Mostrando postagens com marcador Revolution. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Revolution. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A arte russa do século XX - o Realismo Socialista - FINAL

"Pomar em flor", Alexandr Gerasimov, 1935
óleo sobre tela, 124 x 133cm, Coleção privada
Há ainda hoje um profundo desconhecimento sobre a arte russa do século XX a partir de 1930, eivado de observações com viés ideológico de forte caráter emocional. Desde a Guerra Fria, tudo o que diz respeito à arte da URSS tem sido estereotipado, rejeitado, subestimado… Estas são observações do crítico e pesquisador inglês Matthew Bown, autor do livro “Realism Socialist Painting”.

Há anos esta questão me intrigava: por que se diz - inclusive entre a esquerda - que era tão ruim a arte russa do Realismo Socialista?

- “Porque foi imposta... arte doutrinária... dirigismo”... são críticas bem comuns de se ouvir.

Mas... isso não é uma novidade no mundo da arte! A arte bizantina foi uma estética imposta; boa parte da arte do Renascimento foi dirigida pela Igreja, que contratara os melhores artistas para produzirem arte de propaganda religiosa; a arte acadêmica francesa era tão imposta que Gustave Courbet e depois os pintores Impressionistas tiveram que enfrentar seus teóricos e militantes para ter liberdade de pintar outros temas e de outra maneira; o maior dirigismo artístico aconteceu nos EUA que impôs a arte abstrata como estética desde o final da década de 1940; o sistema da arte contemporânea - na atualidade - impõe a arte que interessa ao mercado, que lucra bilhões de dólares com ela, escolhendo aqueles artistas que se enquadram em seu sistema e se curvam à sua estética… Então!

Então a crítica à arte russa pós-1930 usando esses argumentos, é, no mínimo, desconhecimento da história da arte, e da manipulação da arte feita pelo próprio capitalismo…

Capa do livro
Em 2008, 2010 e 2017 pude ver de perto - em viagens a Berlim, Varsóvia e Londres - exposições sobre arte soviética. E o que vi, vai muito além do conceito de “arte de propaganda”, reforçando minha convicção de que até mesmo a esquerda se deixa influenciar pela propaganda ideológica iniciada na Guerra Fria...

Nesse meio tempo, tive acesso ao livro “Realism Socialist Painting” publicado em 1998 por um professor da Yale University de Londres, nada comunista, nada marxista… O livro, além de um texto denso, possui 544 ilustrações. Matthew Cullerne Bown tem se dedicado à pesquisa sobre a arte russa, sendo considerado uma autoridade atual no assunto. É autor de mais dois livros: “Contemporary Russian Art” e “Art under Stalin”.

Em “Realism Socialist Painting”, logo nos primeiros parágrafos, dei com os olhos na seguinte afirmação do autor: “a história do Realismo Socialista é a história de um extraordinário movimento de arte do século XX”.

Ele propõe uma visão sobre a arte soviética que vá além da arena político-ideológica, criticando o fato de que todos os que se debruçaram sobre o tema, sempre foram muito mais guiados pelo viés político. A começar pela publicação, já em plena Guerra Fria, de um livro de autoria de Konstantin Umanski, a partir do qual foram se criando narrativas homogêneas “a fim de dar a impressão de que a arte da Vanguarda tinha sido a única contribuição russa para a arte do século XX” (Bown). Esta posição foi reforçada pelo livro da inglesa Camilla Gray, “Experimento. Arte russa” publicado em 1962, que gerou grande quantidade de publicações, onde se admirava a Vanguarda Russa como baluarte da arte do século XX. Ele analisa detalhadamente a opinião de vários desses autores, discordando de todos.

"Moça com camiseta de futebol"
Alexandr Samokhvalov, 1932
óleo e têmpera sobre tela
102 x 64cm, Museu Estatal
Russo de São Petersburgo 
Diz Matthew: “É correto e razoável ligar a vanguarda russa com a ocidental. Mas a exclusão da arte soviética de depois de 1922 por um número enorme de ‘histórias da arte’ do século XX, equivale a uma significativa deformação da nossa história da arte”.

Mas Bown cita também a tese do filósofo Boris Grois, segundo o qual a arte russa, sob Stalin, “foi, em última análise, responsabilidade dos artistas da vanguarda” que tinham um discurso artístico-político dentro do qual cada decisão concernente à construção estética do trabalho artístico era avaliado como uma decisão política e vice-versa. Grois afirmou que “a estetização da política, no que diz respeito às lideranças do Partido, era apenas uma reação à politização da estética”. Os futuristas soviéticos, assim como os outros artistas de vanguarda, se inspiravam nas ideias de revolucionários como Anatole Lunacharsky. “Não o contrário”, diz Bown. Lembre-se de que as ideias de Lunacharsky sobre arte incluía a defesa de uma arte de classe, plenamente identificada com o proletariado em processo revolucionário.

