Watteau, um carnaval de corações ilustres,
Quais borboletas a pulsar por entre os lírios,
Cenários leves inflamados pelos lustres
Que à insânia incitam este baile de delírios;

Goya, lúgubre sonho de obscuras vertigens,
De fetos cuja carne cresta nos sabás,
De velhas ao espelho e seminuas virgens,
Que a meia ajustam e seduzem Satanás;

Delacroix, lago onde anjos maus banham-se em sangue,
Na orla de um bosque cujas cores não se apagam
E onde estranhas fanfarras, sob um céu exangue,
Como um sopro de Weber entre os ramos vagam;

Eugène Delacroix, autorretrato
Essas blasfêmias e lamentos indistintos,
Esses Te Deum, essas desgraças, esses ais
São como um eco a percorrer mil labirintos,
E um ópio sacrossanto aos corações mortais!

É um grito expresso por milhões de sentinelas,
Uma ordem dada por milhões de porta-vozes;
É um farol a clarear milhões de cidadelas,
Um caçador a uivar entre animais ferozes!

Sem dúvida, Senhor, jamais o homem vos dera
Testemunho melhor de sua dignidade
Do que esse atroz soluço que erra de era em era
E vem morrer aos pés de vossa eternidade!


Livro: As Flores do Mal
Charles Baudelaire
Tradução de Ivan Junqueira
Editora Nova Fronteira
Rio de Janeiro
1985