Mostrando postagens com marcador Giotto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Giotto. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Os ícones e a querela iconoclasta


Fragmento de antiga pintura do século III d.C., sobre a Anunciação.
Estas foram as primeiras imagens pintadas por cristãos primitivos. Roma, Itália
As origens dos ícones remontam às primeiras expressões de pinturas religiosas dos séculos III e IV, especialmente no Egito e na Palestina. Esses primeiros cristãos inauguraram a linguagem artística, com as formas, as técnicas e os símbolos da cultura em que viviam. No Ocidente, as primeiras imagens iconográficas surgiram nos arredores de Roma, nas catacumbas. As cenas pintadas estavam relacionadas à vida de Cristo.

A imagem de Maria surgiu muito tempo depois. É bom lembrar que as sociedades pagãs cultuavam em todo o mundo antigo o símbolo da Deusa-Mãe; isso, entre outras coisas, foi a causa de os sacerdotes cristãos, com o fito de atrair fiéis e ao mesmo tempo combater o paganismo, terem elevado a imagem de Maria, mãe de Jesus, ao patamar mais alto em suas igrejas. O culto à Virgem se espalhou por todo o mundo ocidental e parte do oriental, influenciando grandemente nossa cultura, engendrando símbolos, enraizando costumes.

Antigo ícone sobre o nascimento de Cristo.
Coleção do British Museum de Londres
Os ícones alcançaram tamanha importância no Império Bizantino, que foram a causa de uma verdadeira guerra civil em Bizâncio, período que entrou para a história sob o título de “Querela Iconoclasta” ou “Querela das Imagens”. Os sacerdotes de mosteiros e igrejas, onde se reuniam a maior quantidade dos ícones, acabaram adquirindo grande poder sobre a fé do povo, e esses padres acumulavam mais riquezas que o próprio imperador. Mas eram tempos também difíceis em Constantinopla, frequentemente ameaçada de invasão pelos árabes.

Leão III, no século VIII, resolveu combater e eliminar completamente a prática relacionada à veneração de ícones. O imperador, diante das ameaças de invasões árabes em seu território, e sabedor do repúdio da religião islâmica ao culto de imagens, resolveu em um sermão convencer seu povo da inutilidade do culto aos ícones. Seu primeiro gesto foi enviar um grupo de soldados para destruir uma imagem de Cristo que se encontrava sobre uma porta de bronze na entrada principal do palácio. Esta imagem tinha grande popularidade e a reação do povo foi imediata: todos partiram para cima dos soldados, que foram linchados, e a isso se seguiu uma batalha entre Grécia e Constantinopla. Os gregos não aceitavam a destruição de seus ícones sagrados…

Estava criada a divisão entre Iconoclastas (quebradores de ícones, literalmente) e os Iconófilos (amantes das imagens). Os primeiros tiveram o apoio de judeus e muçulmanos.

São Cyril Belozerski.
Coleção do British Museum de Londres
O cristianismo, em seus primórdios, evitava o culto das imagens, pois havia o perigo da idolatria, coisa já prevista em vários trechos do Antigo Testamento. Mas sobretudo no Oriente, os cristãos passaram a utilizar-se de imagens - pintadas ou esculpidas - como adorno e ilustração dos textos sagrados. Em seguida, essas imagens passaram a ser reverenciadas. Surgiram símbolos e figuras que lembravam os mistérios do cristianismo. Artistas começaram a pintar e esculpir imagens de Jesus como pastor ou como pescador, ou ilustrando as parábolas dos Evangelhos. Era uma forma, para o povo analfabeto, de conhecer em imagens as histórias da Bíblia.

O auge do trabalho dos artistas iconográficos se deu nos séculos IV e V, com o apoio da hierarquia da Igreja. Eles ilustravam as histórias da Bíblia e decoravam templos e mosteiros com imagens do “Cristo Pantocrator” (palavra grega que significa “Todo-poderoso”, “Onipotente”) e dos santos cristãos. Foi no Império Bizantino onde a prática da iconografia alcançou uma exuberância muito grande. As imagens eram pintadas em Têmpera, mas também se usavam lâminas de ouro e incrustavam-se pedras preciosas. O culto a elas cresceu em importância e se popularizou de tal forma entre os cristãos ortodoxos, que todos queriam saudar e beijar essas representações da divindade.