Mas até o final da II Guerra havia um certo flerte dos norte-americanos em relação à URSS, incluindo o Realismo Socialista. Clement Greenberg, influente crítico de arte que depois se tornaria agente da CIA, no começo dos anos 1930 nutria simpatias pelo Socialismo. Também como ecos do coletivismo pregado na URSS que dava apoio estatal para os artistas, o governo dos EUA criou também o “Federal Art Project”, que passou a dar apoio financeiro a milhares de artistas norte-americanos. Diego Rivera, artista mexicano e comunista declarado, recebeu apoio nos EUA para criar uma série de murais onde apareciam Lenin e outros líderes marxistas. “Apesar disso ser tão surpreendente…”, observa Bown.

No mundo das histórias em quadrinhos surge nos EUA, em 1930, a figura do Superman, que compartilha com as imagens do Realismo Socialista as ideias sobre o “Novo homem”, o Super Homem, másculo, ativo, que apontava para o alto e para além, o defensor dos fracos… e que possui uma capa… vermelha!

O embaixador dos EUA em Moscou, na década de 1930, Joseph Davies, se tornou - segundo Bown - o maior colecionador individual de pinturas do Realismo Socialista. Através dele e de outros, como o artista ex-futurista David Burlyuk, a arte soviética se tornou conhecida nos salões de Nova Iorque, onde convidados apresentavam essa arte para amplas audiências norte-americanas.

Mas Greenberg publicou um ensaio em 1939 intitulado “Vanguarda e kitsch”, onde define a cultura dominante na URSS - o Realismo Socialista - como kitsch, assim como o cinema de Hollywood da época. Mas Greenberg, diz Bown, “parece ter reconhecido que tal arte foi capaz de alcançar um alto grau técnico”, uma arte que falava às massas, com quem tinha “empatia”.

É preciso lembrar que até o começo da Guerra Fria, os artistas norte-americanos tinham liberdade de expressão. Após a II Guerra, em solo norte-americano “arte realista era arte comunista”; e eram perseguidos, no período do macartismo, os artistas que se identificassem com isto. Acrescenta Matthew Bown: “Na América e Europa Ocidental predomina a Abstração, promovida pelos críticos (e pela CIA, pelo Conselho Britânico e por outros órgãos governamentais) como metáfora de liberdade e de predomínio da individualidade. Enquanto na URSS, o Realismo Socialista reivindicava o predomínio da coletividade e da responsabilidade social”.

A campanha anti-soviética se espalhou no final dos anos 1940 e “moldou as atitudes ocidentais em relação ao Realismo Socialista desde então.”

"Amigas", Fedor Sychkov, 1930,
81 x 68cm, coleção privada
O consenso criado entre os críticos de arte era o de que a arte contemporânea "importante" é aquela cujas características estão intimamente associadas ao Modernismo, que possuiria, este sim, uma visão "original”. Esse consenso incluiu artistas e intelectuais de esquerda.

Em 1990, Igor Golomstock, um russo emigrado, publicou o livro “Arte totalitária” que inaugurou a moda de ligar a arte russa e a imagem de Stalin ao totalitarismo, informa Matthew Bown. “Mas”, diz ele, “dispenso o modelo totalitário, porque é pouco útil para desvendar a arte soviética”. Falar de “totalitarismo” em relação à arte soviética, segundo ele, reduz a pesquisa e restringe a investigação, simplificando “demais os debates sobre a forma artística que permaneceu em atividade durante todo o período soviético”, de 1930 até o final de 1980.

O professor Bown se diz contrário a avaliar o Realismo Socialista como um monolito imutável. A arte pictórica produzida na URSS não estava restrita àquela que depois ficou conhecida no Ocidente: punhos erguidos para o alto, retratos de Stalin. Ele afirma que o controle maior sobre a arte, por parte do Estado soviético, estava mais restrito às grandes cidades como Moscou e São Petersburgo. No país inteiro artistas produziam fertilmente. “A pintura do Realismo Socialista, amplamente definida, compreende um excelente movimento do nosso século na pintura realista”, diz Bown, que segue: “Ela envolve o patrocínio da pintura realista numa escala incomparável em qualquer lugar do mundo e engaja, por décadas, o talento de milhares de artistas através de um vasto e multiracial império”. 


“Dia de sol”, Mai Dantsing, 1965, óleo sobre tela, 188x208 cm, Coleção privada
Como surgiu o Realismo Socialista

A Rússia do começo da década de 1930 era um país em reconstrução. Havia passado por anos de guerra civil, por períodos de fome generalizada. Stalin defendia a necessidade urgente da industrialização do país e da construção de instrumentos sólidos de defesa militar contra os ataques que viriam.  A produção industrial e agrícola aumentou ao longo do período. O racionamento de alimentos básicos foi revogado em 1935. Em discurso ao I Congresso de Todos os Sindicatos Stakhanovitas em novembro, Stalin estabeleceu o tom oficial da década, pronunciando a notória frase: "A vida melhorou, camaradas, a vida ficou mais alegre". 

O termo “Realismo Socialista” apareceu pela primeira vez em maio de 1932 na revista “Novo Mundo”, principal fórum de discussão teórica. Em 26 de outubro, em um encontro entre escritores e Stalin realizado na casa de Maximo Gorki, os princípios do Realismo Socialista foram expostos com algum detalhe. Bown diz que entre 1932 e 1934 foram publicados 64 artigos sobre o tema, o que mostra o amadurecimento do debate sobre o assunto. Em 1933, o próprio Gorki publicou o ensaio "Sobre o Realismo Socialista". 


