quinta-feira, 28 de abril de 2011

Algo a ver com Perséfone?

Hoje, terceiro dia de Rio de Janeiro, fui até à Gávea, dar uma olhada no Instituto Moreira Salles, onde sempre há exposições. Foi para cá que veio primeiro a exposição de fotografias de Aleksandr Ródtchenko, antes de ir para São Paulo. Mas cheguei lá às 11 horas e ainda estava fechado. Abre às 13h, o que só descobri vindo ao local, após duas horas de ônibus e trânsito. Falha do portal, que não divulga o horário de funcionamento.

Enquanto isso, fui para o Museu do Universo, no Planetário do Rio, aqui também na Gávea. E por isso diria - dentro do velho ditado - de que os deuses escrevem certo por linhas tortas...

Plutão e Perséfone, de Gian Lorenzo Bernini,
escultor italiano, 1622
Lá no Museu do Universo vi, vendo a história da Astronomia e sua relação com a cultura dos povos, que os antigos - assim como nós - estavam visceralmente ligados às estrelas. E viam imagens nas estrelas!

Os povos de antigamente usavam o céu como pano de fundo de suas vidas, num tempo em que a luz artificial não ofuscava os céus... Nessa época não havia, nem em sonho, a "feia fumaça que sobe apagando as estrelas".

Os antigos projetavam nelas seus mitos, suas crenças, sua história. As estrelas eram pontos luminosos que se ligavam em linhas imaginárias, na imaginação de nossos antepassados. Ou pixels formadores de imagens. Olhavam ali para aquela multidão de estrelas e viam muito naquilo tudo!

Um exemplo dos mais bonitos sobre a rica capacidade humana de criar imagens e, com elas, criar sua cultura, sua riqueza artística, expor sua alma, está na constelação de Virgem. Nela, nossos antepassados viram estampado o drama da deusa Démeter, protetora da fertilidade e da agricultura. Démeter tinha uma filha de nome Perséfone. Ocorre que Plutão foi ferido pela seta de Cupido e por causa disso raptou a filha de Démeter e a levou consigo para o reino dos mortos.

Perséfone, do pintor italiano
Dante Gabriel Rossetti, pintada entre 1873-77
Desesperada, Démeter procurou a filha pela terra inteira e, não a encontrando, deixou de fazer com que o trigo nascesse. Júpiter, preocupado com isso, enviou o deus Mercúrio para que negociasse com Plutão o resgate de Perséfone. Um acordo foi feito, mas Plutão impõe uma condição que Démeter é forçada a aceitar: durante seis meses do ano Perséfone estaria com a mãe, e os outros seis meses permaneceria com ele, no Hades. Em troca desse acordo, Démeter só permite que a natureza floresça e dê frutos durante o período em que sua filha estiver com ela, período que começa na primavera e termina no final do verão. Nos seis meses em que Perséfone jaz prisioneira de Plutão, a terra não produz nada. É outono e inverno. Então quando as flores começam a brotar e a natureza dá seus frutos, enchendo tudo com mil tons de verde, é a mãe Démeter feliz com o retorno da filha. A terra se torna iluminada pela luz do sol, que cria todas as cores.

E o ser humano, cá embaixo, vendo aquela inundação de luz e cor, pega o seu pincel e sua palheta e joga sobre a tela as cores que vê ali à sua frente. Mas de uma forma que conte uma história, como contavam os antigos olhando para a imensa tela do céu... Afinal de contas, contar histórias tem sido a forma de o homem se juntar aos seus iguais, falar a mesma língua, criar laços, conexões, figurações...


No período do Renascimento italiano, pintores e escultores, como Bernini e Rossetti, interessados nesse mito, retrataram Perséfone, provavelmente intrigados com uma deusa que passava metade do ano habitando o reino de Hades, para onde vão todos os mortos. Com isso, esses artistas resgatavam velhos mitos gregos e romanos para trazer de volta o Homem para o centro do mundo, indo muito além do mito, hegemônico numa época de muito poder da Igreja Católica, do cristianismo. Démeter, Plutão, Júpiter, Perséfone... são a forma humana de inventar uma cosmologia para o mundo, inspirada nas estrelas do céu profundo. A Cosmologia avançou muito, com a ciência, mas ainda hoje é encantador olhar para o céu estrelado e rever nele as figuras que povoam a mente criativa do homem...

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Arte "Sem Título"

O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro
De volta ao Museu Nacional de Belas Artes hoje, aqui no Rio, fui concluir minha visita ao terceiro piso do prédio. Faltou ver as obras de artistas contemporâneos, como Tomie Ohtake, Flávio Shiró, Abrahan Palatnik, Eduardo Sued, Paulo Pasta, Renina Katz, Dió Viana, Laura Vinci, Iole de Freitas, Jorge Guimle, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Lygia Pape, Fayga Ostrower, Leonilson, Luíse Weiss, entre outros.

Com exceção da alta qualidade das gravuras de Renina Katz e da beleza forte do traço de Luise Weiss, o resto... bem, eu não gosto mesmo! 