Quando a Rússia incorporou a prática da Religião Ortodoxa em seu território - oficialmente inaugurada pelo príncipe Vladimir no século IX - pintores de ícones de Constantinopla foram chamados para pintar em igrejas e mosteiros que começaram a surgir em Kiev, Vladimir, Zvenirogod, e depois Moscou. Foi lá que surgiram as Iconostases, paredes inteiras contendo ícones, que fica entre o altar e o espaço onde se reúnem os fiéis.

"Mãe de Deus"
Coleção do British Museum de Londres
Mas no século V também havia começado o costume de acender velas junto aos ícones, nas igrejas ou em casa, pois toda família cristã tinha o seu próprio altar. Acendiam-se incensos, se beijava as imagens. Dizia-se naquele tempo que quando se beijava um ícone, beijava o próprio santo representado. Essa prática começou a surgir entre o povo, segundo os estudiosos, e somente depois é que os Teólogos passaram a buscar justificação, quando não corrigiam essas práticas. Como é de se supor, o povo nem sempre fazia muita distinção entre “veneração” e “adoração” e as narrativas de graças alcançadas e mesmo milagres eram descritos, relacionados a essas imagens. Os monges assumiram também essas crenças, que disseminavam ainda mais, com o fim de aumentar o número - e a fé - de seus fiéis.

Desta forma, alcançaram grande poder e com isso atraíram a violenta perseguição ao culto de imagens que durou mais de um século. A fundamentação teórica vinha de vários lados: os judeus citavam o livro do Êxodo no qual Deus teria proibido a fabricação de imagens; os muçulmanos citavam o Alcorão em cujo texto Maomé teria abominado esse tipo de culto; dentro da própria igreja, discussões consideradas heréticas esquentavam o clima entre os chamados Nestorianos, que insistiam na separação das naturezas humanas e divinas de Jesus, e os Monofisistas, que defendiam que havia uma união entre Jesus homem e Deus. Essas lutas ideológicas acabaram por também influenciar o movimento iconoclasta.

O Império Bizantino estava sob ameaça do islamismo que, além de outros interesses, repudiava as práticas religiosas ortodoxas. O imperador Leão III (717-741), de origem síria, conhecia as disputas intelectuais dos heréticos, além da religião islâmica. Os bizantinos, assim como os gregos, gostavam de imagens, enquanto que seus oponentes queriam uma espiritualidade pura e jamais representavam seres vivos. A arte islâmica era feita de figuras simbólicas abstratas, em especial geométricas, e com elas decoravam suas mesquitas.

"São Jorge em luta contra o dragão".
Coleção do British Museum de Londres
Leão III começou então, a partir de 724, uma campanha contra as imagens, ordenando que todas fossem destruídas. Os bispos ortodoxos reagiram e tiveram o apoio do Papa católico Gregório II que condenou a iconoclastia de Leão III. Mas a perseguição continuou sob as ordens deste imperador. No Concílio Romano de 731, o papa Gregório III confirmou o apoio ao uso de imagens como parte do culto cristão.

Com a morte de Leão III, assume seu filho Constantino V, que continuou a campanha iconoclasta do pai. Em 28 de agosto de 753 reuniu numerosos sacerdotes, com o Patriarca que ele tinha escolhido, e reforçou o decreto: as imagens deveriam estar definitivamente proscritas de Bizâncio. Mas os sacerdotes confirmaram o culto à imagem de Maria e dos santos. A reação de Constantino V foi violenta e muitos desses padres foram mortos.

Apesar de toda essa perseguição, nunca se conseguiu abolir definitivamente as imagens religiosas da vida do povo. O próximo imperador, Leão IV, também era iconoclasta mas em seu governo não houve mais perseguição aos ícones. Sua esposa, Irene, venerava imagens ela própria e, assim que o marido morreu, em 780, ela tentou acabar com a iconoclastia. No Concílio Ecumênico de 787, realizado em Niceia, os iconoclastas foram condenados. Estava restabelecida a união das igrejas católica e ortodoxa, o culto das imagens e a veneração dos santos.