"A Mãe", Alexandr Deineka, 1932,
óleo sobre tela, 20 x 159 cm,
Galeria Tretyakov
Em 1934, no I Congresso dos Escritores Soviéticos, realizado em Moscou, Andrei Zdanov, Gorki e Igor Grabar apresentaram o Realismo Socialista a uma audiência internacional. A composição dos delegados a este Congresso, segundo Bown, era: 27% de operários; 43% de camponeses; 13% de intelectuais; outros grupos sociais e convidados estrangeiros, completavam os outros 17%.

Mas enquanto isso ocorria, a vida artística fervilhava. 

Em abril de 1932, um Decreto do CC do PCUS havia fundado a União Nacional dos Artistas Soviéticos. Também foram criados comitês municipais de artistas em Moscou e Leningrado inicialmente e, nos anos seguintes, em outras regiões do país. Nesse novo contexto, encerrava-se o antagonismo entre os diversos grupos e se criava uma força dominante no mundo da arte. O comitê municipal dos artistas de Moscou, o mais importante, reunia artistas de várias categorias, não só pintores. Era um verdadeiro “corpo de elite” - observa Bown - e durante a década de 1930 havia mais artistas deixados de fora dele do que aceitos, tal era o nível artístico dos membros da União Nacional. Em 1933, esta entidade já contava com cerca de 600 membros. Em 1937, as uniões municipais chegavam a abrigar cerca de 2.500 artistas.
Detalhe de “Trabalhador
do setor energértico”, Isaac Brodsky,
1932, óleo sobre tela, 98x125 cm,
Museu Brodsky de São Petersburgo

A União Nacional dos Artistas Soviéticos era também um fórum de debates, onde as orientações da direção do Partido eram transmitidas. Seu conselho era eleito por uma reunião geral de membros, mas a lista dos candidatos ao comando principal era elaborada pela fração partidária dos artistas. Durante a década de 1930, esses nomes eram confirmados pelo Politburo, o Comitê Central. Pela sua importância, o comitê municipal de Moscou seguia as mesmas regras. 


Quinzenalmente realizava-se em Moscou assembleias de artistas em que seus trabalhos eram avaliados. Eram um evento significativo na vida artística da capital que reunia pintores e críticos bem conhecidos. As pinturas eram exibidas num palco e ficavam sujeitas às críticas da assembleia. Vladimir Kostin, um dos artistas, descreveu o evento como extremamente popular e respeitado, verdadeiras aulas de pintura.

A reorganização da educação artística nacional começou em meados de 1932. Em um discurso para os diretores de escolas de arte no verão daquele ano, Arkadev, chefe do departamento de arte da União, pediu um retorno aos métodos tradicionais de educação artística e disse: "Nós não precisamos de artistas que não conseguem desenhar". 

Em outubro do mesmo ano, foi reorganizada a Academia de Artes, que incluía: um Instituto de História da Arte, um Museu, uma Biblioteca e diversos laboratórios. Um decreto de abril de 1933 definiu a nova Academia como "uma instituição de pesquisa científica e científico-consultiva no campo das artes visuais e espaciais, e também uma instituição para a preparação de quadros artísticos com maior qualificação."

Os métodos soviéticos de ensino de arte foram moldados para produzir pintores com alta formação técnica, o que deveria também “elevar a criação da mais brilhante escola de pintura realista do século XX”, completa Matthew Bown.

Realismo Socialista?


"União em Sebastopol", Georgi Nisski, 1935,
óleo sobre tela, 77 x 101 cm,
Museu de Arte de Nizhni-Novgorod
O próprio termo é contraditório. Segundo seus teóricos, seria uma arte "realista em forma e socialista em conteúdo". Realista significa fidelidade à verdade, ao real. Socialista significava com “conteúdo de classe” e em convergência com as ideias do Partido. O objetivo era influenciar o pensamento, o sentimento e o comportamento das massas numa remodelação e reeducação do povo no espírito do Socialismo. As palavras Pravda - Verdade - e Pravdivost - Verdadeiro - se tornaram temas de amplos debates. Muitos deles referindo-se aos princípios do grupo “Os Itinerantes” do século XIX, e pintores realistas, entre eles Ilya Repin. 

Mas o conceito em si era pleno de idealismo!

Logo se viu que havia uma contradição no termo “realismo socialista”, pois a orientação era mostrar o futuro brilhante que o Socialismo traria. Mantinha a visão utópica, eivada de "romantismo revolucionário" e de um otimismo obrigatório. Gorki, Jdanov, Brodsky e Lunacharsky faziam esforços conceituais para dar coerência ao termo. Defendiam que Realismo, no caso, era ter uma visão "dinâmica" do mundo. Não era a busca da documentação da realidade como ela era, mas pintar a verdade sobre um país em mudança, ou seja, uma “verdade em movimento”.