- Tomie Ohtake não me diz nada; 
- não gosto das manchas polockeanas de Jorginho Guinle; 
- Leonilson, o tal endeusado pelos "experts", não me toca; 
- outra "deusa" da expertise contemporânea, Beatriz Milhazes e suas florezinhas coloridas, para mim não se encaixa no gênero das Belas Artes, o que ela faz é decoração e padronagem ilustrativa para tecidos de decoração; 
- Laura Vinci, a que vi aqui, apenas copia uma cópia da cópia da cópia da abstração; 
- Paulo Pasta, idem;
- assim como outros, a maioria que estava lá. 
Garatujas de Jorge Guinle.
Prefiro Carlos Oswald, acima.

E definitivamente não gosto de instalações. Ou melhor, gosto das primeiras instalações, aquelas do russo Vladimir Tatlin, que sabia o que fazia. Esses caras de hoje apenas copiam copiam copiam à exaustão, mas se acham - e outros "experts" acham também - que são muito criativos.

Ontem passei 4 horas observando as pinturas dos séculos XIX e XX. Hoje passei 1 hora vendo toda a parte de arte contemporânea, sem quase nada que valesse a pena me deter um pouco mais. Com exceção de Luise Weiss e Renina Katz, como disse. E somente passei todos os 60 minutos porque parei em todos, anotei todos os nomes expostos. E percebi uma coisa muito interessante sobre as obras desses artistas contemporâneos: muitos dos trabalhos - contei 11, mas tinha mais - não tinha um título para a obra. Ou melhor tinha como título o título "Sem Título"... Nem eles sabem como dar um nome à coisa amorfa que fazem? Ou será que o charme a mais da obra denominada de "contemporânea" é mesmo não ter um título?

Não tinha um único ser humano lá, além de mim, olhando para aquilo. Ou melhor, dois rapazes passaram por mim, olhando rapidamente aqueles quadros, rindo muito. Lembrei de um texto que li em um site inglês, onde o jornalista contava que fez uma pesquisa sobre quanto tempo as pessoas param em frente a obras desse tipo e concluiu que são poucos segundos... Os que param. Ainda vou falar desse texto por aqui, em breve. 

Gravura em água forte, água tinta e ponta
seca de Carlos Oswald (1882-1971)
Outra observação: textos para ler, tem! Talvez para ocupar o espaço da "obra", que parece não preencher direito a falta. Copiei estes dois exemplos, um deles de uma sala de exposições da Escola de Artes Visuais do Parque Lage: 

Exemplo número 1: "Pela percepção da essência de matéria prima num processo próprio de inspiração, (fulano) interage livremente no consciente e inconsciente. (...)"

Exemplo número 2: "(...) a exposição toca a profundidade característica da poesia e, ao mesmo tempo, sua noção de expansão. Tomando, pois, o artista como poeta de fazeres que destituem separações ou divisões de gêneros artísticos. Aventura-se na transposição de estruturas verbais em visuais e vice-versa, no limite da leitura e apreensão, no espaço em linha, luz, volume, movimento, feito poema que salta da página com alusões a formas, imagens. Sua unidade advém da expografia, cuja ordem escapa à do tempo comum. O enfrentamento dos trabalhos no espaço persegue o instante poético.”

Entenderam? ... Nem eu...

Mas tem uma música do Zeca Baleiro que resume tudo isso, olha este trecho aqui:
"Pra entender um trabalho tão moderno é preciso ler o segundo caderno,
Calcular o produto bruto interno, multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone,
Rodopiando na fúria do ciclone, reinvento o céu e o inferno
Minha mãe não entendeu o subtexto da arte desmaterializada no presente contexto
Reciclando o lixo lá do cesto chego a um resultado estético bacana
Com a graça de Deus e Basquiat, Nova York, me espere que eu vou já
Picharei com dendê de vatapá uma psicodélica baiana..."
O Parque Lage
O Parque Lage é um lindo parque que fica entre o Corcovado e o Jardim Botânico. Mata Atlântica, com árvores centenárias, palmeiras imperiais. Projetado inicialmente pelo paisagista inglês John Tyndale em 1840 ao gosto dos jardins românticos, foi parcialmente reformulado, nas décadas de 1920-30 e 1930-40. Pertenceu a uma família de sobrenome Lage. 
O prédio principal abriga a Escola de Artes Visuais. Passei hoje toda a tarde lá. Salas cheias de alunos desenhando e pintando. Um grupo de alunos estava no pátio interno, ao ar livre, fazendo desenhos de observação do prédio. Uma professora acompanhava o exercício e parava um tempo com cada aluno, orientando o desenho. Sentei-me atrás de um grupo, numa mesa, com meus lápis e meu sketchbook e desenhei um pouco. 
Fiquei observando os desenhos dos alunos, alguns bem bons. Depois dei uma passada em volta, nos corredores do prédio, onde tinha diversos cavaletes com trabalhos de alunos, começados. Pinturas em acrílico, a maioria. Alguns abstratos, alguns figurativos. Depende do professor, me disse uma aluna. Fiquei com muita inveja dessas pessoas (inveja boa) por terem um lugar como este para estudar pintura e desenho! Com o detalhe muito interessante de que qualquer pessoa pode entrar lá, pode ver as pessoas desenhando e pintando, pode comer um lanchinho ou tomar só um café na lanchonete do fundo, onde na mesa ao lado da minha um grupo de moças e rapazes fazia uma reunião para organizar sua apresentação próxima em algum teatro de alguma cidade. Eles eram atores. 
Aqui funciona a Escola de Artes Visuais do Parque Lage