Em 843 se restabeleceu a prática do culto às imagens no Oriente e a arte sacra voltou a receber um impulso excepcional, que durante muitos séculos deu trabalho e ganho de vida para centenas de artistas. São Tomás de Aquino, o filósofo da igreja católica, via na imagem uma função tripla: como instrumento de instrução do povo analfabeto, como modo de contemplar os mistérios sagrados e como estímulo para a fé. Para os novos teólogos, a Natureza era uma espécie de reflexo de Deus, pois o homem havia sido criado “à imagem e semelhança” dele. No Evangelho, há um trecho em que Jesus teria dito: “hoje vemos por um espelho e de forma velada, mas depois veremos face a face”...

Todos esses eram bons argumentos para que voltasse a prática do uso de ícones. Os teólogos ortodoxos defendiam a representação em imagens, como se fossem a própria encarnação de Deus. Para eles, o ícone é uma pintura sagrada: “quanto o Evangelho expressa com a palavra, o ícone proclama com as cores e o torna presente”, diziam eles.

Mas iconoclastas e não-iconoclastas se sucediam no poder, como Leão X, o armênio, que voltou a perseguir os adoradores de imagens. Isso fazia um certo sentido: o Imperador via seu poder posto em dúvida se o povo dava às imagens de santos muito mais poder que a ele… Nessa época também surgia a novidade do poder absoluto do Papa de Roma em questões de fé, coisa que representou um motivo a mais para a divisão entre as igrejas católica e ortodoxa.

"São Nicolau, trabalhador maravilhoso"
Coleção do British Museum de Londres
Em 1054 ocorreu o famoso “Cisma” que separou as igrejas Católica romana e a Ortodoxa, quando os líderes das igrejas de Constantinopla e de Roma se excomungaram mutuamente. Desta forma, a igreja católica começou a se afastar também desta prática de arte sacra, adotando o estilo de imagens mais tradicional. Até que surgiu a pintura do italiano Giotto (1267-1337), com a qual se reinicia um ciclo de arte religiosa, mas não sagrada. Seus santos pareciam-se a seres humanos comuns e com isso Giotto ia abrindo espaço para a visão humanista do mundo que marcou depois o Renascimento. E também foi nascendo a pintura de imagens na forma como chegou a nós, ou seja, sem nenhum caráter sagrado, religioso.

Mas, ainda nos dias atuais, os ícones ocupam um lugar importante nos países de cristianismo ortodoxo como a Rússia. Eles se encontram em templos e mosteiros, mas também podem ser encontrados ao longo de estradas, nos cruzamentos, nos pórticos e entradas de povoados, nas residências. Neste caso, está sempre localizado na entrada da casa e acompanha o fiel durante toda sua vida. Em alguns lugares, os ortodoxos recebem um ícone ao serem batizados e um outro no dia de seu casamento. Com eles, os pais abençoam os filhos que partem, pedem saúde, longa vida, prosperidade… O ícone, para a cultura ortodoxa, é uma espécie de “presença” da divindade.

Nele, a luz é irradiada do seu próprio fundo, feito com lâminas finas de ouro. No início, não havia paisagens, nem plantas, nem animais, apenas a imagem do santo. Com o passar do tempo, as pinturas passaram a ter mais profundidade, com a técnica renascentista do sfumato, e as paisagens começaram a servir de background para as figuras. Mas a ideia original de que o ícone representava uma espécie de epifania do invisível, ainda continua valendo. Ele faz com que a visão tenha uma certa primazia em relação à palavra, já que capta a essência da divindade, a qual as palavras são pobres para descrever…

Por isso, na Rússia ortodoxa, a pintura do ícone não tem o mesmo significado que uma pintura para nós ocidentais. Para eles, são representações sagradas do mundo espiritual. Um dos pensadores ortodoxos, o santo João Damasceno (675-749), nascido em Damasco, na Síria, disse:

“O que é um livro para os que sabem ler, é uma imagem para os que não lêem. O que palavras ensinam ao ouvido, as imagens ensinam aos olhos.”