Dinamov, em seu discurso para artistas de Moscou em 1932, disse: "Precisamos de realismo, mas não na compreensão pedante da palavra. Queremos que o artista retrate não só o que é, mas o que será”. Na tentativa de resolver essa contradição, Gorki defendia a necessidade de olhar para a vida atual "desde o auge dos grandes objetivos do futuro". E Jdanov: a realidade "em seu desenvolvimento revolucionário". E Lunacharsky: “Uma pessoa que não entende o desenvolvimento nunca verá a verdade, porque a verdade não se parece a si mesma, ela não fica quieta; a verdade flutua, a verdade é desenvolvimento, a verdade é conflito, a verdade é luta, a verdade é amanhã e assim deve ser vista. Quem não vê isso assim é um realista burguês”...

O romantismo revolucionário - também ressuscitando as ideias românticas do século XIX - se tornou um componente natural: a arte deveria inculcar amor pela vida e inspirar o sentimento da espera apaixonada pelo futuro.

“Embora fosse, é claro, um meio de justificar e fortalecer a propaganda partidária, o poder desse Utopismo - tanto seu poder sobre os artistas quanto seu poder sobre o público - decorreu do fato de que também era um reflexo dos sonhos e dos esforços das pessoas, que sofreram e aguentariam enormes privações na esperança de um amanhã melhor”, explica Matthew Bown.
“Marusia – uma mulher dos anos 1920”, Geli Korzhev, 1983,
óleo sobre tela, 97x226 cm, Coleção privada

Desenvolvimento da arte soviética


Em 1932, a retomada do funcionamento da Academia de Artes de Leningrado (São Petersburgo) e do Instituto de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou serviram, por si sós, a dar um tremendo fôlego à formação artística de jovens russos. Duas outras grandes cidades também criaram suas próprias escolas de arte, como Kiev e Tbilisi. Estes estudantes tornaram-se objeto de especial atenção no mundo da arte, inclusive fora do país. Havia exposições públicas anuais de suas obras, em museus, fábricas, galerias, lojas. O Museu Pushkin e a Galeria Tretyakov receberam essas mostras; em uma delas participaram cerca de 500 artistas.

Além disso, nas maiores cidades também surgiam escolas de arte destinadas a crianças maiores de 12 anos, preparatórias para entrar nos grandes institutos de Moscou e Leningrado. “Igor Grabar observou em um artigo de 1940 que estudantes destas escolas já estavam realizando composições profissionais aos 14 anos de idade”, observa Bown.

Emissários eram enviados para descobrir talentos jovens em todo o país. Um dos exemplos mais notáveis ​​foi o do jovem Stepan Dudnik, um órfão que, na década de 1930, estava fazendo trabalho pesado na construção do Canal do Mar Branco. Sua aptidão para o desenho foi notada e, com a ajuda de Gorki, ele foi enviado para fazer o curso de pintura no Instituto de Moscou. 

Matthew Bown destaca que a origem social desses artistas estudantes era 80 a 90% feita de trabalhadores e camponeses. A presença camponesa ainda era preponderante e, por causa disso - aponta o professor - nota-se a grande quantidade de pinturas de paisagens ou cenas da vida no campo.

"Um camponês", Vassili Yakolev, 1942,
óleo sobre tela, 65 x 50 cm,
Galeria Tretyakov
Sob direção do pintor Isaac Brodsky, em 1934, a Academia de Leningrado mantinha o método de instrução acadêmica bastante rigoroso, com particular ênfase no desenho. O sistema de ensino era baseado na observação da natureza e também nos estudos com modelo-vivo, considerado elemento central no processo educacional. A mesma diferença de abordagem na formação entre a Academia de Leningrado e  o Instituto de Pintura de Moscou, que se iniciara no século anterior, permaneceu: a Academia enfatizava a disciplina do desenho acima de tudo, enquanto Moscou enfatizava as qualidades pictóricas, com ênfase na pintura tonal e na prática da "pincelada ampla".

Em dezembro de 1939, por ocasião do 60º aniversário de Stalin, foi criado o Prêmio Stalin, que pagava até 100 mil rublos por trabalhos destacados nas ciências e nas artes. Isso era um incentivo excepcional para os artistas, que também já recebiam inúmeros pequenos outros prêmios e até mesmo bolsas de estudo para sua formação nas grandes escolas de arte.

Com tanto incentivo, alguns artistas mais premiados, montaram seus estúdios, muitos com aquecimento central e acessíveis por elevador, nos prédios da rua Maslovka, que aglutinava muitos desses ateliês e era uma verdadeira colônia de artistas em Moscou. Claro que havia escassez de material de arte, coisa que mereceu um artigo no jornal Pravda...

Grandes exposições de arte ocorreram entre 1932 e 1939, incluindo duas internacionais: em Paris (1937) e Nova Iorque (1939). A grande exposição da década, intitulada "A indústria do Socialismo", inaugurada em Moscou em 1939 atraiu dezenas de milhares de pessoas. Foi um enorme evento de arte, onde os artistas apresentaram também imensos paineis e murais, além de centenas de pinturas de todos os formatos. Em 1942 havia sido marcada uma exposição organizada por todos os sindicatos intitulada "Nossa terra nativa" destinada a marcar o 25º aniversário da Revolução. Nela, os artistas tinham livre escolha dos temas. Mas a II Guerra impediu sua realização.