Toda essa religiosidade peculiar da cultura russa ortodoxa pode ser encontrada de forma muito corrente nos romances de Fiodor Dostoievsky e nos de Tolstoi. Foi em busca dela que, em fins do século XIX, o pintor Vassili Kandinsky resolveu percorrer os povoados russos para observar estas pinturas dentro das casas dos camponeses, que ele transformou em diversos quadros. Foi essa religiosidade popular, com toda a cultura que se criou em torno dela, que levou artistas e intelectuais russos do século XIX e começo do XX a buscar as raízes culturais de seu povo, que expressaram em obras de arte que vão da pintura ao teatro, da música à poesia...

"Subida gloriosa aos céus do Profeta Elias".
Coleção do British Museum de Londres

Tríptico sobre a vida de Maria.
Coleção do British Museum de Londres
Cristo Pantocrator, rodeado por vários santos.
Coleção do British Museum de Londres
16 cenas sobre a vida de São Bonifácio.
Coleção do British Museum de Londres
São Jorge e o dragão.
Coleção do British Museum de Londres

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte V - O Amarelo

Meninos no balanço, Candido Portinari, 1960, óleo sobre tela
Seguindo nosso resumo do “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos para a terceira das três cores primárias, o Amarelo. No próximo e último post sobre o livro do estudioso francês, concluiremos falando do Preto e do Branco.

O Amarelo

O Amarelo, na Antiguidade, era uma cor bastante apreciada. Os romanos, por exemplo, se vestiam de amarelo em determinadas cerimônias, como as de casamento. Mas especialmente nos países asiáticos esta cor sempre foi valorizada. Na China, durante muito tempo, era a cor reservada ao imperador, e ela até hoje ainda ocupa um lugar importante na vida cotidiana dos chineses, associada ao poder, à riqueza e à sabedoria. 

Mas no mundo ocidental, o Amarelo está sempre por último na ordem de preferência das cores... Vamos ver porque...

Isso pode ter origem na Idade Média, observa Michel Pastoreau. O Amarelo sempre sofreu a concorrência da cor dourada que, esta sim, absorve todos os símbolos positivos do amarelo, ou seja, tudo o que evoca a luz, o sol, o calor, a vida, a alegria, a força. O Ouro é visto como a cor que brilha, clareia, aquece… Por isso o Amarelo, destituído de seus aspectos positivos, parece uma cor opaca, triste, que lembra o outono, as folhas caindo das árvores, o declínio, a doença… E claro que acabou simbolizando também a traição, o engano, a mentira… 


"O beijo de Judas", Giotto, 1304
Podemos ver isto através da análise do imaginário medieval, onde as pessoas sem valor eram obrigadas a se vestir de amarelo. Em Roma, os cavaleiros criminosos são descritos vestindo-se nesta cor. Judas Iscariotes, da Inglaterra à Alemanha, incluindo toda a Europa, estava sempre portando vestes amarelas, especialmente após o século XII. Judas, ao longo do tempo, foi absorvendo todos os caracteres de uma pessoa infame e até mesmo seus cabelos eram pintados de loiro. E para piorar a situação do pobre traidor do Cristo, os artistas ainda o representavam… canhoto! E isto tudo é pura construção simbólica medieval, uma vez que em nenhum momento os textos bíblicos fazem qualquer referência à cor de suas roupas ou de seus cabelos. Mas o Amarelo, em consequência, passou, desde então, a ser a cor dos traidores. No o século XIX os maridos traídos era caricaturizados vestidos de amarelo ou fantasiados com uma gravata amarela. Isto sem falar que o enxofre representa simbolicamente o diabo e é amarelo…


Nos manuais de receitas para a fabricação das cores, que datam do fim da Idade Média, o capítulo sobre o Amarelo é sempre o mais curto e sempre se encontra relegado ao final dos livros. Ou seja, esta cor além de presentar a traição e a mentira, também era a cor do ostracismo imposto àqueles que queremos excluir ou condenar, como era o caso dos judeus. O conjunto das comunidades judaicas era representado em amarelo, assim como nas imagens. Depois do século XIII, os concílios católicos se pronunciaram contra o casamento entre cristãos e judeus e mandam que estes últimos carreguem consigo um sinal que os distinga. No princípio, este sinal era ou uma roseta, ou uma figura representando as tábuas da lei, ou uma estrela que evocasse o Oriente. Bem mais tarde, na Alemanha nazista, foi instituída a obrigação, aos judeus, de portar uma estrela amarela no peito, numa evidente relação com a simbologia medieval. É preciso ressaltar ainda, sobre o período medieval, que foi desenvolvido um verdadeiro ódio em relação aos não-cristãos. Assim como Hitler pregava a intolerância contra aqueles que não pertencessem à raça ariana.