Matthew Bown faz um profundo estudo sobre a arte soviética que alcança até o final dos anos 1980. Mas nos focamos em sua pesquisa sobre os anos 1930, com o intuito de informar que, muito além da imposição de uma estética para as artes, as políticas culturais do governo soviético naquele período causariam inveja a qualquer artista de país capitalista!


O tremendo movimento de arte pictórica realizado na URSS até 1989 é um evento a ser resgatado por historiadores de arte, pesquisadores e artistas. Inclusive para rever o que foi a verdadeira campanha internacional de degradação da arte do Realismo Socialista que atingiu até mesmo os comunistas. Não é possível incluir no mesmo caldo, de forma monolítica, toda a arte produzida naqueles país durante 70 anos! Enterrar o empreendimento criativo de artistas individuais e rebaixá-los dentro do mesmo edifício crítico e curatorial desta visão reducionista é, no mínimo, leviandade acadêmica.

----------------------------
Referências bibliográficas:
BOWN, Matthew Cullerne. Realist Socialist Painting. Londres: Yale University Press. New Haven & London. 1998.

GRAY, Camilla. O Grande Experimento. Arte Russa 1863-1922. São Paulo: Worldwhitewall Editora Ltda. 2004.
FERNANDES, Luís. Revolução Bipolar. São Paulo: Editora Anita Garibaldi. 2017.
----------------------------


ABAIXO, MAIS ALGUMAS IMAGENS DE OBRAS DO REALISMO SOCIALISTA:


Dom Quixote e Sancho Pança, Geli M. Korzhev, 1984, ost, 108 x 226 cm, Coleção privada

A compositora, Nicolai Leventsev, 1969, ost, 89 x 130 cm, Coleção privada


"Campos em paz", Andrei Mylnikov, 1950, óleo sobre tela, 200x400 cm,
Museu Estatal Russo de São Petersburg
----------
Banho, Maiya Kopyttseva, 1960, ost, 119 x 135 cm, Coleção privada


“À janela”, Alexandr Romanychev, 1968, óleo sobre tela,
119x99 cm, Coleção privada
O vale de Ararat”, Martiros Saryan, 1945, óleo sobre tela, 96x128 cm,
Museu Estatal de Artes dos Povos do Leste, Moscou

"Moça de bicicleta em uma fazenda coletiva", Alexandr Deineka, 1935, óleo sobre tela, 120 x 220 cm, Museu Estatal Russo de São Petersburgo
"Maternidade", Vasili Pochitalov, 1939
39,5 x 48,5cm, Museu de Artes Visuais de Kostroma
"O aeroplano ANT-20 Maximo Gorki", Vasili Kuptsov, 1934, óleo sobre tela,
110x121 cm, Museu Estatal Russo de São Petersburgo

"Um trator para trabalho na floresta", Arkadi Rylov, 1934,
135x187 cm, Galeria Tretyakov de Moscou

"Nana", Petr Vilvams, 1934, óleo sobre tela, 163x130 cm,Galeria Tretyakov de Moscou

"Um gigante na construção de máquinas agrícolas", Ekaterina Zernova, 1931
"Abril na casa materna de Lenin", Nikolai Abramov,
1969, óleo sobre tela, 239x198 cm, Coleção provada
"Milho", Alexandr Bubnov, 1948, óleo sobre tela,
180x390 cm, Museu Estatal Russo de São Petersburgo
"Colhedoras de chá", Mikhail Gabuniya, óleo sobre tela, 152x310 cm, Coleção privada

"Retornando do mercado de Novgorod", Petr Konchalovsky, 1926,
óleo sobre tela, 180x330 cm, Museu Estatal Russo de São Petersburgo

"Ataque a um abrigo inglês no Front do Norte", Yuri Pimenov, 1928
óleo sobre tela, 199x289 cm, Galeria de Pintura de Lvov
"Operária da fábrica de cigarros",
Alexandr Samokhvalov, 1928,
óleo sobre tela, 73 x 71 cm, Museu Estatal Russo de São Petersburgo

terça-feira, 13 de junho de 2017

Do pensamento simbolista, surge o ‘Mundo da Arte’


"Membros do movimento Mundo da Arte", pintura de Boris Kustodiev, 1916-1920
O grupo de artistas e intelectuais que se uniu no que ficou conhecido como “Mundo da Arte” (Mir Iskusstva, em russo), foi contemporâneo e bastante semelhante aos pintores simbolistas franceses, conhecido como “Les Nabis”. É o que aponta a pesquisadora Camilla Gray em seu livro “O grande experimento. Arte russa.”, que também narra:

“Emergiu de uma sociedade de colegiais, o ‘Pickwickianos do Neva’, que se tinha transformado numa ‘sociedade para a auto-educação’ sob a liderança de Alexander Benois em fins de 1880. A escola que todos frequentavam, o Colégio May, era uma instituição privada de classe média alta para os filhos da intelligentsia abastada de São Petersburgo, muitos dos quais de ascendência estrangeira”.

Era este o perfil dos membros do grupo que surgiu como um movimento no começo dos anos 1890, também paralelo ao movimento “Art-Nouveau” europeu. Eles desejavam representar “a vanguarda artística na Rússia” no final do século XIX e começo do XX. Era uma sociedade, que organizava exposições e depois editou uma revista.

Os artistas deste grupo - desenhistas, escritores, poetas e pintores - queriam influenciar a sociedade “e inspirar nela uma atitude desejável para com a arte - arte entendida em seu sentido mais amplo, o que vale dizer: incluindo literatura e música”.

"Alexander Benois", por Leon Bakst, 1898
Um de seus principais líderes foi Alexander Benois (1870-1960), desenhista teatral, produtor, crítico e historiador de arte. Nasceu em São Petersburgo, de família com ascendência alemã, francesa e italiana, e que pertencia a uma colônia estrangeira em São Petersburgo, criada na época em que o czar Pedro, o Grande, tinha trazido artistas do Ocidente para a Rússia, com o fim de ocidentalizar a cultura local, no século XVII.

A família Benois teve uma sucessão de artistas talentosos (incluindo arquitetos) que haviam dado uma grande contribuição à ocidentalização da Rússia. Os Benois não simpatizavam com as ideias de valorizar a cultura russa original, que consideravam bárbara e provinciana “e ao contrário de seus contemporâneos, seus membros não se desligaram do Ocidente”. Pelo contrário, por suas origens europeias, acompanhavam as ideias contemporâneas francesas e alemãs, assim como as italianas. Benois frequentou por apenas um ano as aulas de desenho - seu único aprendizado em arte - na Academia de Belas-Artes de São Petersburgo. 

Esta faceta internacional era a característica básica de o Mundo da Arte. Traziam a ideia da “arte como salvação da humanidade, o artista como sacerdote dedicado, e sua arte o caminho da verdade e beleza eternos.” O Mundo da Arte queria restaurar na Rússia a cultura que havia se perdido durante o período em que o movimento “Os Itinerantes”  (leia mais aqui) influenciou artistas e intelectuais russos. 

“Seu alvo era criar na Rússia um centro essencialmente internacional que contribuiria, pela primeira vez, com a corrente principal da cultura Ocidental.”

Retomaram o estudo das ideias alemãs, francesas e inglesas e fizeram uma reaproximação com o legado das reformas feitas por Pedro o Grande e por Catarina, que tinha sido totalmente desprezado pelos “Os Itinerantes”. 

Entre os “Pickwicknianos do Neva” (os fundadores do Mundo da Arte), estavam Dmitri Filosofov, Konstantin Somov e Walter Nuvel. Dmitri “Filosofov era um rapaz bonito e elegante”, filho de um importante membro do governo, um aristocrata - “era escritor, mas não muito criativo” - apresentou ao grupo o escritor Dimitri Merezhkovsky, “pensador religioso simbolista que contribuiu com a veia mística para as discussões do grupo.” Os membros do grupo se reuniam quase todos os dias, após as aulas, na casa de Benois. 

Revezavam-se em palestras, interrompidas por constantes risadas e gracejos, que as frequentes chamadas à ordem de Benois, sacudindo o sino de bronze da mãe, não conseguiam dominar totalmente”. Falava-se especialmente sobre artistas alemães, de Dürer a Liebermann e Corinth. Benois escreveu mais tarde que, nessa época, os impressionistas franceses não eram conhecidos na Rússia, sendo introduzidos somente após as exposições do Mundo da Arte no começo do século XX. Ele dizia que o livro de Émile Zola “A obra”, publicado em 1918, foi a primeira fonte de ideias impressionistas na Rússia.

Benois conheceu na Academia o estudante de arte Lev Rosenberg, que era pintor e desenhista teatral, mas cujo nome artístico ficou Leon Bakst, em homenagem ao avô. Apesar de ser o único que tinha origem mais pobre, Bakst se tornou líder do grupo e seu primeiro artista profissional - era dos “mais ferrenhos propagandistas do anti-academicismo, pois havia experimentado em primeira mão o frequente preconceito acadêmico contra qualquer coisa que ultrapassasse a fórmula tradicional”. 

Antes, ele também tinha sido aluno de Pavel Chistyakov e estava plenamente convencido do valor do realismo na pintura. Havia feito uma madona como uma velha de olhos vermelhos, vertendo lágrimas sobre o filho morto. Esta tela estava participando de um concurso com o tema “Pietá”. Quando Bakst foi chamado pelo júri, viu sua tela riscada com duas linhas de giz. Ficou furioso! Resolveu, depois disso, se juntar ao grupo Mundo da Arte por sua posição radical contra a Academia (mas que também era contra “Os Itinerantes”).

No final dos anos 1890, chegou a São Petersburgo um primo de Filosofov, Sergei Diaghilev, que logo foi apresentado ao grupo, com o qual não se identificou de imediato, comparecendo às reuniões com pouca frequência.

Após a formação escolar no Colégio May, a maioria dos alunos, como era de costume, foi para a Europa passar um ano, antes de entrar na Universidade de São Petersburgo: Benois tinha ido para a Alemanha, para se familiarizar com a arte contemporânea de Munique; Filosofov e Diaghilev tinham ido para Paris e voltaram bastante impressionados com as obras de Zuloaga, Puvis de Chavannes e do pintor escandinavo Anders Zorn.