No Renascimento, a cor amarela aparece nas pinturas. Como aparecia desde as pinturas rupestres (junto com os tons ocres) e nas obras gregas e romanas. Mas nos séculos XVI e XVII, o Amarelo toma novo lugar na palheta dos pintores, com o surgimento de novos pigmentos como o Amarelo de Nápoles, tão utilizado pelos pintores holandeses do século XVII. É preciso observar que nas pinturas murais, certos tons de amarelo perdem sua cor ao longo do tempo tornando-se pálidos, ou mesmo esbranquiçados. Ele estava presente também nos vitrais do século XII, mas sempre pra indicar traidores e criminosos. Essa depreciação do Amarelo - diz Pastoreau - chegou até os Impressionistas, que seguiram em outra direção. 

Porque entre os anos 1860-1880 uma mudança se produz na palheta dos pintores que saíram do interior de seus ateliês para ir pintar ao ar livre. Era também o momento em que a arte, referendada pela ciência, afirma que existem três cores primárias: O Azul, o Vermelho e o Amarelo. Foi o momento da reabilitação da cor amarela e é possível que o desenvolvimento da eletricidade tenha igualmente contribuído para esta primeira retomada do valor desta cor.


"Retrato do pai Tanguy", Van Gogh, 1887
(ao fundo da figura principal, vemos paisagens
e figuras de origem asiática que muito
impressionaram Vincent)
O pintor Vincent van Gogh fez amplo uso dos tons amarelos em seus quadros, assim como Gaguin, Monet, Seurat... O inglês William Turner criou céus intensos, luminosos, quase sólidos, em nuances que iam do Vermelho, passando pelo Laranja e pelo Amarelo. O mundo brilha lá fora, sob intensas tonalidades de Amarelo... Neste verão quente paulistano nossos dias tem sido intensamente tomados de amarelo...

Michel Pastoreau concorda com o jornalista Dominique Simmonet que essa mudança de status do Amarelo acontecida no final do século XIX tenha direta relação com todos os movimentos revolucionários da época, que atingiam também a vida privada e a moral ocidental. Sim, diz Pastoreau, as “cores refletem em efeito as mudanças sociais, ideológicas e religiosas, mas elas também absorvem as mudanças técnicas e científicas do mundo”. E isto tudo vai criando novos gostos e, obrigatoriamente, um novo olhar, um novo simbolismo.

Mas na vida cotidiana e nos gostos ocidentais, o Amarelo ainda guarda um lugar limitado. Falamos, por exemplo, de “sorriso amarelo” como uma forma negativa de expressão; poucos usos fazemos do Amarelo em nossas roupas, em nossos mobiliários, em nossos automóveis… Ainda por cima, a cor amarela ainda está ligada à falta de saúde, à cor dos cadáveres, ao outono…


"Intoxicados", John Singer Sargent, óleo sobre tela, 1918-19


Mas é a cor dos Correios, em muitos lugares, incluindo o Brasil. Há muito tempo os alemães e suiços já representam seus correios em amarelo, depois a França e todos os outros países. Também temos o sinal de trânsito amarelo, pedindo “atenção”, e no futebol, uma infração média é punida com o cartão amarelo do árbitro.

Quanto ao dourado, voltamos as costas para ele em nossos dias e pouco o utilizamos em nosso dia a dia. Isso vem do tempo em que os Protestantes do norte europeu começaram a condenar o luxo e o fausto das jóias e do ouro. Desde o começo do século XX a cor dourada se tornou vulgar, se usado em excesso. Atualmente, especialmente aqui no Brasil, uma pessoa cheia de correntes e pulseiras douradas - mesm que de ouro legítimo - representa mais a cafonice brega dos “novos ricos”.