Em 1893, um diplomata francês, Charles Birlé, que estava a serviço do consulado francês em São Petersburgo, foi apresentado aos “Pickwicknianos do Neva”, com quem ficou durante um ano e apresentou a eles os impressionistas franceses, em especial Gauguin, Seurat e Van Gogh.

Sergei Diaghilev era o menos criativo de todos do grupo, mas o mais prático. Por isso, logo que surgiu a ideia de publicar uma revista, como nenhum dos outros tinha aptidão prática para coordenar uma empresa como esta, o escolhido foi Diaghilev, que também era o responsável pela organização das exposições de arte. Em 1895 ele havia ido ao exterior e adquirido muitas pinturas para sua coleção.

O ano de 1896 foi um ano de dispersão do grupo. Benois, formado na universidade e casado, mudou-se para Paris, assim como outros que também foram para o estrangeiro.

Mas em 1897, Diaghilev retomou o grupo e organizou duas exposições: “Aquarelas inglesas e alemãs” e “Pintores escandinavos”. Em 1898 organizou a “Mostra de pintores russos e finlandeses”. Estas exposições foram grandes eventos artísticos e marcaram o Mundo da Arte como uma “sociedade de exposições”. 

Resolveram que era chegada a hora de ter uma revista, também intitulada Mundo da Arte. Mais uma vez o papel de organizador principal coube a Sergei Diaghilev, que, aliás, não era artista. Mas como o custo de produção era muito alto, procuraram o apoio da princesa Tenisheva, que tinha um centro de artes instalado em sua propriedade e era muito amiga de Benois; assim como o de Sava Mamontov, que havia se recuperado da falência e dirigia uma indústria cerâmica. O primeiro número de Mundo da Arte saiu em 1898, uma edição caprichada, que levou um ano para ser produzida, com clichés feitos na Alemanha.

Benois havia voltado de Paris e escreveu dois artigos iniciais: sobre os impressionistas franceses e sobre o pintor alemão medieval Pieter Brueghel. Este último artigo foi recusado, por não ser “suficientemente moderno”.

O grupo já havia se dividido em duas visões distintas: uma de esquerda, que “eram pelo ‘novo’ acima de tudo, e que, por princípio, atacavam tudo o que consideravam limitado, provinciano ou antiquado”; outros membros se posicionavam mais à direita, eram conservadores.

Na revista, Filosofov também publicou textos de representantes da primeira geração de simbolistas da literatura russa. 

Capa da revista Mundo da Arte, 1899,
por Jelena Dmitrijewna Polenowa
O Mundo da Arte, observa Gray, “inspirava-se na ideia de uma arte que existisse autonomamente, não subserviente a um tema de propaganda religioso, político ou social. (...) A Arte era vista como uma forma de experiência mística, um meio através do qual a beleza eterna poderia ser expressa e comunicada - quase um tipo novo de religião.”

O Simbolismo estava em alta em vários países da Europa Ocidental, como a França, e também tinha alcançado a Rússia. Na literatura, os escritores religiosos Merezhkovsky e Rosanov eram comparados aos franceses Baudelaire, Verlaine e Mallarmé.

No primeiro número da revista, incluiu-se ilustrações dos artistas do “Art-Nouveau” de vários países. Entre eles, os franceses Puvis de Chavannes (que teve muitos seguidores na Rússia), Monet e Degas. 

No último ano de publicação da revista, em 1904, ela se voltou mais para os artistas franceses, publicando-se nela imagens de obras pós-impressionistas. Mas os membros do grupo também nutriam ainda mais simpatia para com os artistas secessionistas de Viena, Böcklin e da Escola de Munique. O grupo publicou o último número da revista Mundo da Arte com a certeza de que havia cumprido o papel de restabelecer contato com a vanguarda artística europeia ocidental, preparando o terreno para uma “cultura internacional” na Rússia. 

Eles também haviam se voltado para a moda francesa recente de admirar a arte folclórica e primitiva, coisa que já havia atraído o interesse dos artistas do Círculo de Mamontov

“Contatos entre o movimento nativo de Moscou e o trabalho de Gauguin, Cézanne, Picasso e Matisse começaram em 1904 e continuando até 1914. Seu trabalho foi marcado por uma sucessão de exposições históricas, continuação lógica do movimento Mundo da Arte”.

Desde a exposição de 1900, as mostras de arte do grupo se voltaram mais para os artistas russos. Mas “havia duas tendências nesse estilo novo que poderiam ser, grosso modo, definidas como as escolas de S. Petersburgo e a de Moscou: a escola da linha e a escola da cor.” Falaremos delas mais abaixo.

Da escola de São Petersburgo, com artistas mais jovens, estavam: Benois, Somov, Lanseray, Dobuzhinsky e Bakst. Da escola de Moscou: Igor Grabar, Pavel Kusnetsov, Utkin, os irmãos Miliuti Sapunov e os líderes da futura vanguarda da década seguinte Larionov e Goncharova, que participaram pela primeira vez de uma exposição do Mundo da Arte em 1906. 