Quanto ao Laranja, muito próximo ao Amarelo, acabou herdando do dourado todo o lado positivo que seria da cor amarela: a alegria, a vitalidade, a saúde, a vitamina C. A energia do sol é muito melhor representada em Laranja.

Enfim, tudo isso mostra como nossos gostos e nossa cultura muda ao longo do tempo, e com ela a nossa percepção simbólica das cores. Nos esportes e nas roupas de lazer, a cor amarela se encontra muito presente nos dias atuais. Mas surge pontualmente em roupas e objetos que fogem ao padrão industrial, sendo usada como uma forma de estar à parte dos usos, costumes e moralidades contemporâneas. Nas roupas dos nossos jovens mais “descolados” o Amarelo está em seus tênis, meias, bermudas, camisetas, bonés… Como estava presente no mobiliário da década de 1970, por exemplo, pós movimentos revolucionários de 1968, quando a cor amarela surgiu em geladeiras, fogões, sofás, abajours. 

E na canção "Yellow Submarine” dos Beatles…


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Esplendores do Vaticano na Oca do Ibirapuera

Detalhe do teto da Capela Sistina, no Vaticano, pintada por Michelangelo:
A criação de Adão. Afresco. Cerca de 1511.

O Vaticano, sede da igreja católica, possui um dos maiores acervos de obras de arte. Não somente da arte europeia representativa de séculos diversos, mas também de diversas culturas, como a do Egito antigo e da Assíria.

Uma pequena parte desse acervo poderá ser vista em São Paulo, na Oca do parque do Ibirapuera, a partir de 21 de setembro próximo. A exposição intitulada “Esplendores do Vaticano: uma Jornada Através da Fé e da Arte”, chega ao Brasil com apoio do Ministério da Cultura, de um banco e da Arquidiocese de São Paulo.

São 200 itens, entre obras-primas de Michelangelo, Guercino, Bernini, Giotto e outros, além de vestimentas, relicários, mapas, documentos e ambientes cenograficamente recriados, como o teto da Capela Sistina. Peças que, na sua maioria, nunca saíram do Vaticano.

Os trabalhos artísticos serão expostos em ordem cronológica e as coleções serão organizadas em 11 galerias, representando as diversas épocas da igreja e sua relação com a arte.

Essa exposição chega pela primeira vez à América Latina depois de ter sido vista por um milhão e meio de visitantes nos Estados Unidos. A curadoria é do monsenhor Roberto Zagnoli, que trabalhou no Vaticano durante 15 anos como Diretor do Departamento de Etnologia dos Museus do Vaticano.

Haverá uma projeção da famosa Capela Sistina no teto da Oca, e uma visita virtual à obra, com detalhes dos afrescos monumentais pintados por Michelangelo, além de vídeos que mostram detalhes da arquitetura e dos locais mais visitados do Vaticano.

O detalhe negativo deste outro importante evento cultural que está ocorrendo em São Paulo, é o preço do ingresso: R$ 44,00, mesmo com o apoio de um banco, de uma empresa telefônica e do Ministério da Cultura. O que mais uma vez nos faz questionar os motivos porque os espaços culturais de São Paulo não possuem projetos de incentivo para que a população menos favorecida possa ter a oportunidade de visitar essas exposições, com preços a seu alcance, ou mesmo com dias gratuitos de visita. Deveriam seguir o bom exemplo do CCBB que trouxe a São Paulo uma exposição com 85 quadros dos Impressionistas expostos no Museu d'Orsay de Paris, totalmente gratuito!

Serviço:
“Esplendores do Vaticano: uma jornada através da fé e da arte”
De 21 de setembro até 23 de dezembro de 2012.
Segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 20h (acesso até 19h);
Sábados, domingos e feriados, das 09h às 19h (acesso até 18h).
Local: 
OCA – Pq. do Ibirapuera – SP - Av. Pedro Alvares Cabral, S/Nº, Portão 03.
PREÇO DOS INGRESSOS
INTEIRA: R$ 44,00
MEIA ENTRADA: R$ 22,00

Molde da famosa "Pietá" de Michelangelo Buonarrotti, de 1499 - a exposição da Oca
mostrará esta réplica