Tendo saído do movimento, Sergei Diaghilev a partir de 1905 passou a organizar por conta própria eventos que elevassem a arte e a cultura russa ao status merecido, dentro e fora da Rússia. Realizou em primeiro lugar uma exposição de pinturas de retratos do século XVIII, “o que significava recolher e juntar obras de arte completamente esquecidas e desprezadas, de remotas casas de campo do país inteiro.” Foi o que ele fez. O resultado foi brilhante. A exposição aconteceu no Palácio Taurida em São Petersburgo, e na inauguração estava o czar Nicolau II (lembremos que este foi o ano da primeira grande revolução que abalou o Império russo, e terminou com o assassinato em massa de uma manifestação de trabalhadores, executado pelas forças czaristas. O episódio ficou conhecido como “domingo sangrento”. Camilla Gray se cala sobre isso...)

Em 1906, Diaghilev organizou a seção de arte russa no Salon d’Automne em Paris, no Grand Palais. Eram 12 salas dedicadas à arte e cultura russas e a montagem foi organizada por Bakst. Foi uma mostra bastante ampla, apresentando desde a pintura de ícones a exemplos de todos os períodos da arte russa - com exceção das obras dos artistas do grupo “Os Itinerantes”. Foi desta exposição que participaram Mikhail Larionov e Natalia Goncharova.

Diaghilev também levou para Paris uma apresentação do “Balé russo” em 1909, que se apresentou no Teatro Châtelet e teve grande sucesso. Até 1914, Diaghilev levou anualmente a Paris alguma mostra ou apresentação musical:

“em que se pode localizar os vários temperamentos e linguagens que iriam compor o ‘Mundo da Arte’: o ressurgimento clássico favorecido por Benois; Roerich e a evocação de remotas culturas pagãs por Igor Stravinsky; o ressurgimento helenístico, refletido nos desenhos de Bakst (...); o impressionismo ornamental-decorativo de Golovin na tradição de Vrubel; os desenhos impressionistas de Korovin; e nos últimos desenhos de Larionov e Goncharova que, não só recuperam, em seus coloridos brilhantes e motivos formais, o retorno à arte folclórica dos artistas de Abramtsevo, mas antecipam o movimento futurista na pintura do qual eles foram os pioneiros na Rússia”
"O fantasma", Victor Borissov-Mussatov, 1903
O pintor mais importante desse período inicial da arte moderna russa, depois de Vrubel, foi Victor Borissov-Mussatov (1870-1905). Natural de Saratov, no Volga oriental, que era o principal centro de arte de província desta época até 1920. O Museu de Saratov ostentava uma coleção bastante erudita para a época e Mussatov , ainda criança, passou a frequentar as aulas de desenho no Museu. Foi depois para a Faculdade de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. Em 1891 transferiu-se para a Academia de Belas Artes de São Petersburgo, sendo um dos últimos alunos a estudar com Pavel Chistyakov.

Em 1895 foi para Paris, trabalhando durante 4 anos no estúdio de Gustave Moreau “famoso por sua breve acolhida aos futuros pintores ‘fauves’”. Mas seu interesse principal foi pela obra de Puvis de Chavannes e por causa dele,Mussatov passou a trabalhar num estilo “historicista”: seu fascínio pelo passado foi uma constante em seu trabalho, “o momento irrecuperavelmente perdido do qual ele parece lamentar-se para sempre”. Ele tornou a figura humana mais distante e misteriosa “uma visão secreta e ensimesmada da existência.”

Em 1895, morre Gustave Moreau e Mussatov volta à Rússia, indo para sua terra natal, Saratov. Um proprietário de terras cedeu a ele um parque abandonado com uma casa velha de estilo clássico, com colunas brancas e cúpulas arrendondadas, que aparecem várias vezes em seu trabalho. “Os azuis suaves e os verdes acinzentados, que Mussatov sempre usou, são as cores dos simbolistas por excelência”, observa Camilla Gray.

Os estilos pictóricos de São Petersburgo e Moscou

SÃO PETERSBURGO
MOSCOU
Ênfase na linha
Ênfase na cor
Influência dos cenários do teatro sobre a pintura de cavalete
Novas maneiras de criar o espaço, sem se ligar na perspectiva
Passaram das formas fechadas a formas abertas, rejeitando a modelagem tradicional
Sentimento simbolista
O sentido da distância se sobrepunha ao explícito senso de distância entre o espectador e o mundo
“o intangível, o misterioso, e não o defnido e compreendido, representam a realidade mais profunda”

O uso de silhuetas mais exageradas, que se pareciam mais a caricaturas do que figuras humanas, exibidas de perfil ou de costas para o espectador
Influência dos impressionistas franceses
Redução da figura humana a uma forma apenas ornamental-decorativa
Uso de cores lisas em tudo, como na pintura de ícones
Eloquência da linha divorciada da cor e da forma
distanciamento do realismo na cor e na forma
..................................................
Referência bibliográfica:
Gray, Camilla. O grande experimento. Arte russa. 1863-1922. São Paulo: Worldwhitewall Editora Ltda, 2004

"A senhora na cadeira de balanço" (esboço para um filme não realizado),
Mussatov, 1897
"A carta de amor", Konstantin Somov, 1911
"Tipos da cidade", Mstislav Dobuzhinsky, 1915 
"Nemetskaya", Alexander Benois, 1911
"Elizabeth Petrovna", Eugene Lanceray, 1905